PROTEÇÃO SOCIAL PARA O BRASIL DO FUTURO ENFRENTAR MUDANÇAS COM INCLUSÃO E RESILIÊNCIA © 2022 Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento / Banco Mundial 1818 H Street NW, Washington DC 20433 Telefone: 202-473-1000 Site web: www.worldbank.org Este trabalho é um produto da equipe do Banco Mundial com contribuição externa. Os resultados, interpretações e conclusões aqui expressos não refletem, necessariamente, as opiniões do Banco Mundial, de sua Diretoria Executiva ou dos governos que representam. O Banco Mundial não garante a exatidão, integridade ou atualidade dos dados incluídos neste trabalho e não assume responsabilidade por quaisquer erros, omissões ou discrepâncias nas informações, ou responsabilidade em relação ao uso ou não uso das informações, métodos, processos ou conclusões apresentadas. As fronteiras, cores, denominações e outras informações apresentadas em qualquer mapa deste trabalho não implicam qualquer julgamento, por parte do Banco Mundial, quanto à situação legal de qualquer território, nem o endosso ou aceitação de tais fronteiras. Nada aqui contido deve constituir ou ser interpretado ou considerado uma limitação ou renúncia aos privilégios e imunidades do Banco Mundial, todos especificamente reservados. Direitos e Permissões O material deste trabalho está sujeito a direitos autorais. O Banco Mundial incentiva a disseminação de seus conhecimentos; este trabalho, portanto, pode ser reproduzido, em sua totalidade ou em parte, para fins não comerciais, desde que sejam citados todos os devidos créditos. Consultas sobre direitos e licenças, inclusive direitos subsidiários, devem ser encaminhadas a: World Bank Publications, The World Bank Group, 1818 H Street NW, Washington, DC 20433, EUA; Fax: 202-522-2625; e-mail: pubrights@worldbank.org. Prefácio Prezados leitores, O Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento têm mantido uma longa e frutífera parceria com o Governo Brasileiro no apoio ao desenvolvimento e às reformas das Políticas de Proteção Social e de Mercado de Trabalho. Estes foram e continuam a ser temas centrais para o modelo de desenvolvimento e para a democracia do Brasil. Vários programas de proteção social têm atraído o interesse mundial e contribuíram para a redução da pobreza, a formação de capital humano e a resiliência durante ciclos econômicos no Brasil. Apesar desse progresso, o Brasil continua a enfrentar alto nível de vulnerabilidade e desigualdade, com bolsões significativos de pobreza. Além disso, as tendências de longo prazo, incluindo uma mudança demográfica, o progresso tecnológico, o novo mundo do trabalho e as mudanças climáticas, afetarão a eficácia e a sustentabilidade do sistema de proteção social que o Brasil adota hoje. Uma mensagem central do estudo é que o Brasil já possui muitos dos instrumentos necessários para enfrentar o futuro com confiança, no entanto importantes reformas institucionais, investimentos e realocações fazem-se necessários para que a proteção social permaneça relevante e se torne mais eficiente. Particular atenção deve ser dada às políticas que atendam às necessidades da geração futura do Brasil, as crianças de hoje, metade das quais estão crescendo na pobreza, e ao grande número de jovens e adultos já fora da escola que precisarão navegar em um mercado de trabalho sofisticado e novos riscos ambientais nas próximas décadas. O relatório oferece dez propostas de reformas políticas destinadas a estimular o debate voltado para o futuro, organizadas em torno de um modelo conceitual sobre equidade, oportunidade e resiliência. Entre elas, os leitores encontrarão propostas para a extensão da cobertura e consolidação das transferências de assistência social, a renovação dos programas de mercado de trabalho, a tributação e os benefícios para apoiar a produtividade do trabalho, a adaptação das redes de segurança às mudanças climáticas e a modernização dos sistemas de entrega para melhorar a prestação de serviços. Estas recomendações baseiam-se numa compilação de conhecimentos recentes produzidos pelo Banco Mundial e pelo PNUD e se beneficiaram de um rico diálogo com as autoridades em diferentes momentos. Esperamos que este trabalho seja uma leitura informativa, agradável e estimulante. Johannes Zutt, Katyna Argueta, Diretor, Banco Mundial no Brasil Representante do PNUD no Brasil Agradecimentos Esta nota de política foi um esforço conjunto da Equipe de Proteção Social e Emprego (SPJ) do Banco Mundial no Brasil e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, com o apoio do Hub Regional do PNUD para a América Latina e o Caribe e com análises contribuições da equipe Pobreza e Equidade do Banco Mundial no Brasil. A equipe central do Banco Mundial é composta por Matteo Morgandi (Economista Sênior e TTL), Raquel Tsukada (Consultora), Malin Sofia Ed (Oficial Profissional Júnior) e Asta Zviniene (Economista Sênior). Contribuições analíticas importantes foram feitas por Gabriel Ibarra (Economista Sênior de Pobreza) e Ricardo Campante (Consultor) do Banco Mundial, e Luis Henrique Paiva (Especialista em Proteção Social) e Betina Barbosa (Coordenadora de Desenvolvimento Humano, Escritório no Brasil) do PNUD. A equipe agradece as contribuições e comentários dos colegas do Banco Mundial Tiago Falcão e Julieta Trias, e o suporte editorial de Fiona Mackintosh e Tamires Amorim. A equipe também é grata a Otávio José Guerci Sidone, Rogério Nagamine Costanzi, Geraldo Andrade da Silva Filho, Eduardo da Silva Pereira e Alexandre Zioli Fernandes, da equipe da SPREV/Ministério do Trabalho do Brasil, pelas informações analíticas sobre estatísticas previdenciárias. A equipe gostaria de agradecer aos revisores que contribuíram com comentários e sugestões em diferentes fases da produção desta nota, incluindo Pablo Acosta, Ugo Gentillini, Margaret Grosh, Robert Palacios, Josefina Posadas, Gabriel Squeff, and William Wiseman. Índice Sumário Executivo 8 O desafio 8 O sistema de proteção social do Brasil está pronto para o futuro? 10 Pavimentando o caminho: 10 propostas de reformas políticas 14 1. Introdução 20 2. O Desafio: Melhorias sociais recentes e lacunas remanescentes 25 2.1 Evolução do sistema de proteção social no Brasil 26 2.2 Desafios sociais não resolvidos 29 3. Megatendências globais exigem a renovação do sistema de proteção social do Brasil 35 3.1 Mudança demográfica 36 3.2 Mudanças tecnológicas e o novo mundo do trabalho 38 3.3 Mudança climática 41 4. Avaliando o desempenho da proteção social: equidade, oportunidade e resiliência 44 4.1 A Estrutura de Equidade, Oportunidade, Resiliência e Sustentabilidade na Proteção Social 45 4.2 Equidade: Apoiar os mais necessitados ao longo de todo o ciclo de vida 46 4.3 Oportunidade: Promover a acumulação de capital humano 53 4.4 Resiliência: Proteger as pessoas contra choques diversos 59 4.5 Sustentabilidade e Eficiência: Oportunidades e desafios não resolvidos 67 5. Pavimentando o caminho: Opções de reforma para as próximas duas décadas 72 5.1 Princípios orientadores 73 5.2 Dez propostas de reformas políticas para um horizonte até 2040 75 i. Consolidação de transferências fragmentadas para as famílias trabalhadoras 75 ii. Reforma do benefício mínimo por idade avançada 78 iii. Redução dos diferenciais na tributação 80 iv. Proteção contra o desemprego no futuro mercado de trabalho 82 v. Instrumentos financeiros para trabalhadores informais 83 vi. Renovação dos programas ativos do mercado de trabalho 85 vii. Inclusão econômica para áreas rurais 87 viii. Redes de segurança prontas para responder às mudanças climáticas 88 ix. Provisão parcialmente digital do Cadastro Único e fortalecimento da rede e dos serviços do CRAS 89 x. Novas modalidades de provisão dos serviços para o desenvolvimento na primeira infância 90 xi Considerações finais 92 Referências 93 Lista de Figuras Figura 1. Visão geral dos maiores programas federais de proteção social no Brasil como porcentagem do PIB (2019) 22 Figura 2. Evolução do sistema de proteção social e regulamentações do trabalho no Brasil 26 Figura 3. Famílias com acesso a uma fonte de renda protegida 27 Figura 4. Tendências da pobreza e do crescimento da classe média no Brasil ao longo do tempo (em dólares) 28 Figura 5. A geografia do capital humano no Brasil 30 Figura 6. Impactos estimados da pandemia de COVID-19 na pontuação de ICH do Brasil e o número de anos necessários para recuperar os níveis de 2019 31 Figura 7. Situação laboral de adultos brancos (esquerda) e adultos não-brancos (direita), por decis de renda per capita 33 Figura 8. Situação da força de trabalho de mulheres (esquerda) e homens (direita), por decis de renda per capita 33 Figura 9. Perfil laboral de adultos inscritos no Cadastro Único e no Bolsa Família, por gênero 34 Figura 10. Razões para estar fora da força de trabalho entre os pobres, por gênero 34 Figura 11. Pirâmides populacionais em 1991, 2010, 2020, 2040 36 Figura 12. Estimativas do tamanho da população por faixa etária no Brasil 2020-2060 3 Figura 13. Nível de educação de 70% da força de trabalho em 2040, hoje já em idade ativa 38 Figura 14. Percentual de adultos que já receberam alguma forma de capacitação além da educação formal 38 Figura 15. Mudanças no conteúdo médio de tarefas das ocupações, por nível de escolaridade (2012-2020) 39 Figura 16. Mudanças no conteúdo médio de tarefas das ocupações, por faixa etária (2012-2020) 39 Figura 17. Contribuintes da previdência, por tipo de plano (2008–2020) 40 Figura 18. Distribuição dos trabalhadores, por formas de trabalho e decis de renda do trabalho (2019) 40 Figura 19. Impacto estimado das mudanças climáticas na renda dos 40 por cento mais pobres e na pobreza extrema no Brasil, cenário de alto impacto 42 Figura 20. Capacidade de adultos brasileiros de arrecadar fundos em caso de emergência, por quintil de renda 43 Figura 21. Intervenções da política brasileira de proteção social e trabalho para a acumulação de capital humano ao longo do ciclo de vida 45 Figura 22. Despesas com previdência social, mercado de trabalho e assistência social ao longo do ciclo de vida no Brasil (2019) 48 Figura 23. Distribuição da população, por faixas etárias e quintis de renda 48 Figura 24. Simulação da distribuição de benefícios, por decis de renda familiar 49 Figura 25. Renda líquida total proveniente de transferências para uma família de dois adultos e duas crianças, com um adulto trabalhando no mercado de trabalho formal 49 Figura 26. Relação custo-benefício dos principais programas de assistência social, de emprego e de incentivos fiscais do Brasil 51 Figura 27. Benefícios da proteção social e impostos diretos como percentual da renda familiar em cada quintil de renda per capita 52 Figura 28. Simulação do valor médio dos benefícios e impostos diretos das famílias, por quintis de renda per capita (2019) 52 Figura 29. Impacto líquido dos benefícios e impostos diretos na renda disponível das famílias, por quintil 53 Figura 30. Gastos com assistência social em 2019, por tipo de programa 54 Figura 31. Participação dos municípios no Programa Criança Feliz, 2021 55 Figura 32. Alíquota fiscal de participação de uma família com dois adultos e duas crianças, recebendo apenas 1 salário mínimo de renda 56 Figura 33. Gastos ativos e passivos com o mercado de trabalho (2018–2020) 58 Figura 34. Evolução dos gastos com programas de mercado de trabalho (2014-2019) 58 Figura 35. Acesso a programas de proteção social por situação da força de trabalho 61 Figura 36. Valor dos benefícios de seguro-desemprego expressos em salários mensais após 24 meses de emprego 62 Figura 37. Resultados do Brasil no Teste de Estresse da Proteção Social 63 Figura 38. Taxa interna de retorno por decil de contribuições realizadas, para aposentados urbanos com benefício previdenciário mínimo 65 Figura 39. Duração dos períodos de contribuição dos beneficiários que se aposentaram com o piso previdenciário em 2008 65 Figura 40. Número de aposentadorias por invalidez concedidas por ano 66 Figura 41. Despesas com previdência social, mercado de trabalho e assistência social como parcela do PIB (2004-2020) 68 Figura 42. Despesas com assistência social e mercado de trabalho (2019-2022) 68 Figura 43. Receitas e benefícios do RGPS urbano (esquerda) versus rural (direita) (2016-2020) 69 Figura 44. Taxa média de reposição dos benefícios previdenciários cai gradualmente devido ao impacto progressivo da última reforma previdenciária 69 Figura 45. Receitas, despesas e déficits projetados do RGPS 69 Figura 46. Projeção dos déficits dos programas previdenciários de servidores estaduais selecionados (como percentual das receitas correntes) 70 Figura 48. Percentual da população em cada decil de renda, de acordo com o número de programas recebidos pelas famílias 70 Figura 47. Proporção de beneficiários e pensionistas em relação aos servidores ativos de governos subnacionais 70 Figura 49. Cadeia de entrega na provisão de um sistema de proteção social 71 Figura 50. Direção dos impactos fiscais e sobre a pobreza das reformas propostas para o sistema de proteção social do Brasil 73 Figura 51. Incidência da proposta de transferência consolidada para crianças e famílias de baixa renda, Figura 52. Consolidação dos componentes das aposentadorias por idade (BPC e aposentadoria rural) e da garantia previdenciária contributiva mínima rateada 79 do trabalho 80 Figura 53. Cunha fiscal total como percentual dos rendimentos do trabalho para diferentes formas de trabalho no Brasil, desenho atual e potencial reforma 81 Figura 54. Fonte de financiamento caso o seguro-desemprego e o FGTS fossem articuladas 83 Figura 55. Políticas complementares para o desenvolvimento na primeira infância 90 Figura 56. Pilares para o fortalecimento das ações de desenvolvimento na primeira infância 91 Lista de Siglas 6 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO AB Auxílio Brasil AE Auxílio Emergencial AEPS Anuário Estatístico da Previdência Social ALC América Latina e Caribe AMC Adaptação às Mudanças Climáticas AS Abono Salarial AS Assistência Social ATER Assistência Técnica e Extensão Rural BEm Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda BEPS Boletim Estatístico da Previdência Social BESE Benefício Emergencial de Suporte ao Emprego BF Bolsa Família BPC Benefício de Prestação Continuada BSM Brasil Sem Miséria CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CNIS Cadastro Nacional de Informações Sociais CPP Contribuição Patronal Previdenciária CRAS Centro de Referência em Assistência Social CVG Cadeia de Valor Global DPI Desenvolvimento na Primeira Infância FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço GFIP Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social GRD Gestão de Risco de Desastres IdC Internet das Coisas INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INSS Instituto Nacional de Seguridade Social IPC Índice de Preços ao Consumidor IR Imposto de Renda IRPF Imposto de Renda da Pessoa Física MEI Microempreendedor Individual MT Mercado de Trabalho OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico PAA Programa de Aquisição de Alimentos PAMT Políticas Ativas de Mercado de Trabalho PAR Países de Alta Renda PCF Programa Criança Feliz 7 PIB Produto Interno Bruto PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO PIE Programas de Inclusão Econômica PJ Pessoa Jurídica PMT Política de Mercado de Trabalho PNADC Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua PNAE Política Nacional de Alimentação Escolar PPC Paridade de Poder de Compra PPMT Políticas Passivas de Mercado de Trabalho PRM Países de Renda Média PS Proteção Social PSA Proteção Social Adaptativa PSE Proteção Social e Emprego RBU Renda Básica Universal RGPS Regime Geral de Previdência Social ROE Resiliência, Oportunidade e Equidade RP Regra de Permanência RPPS Regime Próprio de Previdência Social SAP Sistema de Alerta Precoce SD Seguro Desemprego SF Salário Família SIMPLES Simples Nacional SINE Sistema Nacional de Emprego SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional SM Salário Mínimo SS Seguro Social SUAS Sistema Único de Assistência Social TA Trabalhadores Autônomos TCR Transferência Condicionada de Renda TICs Tecnologias de Informação e Comunicação Sumário O desafio Executivo E sta nota de política econômica analisa como os sistemas de proteção social e de trabalho do Brasil podem ser reformados de forma mais eficaz em resposta aos desafios que o país enfrentará nas próximas duas décadas, além de promover a inclusão social e a prosperidade compartilhada. Essa discussão é oportuna, pois o Brasil está se recuperando lentamente da crise global de COVID-19, que trouxe novos desafios e acelerou as transformações socioeconômicas já existentes. Apesar da lenta recuperação do mercado de trabalho após as crises econômicas no Brasil, a implementação de políticas adequadas pode permitir que o país aproveite as mudanças no mundo do trabalho, as novas oportunidades de formação de capital humano e os desenvolvimentos recentes em tecnologia e sistemas de prestação de serviços para reconstruir melhor do que antes. Servindo como parte complementar sobre proteção social e políticas de mercado de trabalho do Relatório Futuros Alternativos para o Brasil: Inclusão, Produtividade e Sustentabilidade do Banco Mundial (World Bank, no prelo), esta nota é baseada em um grande conjunto de análises recentes da equipe do Banco Mundial no Brasil. A perspectiva do flagship report é de que o Brasil chegue a 2040 com uma população mais produtiva e resiliente e menos desigual. O Brasil produziu avanços significativos em termos de redução da pobreza e da desigualdade desde seu retorno à democracia no final da década de 1980. A expansão das políticas de proteção social desempenhou um papel importante para aumentar a inclusão, chegando perto de atingir a universalidade no acesso à educação e expandindo a utilização de serviços de saúde preventiva (figura i). O Brasil desenvolveu o Cadastro Único, um registro unificado de beneficiários cuja tecnologia exclusiva de segmentação híbrida (usando autodeclarações e dados administrativos) foi consagrada melhor prática global. O modelo de prestação de assistência social descentralizada do Brasil compreende Centros de Referência de Assistência Social   Figura i. Evolução do sistema de proteção social e regulamentações do trabalho no Brasil 9 1980s & 1988 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO 1920s 1930s 1940s 1950s 1960s 1970s constituição 1990s 2000s 2010s 2020s Sistema de Previdência Social para Trabalhadores do Setor Formal 1920s-50s: Início de regimes 1960s: 1970s: 1998: 2003: 2019: previdenciários para Adoção da Expansão da Reforma da Reforma da Reforma da trabalhadores de setores legislação previdência para Previdência Previdência Previdência específicos, administração previdenciária trabalhadores RGPS RPPS pública e militares básica domésticos, autônomos e rurais Regulamentações Trabalhistas, Benefícios para Trabalhadores do Setor Formal 1936: 1940: 1970s: 1986: SD 2017: 2020: Salário Salário Abono 1988: Reforma BeM Família Mínimo Salarial, Direitos Trabalhista 1943: PIS/PASEP trabalhistas e CLT SINE previdenciários consagrados na Constituição Assistência Social para os Pobres 1955: 1988: 1995: 2001: 2011: 2020: Implantação Direito à Primeiras Federal Brasil Auxílio do programa Assistência TCRs TCRs, Sem Emergencial de merenda Social na municipais Cadastro Miséria 2021: escolar constituição 1993: Único 2016: Auxílio para todos Lei Orgânica 2003: Criança Brasil que precisam da AS, BPC Bolsa Família Feliz 2023: Novo Bolsa Família Fonte: Autores. (CRAS) em quase todos os 5.570 municípios do país. Na e bens se traduz em fortes diferenciais nas taxas de esteira da pandemia de COVID-19, o país demonstrou emprego e rendimentos, com meninas e crianças sua capacidade de implementar um registro em massa de minorias étnicas e áreas carentes apresentando eficiente e rapidamente executar o Auxílio Emergencial maior probabilidade de ir para o trabalho informal. Os (AE), o maior programa de transferência temporária do sistemas de proteção social e de trabalho têm um papel mundo (Morgandi et al., 2021a). fundamental na superação de todas essas barreiras estruturais que travam os benefícios do crescimento Apesar desses avanços, a crise de COVID-19 econômico. evidenciou as restrições que impedem grande parte da população de se beneficiar do crescimento Além disso, várias tendências mundiais - incluindo o econômico. A redução da pobreza estagnou na última envelhecimento demográfico, o aquecimento global década e as taxas de pobreza são maiores entre as e as novas formas de trabalho - evidenciarão novas famílias afrodescendentes, crianças e moradores das necessidades e desafios para que todos os brasileiros regiões Norte e Nordeste. Os níveis de capital humano usufruam da prosperidade compartilhada no das crianças brasileiras, conforme estimado pelo Índice futuro.1 Em 2040, a maioria da população brasileira de Capital Humano (ICH) do Banco Mundial, variam estará em idade ativa, mas não será mais jovem; amplamente e em todo o país são mais baixos do que em muitos precisarão navegar pelo mercado de trabalho outros países de renda média alta na região da América com baixos níveis de escolaridade (figura ii). O Latina e Caribe (ALC). As variações nos níveis de capital número de crianças diminuirá, mas, enquanto isso, humano das crianças no Brasil podem ser explicadas quase metade das crianças de hoje (futura força de por resultados de aprendizagem diferenciados entre os trabalho do Brasil) estão crescendo em condição de municípios e também por diferenças de raça, gênero pobreza. Prevê-se que o número de adultos com mais e renda familiar. Essa desigualdade de capacidades de 65 anos irá dobrar, tornando as atuais promessas 1  Essas tendências são exploradas com mais detalhes no relatório Futuros Alternativos para o Brasil (World Bank, no prelo). 10 previdenciárias fiscalmente insustentáveis, mesmo de proteção social do Brasil está preparado para as após a recente reforma da previdência. Uma segunda próximas décadas. Nesta nota, definimos sistema PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO grande tendência é a mudança climática, que não é de proteção social como o conjunto de programas mais uma ameaça distante, mas imediata. Espera- federais, arranjos institucionais e mecanismos de se que os efeitos do aquecimento global no Brasil entrega para fornecer assistência social em dinheiro e incluam desastres naturais mais frequentes e menor em serviços, aposentadorias e programas de mercado produtividade agrícola. Enquanto isso, o declínio da de trabalho à população. Neste formato, o sistema competitividade da indústria intensiva em carbono de proteção social deve ser concebido de modo a: (i) acelerará uma mudança estrutural da economia em promover a equidade, ajudando os pobres a sair da direção aos serviços. Terceiro, a mudança tecnológica pobreza e a proteger o seu capital humano acumulado e a automação devem mudar a produção e a maneira de se esgotar em caso de choques; (ii) potencializar as como as empresas obtêm e utilizam a mão de obra. oportunidades, promovendo a acumulação de capital Haverá mais oportunidades para aproveitar os humano e viabilizando o trabalho produtivo; (iii) serviços globais de trade-in, mas também um maior fomentar a resiliência, protegendo os vulneráveis contra risco de desalocação de trabalhadores sem que esses os impactos de diferentes choques, incluindo aqueles tenham as habilidades necessárias para usar as decorrentes do desemprego ou da idade avançada; novas tecnologias. A capacidade do Brasil de navegar e (iv) maior eficiência e sustentabilidade, garantindo a por essas mudanças estruturais dependerá da sua prestação eficaz e eficiente de serviços e benefícios capacidade de adaptar o conjunto de instituições, (World Bank, 2022a). programas e despesas, principalmente na área de proteção social e políticas de mercado de trabalho. Os programas de proteção social e de trabalho do Brasil já visam alcançar muitos dos resultados desejáveis descritos neste arcabouço. Os principais   Figura ii. Estimativas do tamanho da programas e benefícios incluem (figura iii): população por faixa etária no Brasil 2020-2060 • Em relação ao aumento da equidade, vários programas 80 aumentam a renda das famílias, incluindo o principal programa de transferência condicionada de renda (TCR) (Bolsa Família até 2021, depois reformulado População (milhões) 60 como Auxílio Brasil até 2022), voltado para os pobres, e os dois complementos salariais Salário Família e Abono Salarial, voltados para trabalhadores 40 formais de baixa renda. Todos esses programas têm diferentes níveis de generosidade, populações-alvo e métodos para determinar a elegibilidade. 20 2020 2030 2040 2050 2060 • Os programas que promovem oportunidades são providos principalmente de forma não-pecuniária 0-20 anos 20-39 anos 40-64 anos 65 + anos ou como serviços. Para as crianças, isso inclui (embora ainda não implementado em escala total) Fonte: Estatísticas da ONU. o Programa Criança Feliz, ou outro programa de estímulo à primeira infância, e a merenda escolar, O sistema de proteção social do mas as crianças também se beneficiam da Brasil está pronto para o futuro? implementação de condicionalidades no programa de TCR. Há uma série de intervenções para adultos A renovação dos sistema de proteção social (PS) e de em idade ativa (na maioria dos casos, não em trabalho no Brasil será fundamental para que o país escala), incluindo programas de capacitação de faça a transição para uma sociedade mais inclusiva, adultos, um sistema nacional de intermediação próspera e menos desigual. Esta nota adota uma de trabalho (Sistema Nacional de Emprego - SINE) estrutura de quatro vertentes, inspirada no recente e intervenções de inclusão econômica, como documento Social Protection and Jobs Compass (World mercados protegidos para pequenos agricultores e Bank, 2022a), para avaliar até que ponto o sistema promoção do empreendedorismo. • O sistema também oferece uma ampla gama progressividade, incidência, generosidade e equidade 11 de benefícios para promover a resiliência das intergeracional (figura iv). Quatro quintos dos gastos PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO famílias diante de grandes riscos. Estes incluem com proteção social do país são alocados a programas os regimes de previdência contributiva pública e que visam principalmente os idosos, como também privada (o Regime Geral de Previdência Social ou ocorre em muitos países da OCDE. Em termos de RGPS e o Regime Próprio de Previdência Social incidência, o programa de transferência condicionada ou RPPS) e os programas de aposentadoria social de renda continua sendo o programa mais voltado para para trabalhadores urbanos, rurais e pessoas com os pobres na constelação de benefícios do Brasil e, após deficiência (Benefício de Prestação Continuada aumentos recentes temporários na generosidade de (BPC) e Aposentadoria Rural). O Seguro Desemprego seus benefícios, seu impacto em termos de alívio da e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço visam pobreza foi fortalecido. No entanto, outros programas mitigar as perdas econômicas decorrentes do contributivos, incluindo aposentadorias do setor formal, desemprego. Com exceção do BPC, todos esses beneficiam desproporcionalmente as famílias dos benefícios são contributivos e reservados aos ex- quintis de renda superior, embora sejam subsidiados contribuintes do setor formal. em graus diferentes a partir da receita geral (figura v). Assim, considerando-se a conjuntura, o sistema Apesar de sua extensão, as despesas com proteção de benefícios fiscais do Brasil é apenas levemente social no Brasil são limitadas em termos de redistributivo.   Figura iii. Intervenções da política brasileira de proteção social e trabalho para a acumulação de capital humano ao longo do ciclo de vida Primeira infância Infância, adolescência Vida Adulta Terceira Idade e juventude Concessões para Concessões para Transferências em EQUIDADE as crianças: as crianças: dinheiro e não para os pobres Salário Família Salário Família monetárias: Previdência social: BPC-idade Transferências Isenção de taxas: Bolsa Família, Serviços de Proteger contra a relacionadas Tarifa Social (junto a Abono Salarial, à deficiência: cuidados: n.d. extrema pobreza e a concessionárias) com Salário Família perda de capital BPC-PCD base no CadÚnico Obras públicas: n.d. humano TCRs na educação: Serviços de MT: SINE OPORTUNIDADES Nutrição/ Bolsa Família Inclusão econômica: Desenvolvimento na Empregos para os Formação contínua para todos Primeira Infância : ACESSUAS Trabalho, ao longo da vida: Jovens: ATER, PAA, Economia Primeira infância ACESSUAS Trabalho acesso facilitado Solidária, Fomento Promover o capital no SUAS Nutrição: PNAE ao ensino superior à produção, Cisternas humano e o acesso TCRs na pré-escola: Competências: (Estatuto do Idoso) Requalificação: ao trabalho produtivo Bolsa Família programas de capacitação treinamentos Renda emergencial: AE*, Bolsa Família, Defesa Civil Renda emergencial: Renda emergencial: Transferências não Aposentadorias RESILIÊNCIA AE*, Bolsa Família, AE*, Bolsa Família, monetárias: SISAN, por idade: para os Defesa Civil Defesa Civil Cestas de alimentos RGPS (rural / Transferências Transferências Serviços: SUAS vulneráveis não monetárias: não monetárias: Seguro-desemprego urbano), RPPS Seguro por SISAN, Cestas SISAN, Cestas e invalidez: invalidez: de alimentos de alimentos SD, Auxílios INSS Proteger contra os BPC - deficiência Serviços: SUAS Serviços: SUAS Seguro subsidiado: impactos de Garantia Safra choques diversos Economias correspondentes: n.d. 0-5 anos 6-29 anos 30-65 anos 65 anos Acumulação Uso e proteção do Proteção do de Capital Humano Capital Humano Capital Humano Fonte: Adaptado de Resilience, Equity, and Opportunity: The World Bank Social Protection and Labor Strategy 2012–2022. Nota: *O Auxílio Emergencial (AE) foi uma resposta temporária à crise de COVID-19; o programa foi encerrado em 2021. 12   Figura iv. Despesas com previdência social,   Figura v. Distribuição da população, por faixas mercado de trabalho e assistência social ao longo etárias e quintis de renda PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO do ciclo de vida no Brasil (2019) 100% 3% 700.000 100% 8% 14% 83% 90% 17% 17% 90% 600.000 80% 80% 500.000 70% 70% 56% 60% 60% 62% 400.000 62% 70% 70% 50% 50% 300.000 40% 40% 200.000 30% 30% 12% 41% 20% 20% 100.000 5% 30% 1% 10% 10% 21% 16% 13% 0 0% 0% Sem idade Criança Adulto Idoso Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 específica Previdência social Assistência social % do total 0-17 18-63 64 ou mais Mercado de trabalho Total Fonte: Banco Mundial, usando dados de despesas do Portal da Fonte: PNADC 2019. Transparência, 2019. Nota: Inclui os programas de previdência social, assistência social e mercado de trabalho, classificados pelos autores de acordo com as principais faixas etárias às quais os programas se dirigem. O Bolsa Família é classificado como assistência social - criança, o SUAS e as políticas habitacionais são classificados como assistência social-to- dos e o Salário Família é mercado de trabalho-criança.   Figura vi. Gastos com assistência social em 2019, por tipo de programa 1% 4% 4% 4% Benefícios por idade (BPC) 24% 31% Benefícios por deficiência (BPC) 32% Bolsa Família 31% SUAS e Criança Feliz 4% 24% Merenda escolar 4% Subsídios (Cisternas, Água Doce, Minha Casa Minha Vida, outros) 4% Transferência não-condicionada de renda (Defesa Civil, fomento à produção) 1% Transferência não monetária e alimentação (PAA, Restaurantes) 0% Isenção de taxas e subsídios 0% 32% Fonte: Banco Mundial, usando dados do Portal da Transparência, 2019. Nota: Programas categorizados de acordo com a metodologia ASPIRE do Banco Mundial. Além disso, poucos programas de proteção social formais (figura vi). Além disso, a parcela dedicada aos promovem capital humano e oportunidades. Os gastos serviços vem caindo ao longo do tempo desde a crise totais com políticas de mercado de trabalho no Brasil de 2014 e o ajuste fiscal. À medida que surgem novas estão em patamares semelhantes aos das economias formas de trabalho, será essencial desenvolver formas de alta renda, mas os programas ativos de mercado para que os trabalhadores continuem a aprender e de trabalho - como programas de desenvolvimento de a serem treinados enquanto trabalham em período competências e os serviços de intermediação de mão integral, bem como facilitar transições de emprego de obra - recebem apenas uma parcela mínima desses a um baixo custo. Apesar dos altos gastos do Brasil gastos e atendem, em grande parte, aos trabalhadores com programas de renda para idosos, não existe uma estratégia nacional para reduzir o peso sobre as A natureza de evolução do trabalho desafia ainda 13 famílias que cuidam de pessoas idosas, que deverá mais a relevância e a eficácia dos instrumentos PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO aumentar significativamente à medida que as taxas de atuais para lidar com choques de curto prazo. A dependência aumentarem. transformação das relações de trabalho em função da tecnologia, terceirização e tributação preferencial Ademais, o desenho atual e a trajetória de gastos do para os trabalhadores autônomos provavelmente sistema previdenciário são insustentáveis, apesar aumentará a parcela de trabalhadores autônomos da reforma recente. Embora as aposentadorias formais que, portanto, não estão cobertos por contributivas no Brasil sejam centrais para o contrato mecanismos para mitigar a volatilidade da renda do social do país, em sua concepção atual, a expectativa trabalho (figura vii). No entanto, as Políticas Passivas de é de que exijam níveis insustentáveis de gastos antes Mercado de Trabalho (PPMTs) absorvem a maior parte de 2040. Suposições obsoletas sobre a duração e dos recursos dos programas de mercado de trabalho e a natureza da vida dos trabalhadores agravam o alcançam apenas os empregados formais. Atualmente, problema. As aposentadorias contributivas e não o único programa disponível para apoiar trabalhadores contributivas operam isoladamente umas das outras, autônomos e informais em períodos de desemprego mas em conjunto minam os incentivos de muitos e transição é o programa de TCR (caso preencham os indivíduos para contribuir ou compensam pouco critérios de elegibilidade). Mesmo para aqueles que são aqueles que mais contribuem. Uma segunda questão elegíveis para o seguro-desemprego, os benefícios são importante é a proliferação de regimes de aposentadoria generosos, mas de curta duração e, portanto, não são subsidiados para os trabalhadores autônomos, a úteis para apoiar os desempregados enquanto passam maioria dos quais rende benefícios a uma fração do por capacitação e requalificação. Assim, os programas custo dos assalariados e são cada vez mais cooptados de proteção de renda do Brasil precisarão ser adaptados por pessoas de alta renda. Por fim, existem milhares para apoiar as gerações futuras de trabalhadores, e ser de regimes previdenciários oferecidos por governos mais equitativo (figura viii). subnacionais que garantem benefícios previdenciários privilegiados e representam uma grande parcela de Por fim, o Brasil precisará aumentar sua capacidade seus gastos totais. A menos que esses esquemas sejam de prestar serviços de proteção social, pois dinheiro reformados, eles deverão provocar uma desalocação por si só não é capaz de lidar com vulnerabilidades (crowding out) dos gastos subnacionais em outras áreas multidimensionais. O sistema de proteção social sociais prioritárias no futuro. no Brasil é atualmente dominado por transferências   Figura vii. Contribuintes da previdência, por tipo de plano (2008–2020) 60 Número médio de contribuíntes mensais 50 40 (em milhões) 30 20 10 0 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 Trabalhador formal Ind - Plano Simplificado (TA) Individual - todos Ind - MEI Ind - Plano Completo (PJ/TA Ocasional) Trabalhador Doméstico Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social, Ministério do Trabalho (vários anos). Nota: Contribuintes de pensão formal anual, de acordo com o regime de pensões. "Ind" = Planos individuais para trabalhadores não assalariados. Estes incluem: Empreiteiros individuais (Trabalhador Autônomo, TA). Empresários (Pessoa Jurídica, PJ), Micro Empreendedores (MEI). 14   Figura viii. Simulação do valor médio dos benefícios e impostos diretos das famílias, por quintis de renda per capita (2019) PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO 1.000 800 600 400 BR R$ 200 0 -200 -400 -600 288 501 839 1.356 3.766 Mais pobres Quintil 2 Quintil 3 Quintil 4 Mais ricos Aposentadorias Rurais Não Contributivas Deduções IRPF Contribuições ao INSS Abono salarial Seguro-desemprego Aposentadorias Contributivas IRPF (PIT) Bolsa Família BPC Salário Família Fonte: Ferramenta de microsimulação BraSim desenvolvida pela equipe de Pobreza e Equidade do Banco Mundial, com base na PNAD Contínua 2019. Nota: IRPF é o Imposto de Renda da Pessoa Física. Quintis foram calculados sobre a renda per capita disponível (após tributação), seguindo a metodologia do BraSim. monetárias, o que só resolve parte dos desafios as despesas de Proteção Social e Emprego (PSE) estruturais descritos acima. Embora o Brasil tenha do Brasil já estejam no mesmo nível de países com conseguido desenvolver uma estrutura descentralizada capacidade de receita semelhante, as reformas para a prestação de serviços, o financiamento para propostas podem tornar o sistema mais eficiente benefícios não-monetários vem caindo ao longo e equitativo sem necessariamente aumentar os do tempo, provavelmente devido ao viés a favor despesas estruturais, desde que as reformas sejam de benefícios monetários. Exemplos incluem as implementadas em pacotes de reforço mútuo. Para insuficientes políticas ativas de mercado de trabalho, aumentar a resiliência da futura força de trabalho e a eliminação gradual dos programas de inclusão das famílias, a nota propõe (figura ix): (i) aumentar a produtiva, o financiamento insatisfatório para ampliar eficiência dos programas de seguro-desemprego; (ii) os cuidados com as crianças, e a falta de políticas para expandir os instrumentos financeiros disponíveis às atender às necessidades de cuidados de longo prazo famílias para administrar a volatilidade da renda; e de uma população em processo de envelhecimento. (iii) integrar recursos sensíveis ao clima em programas Em todos esses casos, a economia política complexa de assistência social. Para aumentar as oportunidades do país e a fraca capacidade de coordenação disponíveis para todos os brasileiros, o governo pode: intergovernamental prejudicaram a mudança. (iv) encontrar mais e melhores maneiras de ofertar programas de desenvolvimento na primeira infância; Pavimentando o caminho: 10 e (v) desenvolver novas políticas destinadas a apoiar propostas de reformas políticas os trabalhadores que estão em transição de empregos ou entrando no mercado de trabalho pela primeira Para enfrentar os desafios do futuro, o sistema de vez. Para fortalecer o impacto do sistema de proteção proteção social e de trabalho do Brasil precisará social na redução da pobreza, o governo pode aprimorar seu apoio tradicional à renda, adicionando considerar: (vi) consolidar as várias transferências desenhos que promovam oportunidades econômicas direcionadas a famílias trabalhadoras em um único e a resiliência dos brasileiros em todos os diferentes programa; e (vii) investir na capacidade dos Centros estágios do ciclo de vida. Esta nota de política de Referência de Assistência Social (CRAS) de prestar recomenda 10 reformas principais, derivadas de serviços sociais. Para poder financiar essas mudanças análises recentes, que aprofundariam a capacidade do ambiciosas, será necessário aumentar a eficiência e a sistema de proteção social de continuar promovendo equidade dos gastos, principalmente dos gastos com a inclusão, o crescimento e a resiliência. Embora crianças e jovens, da seguinte forma: (viii) coordenando explicitamente as previdências não contributivas com implementação do programa AE durante a pandemia; e 15 o desenho da aposentadoria mínima contributiva; (ix) (x) reduzir os diferenciais nas contribuições e impostos PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO inovações no sistema de entrega da assistência social pagos sobre os rendimentos em diferentes tipos com base nas lições aprendidas com a experiência de formais de trabalho, seja dependente ou autônomo.   Figura ix. Direção dos impactos fiscais e sobre a pobreza das reformas propostas para o sistema de proteção social do Brasil Positivo Preencher lacunas, inovar na prestação Redes de proteção de cuidados na sensíveis ao clima primeira infância Consolidação das Inclusão econômica transferências para Impacto na pobreza em áreas rurais familias trabalhadoras Reforma dos Políticas ativas de Instrumentos financeiros benefícios monetários mercado de trabalho para trabalhadores para desempregados para o século XXI informais Avanço digital do Cadastro Único, novas Reforma do Neutro Reduzir diferenciais funções para os CRAS benefício mínimo no regime tributário de aposentadoria trabalhista Impacto fiscal Custo fiscal moderado Custo fiscal baixo Impacto fiscal neutro Economia baixa Economia moderada Impacto de curto prazo Impacto de médio prazo Fonte: Autores. As 10 reformas propostas nesta nota de política são: para crianças e jovens fornecidos pelo programa de 1 Consolidar programas de TCR, o Salário Família - crédito de contribuições à transferência fragmentados para seguridade social, e deduções de imposto de renda da famílias trabalhadoras pessoa física relacionadas aos filhos). O componente baseado na renda seria unicamente direcionado Vários benefícios pecuniários que deveriam ser aos pobres, e consolidaria o benefício familiar do direcionados aos trabalhadores pobres estão, na programa de TCR com o complemento garantido pelo prática, beneficiando famílias com rendas mais altas. Abono Salarial: o valor do benefício baseado na renda Portanto, sugere-se a introdução de uma transferência estabilizar-se-ia acima da linha de elegibilidade de universal para cada criança, combinada com um pobreza para incentivar os beneficiários a participar do benefício baseado em condições de renda direcionado às mercado de trabalho formal. A reforma faria o sistema famílias pobres. O benefício para crianças consolidaria mais equitativo (figura x), diminuiria erros de exclusão e as transferências existentes, que atualmente estão promoveria o acúmulo de capital humano nas crianças, espalhadas em diferentes políticas fiscais (os benefícios que são o futuro da força de trabalho brasileira. 16   Figura x. Incidência da proposta de qualquer pessoa com histórico de contribuição terá transferência consolidada para crianças e direito a acumular benefícios previdenciários. A reforma famílias de baixa renda, comparada à soma de PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO da atual aposentadoria mínima, que é alta, resultaria todas as principais transferências fiscais para em considerável economia fiscal. Com o tempo, o valor famílias in 2019 do benefício poderia ser indexado aos índices de custo de vida, em vez do salário mínimo, pois o último destina- 45% se a servir a ambos os objetivos da política de trabalho. 40% Porcentagem de recursos 35% 3 30% Reduzir os diferenciais das alíquotas 25% tributárias para os trabalhadores em 20% diferentes tipos de ocupações 15% 10% A cunha fiscal sobre o empregado formal dependente 5% no Brasil é uma das mais altas da ALC devido aos 0% altos custos não salariais, especialmente para 1 2 3 4 5 trabalhadores de baixa produtividade (salário- Quintis de renda per capita mínimo). Em contrapartida, os trabalhadores não PBF+AS+SF+DD Benefício de AS consolidado dependentes estão sujeitos a regimes fiscais especiais Fonte: Simulações dos autores com base na ferramenta de e contribuições reduzidas para a previdência, o que Microssimulação BraSim 2019. torna os empregadores pouco dispostos a contratá- Nota: A figura mostra a incidência da transferência consolidada proposta em comparação com a incidência de todas as los. Para eliminar essas distinções entre as diferentes transferências focadas na família (Bolsa Família, Abono Salarial, formas de trabalho, sugere-se: (i) reduzir a diferença Salário Família e a Dedução de Dependentes no Imposto de Renda de Pessoa Física). no nível de impostos e contribuições de um assalariado dependente e de um trabalhador autônomo; (ii) 2 alinhar os impostos em diferentes tipos de renda Reformar o benefício mínimo por idade avançada e eliminar as diferenças de (como dividendos/lucros, pensões, salários e aluguéis) idade na aposentadoria para alcançar a neutralidade fiscal; e (iii) aumentar a progressividade do regime de impostos de renda da pessoa física. Isso seria alcançado ao se aplicar uma A reforma previdenciária de 2019, que elevou as taxas base contributiva máxima às contribuições patronais de contribuição e aumentou os parâmetros de idade para a segurança social, equiparando as taxas de de aposentadoria, reduziu benefícios e desacelerou o contribuição dos trabalhadores sob a Consolidação crescimento do déficit previdenciário, mas ainda há das Leis Trabalhistas (CLT)2 e dos trabalhadores que preocupações com a sustentabilidade da previdência. atuam por conta própria e aumentando a taxa de O nível da aposentadoria mínima por idade no Brasil é contribuição dos microempreendedores individuais e superior aos padrões internacionais e está causando dos empregadores no regime SIMPLES. um desequilíbrio de apoio e proteção entre as diferentes gerações em favor dos idosos. Para tornar o sistema mais justo e liberar espaço fiscal para outros Reformar os programas de 4 investimentos importantes, o pagamento pro-rata da proteção contra o desemprego para aposentadoria contributiva de acordo com o número de trabalhadores formais no mercado de anos de contribuição pode ser considerado (veja a figura trabalho atual e futuro xi), que seria complementado por uma transferência de assistência social para idosos pobres elegíveis (ou A forma como o seguro-desemprego é atualmente mesmo um benefício universal para idosos) até um concebido no Brasil é falha, pois proporciona incentivos valor de garantia de benefício mínimo. A previdência perversos que dissuadem os trabalhadores de procurar não contributiva continuaria sendo uma garantia emprego devido a demissões frequentes e longas buscas importante para os idosos, ao mesmo tempo em que por emprego. Para aumentar a eficiência dos programas o novo programa restauraria os incentivos certos para de proteção contra o desemprego, os formuladores de incentivar os adultos em idade ativa a contribuir, pois 2  Trabalhadores dependentes do setor formal, conhecidos no Brasil como celetistas.   Figura xi. Consolidação dos componentes das aposentadorias por idade (BPC e aposentadoria rural) 17 e da garantia previdenciária contributiva mínima rateada PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO a) regras atuais b) regras propostas 100% 100% 80% 80% % do salário mínimo % do salário mínimo 60% 60% BPC ou nada Aposentadoria BPC Aposentadoria 40% mínima 40% mínima 20% 20% 0% 0% 0 5 10 15 20 25 30 35 0 5 10 15 20 25 30 35 Anos de contribuição Anos de contribuição Não contributiva Contributiva Não contributiva Contributiva Fonte: Autores.   Figura xii. Fonte de financiamento caso o seguro-desemprego e o FGTS fossem articulados 1.400 100% Benefício do seguro-desemprego em R$ 1.200 80% Taxa de Substituição 1.000 80% 80% 80% 80% 75% 70% 60% 800 65% 60% 55% 600 40% 400 20% 200 0 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Meses de desemprego FGTS + Financiamento de multa Financiamento público Taxa de substituição do benefício Fonte: Morgandi et al. (2021). Nota: Benefício-desemprego para trabalhador demitido com salário pré-desemprego igual a 1,5 salário mínimo e tempo de emprego de 24 meses. políticas podem considerar que o Seguro-Desemprego somente após esgotar-se o FGTS do trabalhador (figura do Brasil implementasse mudanças paramétricas xii). Isso pode fazer com que os pagamentos durem mais, em relação às condições de acesso, reduzindo caso o indivíduo precise de tempo para encontrar um a generosidade do benefício e redistribuindo as emprego melhor, mas sem incentivar a informalidade corresponsabilidades. Seguindo as melhores práticas ou longos e desnecessários períodos em desemprego. internacionais, as poupanças individuais acumuladas Sequenciar e integrar as verbas rescisórias, assistência no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) social e previdência também tornaria o programa de deveriam ser utilizadas como primeira linha de seguro-desemprego mais adequado ao desemprego de financiamento do seguro-desemprego, enquanto os longa duração e abordaria os problemas de incentivo recursos subsidiados do pool de risco seriam acessados causados pelo benefício atual. 18 emprego a nível local (Sistema Nacional de Emprego 5 Introduzir programas complementares ou SINE) necessitam ser reformulados em termos de de gestão da volatilidade da renda para PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO qualidade dos serviços, protocolos e coordenação com trabalhadores informais outras políticas públicas. Além disso, os candidatos a emprego deveriam poder continuar a receber o seguro- Os trabalhadores informais continuam inelegíveis para desemprego enquanto estiverem usando os serviços a previdência, embora muitos possam ser definidos dos PAMT. como pobres e vulneráveis. Políticas de inclusão financeira que estimulem a criação de arranjos 7 de poupança por precaução são necessárias para fortalecer a resiliência de renda e a alfabetização Expandir a inclusão econômica para cobrir as áreas rurais financeira dos pobres e vulneráveis. O Cadastro Único e o programa de transferência de renda poderiam ser usados para fornecer produtos de poupança a essa Programas de inclusão econômica produtiva (PIE) vasta população, principalmente aos que se enquadram em todo o mundo produziram resultados positivos na Regra de Emancipação, regulamentada no Bolsa em termos de proteção e aumento da renda, ativos e Família, segundo a qual os beneficiários do programa poupança da população marginalizada, sempre que os podem tentar um emprego formal sem medo de perder programas foram bem coordenados geograficamente. os benefícios por até dois anos, mesmo que sua renda O Brasil tem uma tradição de experimentação em ultrapasse o limite de elegibilidade. A experiência políticas de IE, especialmente na esfera rural, que internacional mostra que os produtos de poupança produziram resultados positivos. A maioria dos associados ao seguro reduzem as chances das famílias programas, no entanto, sucumbiu sob o ajuste fiscal. O recaírem na pobreza, fornecendo-lhes as ferramentas principal desafio para o futuro passa a ser identificar as para administrar o custo dos choques. No entanto, o instituições mais adequadas e os arranjos institucionais Brasil ainda precisa desenvolver essa política. eficazes para prover esses programas em nível local. O Cadastro Único e o SUAS (Sistema Único de Assistência 6 Expansão, reformulação e Social) serão centrais na coordenação desses esforços redirecionamento de programas ativos em todo o país, especialmente para apoiar a fase crítica de mercado de trabalho de identificação de potenciais beneficiários, definição de perfis e diagnóstico das necessidades. Um uso As políticas ativas de mercado de trabalho (PAMT) mais integrado dos dados existentes e a melhoria do no Brasil limitam-se a oferecer treinamento, o que é questionário de admissão do Cadastro podem apoiar bastante difundido, mas não coordenado. A entrega esse esforço. O SUAS poderia, então, encaminhar essas de PAMT no Brasil precisa seguir uma estrutura que famílias a um conjunto de intervenções coordenadas comece com uma etapa de traçar o perfil do trabalhador para atender às suas necessidades, inclusive para (durante a qual um especialista avalia a capacidade e programas de IE disponíveis localmente. o histórico profissional do candidato) e continue com a prestação de serviços como aconselhamento de 8 carreira, apoio à procura de emprego, desenvolvimento Desenvolver uma estratégia adaptativa de competências estruturadas, desenvolvimento de e de rápida resposta para lidar com as mudanças climáticas habilidades socioemocionais e/ou a provisão de um subsídio salarial temporário para permitir que o indivíduo acumule experiência de trabalho. O principal desafio A resiliência da população frente às mudanças climáticas à implementação de tal estrutura provavelmente será fundamental para sustentar a competitividade e a reside na coordenação de ações e instituições, e não produtividade do Brasil daqui para frente. A proteção em qualquer restrição de financiamento. Os gastos social adaptativa (PSA) pode aumentar a capacidade do Fundo de Amparo ao Trabalhador deveriam das famílias e comunidades de se preparar, atravessar ser realocados dos suplementos regressivos para e se adaptar a choques covariáveis com flexibilidade e os trabalhadores formais, na direção de serem rapidez. Embora o Brasil tenha um sistema de proteção utilizados em maior proporção para investimentos em social bem estabelecido, ele atualmente carece de intermediação de mão-de-obra e PAMTs disponíveis prontidão e capacidade para montar uma resposta para todos os trabalhadores. Os serviços públicos de oportuna e adequada a emergências. Algumas das melhores práticas desenvolvidas durante a pandemia 19 10 Ampliar a cobertura dos serviços de e com o Auxílio Emergencial podem ser integradas para desenvolvimento na primeira infância, PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO futuras respostas a desastres. Assim, é recomendável adotando novas formas de prestá-los o desenvolvimento de uma estratégia integrada de PSA com compromisso fiscal que possa conceber uma forma Intervenções de desenvolvimento na primeira infância de reagir aos choques climáticos mais recorrentes e coordenadas com a assistência social e o sistema de disruptivos do país (como o excesso de chuvas e secas) saúde podem se tornar um instrumento econômico de forma mais rápida e forte do que atualmente. Dados para apoiar o desenvolvimento integral das crianças de nível domiciliar e de nível local do Cadastro Único em casa. Um conjunto de melhorias aos esforços podem ser usados para identificar o risco ex ante e a existentes do governo federal e de entes subnacionais probabilidade de danos ex post por desastres. poderiam possibilitar a expansão do programa para todos os municípios brasileiros. A introdução de 9 novas modalidades de provisão, por exemplo, usando Fortalecimento da rede tecnologias para fornecer os serviços (por exemplo, e dos serviços dos CRAS aplicativo móvel, WhatsApp, etc.) reduziria os custos para os municípios. O desenvolvimento de protocolos de interação com grupos específicos (por exemplo, As redes presenciais de assistência social continuarão indígenas e quilombolas) melhoraria a qualidade das sendo fundamentais para a prestação de serviços de intervenções. Visitas domiciliares são reconhecidas proteção social, mesmo com a crescente digitalização como uma forma eficaz de apoiar domicílios mais do acesso. A função de busca-ativa permite encontrar necessitados em uma gama de vulnerabilidades famílias extremamente pobres onde quer que estejam psicossociais, incluindo-se práticas parentais. Estes localizadas, incluindo aquelas em áreas rurais, e deveriam ser coordenados com outras atividades esses dados poderiam ser usados para informar municipais do SUAS e integrados aos protocolos de políticas de emprego e o desenho de programas de acompanhamento de caso das famílias. inclusão econômica. É recomendável fortalecer o CRAS como ponto de referenciamento e coordenação das políticas de proteção social em cada município, incluindo referenciamento para políticas de inclusão econômica para os pobres e vulneráveis. As funções do CRAS devem ser estendidas para abranger o monitoramento de erros induzidos por máquinas, implementando uma avaliação de necessidades mais sistemática e integrada que possa desencadear uma intensificação da gestão e acompanhamento de casos, desenvolvendo abordagens eficazes para problemas complexos (como a violência de gênero) e para atender grupos vulneráveis, como refugiados e migrantes, bem como ensinar os beneficiários a acessar serviços digitais, o que será uma condição necessária para a inclusão social no futuro. CAPÍTULO 1 Introdução E ste documento avalia como os sistemas de proteção social e de trabalho do Brasil podem ser reformados de forma mais eficaz para encarar os desafios que o país terá que enfrentar nas próximas duas décadas, ao mesmo tempo em que promove a inclusão social e a prosperidade compartilhada. O estudo é baseado em um grande conjunto de análises recentes sobre assistência social, políticas de mercado de trabalho e previdência social do Brasil, realizados pela equipe do Banco Mundial no Brasil durante os últimos dois anos (ver tabela 1). Suas recomendações são construídas com base em informações contidas em bases de dados oficiais e em dados administrativos. A equipe também consultou representantes do governo em vários pontos durante a elaboração da nota e colheu seus comentários sobre os achados e resultados. A metodologia utilizada nesta nota consistiu em modelos de microssimulação desenvolvidos pelo Banco Mundial especificamente para a análise da proteção social e calibrados para o Brasil. Foi utilizado o ASPIRE para classificar os gastos sociais, BOOST para simular cenários previdenciários e modelos de benefícios fiscais BraSim e BraSim de jure para simular mudanças paramétricas de políticas e sugerir redesenhos dos programas. A nota aborda o desenho e a estrutura dos sistemas de proteção social e de trabalho como um todo e, portanto, concentra-se nas políticas federais. Para uma discussão mais detalhada do diagnóstico de cada setor, remetemos o leitor aos artigos originais listados na tabela 1. No entanto, reconhecemos que as diferenças regionais e a dinâmica territorial do mercado de trabalho podem desempenhar um papel importante na formação da demanda por programas de proteção social e de trabalho. Por isso, discutimos a relevância do contexto na implementação local de políticas específicas, como os serviços voltados para o emprego e o programa de primeira infância, e na necessidade de articulação entre os CRAS locais na prestação de serviços de assistência social.   Tabela 1. Últimas publicações do Banco Mundial sobre proteção social e trabalho no Brasil 21 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Ano de Tópico Título Publicação Modelo brasileiro de impostos BraSim Microsimulation Tool: Technical Document 2020 e benefícios Aumentar a Cobertura e a Eficiência da Proteção ao Reforma dos programas de Desemprego no Brasil: Aprendizados da Experiência 2020 desemprego Internacional Regra de Permanência no Bolsa Equilibrando Estabilidade e Transição: Primeira Avaliação da 2021 Família Regra de Permanência no Programa Bolsa Família Instrumentos financeiros Enhancing Resilience of Low-Income Workers in Brazil: para trabalhadores de baixa 2021 Financial Instruments and Innovations renda Economic and Fiscal Impacts of Venezuelan Refugees and Estudos da integração de 2021 Migrants in Brazil migrantes venezuelanos no Brasil Integration of Venezuelan Refugees and Migrants in Brazil 2021 Relatório de Capital Humano Relatório de Capital Humano Brasileiro: Investindo nas 2022 no Brasil Pessoas Auxílio Emergencial: Lições da experiência brasileira em resposta à 2021 COVID-19 – Nota Resumo Sharing Lessons Learned from Brazil's Social Protection 2021 Response to COVID-19: The Auxílio Emergencial Program Lições aprendidas com o Auxílio Emergencial Coverage Profile of Brazil’s Auxílio Emergencial and Special Design Features for Protecting Women and Other Vulnerable 2022 Groups: Lessons from Brazil’s Auxílio Emergencial. Documentando Aprendizados com a Experiência do Auxílio 2022 Emergencial: Auxílio Emergencial e o Sistema de Pagamento Regimes previdenciários Regime de Previdência para Servidores Públicos Estaduais e 2022 subnacionais Municipais no Brasil: Contexto, História e Lições da Reforma Enfrentando a violência de Projeto Piloto Salvador: Prevenção à Violência de Gênero por No prelo gênero por meio do SUAS meio do Sistema Único de Assistência Social Relatório de Despesas do Um Ajuste Justo: Uma análise da Eficiência e Equidade do 2017 Brasil Gasto Público no Brasil Estratégia de inclusão A profile of the poor in Brazil's Labor Market and Economic No prelo econômica Inclusion Policies Towards Shock Responsive Social Protection in Brazil: Proteção Social Adaptativa Assessing the Adaptiveness of Brazil’s Social Protection No prelo no Brasil System. Uma mensagem-chave que surge da análise é que maior programa de transferência condicionada de o sistema de proteção social tem sido central para renda (TCR) do mundo (o Bolsa Família), programa o progresso social do Brasil, particularmente após de desenvolvimento na primeira infância (DPI) o estabelecimento da constituição democrática. com capilaridade, uma extensa rede de centros de O Brasil teve avanços importantes na provisão assistência social que abrange quase todos os 5.570 de proteção social no passado recente. Possui o municípios do país e um grande registro unificado de CAPÍTULO 1 22 beneficiários (o Cadastro Único). O país também está Apesar desses avanços impressionantes e gastos bem preparado para implementar respostas rápidas, expressivos, os programas de proteção social do Brasil tiveram resultados mistos em termos de redução PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO extensas e ágeis em tempos de emergência. Isso ficou particularmente evidente no caso das políticas da desigualdade e superação dos determinantes implementadas pelo governo federal durante a crise estruturais da pobreza que limitam o aumento da de COVID-19, incluindo benefícios trabalhistas e produtividade. Embora o Brasil tenha desenvolvido a maior transferência temporária de assistência políticas de proteção social em quase todas as áreas social do mundo (o Auxílio Emergencial). No entanto, possíveis (em linha com a classificação ASPIRE do Banco o importante papel de apoio desempenhado pelo Mundial de programas de proteção social),3 a amplitude sistema de proteção social durante a pandemia de e o alcance desses programas estão desequilibrados. COVID teve implicações para o sistema tributário Uma análise estrutural dos gastos em 2019 mostram e para a estratégia de macrodesenvolvimento do que os idosos são os mais bem protegidos contra o risco governo. Este documento é um complemento do de pobreza, enquanto as crianças e alguns trabalhadores Relatório Futuros Alternativos para o Brasil, que permanecem mais vulneráveis. As aposentadorias discute as áreas acima mencionadas e apresenta representam uma grande parcela (8,2 por cento) dos recomendações sobre a reforma tributária e sobre a gastos do PIB, enquanto assistência social e políticas de necessidade de rever-se o modelo de crescimento do mercado de trabalho representam apenas 2,1 por cento Brasil. do PIB (figura 1).4 “Os gastos com proteção social no Brasil são dominados pelos programas previdenciários contributivos e não contributivos”. Figura 1. Visão geral dos maiores programas federais de proteção social no Brasil como porcentagem do PIB (2019) 7% 6,5% 6% 5% 4% 3% 2% 1,7% 1% 0,5% 0,4% 0,4% 0,2% 0,3% 0% MT - Abono Salarial SS - Previdência Urbana SS - Previdência Rural MT - Seguro Desemprego MT - Fundo Garantia-Safra MT - Todos os outros programas AS - BPC- Pessoa com deficiência AS - Bolsa Família AS - BPC Idosos AS - Minha Casa Minha Vida AS - SUAS AS - Todos os outros programas Fonte: Elaborado pelos autores utilizando dados do Portal da Transparência do governo do Brasil para 2019, usando a classificação ASPIRE. O gráfico exclui gasto com previdência dos servidores públicos (Regimes Próprios da Previdência Social). Nota: Despesas classificadas de acordo com a metodologia do WB ASPIRE: SS=Seguro Social, AS= Assistência Social e MT=Mercado de Trabalho. 3  Atlas de Indicadores de Proteção Social de Resiliência e Equidade. 4  As figuras 42-43 discutem as tendências em 2020-2021, onde observou-se um aumento dos gastos com assistência social e políticas de mercado de trabalho. Para alcançar um crescimento sustentável e que de trabalho do futuro e em sua necessidade de 23 conduza à prosperidade compartilhada, é essencial proteção social. O desafio que os países de todo o fomentar a acumulação de capital humano e PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO mundo enfrentam é como recuperar essas perdas e protegê-lo em tempos de choque. O Brasil tem usado recuperar o ritmo de acumulação de capital humano TCRs para apoiar a conquista da cobertura universal para acelerar o crescimento econômico. na educação básica, o que acelerou a acumulação de capital humano antes da crise de COVID-19. Essa • As mudanças climáticas tornarão a população acumulação também foi estimulada, embora de forma mais vulnerável a choques e acelerarão a mais modesta, por esforços para apoiar o crescimento transformação estrutural da economia. Estima- da produtividade e a inclusão econômica dos pobres. se que os efeitos do aquecimento global no Brasil Nesta nota, destacamos o fato de que poucas dessas incluam desastres naturais mais frequentes e menor iniciativas foram implementadas em escala para produtividade agrícola. Enquanto isso, o declínio da lidar com vulnerabilidades multidimensionais. Por competitividade da indústria intensiva em carbono exemplo, fornecer apenas transferências de renda deve acelerar uma mudança estrutural na economia para famílias pobres ajuda pouco na resolução de em direção aos serviços. problemas estruturais que limitem a participação dos membros da família no mercado de trabalho. Estas • A inovação tecnológica e as mudanças no barreiras estruturais, particularmente as que impedem mundo do trabalho remodelarão tanto a produção a acumulação de capital humano, reduzem a resiliência quanto o consumo de bens e aumentarão o risco das famílias, que precisam desgastar os seus limitados de desemprego entre os trabalhadores que não ativos de capital físico e humano em caso de choques. conseguem adquirir as habilidades necessárias para trabalhar (ou competir com) as tecnologias mais Várias mudanças globais nas próximas décadas recentes. Pode-se prever que, à medida que o número exigirão que os governos adaptem seus sistemas de de empregos estáveis e dependentes diminui, há o proteção social e de emprego (PSE) para que novas risco de muitos trabalhadores perderem o acesso à oportunidades possam ser aproveitadas e novos previdência social. riscos possam ser mitigados. No período entre agora e 2040, o Brasil passará por algumas transições Repensar os sistemas de PSE do Brasil será importantes que desafiarão a sustentabilidade de fundamental para que o país se torne uma sociedade vários de seus programas de proteção social como mais inclusiva, próspera e igualitária. O Brasil já resultado de três “megatendências” globais:5 gasta uma quantia adequada em programas de PSE em comparação a países com capacidade de arrecadação • A mudança demográfica caracterizada pelo semelhante, mas nesta nota argumentamos que o que envelhecimento da população exercerá uma pressão é necessário para educar e preparar trabalhadores insustentável sobre o sistema, particularmente produtivos para o futuro é reavaliar os investimentos sobre as aposentadorias. Em 2040, a maior parte atuais em proteção social, principalmente no sentido de da população brasileira estará em idade ativa, mas redistribuição da proteção entre as faixas etárias. não será mais jovem, e muitos precisarão navegar no mercado de trabalho com baixos níveis de A nota também defende que várias reformas escolaridade. O número de crianças – a futura força poderiam tornar o sistema mais eficiente e equitativo de trabalho do Brasil – diminuirá e, enquanto isso, sem, necessariamente, aumentar seus custos fiscais. quase metade das crianças de hoje vive na pobreza. Apresentamos algumas opções de reforma visando Prevê-se que o número de adultos com mais de aumentar: (i) a resiliência, tornando os programas 65 anos dobre, tornando as atuais promessas de desemprego mais eficientes e criando mais previdenciárias difíceis de serem sustentadas, instrumentos para permitir que as famílias gerenciem a mesmo após a recente reforma da previdência. Além volatilidade da renda; (ii) as oportunidades, ao expandir disso, a pandemia de COVID-19 causou imensos as formas como os programas de desenvolvimento retrocessos na acumulação de capital humano, o na primeira infância (DPI) são executados e ao apoiar que terá um impacto negativo e duradouro na força trabalhadores vulneráveis na transição entre empregos; 5  Essas tendências são exploradas em mais detalhes em Futuros Alternativos para o Brasil (World Bank, no prelo), a publicação associada a esta nota. CAPÍTULO 1 24 e (iii) a equidade, consolidando as transferências • O Capítulo 3 aprofunda as três megatendências direcionadas às famílias trabalhadoras e ampliando (demográfica, climática e de mudanças tecnológicas) PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO os serviços de assistência social prestados pelos que afetarão o Brasil nas próximas duas décadas e Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). que exigirão a preparação e a adaptação dos atuais Sugerimos também outro conjunto de reformas nos sistemas de proteção social e de emprego. sistemas de financiamento e prestação, como a redução dos privilégios previdenciários, a consolidação • O Capítulo 4 fornece um diagnóstico dos atuais das aposentadorias não contributivas ou a introdução sistemas de proteção social, previdência social de uma reforma previdenciária mínima, incorporando e de emprego por meio de um marco conceitual permanentemente as inovações do programa Auxílio de resiliência, oportunidade, equidade e Emergencial da COVID-19 nos sistemas de prestação e sustentabilidade. revisando aspectos de financiamento/tributação. • O Capítulo 5 apresenta uma visão de como um A nota está estruturada da seguinte forma: sistema de PSE renovado seria capaz de abordar tanto os problemas históricos quanto os vindouros • O Capítulo 2 apresenta um breve panorama do e apresenta 10 propostas de reformas que sistema de proteção social brasileiro e sua evolução resultariam em um sistema capaz de enfrentar desde a redemocratização do país no final da década esse desafio. de 1980. CAPÍTULO 2 25 SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL O Desafio: Melhorias sociais recentes e lacunas remanescentes PRINCIPAIS MENSAGENS • O Brasil é mundialmente conhecido pelo progresso que alcançou no aumento da cobertura da proteção social por meio de seus programas de assistência social e seu sistema de entrega, incluindo um dos maiores programas de TCR do mundo. • A crise de 2014 interrompeu os avanços na redução da pobreza. No entanto, diante da pandemia de COVID-19, o sistema de proteção social brasileiro respondeu prontamente com diversas medidas em grande escala. • O Brasil também alcançou progressos significativos no desenvolvimento do capital humano dos mais pobres, mas a pandemia reverteu anos de avanços e o país deve levar mais de uma década para alcançar novamente aos níveis pré-pandemia de conquistas na educação. • Quase metade das crianças de hoje, que constituem a força de trabalho do futuro, estão sendo criadas em famílias pobres. A pobreza reduz sua capacidade de aproveitar os serviços e de se preparar para o sofisticado mercado de trabalho do futuro, que exigirá uma série de habilidades cognitivas, digitais e sociais. • Cerca de 70 por cento da força de trabalho projetada para o Brasil em 2040 já tem mais de 24 anos hoje e está fora do alcance da educação tradicional, enquanto 40 por cento não concluiu o ensino médio. Portanto, aumentar a produtividade do trabalho no futuro exigirá investimentos imediatos e sustentados em programas de aprendizagem ao longo da vida. CAPÍTULO 2 26 2.1 Evolução do sistema de Brasil. Foi somente nos anos 2000 que se estabeleceu proteção social no Brasil um sistema efetivo de assistência social, por meio da PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO criação do Cadastro Único, da consolidação de diversos Desde a democratização do Brasil no final da década benefícios não monetários e transferências estaduais de 1980, o país tornou-se mundialmente conhecido no programa Bolsa Família e da instituição do Sistema por suas políticas voltadas para a inclusão dos Único de Assistência Social (SUAS). Ao contrário dos pobres e vulneráveis no sistema de proteção social. programas de mercado de trabalho e previdenciários, A Constituição Federal de 1988, também conhecida nenhum dos programas de assistência social da nova como Constituição Cidadã, foi o catalisador da geração foi consagrado na Constituição. expansão dos direitos sociais e do acesso aos serviços públicos, incluindo um sistema de proteção social com A assistência social, sendo o braço mais recente financiamento público. Esse sistema foi construído sobre do sistema de proteção social brasileiro, tem um três pilares: (i) previdência social; (ii) atenção à saúde; desenho mais inovador do que os programas de e (iii) assistência social. Durante a década de 1990, a mercado de trabalho e previdenciários do país. prestação de serviços públicos foi substancialmente Uma vasta literatura tem destacado os problemas reorganizada com a criação de 1.438 novos municípios, de concepção e sustentabilidade que atormentam os a expansão da força de trabalho no serviço público benefícios trabalhistas e previdenciários no Brasil, que e o desenvolvimento de centenas de novos regimes se provam difíceis de resolver. A assistência social, de previdência subnacionais para servidores públicos especificamente o Programa Bolsa Família, sendo municipais (Zviniene et al., 2022). No entanto, como mais recente, foi desenvolvido desde sua concepção mostra a figura 2, os programas de mercado de trabalho de acordo com um desenho técnico e baseado em e os previdenciários avançaram muito mais do que a evidências, com sistemas de monitoramento e proteção social não contributiva, refletindo o contrato avaliação que superaram, até recentemente, aqueles social que remonta ao passado corporativista do vigentes para benefícios contributivos.   Figura 2. Evolução do sistema de proteção social e regulamentações do trabalho no Brasil 1980s & 1988 1920s 1930s 1940s 1950s 1960s 1970s constituição 1990s 2000s 2010s 2020s Sistema de Previdência Social para Trabalhadores do Setor Formal 1920s-50s: Início de regimes 1960s: 1970s: 1998: 2003: 2019: previdenciários para Adoção da Expansão da Reforma da Reforma da Reforma da trabalhadores de setores legislação previdência para Previdência Previdência Previdência específicos, administração previdenciária trabalhadores RGPS RPPS pública e militares básica domésticos, autônomos e rurais Regulamentações Trabalhistas, Benefícios para Trabalhadores do Setor Formal 1936: 1940: 1970s: 1986: SD 2017: 2020: Salário Salário Abono 1988: Reforma BeM Família Mínimo Salarial, Direitos Trabalhista 1943: PIS/PASEP trabalhistas e CLT SINE previdenciários consagrados na Constituição Assistência Social para os Pobres 1955: 1988: 1995: 2001: 2011: 2020: Implantação Direito à Primeiras Federal Brasil Auxílio do programa Assistência TCRs TCRs, Sem Emergencial de merenda Social na municipais Cadastro Miséria 2021: escolar constituição 1993: Único 2016: Auxílio para todos Lei Orgânica 2003: Criança Brasil que precisam da AS, BPC Bolsa Família Feliz 2023: Novo Bolsa Família Fonte: Autores. 27 “Assumindo uma implementação perfeita do programa, cerca de 90% dos domicílios PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO brasileiros têm pelo menos um membro elegível a uma fonte de renda protegida por meio de um contrato de trabalho formal (via seguro social), benefício a idosos ou transferência de renda da assistência social”. Figura 3. Famílias com acesso a uma fonte de renda protegida 7.000.000 6.000.000 5.000.000 4.000.000 3.000.000 2.000.000 1.000.000 0 146 358 537 727 951 1.122 1.392 1.806 2.537 6.513 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Decil de renda per capita após a transferência Nenhuma das opções Bolsa Família Seguro Desemprego Trabalhador Formal BPC Previdência Servidor público Fonte: Modelo de microsimulação BraSim desenvolvido pela equipe de Pobreza e Equidade do Banco Mundial, com base no conjunto de dados PNADC 2019. Nota: O modelo identifica o recebimento em nível de domicílio de pelo menos uma fonte de renda protegida por meio de transferência, emprego formal privado ou emprego na administração pública. Os domicílios que recebem benefícios múltiplos/rendimentos protegidos foram atribuídos à categoria de renda mais segura, nesta ordem: Servidor Público, Previdência, BPC, Trabalhador formal (CLT), Seguro-Desemprego, Bolsa Família. O modelo BraSim teoricamente aplica os benefícios a todas as famílias elegíveis, presumindo uma implementação perfeita. Enquanto o sistema de proteção social do Brasil Como resultado da expansão incremental dos foi se expandindo, o acesso à educação e creches benefícios, os sistemas de proteção social e emprego aumentou. Entre 2000 e 2019, as taxas líquidas de do Brasil oferecem a quase todas as famílias alguma matrícula na pré-escola (5 a 6 anos) saltaram de 66 forma de renda protegida. As simulações sugerem por cento para 94 por cento, e mais que dobraram no que, até a recente pandemia, cerca de 90 por cento ensino médio. As taxas de abandono do ensino médio das famílias em teoria tinham pelo menos um membro diminuíram de 10 por cento em 2010 para 5 por cento elegível para uma fonte de renda protegida por ser em 2019 (INEP, 2021a). No mesmo período, o número trabalhador formal, ou devido à sua idade ou nível de total de ingressantes em cursos de ensino superior renda familiar6 (figura 3). Essas simulações pressupõem passou de pouco mais de 2,5 milhões para cerca de 3,6 a perfeita implementação de cada programa. Apesar milhões. Além disso, a cobertura das creches cresceu do alto percentual, o nível de proteção e segurança de de 14 por cento em 2001 para 37 por cento em 2019. renda varia entre a população, com menor cobertura No entanto, esses serviços ainda são, em grande, parte para trabalhadores informais nos decis de renda média, inacessíveis às famílias mais pobres e que vivem em autônomos e jovens sem filhos. Além disso, a ampla áreas rurais (OPNE, 2021). cobertura não se traduz em igualdade em termos de 6  É importante destacar que 90 por cento é a porcentagem apenas se o sistema de proteção social funcionar perfeitamente - ou seja, se todas as famílias solicitarem os benefícios a que têm direito, todos os benefícios estiverem disponíveis e não houver listas de espera ou desinformação. CAPÍTULO 2 28   Figura 4. Tendências da pobreza e do crescimento da classe média no Brasil ao longo do tempo (em dólares) PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO 50 45 40 35 $2,15 por dia (2017 PPC) 30 Pobre, mas não extremamente 25 pobre ($2,15-$6,85) 20 Vúlneravel ($6,85-$14) 15 Classe Média ($14-$81) Classe alta (>$81) 10 5 0 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021e Fonte: Plataforma de Pobreza e Desigualdade do Banco Mundial (https://pip.worldbank.org/home) e Banco Mundial (2022) Brasil – Macro Poverty Outlook, outubro, com base na Pnad Contínua 2011-2021. Nota: As taxas de pobreza são calculadas usando linhas de pobreza internacionais aplicadas ao Brasil em Paridade do Poder de Compra USD 2017. generosidade. O grande alcance do sistema também de trabalho na tentativa de aumentar as oportunidades explica por que é tão politicamente complexo alterar de emprego formal e ampliou o escopo da negociação seu desenho, já que muitas pessoas podem ter medo de coletiva sobre regulamentação trabalhista, além de perder com a mudança. reduzir a contribuição obrigatória aos sindicatos. Isso foi seguido, em 2019, por uma reforma previdenciária A década iniciada em 2010 foi marcada pelo que estabeleceu condições mais rígidas de elegibilidade crescimento econômico, pela crise de 2014 e pela a benefícios e reduziu um pouco a generosidade dos reversão da redução da pobreza. Até a crise econômica benefícios, aproximando o Brasil dos benchmarks de 2014, a economia do Brasil era caracterizada por globais. Também criou um marco jurídico para reformar um notável crescimento do PIB e queda das taxas os regimes de previdência subnacionais. No entanto, a de pobreza (figura 4). Isso foi auxiliado pela natureza contenção fiscal devido à recessão resultou em mais do crescimento econômico e das políticas públicas de 1 milhão de famílias elegíveis na lista de espera voltadas para os pobres, como o Brasil Sem Miséria para o Bolsa Família, um programa de transferência (BSM), que ajudou 14 milhões de pessoas a superar condicionada de renda (TCR), entre 2016 e 2020, além a pobreza extrema por meio de garantias de renda, de cortes orçamentários em muitos programas de medidas de inclusão produtiva e ampliação do acesso benefícios criados em anos anteriores, especialmente a serviços públicos e moradia. Esse processo deu aqueles destinados a promover a inclusão econômica. continuidade à expansão constante da classe média emergente. No entanto, a crise de 2014 foi um ponto O Brasil foi severamente atingido pela COVID-19, de virada para o crescimento inclusivo. A pobreza com mais de 600.000 mortes em 2020-2021, uma extrema e moderada aumentou e, antes que o Brasil se queda acentuada nas taxas de emprego e perdas de recuperasse completamente, principalmente devido à capital humano. As perdas de capital humano foram letargia persistente do mercado de trabalho, veio a crise significativas e as desigualdades preexistentes no da COVID-19 no início de 2020 (World Bank, 2021a). acesso à água potável, à internet, à saúde privada e à proteção social fizeram com que algumas famílias A recessão de 2015 criou pressão por reformas perdessem ainda mais capital humano do que outras previdenciárias e trabalhistas para estimular a com a pandemia. A alta mortalidade da população mais recuperação e reduzir os déficits orçamentários. A jovem7 teve implicações sociais e produtivas negativas reforma trabalhista de 2017 flexibilizou diversas relações para o país. Os cuidadores principais de cerca de 2,4 a 7  Pessoas com menos de 65 anos representaram apenas 11 por cento das taxas oficiais de óbitos por COVID-19 e excesso de mortalidade nos países desenvolvidos; no Brasil, no entanto, a doença atingiu inesperadamente a população jovem e em idade ativa, com 32 por cento dos óbitos por COVID-19 e 28 por cento do excesso de mortalidade em 2020 atingindo pessoas com idade inferior a 59 anos (Demombynes et al, 2021). cada 1.000 crianças no Brasil morreram entre março de foi extensa o suficiente para evitar que 15 milhões de 29 2020 e abril de 2021 (Hillis et al., 2021) e essas crianças pessoas caíssem na pobreza. PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO continuarão expostas a um risco de longo prazo de pobreza e cuidados precários. O Auxílio Emergencial introduziu muitas inovações operacionais que poderiam ser aproveitadas pelos Apesar desse quadro sombrio, a resposta de proteção programas permanentes de assistência social no social do Brasil à crise da COVID-19 foi reconhecida Brasil. Estas incluem a identificação de beneficiários internacionalmente como um modelo de robustez, que não estavam inscritos no Cadastro Único por meio cobertura e velocidade. Para proteger a população de um aplicativo móvel, a verificação da elegibilidade mais vulnerável, o governo implantou um conjunto de dos beneficiários por meio do cruzamento de big data, medidas, incluindo:8 (i) expansão do Bolsa Família; (ii) a realização das transferências para contas digitais criação de uma transferência temporária de renda, sociais, um mecanismo de contestação automático o Auxílio Emergencial; e (iii) subsídios para incentivar e a colaboração entre vários poderes do Governo a manutenção dos contratos formais de trabalho no Federal para a prestação dos serviços. A experiência âmbito dos programas BEm (Benefício Emergencial do Auxílio Emergencial mostrou que existem potenciais de Manutenção do Emprego e da Renda) e BESE complementaridades entre a provisão digital e a (Benefício Emergencial de Suporte ao Emprego).9 Essa provisão presencial de alguns serviços de assistência foi uma resposta de proteção social muito mais forte social.11 As contas digitais continuam sendo um legado do que jamais havia sido tentada em crises anteriores permanente do programa; as outras inovações que e está entre as maiores entre os países de renda média foram recentemente estudadas em uma série de (Gentilini et al., 2020). relatórios do Banco Mundial ainda não foram adotadas, mas têm o potencial de aumentar a precisão e a O Auxílio Emergencial alcançou mais da metade eficiência da prestação de serviços. da população, pois foi capaz de aproveitar os pontos fortes do sistema de prestação existente. 2.2 Desafios sociais não resolvidos Inicialmente planejado para durar apenas alguns meses, foi prorrogado por dois anos e alcançou 55,6 por cento O Brasil está entrando na década de 2020 com da população. O programa teve três grupos-alvo: (i) os questões socioeconômicas ainda não resolvidas. A extremamente pobres e socialmente vulneráveis antes pobreza de renda (juntamente com a desnutrição e a da pandemia (beneficiários do BF); (ii) famílias pobres falta de autonomia associadas a ela), um capital humano inscritas no Cadastro Único; e (iii) famílias que caíram frágil e em diminuição, vulnerabilidade a choques e na pobreza devido à pandemia (os “extra-cadastro”). exclusão social estão limitando as perspectivas de Este último grupo, de cerca de 32,8 milhões de pessoas, crescimento de renda, coesão social e produtividade do incluiu trabalhadores informais e autônomos que trabalho do Brasil (World Bank, 2022b). perderam seus rendimentos durante as medidas de distanciamento social e que não eram beneficiários do Metade da força de trabalho de 2040 está crescendo sistema de proteção social (Morgandi et al., 2021a).10 hoje na pobreza. O capital humano das crianças é A implementação do Auxílio Emergencial no Brasil importante para garantir a inclusão e a prosperidade 8  Outras medidas incluíram a suspensão do monitoramento de condicionalidades no Bolsa Família, a prestação de uma vasta gama de serviços de proteção social à distância em vez de presencialmente, incluindo o processo de solicitação do Seguro-Desemprego, e a suspensão da obrigatoriedade de atualização e verificação do Cadastro Único. 9  Uma das primeiras respostas à crise da COVID-19 foi a expansão horizontal do Bolsa Família, que trouxe 1,22 milhão de famílias para o programa. Os programas BESE e BEm estavam em vigor durante o auge da crise e permitiram que cerca de 12,6 milhões de trabalhadores mantivessem seus empregos entre março de 2020 e agosto de 2021. https://www.gov.br/pt-br/noticias/trabalho-e- previdencia/2021/08/mais-de-tres-milhoes-de-acordos-entre-trabalhadores-e-empresas-foram-fechados- em-2021, acessado em 29 de outubro de 2021. 10  Foram automaticamente consideradas elegíveis para o Auxílio Emergencial 19,5 milhões de pessoas inscritas no Cadastro Único que já eram beneficiárias do Bolsa Família, 10,5 milhões de pessoas inscritas no Cadastro Único que não recebiam o Bolsa Família e 32,8 milhões de pessoas (das 57,2 milhões que se inscreveram via aplicativo) que se encontravam no grupo extra-cadastro. A primeira fase do Auxílio Emergencial entregou um benefício cerca de três vezes maior do que o benefício mensal do Bolsa Família e cerca de metade do salário-mínimo. A generosidade do benefício diminuiu e os critérios de elegibilidade ficaram mais rígidos da primeira para a terceira fase. O número de beneficiários caiu 40 por cento entre a primeira e a terceira ondas da pandemia e o valor do benefício foi reduzido em 58 por cento. 11  Foi graças aos investimentos anteriores do país no Cadastro Único, atualizado regularmente através dos amplos serviços sociais do país, que o Auxílio Emergencial também foi capaz de alcançar populações tradicionalmente vulneráveis que têm muito menos probabilidade de contar com acesso digital (Arruda et al, 2022). CAPÍTULO 2 futura no Brasil. À medida que o dividendo demográfico 80 por cento, mas nas áreas rurais é de apenas 67 por 30 do Brasil se esgota, a produtividade do trabalho da cento. Muitos fatores explicam essas diferenças: falta futura força de trabalho precisa compensar a queda do de compromisso com a escola, longas distâncias entre PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO número de trabalhadores. No entanto, quase metade as residências e as escolas, gravidez na adolescência, (48 por cento) das crianças entre 0 e 18 anos hoje, que pressão financeira e informações distorcidas sobre entrarão no mercado de trabalho em 2040, vivem abaixo a importância da conclusão dos estudos (Neri, 2009; da linha de pobreza definida pelo Cadastro Único, que é BRAVA, 2017). A qualidade da educação também é um semelhante à linha de pobreza internacional de US$ 5,5 desafio, com quase todos os alunos do ensino médio por dia em PPC, mesmo depois de receber o benefício do se formando com pouca proficiência em matemática. Bolsa Família (PNADC, 2019). Como ilustrado na figura 5, os resultados de capital humano são mais baixos nas regiões Norte e Nordeste. As taxas de pobreza individuais e municipais continuam apontando para um futuro com menor A falta de acesso e a baixa qualidade da educação capital humano. Grandes disparidades no capital infantil contribuem para os baixos níveis de capital humano persistem entre regiões, raças e gêneros no humano do Brasil. O governo adotou políticas Brasil (ver quadro 1). A baixa qualidade da educação e inovadoras para apoiar o desenvolvimento cognitivo e a alta taxa de abandono do ensino médio continuam social das crianças nos primeiros 1.000 dias, incluindo a ser os principais obstáculos para o alcance de níveis a criação do programa Criança Feliz (PLAN-PNUD, de capital humano melhores e mais igualitários. Mesmo 2020), mas a cobertura desse programa é desigual. Da antes da pandemia, em 2019, apenas seis em cada mesma forma, apenas 37 por cento das crianças de 0 dez jovens de 19 anos concluíam o ensino médio (e a 3 anos estavam matriculadas em creches em 2019, menos ainda completavam antes dessa idade). Essa e a maioria dessas crianças não era pobre. Mesmo a taxa está intimamente correlacionada com a origem matrícula na pré-escola, apesar de obrigatória, ainda socioeconômica dos alunos. Nas áreas urbanas, a taxa não era universal em 2019 e caiu consideravelmente de conclusão do 9º ano do ensino fundamental é de durante a pandemia.12   Figura 5. A geografia do capital humano no Brasil Pará (ICH estadual: 0,54) Ceará (ICH estadual: 0,61) Bahia (ICH estadual: 0,55) Índice de Capital Humano (Min = 0; Máx = 1) 0,00 0,53 São Paulo (ICH estadual: 0,63) 0,57 0,60 0,64 Rio Grande do Sul 1,00 (ICH estadual: 0,61) Fonte: Banco Mundial 2022c. Relatório do Capital Humano Brasileiro, Índice de Capital Humano (HCI) Brasil 2020. 12  Cerca de 94,1 por cento das crianças de 4 a 5 anos estavam matriculadas na pré-escola em 2019. https://www.observatoriodopne. org.br/meta/educacao-infantil, acessado em 29 de outubro de 2021. 31 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO “Devido a perdas de aprendizado e de saúde, o Brasil levará pelo menos 10 anos até que o Índice de Capital Humano volte ao nível pré-pandemia”. Figura 6. Impactos estimados da pandemia de COVID-19 na pontuação de ICH do Brasil e o número de anos necessários para recuperar os níveis de 2019 0,62 0,601 0,60 Índice de Capital Humano 0,58 0,56 13 anos 12,5 anos 0,54 12 anos 0,52 10 anos 0,50 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021 2023 2025 2027 2029 2031 2033 Calculado Otimista Realista Pessimista Recuperação da Saúde e Sobrevivência Infantil Fonte: Relatório de Capital Humano Brasileiro, ICH Brasil 2020. Nota: A estimativa do número de anos necessários para recuperar os níveis de 2019 utilizou as taxas médias de crescimento de 2007 a 2019. Os brasileiros sofreram graves perdas de capital como os impactos socioemocionais e os efeitos humano após a crise de COVID-19. Devido à COVID-19, duradouros do ensino à distância por um longo período a pontuação preliminar do Brasil no Índice de Capital de tempo. Além disso, a extensão dos danos de longo Humano do Banco Mundial para 2020 caiu 5 pontos prazo à saúde das crianças devido à subutilização em relação a 2019, o que equivale a quase 10 anos de dos serviços de saúde durante a pandemia, incluindo progresso (figura 6). Isso se deve, em grande parte, às imunizações, também terá que ser determinada. perdas na educação, pois as escolas brasileiras, públicas e privadas, ficaram fechadas por mais tempo do que em Os trabalhadores com baixa escolaridade têm muito qualquer outro país do mundo (Azevedo et al., 2020). As menos chances de conseguir um emprego estável projeções estimam que a pobreza na aprendizagem13 na que inclua proteção social e são mais vulneráveis América Latina e no Caribe (ALC) ainda pode aumentar aos impactos das crises do mercado de trabalho. entre 51 e 67 por cento, acrescentando mais 10,8 milhões Adultos em idade ativa em situação de pobreza e de crianças aos “pobres em aprendizagem”, enquanto com baixa escolaridade estão sobre-representados as taxas de abandono escolar podem aumentar em entre os trabalhadores informais assalariados e os 15 por cento. Há também outras consequências da trabalhadores informais autônomos. Além de serem pandemia que provavelmente afetarão negativamente privados do acesso ao seguro-desemprego e seguro a aprendizagem, mas que são menos compreendidas, contra acidentes e invalidez, os trabalhadores informais 13  A pobreza na aprendizagem é uma medida combinada de privação escolar e privação de aprendizagem. https://www.worldbank. org/en/topic/education/brief/what-is-learning-poverty CAPÍTULO 2 32 têm que lidar com maior volatilidade de renda mês a As desigualdades no mercado de trabalho mês (Fietz et al., 2021). Mesmo quando não vivem na também têm uma importante dimensão racial. Os PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO pobreza, enfrentam um alto risco de cair nela devido a afrodescendentes, que representam mais da metade da algum choque. Além disso, a existência generalizada de população brasileira, estão sobre-representados entre emprego informal significa que os novos ingressantes os desempregados, os que trabalham informalmente e no mercado de trabalho têm menos oportunidades os que estão fora da força de trabalho (figura 7). Uma de desenvolver competências, acessar treinamento revisão recente realizada para o Banco Mundial (ver e progredir em carreiras estáveis no setor formal. quadro 1) mostrou que essas diferenças nos resultados O baixo nível de capital humano também torna os do mercado de trabalho não são explicadas apenas trabalhadores menos resilientes às crises. Pesquisas por atributos de capital humano, e que os brasileiros recentes também mostram que, entre os trabalhadores afrodescendentes que buscam emprego continuam formais demitidos, aqueles com menor escolaridade sujeitos à discriminação salarial e de contratação, o que levam seis anos a mais para recuperar seus rendimentos os mantém na pobreza, os desencoraja e os impede de anteriores à demissão do que aqueles com maior capitalizar seus investimentos em educação. escolaridade (Silva et al., 2021).   Quadro 1. Desafios específicos enfrentados pelos Afrodescendentes no mercado de trabalho no Brasil Uma avaliação recente financiada pelo Banco Mundial investigou as dificuldades que os jovens afrodescendentes no Brasil enfrentam para acessar o mercado de trabalho, usando dados de pesquisas domiciliares recentes, o censo brasileiro de 2010 e entrevistas qualitativas com jovens. O estudo identificou três fatores-chave para essa desigualdade de acesso. Em primeiro lugar, desde cedo, os negros estão em desvantagem no que diz respeito ao acesso à educação e à qualidade da escolarização que recebem. As consequências disso a longo prazo são que a maioria dos afrodescendentes acaba em empregos de baixa qualificação, com vínculos empregatícios frágeis e baixos salários. Em segundo lugar, a segregação ocupacional parece fazer com que homens brancos, homens afrodescendentes, mulheres brancas e mulheres afrodescendentes ocupem nichos específicos no mercado de trabalho brasileiro. Por exemplo, 60 por cento dos trabalhadores do setor informal são negros e mais de um terço (35 por cento) são homens afrodescendentes, enquanto 45 por cento dos empregadores são homens brancos. Entre os desempregados, as desigualdades de raça e gênero se sobrepõem, sendo 47,3 por cento das mulheres afrodescendentes inativas e 8,9 por cento, desempregadas. Por fim, a discriminação está presente na sociedade e se reflete nas diferenças salariais entre indivíduos igualmente escolarizados de diferentes raças ou gêneros com ocupações semelhantes. Os ciclos de crescimento econômico podem ajudar a mitigar as desigualdades raciais e de gênero no mercado de trabalho, mas as desigualdades geralmente retornam em períodos de estagnação econômica, anulando, assim, os ganhos obtidos nos anos de crescimento econômico. O estudo fez algumas recomendações para tornar o mercado de trabalho mais inclusivo e reduzir as desigualdades: (i) reconhecer a existência de desigualdades como um primeiro passo para a construção de uma sociedade mais inclusiva; (ii) investir em pesquisas para identificar as necessidades de grupos minoritários, incluindo afrodescendentes; (iii) equipar os professores com competências para enfrentar o racismo e outras formas de discriminação e revisar o currículo escolar para construir um ambiente seguro nas escolas e promover a inclusão entre os alunos; (iv) oferecer oportunidades de educação continuada a jovens e adultos que não tiveram acesso a tais oportunidades na vida; e (v) implementar políticas de ação afirmativa nas escolas e no setor privado e promover políticas de saúde mental para as pessoas afrodescendentes. Fonte: Banco Mundial, Afro-Cebrap e Instituto Peregum de Referência Negra (2022). 33 “A desigualdade no mercado de trabalho tem uma forte dimensão racial, onde adultos não- PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO brancos mostram-se sobre-representados entre os mais pobres, informais, desempregados e entre os indivíduos fora da força de trabalho”. Figura 7. Situação laboral de adultos brancos (esquerda) e adultos não-brancos (direita), por decis de renda per capita 12 12 10 10 Milhões de adultos 8 8 6 6 4 4 2 2 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Decis de Renda Decis de Renda Trabalhador autônomo formal (TA) Microempreendedor (MEI) Informal Empregado assalariado formal (CLT) Proprietário de pequena empresa (SIMPLES) Servidor público Desempregado Fora da força de trabalho* Fonte: Banco Mundial, com base na ferramenta de microssimulação BraSim 2019. Nota: Emprego de acordo com o status de mercado de trabalho formal e informal atribuído: TA = trabalhador autônomo formal; MEI = microempreendedor proprietário; SIMPLES = proprietário de pequena empresa; CLT = empregado assalariado formal. O grupo racial branco é auto declarado na PNAD Contínua 2019. *Indivíduos de 18 a 46 anos, sem deficiência física e que não estão na escola.   Figura 8. Situação da força de trabalho de mulheres (esquerda) e homens (direita), por decis de renda per capita 12 12 10 10 Milhões de adultos 8 8 6 6 4 4 2 2 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Decis de Renda Decis de Renda Trabalhador autônomo formal (TA) Microempreendedor (MEI) Informal Empregado assalariado formal (CLT) Proprietário de pequena empresa (SIMPLES) Servidor Público Desempregado Fora da força de trabalho* Fonte: Banco Mundial, com base na ferramenta de microssimulação BraSim 2019. Nota: Emprego de acordo com o status de mercado de trabalho formal e informal atribuído: TA = trabalhador autônomo formal; MEI = microempreendedor proprietário; SIMPLES = proprietário de pequena empresa; CLT = empregado assalariado formal. *Indivíduos de 18 a 46 anos, sem deficiência física e que não estão na escola. CAPÍTULO 2 34   Figura 9. Perfil laboral de adultos inscritos no   Figura 10. Razões para estar fora da força de Cadastro Único e no Bolsa Família, por gênero trabalho entre os pobres, por gênero PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Cadastro Único Cadastro Único Homens 53% 47% Homens Mulheres 39% 61% Mulheres Bolsa Família Homens 54% 46% Homens Bolsa Família Mulheres 36% 64% Mulheres 0% 50% 100% Trabalhou na semana anterior Tarefas domésticas e de cuidado Outras razões Não trabalhou na semana anterior Não quer trabalhar Estudando, mas não Muito jovem/muito velho matriculado em instituição de ensino Fonte: Fietz e Lyrio 2021, com base nos dados do Cadastro Único. Fonte: Fietz e Lyrio 2021, com base na PNAD Contínua 2019. Nota: Indivíduos de 18 a 46 anos, sem deficiência física e que não Nota: Indivíduos de 18 a 46 anos, sem deficiência física e que não estão na escola. estão na escola. As disparidades de gênero também permanecem As tarefas de cuidado com a família recaem grandes, com as mulheres na metade inferior da fortemente sobre as mulheres pobres, forçando-as distribuição de renda constituindo a maior parte a permanecer fora da força de trabalho remunerada dos adultos brasileiros desempregados. Apesar (figura 10). A ausência do “efeito preguiça” entre das meninas terem um nível de capital humano os pobres brasileiros, particularmente entre os mais alto do que os meninos, as mulheres estão beneficiários do Bolsa Família, tem sido amplamente desproporcionalmente representadas entre aqueles divulgada na literatura. A oferta de serviços de cuidado que estão fora da força de trabalho ao longo de toda infantil públicos ou a preços acessíveis é fundamental a distribuição de renda, e particularmente nos cinco para permitir que as mulheres participem do mercado decis inferiores (figura 8). A diferença de gênero na de trabalho e aproveitem as oportunidades de participação da força de trabalho chega a 20 pontos capacitação. Quando as pessoas ficam muito tempo percentuais entre os mais pobres (aqueles que recebem fora da força de trabalho, seu capital humano se benefícios do Bolsa Família) (figura 9). deprecia rapidamente e, portanto, a capacidade dessas mulheres de se engajar em trabalho produtivo depois que seus filhos crescem também diminui. CAPÍTULO 3 Megatendências 35 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO globais exigem a renovação do sistema de proteção social do Brasil PRINCIPAIS MENSAGENS • Mudanças tecnológicas, mudanças climáticas e mudanças demográficas produzirão novas formas de trabalho e remuneração, ao mesmo tempo em que mudarão profundamente as formas como produzimos e consumimos. • A quarta revolução industrial mudará a geografia da atividade produtiva global e remodelará a natureza do trabalho e das relações trabalhistas. Por um lado, a robótica e a impressão 3D podem permitir que a produção se aproxime do consumidor final. Por outro lado, haverá uma disponibilidade global de mão de obra altamente qualificada por meio de mercados de trabalho digital, o que levará a novas relações de trabalho que serão muito mais curtas (o “entarefamento”, ou organização do trabalho em tarefas) e mais complexas no que diz respeito a tributação e cobertura previdenciária. Enquanto isso, cairá a demanda por trabalho rotineiro e manual, o que provavelmente exacerbará as desigualdades de renda e de qualidade dos empregos. • As alterações climáticas aumentarão o risco e a intensidade da escassez hídrica e das secas no Brasil. O desmatamento e o aumento das temperaturas, juntamente com a mudança nos padrões de precipitação, aumentarão a demanda de energia do Brasil e impactarão negativamente a capacidade de abastecimento do país (setor hidrelétrico) e aumentarão as perdas de capital físico e humano durante desastres naturais, como deslizamentos de terra e inundações. • A diminuição das taxas de fecundidade irá remodelar o mercado de trabalho brasileiro na década de 2040, de um crescimento da população jovem para um crescimento da população na faixa etária mais produtiva, o que constituirá uma oportunidade ou uma ameaça ao aumento da produtividade. O resultado dependerá do nível de preparação da força de trabalho e do sistema de proteção social. Como a maior parte da futura força de trabalho está hoje vivendo em famílias pobres, com investimentos limitados em capital humano, o Brasil precisará fortalecer seu sistema de educação de adultos. Também terá de se preparar para um aumento dos gastos com previdência e da demanda por assistência social na velhice. A crescente taxa de dependência dos idosos também colocará mais pressão sobre os serviços públicos de cuidados com os idosos. CAPÍTULO 3 36 O Brasil provavelmente passará por várias 3.1 Mudança demográfica transições importantes nas próximas duas décadas, PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO que irão remodelar sua população, os meios de A queda da taxa de fecundidade no Brasil mudará produção e, finalmente, o consumo.14 Mudanças a demografia do mercado de trabalho, reduzindo o tecnológicas, mudanças climáticas e mudanças número de trabalhadores jovens e em idade mais demográficas afetarão a maior parte da população e, produtiva. O número de nascimentos vem diminuindo aceleradas pelas mudanças trazidas pela pandemia de acentuadamente desde a década de 2010 e a COVID-19, interagirão com novas formas de trabalho e demografia nacional da última década foi marcada por remuneração. As profundas mudanças na forma como uma parcela desproporcional de jovens adultos seguida produzimos farão com que a proteção social no Brasil por uma coorte muito menor de crianças. Essa coorte precise ser adaptada para enfrentar as vulnerabilidades superdimensionada de jovens entrará na faixa etária decorrentes desses novos tipos de relações de trabalho mais produtiva nas próximas duas décadas, enquanto, e da maior volatilidade de renda a eles associada. por causa do aumento da expectativa de vida, haverá   Figura 11. Pirâmides populacionais em 1991, 2010, 2020, 2040 1991 2010 80+ 80+ Homens 75−79 Mulheres Homens 75−79 Mulheres 70−74 70−74 65−69 65−69 60−64 60−64 55−59 55−59 50−54 50−54 45−49 45−49 40−44 40−44 35−39 35−39 30−34 30−34 25−29 25−29 20−24 20−24 15−19 15−19 10−14 10−14 05−09 05−09 00−04 00−04 −10 −5 0 5 10 −10 −5 0 5 10 População em milhões População em milhões 2020 2040 80+ 80+ Homens 75−79 Mulheres Homens 75−79 Mulheres 70−74 70−74 65−69 65−69 60−64 60−64 55−59 55−59 50−54 50−54 45−49 45−49 40−44 40−44 35−39 35−39 30−34 30−34 25−29 25−29 20−24 20−24 15−19 15−19 10−14 10−14 05−09 05−09 00−04 00−04 −10 −5 0 5 10 −10 −5 0 5 10 População em milhões População em milhões Fonte: Estimativas do Banco Mundial utilizando projeções populacionais do Censo e do IBGE. 14  Este capítulo se baseia no Relatório do Banco Mundial “Futuros Alternativos para o Brasil” (Banco Mundial, no prelo). um aumento concomitante no número de idosos, ocorrer no sistema educacional tradicional nos próximos 37 especialmente mulheres (figura 11). Até 2040, projeta- anos. Portanto, será necessário estabelecer instituições PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO se que a coorte jovem represente apenas 12 por cento da destinadas a ajudar a força de trabalho adulta a população, mas a coorte na faixa etária mais produtiva aprender novas competências durante o curso de sua (aqueles entre 40 e 65 anos) deverá estar próxima de 34 vida profissional. Também será essencial oferecer-lhes por cento (figura 12). algum tipo de incentivo, pois os trabalhadores com menos do que o ensino médio atualmente têm pouca propensão a participar de programas de capacitação   Figura 12. Estimativas do tamanho da (figura 14). população por faixa etária no Brasil 2020-2060 80 Globalmente, a população em idade escolar irá diminuir, embora não necessariamente o número de alunos. Com a transição demográfica, o número de crianças continuará a cair e os gastos disponíveis População (milhões) 60 por criança tenderão a aumentar. Esse aumento de recursos seria uma oportunidade de ouro para ampliar a cobertura da educação infantil e do ensino médio 40 e aumentar o acesso ao ensino superior. Políticas específicas, inclusive políticas de proteção social, serão essenciais para estimular a demanda por educação e 20 garantir uma oferta efetiva aos pobres. 2020 2030 2040 2050 2060 0-20 anos 40-64 anos Desequilíbrios nas populações adultas entre os 20-39 anos 65+ anos estados podem atrair mais trabalhadores dos estados mais pobres para os mais ricos. Existem Fonte: Estatísticas da ONU. grandes disparidades demográficas entre os estados do Brasil, com um número significativamente maior Os jovens adultos que já estão na força de trabalho de crianças vivendo nas regiões Norte e Nordeste atual constituirão a maioria dos trabalhadores em do que em outros locais. Projeta-se que as taxas de 2040, e 40 por cento deles não concluíram o ensino dependência aumentem em ritmo desigual até 2040, médio (ver figura 13). Muitos desses trabalhadores mais com estados no sul e sudeste atingindo acima de 0,7, velhos precisarão navegar em um mercado de trabalho que equivale à média de 2020 para países de alta renda, cada vez mais sofisticado, sem ensino médio e com enquanto na região norte, as taxas de dependência competências básicas limitadas. Jovens adultos pobres provavelmente cairão. Em estados com altas taxas de têm ainda menos escolaridade que seus pares, com um dependência, o tempo que os adultos em idade ativa terço deles não tendo concluído o ensino fundamental. terão que dedicar ao cuidado de crianças e idosos aumentará. Uma proporção maior dos gastos nacionais As políticas públicas de educação e formação com previdência também se deslocará para o Sul e precisarão atender à grande coorte de trabalhadores Sudeste, criando assim uma redistribuição regressiva na faixa etária mais produtiva que não possuem dos recursos nacionais dos estados mais pobres para as competências básicas e técnicas que serão os mais ricos. Esse conjunto de fatores provavelmente necessárias em um mercado de trabalho mais dará aos trabalhadores um incentivo para se mudarem sofisticado. A desigualdade no emprego e nos para regiões mais restritas em trabalho, mas mais ricas. salários devido a diferenças de competências tende a aumentar no futuro, à medida que a demanda por Por fim, o envelhecimento colocará pressões tarefas rotineiras e manuais diminui e a demanda por adicionais em várias áreas do gasto público, habilidades cognitivas e abstratas aumenta. Revisões especialmente com previdência, o que exigirá uma recentes mostraram que isso também está acontecendo renegociação das regras de benefícios e critérios em países em desenvolvimento, apenas em um ritmo de elegibilidade. À medida que a proporção de idosos mais lento. No entanto, a maioria dos trabalhadores cresce, espera-se que os gastos do governo com brasileiros em 2040 já está na escola agora, então previdência e outros serviços públicos, como saúde e não seria afetada por quaisquer reformas que possam cuidados com idosos, aumentem como proporção do CAPÍTULO 3 38   Figura 13. Nível de educação de 70% da força de   Figura 14. Percentual de adultos que já trabalho em 2040, hoje já em idade ativa receberam alguma forma de capacitação além da PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO educação formal 1,6 Nenhuma escolaridade, ou até 1 ano Bolsa Família 40,5 11,5 10,2 32,1 Fundamental 3,4 0,8 incompleto Fundamental 3,9 completo Cadastro Único, Médio 29 10,5 9,9 43,3 incompleto não no BF 2,1 1,3 Médio completo Superior incompleto População 20,1 8,3 7,5 41,9 17,8 Superior 1,3 3,1 completo 0% 20% 40% 60% 80% 100% 0% 20% 40% 60% 80% 100% Nenhuma escolaridade, Superior completo ou até 1 ano Fundamental incompleto Matriculado e já Matriculado Fundamental completo frequentou um curso anteriormente Médio incompleto Atualmente matriculado Nunca matriculado Médio completo Incompleto superior Fonte: PNAD 2019. Fonte: PNAD 2019. Nota: Amostra de indivíduos de 18 a 46 anos em 2019, que é Nota: Indivíduos de 18 a 46 anos, sem deficiência e que não estão estimada em constituir 70% da população em idade ativa em 2040. na escola. PIB. Os gastos com assistência social também podem rapidamente com o mínimo de mão de obra manual aumentar para proteger os idosos que não têm acesso (Nayyar et al., 2021a; OIT, 2019). O Brasil precisará à previdência, principalmente devido às regras mais acelerar a adoção dessas tecnologias para alcançar os rígidas introduzidas pela reforma previdenciária de padrões de vida atualmente vistos em outras partes do 2019. Outras reformas previdenciárias e melhorias mundo. na gestão da saúde podem reduzir o ritmo em que os gastos nessas áreas aumentarão nas próximas A literatura global tem alertado sobre os efeitos décadas, mas nos cenários mais prováveis, os gastos negativos da automação no emprego e na continuarão a aumentar. desigualdade salarial. Nas últimas duas décadas, nos países desenvolvidos, o emprego e os salários em 3.2 Mudanças tecnológicas e o ocupações com grande número de tarefas rotineiras novo mundo do trabalho caíram acentuadamente, provavelmente devido à substituição tecnológica. Essas tendências são O progresso tecnológico vai mudar a geografia da preocupantes, dada a falta de qualificação de tantos atividade produtiva global, bem como a natureza trabalhadores no Brasil. Estudos anteriores sobre do trabalho de muitos brasileiros. A Internet das os efeitos da adoção da tecnologia digital no Brasil Coisas (IdC), a robótica e a impressão 3D reduzirão descobriram que ela teve diversos impactos sobre o os custos de coordenação da produção globalmente emprego. Em geral, os trabalhadores pouco qualificados fragmentada de produtos manufaturados e facilitarão podem se beneficiar da expansão das empresas através o rastreamento e o monitoramento dos componentes de serviços de Internet (por exemplo, plataformas para à medida que se movem pela cadeia de suprimentos. A tarefas simples), mas são mais vulneráveis à perda de robótica avançada reduzirá a fabricação intensiva em seus empregos.15 Os trabalhadores mais qualificados mão-de-obra e potencialmente aproximará a produção tendem a se beneficiar da introdução de novas do consumidor final. A impressão 3-D pode atender à tecnologias que complementam as suas habilidades. De demanda por produtos personalizados e entregues fato, os dados da pesquisa mostram que os brasileiros 15  Por exemplo, o aumento da penetração da internet no Brasil levou à diminuição do emprego para trabalhadores pouco qualificados que realizam tarefas manuais (Corseuil et al, 2018), mas não tanto quanto em outros países da ALC. Os autores sugerem que o ambiente político (como regulamentações trabalhistas ou rigidez salarial) pode promover uma nova combinação ótima de tecnologia-trabalhadores dentro das empresas.   Figura 15. Mudanças no conteúdo médio de   Figura 16. Mudanças no conteúdo médio de 39 tarefas das ocupações, por nível de escolaridade tarefas das ocupações, por faixa etária (2012- PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO (2012-2020) 2020) 0,05 0,04 Diferença no valor do índice de tarefas Diferença no valor do índice de tarefas 0,04 0,03 0,02 0,03 0,01 0,02 - 0,01 (0,01) - (0,02) (0,03) (0,01) (0,04) (0,02) (0,05) (0,03) (0,06) Analítica Interpessoal Cognitiva Manual Manual Analítica Interpessoal Cognitiva Manual Manual não não rotineira rotineira não não não rotineira rotineira não rotineira rotineira rotineira rotineira rotineira rotineira Abaixo de ensino médio Médio Superior Jovens Idade Adulta Idade mais produtiva 14-29 30-50 51-65 Fonte: Relatório Futuros Alternativos para o Brasil (Banco Mundial, Fonte: Relatório Futuros Alternativos para o Brasil (Banco Mundial, no prelo). no prelo). percebem a automação como um risco e uma estes ainda constituam uma pequena parcela dos oportunidade, com percepções muito mais negativas empregos no Brasil. As plataformas online oferecem sendo mantidas por aqueles com níveis educacionais às empresas de menor porte oportunidades únicas mais baixos (IPSOS, 2019). para comercializar seus produtos e serviços tanto local quanto internacionalmente. Elas também oferecem aos Trabalhadores em ocupações que envolvem indivíduos a chance de encontrar e realizar trabalhos na principalmente tarefas rotineiras e manuais internet. Isso é conhecido como trabalho em plataforma, no Brasil têm maior probabilidade que outros no qual um fórum online conecta trabalhadores trabalhadores de serem afetados negativamente remotos com empresas que precisam de trabalhadores por mudanças induzidas pela automação. Esses autônomos de curto prazo para realizar parte de um efeitos negativos geralmente incluem a redução da trabalho ou um trabalho baseado em tarefas. Essas demanda por mão de obra e o crescimento menor chamadas micro tarefas tendem a ser pequenos dos salários. Os dados sobre o Brasil revelam um trabalhos que exigem baixo nível de competência, declínio acentuado na disponibilidade de trabalho levam tempo mínimo para serem concluídos e geram rotineiro no Brasil e uma tendência ascendente no remuneração mínima. As estimativas mostram que os crescimento de empregos do tipo analítico não rotineiro lockdowns relacionados à COVID levaram a um aumento (figura 15 e figura 16). Além disso, evidências causais de 50 por cento do trabalho em plataforma na ALC em recentes mostram que, mesmo quando controladas março de 2020 e que os downloads de plataformas para educação e idade, após o fechamento de uma de micro tarefas e de trabalho freelance aumentaram empresa, os trabalhadores deslocados em ocupações 30 por cento no primeiro trimestre de 2020. No caracterizadas principalmente por tarefas rotineiras entanto, a população de trabalhadores em plataforma são mais vulneráveis a perdas salariais de longo prazo e foi estimada em menos de 3 por cento da força de períodos mais longos de desemprego do que aqueles em trabalho global (Packard et al., 2019) e apenas cerca de ocupações caracterizadas por tarefas não rotineiras 1 por cento na ALC. Pouco se sabe sobre os efeitos de (Martins Neto, 2021). bem-estar do trabalho em plataforma no Brasil. Numa economia marcada pela alta informalidade em serviços A pandemia também impulsionou a demanda por que exigem pouca qualificação, ainda não está claro se bens e serviços fornecidos digitalmente e ampliou o esses trabalhadores teriam conseguido um emprego leque de empregos oferecidos pela internet, embora formal na ausência das oportunidades oferecidas pelas CAPÍTULO 3 40   Figura 17. Contribuintes da previdência, por   Figura 18. Distribuição dos trabalhadores, por tipo de plano (2008–2020) formas de trabalho e decis de renda do trabalho (2019) PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO 60 100% Número médio de contribuíntes mensais Porcentagem de trabalhadores 50 80% 40 (em milhões) 60% 30 40% 20 20% 10 0 0% 2008 2010 2012 2014 2016 2018 2020 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Decis de renda do trabalho Trabalhador Ind - Plano Ind - Plano Completo Trabalhador Informal Servidores públicos formal Simplificado (TA) (PJ/TA Ocasional) Autônomo e militares Ind-MEI Individual - todos Trabalhador Doméstico MEI SIMPLES Trabalhador Formal (CLT) Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social, Ministério do Fonte: PNAD 2019. Trabalho (vários anos). Nota: Contribuintes de pensão formal anual, de acordo com o regime de pensões. "Ind" = Planos individuais para trabalhadores não assalariados. Estes incluem: Empreiteiros individuais (Trabalhador Autonomo, TA). Empresários (Pessoa Jurídica, PJ), Micro Empreendedores (MEI). plataformas. No Brasil, o trabalho em plataforma está vínculo empregatício foi flexibilizada ainda mais com a associado à redução das diferenças salariais baseadas eliminação das restrições que impediam as empresas de em gênero nos mercados de trabalho locais (Vieira et subcontratarem.16 Como resultado dessas mudanças al., 2021) e pode ajudar a reduzir a discriminação racial econômicas e regulatórias, nos últimos 10 anos houve contra trabalhadores específicos, que ainda é muito um aumento constante na proporção de empregos prevalente no Brasil. formais ocupados por trabalhadores autônomos formais (figura 18). O número de MEIs registrados Essas mudanças estão ocorrendo no contexto aumentou dez vezes, de meio milhão em 2011 para da crescente dualidade do mercado de trabalho 5,4 milhões em 2020. Esses trabalhadores autônomos no setor formal do Brasil, com os trabalhadores formais substituíram, em parte, os trabalhadores autônomos formais sujeitos a impostos mais formais com vínculo empregatício deslocados por baixos, mas recebendo menos proteção. Em choques no mercado de trabalho em 2015 e também 2006, o governo implantou o regime tributário após a crise de COVID-19 de 2020.17 simplificado para empresas (SIMPLES) e permitiu o registro de trabalhadores autônomos como MEI O fenômeno da pejotização é provável que continue (microempreendedor individual), que passaram a crescendo, viabilizado por mudanças tecnológicas, e contribuir para a previdência e ter direito a benefícios isso representa um problema para a sustentabilidade de pensão e invalidez. Esses movimentos foram uma do financiamento da proteção social. Evidências tentativa de reduzir as complexidades envolvidas no sobre as primeiras ondas de registros de MEI na última setor formal, evitando a necessidade de mudanças década mostram que a política do MEI foi bem-sucedida abrangentes no código tributário e trabalhista. Sob em formalizar muitos trabalhadores anteriormente esses regimes simplificados, oferecer serviços como ‘invisíveis’ (Hsu, Rocha e De Farias, 2021). Ao mesmo trabalhador independente ou pessoa jurídica tornou-se tempo, ao permitir que os contribuintes declarassem muito menos oneroso do que por meio do emprego com até cinco salários-mínimos de rendimento bruto por mês vínculo tradicional. No entanto, os trabalhadores MEI com níveis mínimos de contribuições sociais, o regime não são elegíveis para o seguro desemprego ou auxílio- do MEI ao longo do tempo também serviu como uma acidente. Em 2017, a utilização de trabalhadores sem brecha fiscal conveniente para os profissionais de classe 16  Lei 13.467 de 13 de julho de 2017. 17  Lei Complementar 182, de 1º de julho de 2021. média. Evidências extraídas da Pesquisa Nacional por de mudanças relacionadas ao clima (incluindo Mato 41 Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) sugerem que Grosso, um dos principais centros de produção de soja PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO os contribuintes MEI estão hoje sobre-representados do Brasil), com estimativas de redução de quase 20 por entre as pessoas de renda média e alta (figura 17). O cento nas chuvas e previsão de grandes aumentos de trabalho baseado em plataforma e a terceirização temperatura na área. baseada na internet provavelmente alimentarão ainda mais esse processo, especialmente porque o judiciário Desastres relacionados ao clima, como secas, brasileiro já esclareceu a questão controversa de que inundações e deslizamentos de terra, continuarão os trabalhadores em plataforma não são empregados a afetar desproporcionalmente as famílias de baixa vinculados sob o código trabalhista.18 Uma nova lei de renda. Essas famílias costumam estar localizadas em startups, sancionada pelo Congresso, ampliou ainda assentamentos urbanos informais com infraestrutura mais o regime do MEI e aumentar a receita máxima precária, localizados em áreas de maior risco (como permitida.19 encostas íngremes, riachos e platôs baixos em centros urbanos) e fortemente expostos a desastres naturais, Como não se espera que a informalidade desapareça como enchentes e deslizamentos de terra. Mais de no futuro, a discussão deve focar em como melhorar dois terços (69 por cento) dos domicílios nessas a cobertura dos trabalhadores no contexto das comunidades têm renda domiciliar per capita inferior a mudanças tecnológicas e estruturais nas relações de um salário-mínimo (Cunha et al., 2018). Com base em trabalho. Como em muitos países em desenvolvimento, um cenário de alto impacto, prevê-se que o aumento poucos adultos em idade ativa no setor informal no dos gastos com saúde devido à mudança climática Brasil estão protegidos pelo sistema de proteção social. levará mais 1,3 por cento da população para baixo da É provável que a informalidade cresça, pois é a principal linha de pobreza de US$ 1,9 até 2030 (figura 19). maneira pela qual os trabalhadores se ajustam aos choques do mercado de trabalho quando empregos são Taxas de poupança baixas e de desconto altas perdidos no setor formal. Além disso, os jovens estão limitam a resiliência das famílias aos múltiplos cada vez mais preferindo aproveitar as oportunidades choques do futuro, bem como sua capacidade de trabalho digital e trabalho freelance em plataformas de planejamento. Instrumentos financeiros como do que o trabalho assalariado sob um contrato rígido, poupança, crédito e microsseguro podem ajudar os de modo que o maior desafio passa a ser assegurar pobres a enfrentar os choques sem esgotar seus ativos que mesmo essas formas de trabalho ofereçam aos ou danificar permanentemente seu capital humano trabalhadores as proteções trabalhistas fundamentais (World Bank, 2021b). No entanto, poucos pobres no e seguridade social. Brasil têm poupança suficiente ou acesso a crédito acessível e, portanto, muitas vezes não conseguem 3.2 Mudança climática levantar dinheiro em uma emergência (figura 20). Além disso, embora muitos brasileiros frequentemente Há uma literatura crescente que documenta os percam bens em enchentes e deslizamentos de terra, efeitos das mudanças climáticas sobre os meios é raro que os pobres tenham algum seguro devido à de subsistência em áreas urbanas e rurais no falta de educação financeira e falta de incentivos Brasil. Estudos revelam que as mudanças climáticas para o mercado privado atender a esses clientes em na forma de ondas de calor e chuvas têm efeitos potencial. negativos na produtividade, nos mercados de trabalho e na acumulação de capital humano. Desastres como Além disso, as políticas climáticas globais e deslizamentos de terra e inundações são a causa de domésticas provavelmente forçarão o Brasil a uma 87 por cento das mortes relacionadas a desastres no transição para ‘empregos verdes’, exigindo que seus Sul e Sudeste do Brasil (Pedroso, 2021). Cerca de 13 por trabalhadores se adaptem para sobreviver. O alcance cento do semiárido brasileiro (nordeste e norte de Minas de emissões líquidas zero e a transição para uma Gerais) está em estágio avançado de desertificação. economia verde muitas vezes causam preocupações O sudeste da Amazônia Legal enfrenta o maior risco com a perda de empregos. Não se espera que essa 18 https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2021/marco/em-2020-numero-de-meis-teve-um-aumento-de-8-4, acessado em 13 de dezembro de 2021. Em 2022, a expectativa é de que o número cresça ainda mais, dado o aumento do teto de receitas para pequenos empreendedores que desejam contribuir nessa categoria subsidiada. 19  Lei complementar 182, de 1º de junho de 2021. CAPÍTULO 3 42 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO “Desastres relacionados ao clima e gastos com saúde devem levar mais 1,3% da população brasileira para a pobreza extrema (US$ 1,9 PPC por dia) até 2030”. Figura 19. Impacto estimado das mudanças climáticas na renda dos 40 por cento mais pobres e na pobreza extrema no Brasil, cenário de alto impacto Mudança de renda (%) População adicional abaixo de $1,9 para os 40% mais pobres como porcentagem da população 1 1,4 0 1,2 -1 1 -2 -3 0,8 -4 0,6 -5 0,4 -6 -7 0,2 -8 0 Receita agro Desastres Preços dos alimentos Produtividade do trabalho Todos os impactos Receita agro Desastres Preços dos alimentos Produtividade do trabalho Todos os impactos Saúde Saúde Fonte: Jafino et al (2020). transição seja excessivamente disruptiva no Brasil Uma análise realizada por Mealy (2022) sugere que há graças à matriz energética já relativamente limpa algum potencial nos setores verdes brasileiros, como e renovável do país.20 No entanto, para que o Brasil energia eólica, energia hidrelétrica e energia solar, para permaneça competitivo nos mercados globais, recursos absorver trabalhadores de setores marrons com base e investimentos precisarão ser direcionados para setores em suas competências e proximidade ocupacional. No de emissões relativamente baixas.21 Essa transição entanto, pode haver grandes diferenças na capacidade provavelmente terá impactos negativos de longo prazo de transferir diferentes competências exigidas dentro sobre os trabalhadores em empregos “marrons” em de um mesmo setor. A geografia é outro determinante indústrias como combustíveis fósseis.22 Como sempre, para garantir uma transição suave entre os setores o risco de desemprego é maior para pessoas vulneráveis marrom e verde. Os trabalhadores da indústria de com menor escolaridade e menor capacidade de mineração de carvão têm competências que lhes aprender uma nova ocupação. A capacidade de mudar permitiriam mudar facilmente para setores de minerais de setores marrons para verdes ou neutros depende verdes (como a extração de grafite). No entanto, neste de vários fatores, incluindo as diferenças entre as caso, isso pode depender de onde os novos empregos competências exigidas nas antigas e novas ocupações e estão localizados e se seria possível para o minerador as localizações geográficas dos empregos em questão. de carvão se mudar para outro lugar, se necessário. 20  As energias renováveis representam cerca de 48 por cento da matriz energética brasileira e mais de 80 por cento de sua matriz elétrica. 21  World Bank’s Brazil Climate Change Development Report (Banco Mundial, no prelo). 22  Esta análise baseia-se no Relatório de Desenvolvimento de Mudanças Climáticas no Brasil do Banco Mundial (World Bank, no prelo).   Figura 20. Capacidade de adultos brasileiros de arrecadar fundos em caso de emergência, por quintil 43 de renda PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Média Q5 Q4 Q3 Q2 Q1 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% Poupança Venda de bens Empréstimo de instituição financeira, Familiares e amigos Renda do trabalho Incapaz de arrecadar fundos empregador ou credor privado Outros Fonte: Banco Mundial (2021b). Nota: Habilidade relatada pelos indivíduos através de uma pesquisa objetiva. CAPÍTULO 4 44 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Avaliando o desempenho da proteção social: equidade, oportunidade e resiliência PRINCIPAIS MENSAGENS Este capítulo avalia a capacidade do sistema de proteção social do Brasil de proteger e promover o capital humano por meio de quatro lentes analíticas: Equidade: • A pobreza e a desigualdade de renda continuam altas. • Os gastos públicos não são progressivos e o financiamento não é distribuído de forma justa pela sociedade. • Os benefícios de proteção social recebidos pelas pessoas no quintil mais pobre são menores do que os recebidos no quintil mais rico. Oportunidades para a força de trabalho presente e futura: • A maioria dos programas de proteção social não foi desenhada para promover a produtividade do trabalho ou o capital humano. • O desenvolvimento de competências e os programas de mercado de trabalho são voltados, de modo geral, para os trabalhadores do setor formal, enquanto programas de inclusão econômica mostraram-se inovadores, embora a maioria deles tenha sido descontinuada. • Algumas das recentes inovações do programa de TCR poderiam melhorar os resultados de capital humano, mas ainda não foram implementadas. Resiliência: • Os trabalhadores informais têm rendimentos mais voláteis, mas menor acesso a proteção. • Programas contra o desemprego são generosos, mas de curto prazo e oferecem limitada proteção para os vulneráveis, mesmo no setor formal. • Os programas de proteção social precisam ser desenhados para garantir uma resposta ágil a choques climáticos. • O sistema de benefícios fiscais é apenas ligeiramente redistributivo se considerarmos as isenções fiscais, os subsídios implícitos e impostos indiretos. • O sistema previdenciário é excessivamente regressivo e generoso. Eficiência e Sustentabilidade: • Há muitas sobreposições entre os programas. • Os gastos previdenciários atuais não são fiscalmente sustentáveis. • Os programas precisam adotar os mecanismos inovadores de entrega usados no programa Auxílio Emergencial durante a COVID-19. 4.1 A Estrutura de Equidade, de eficiência e sustentabilidade, que é um elemento 45 essencial no contexto das restrições fiscais e do já Oportunidade, Resiliência e PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO amplo sistema de proteção social e de emprego do Sustentabilidade na Proteção Brasil. Os quatro elementos podem ser descritos da Social seguinte forma: Esta nota adota uma abordagem em quatro frentes • Equidade refere-se à capacidade do sistema de para avaliar a habilidade e a capacidade do sistema proteger a população contra a pobreza e contra a de proteção social do Brasil de proteger e promover perda de capital humano. Abrange tanto o acúmulo o capital humano de sua população. Recentemente, o inadequado quanto o esgotamento do capital Banco Mundial atualizou a sua estratégia de Proteção humano em decorrência de choques diversos. Pode- Social (World Bank 2022a, World Bank 2012) que se considerar que o sistema de proteção social definia os sistemas em termos de sua capacidade de promove a equidade se: (i) seus programas protegem promover resiliência, oportunidade e equidade (ROE) suficientemente os pobres e (ii) o financiamento ao longo do ciclo de vida. Nesta nota, desenvolvemos da proteção social é distribuído de forma justa na essa estrutura e acrescentamos uma quarta meta sociedade e os gastos públicos são progressivos.   Figura 21. Intervenções da política brasileira de proteção social e trabalho para a acumulação de capital humano ao longo do ciclo de vida Primeira infância Infância, adolescência Vida Adulta Terceira Idade e juventude Concessões para Concessões para Transferências em EQUIDADE as crianças: as crianças: dinheiro e não para os pobres Salário Família Salário Família monetárias: Previdência social: BPC-idade Transferências Isenção de taxas: Bolsa Família, Serviços de Proteger contra a relacionadas Tarifa Social (junto a Abono Salarial, à deficiência: cuidados: n.d. extrema pobreza e a concessionárias) com Salário Família perda de capital BPC-PCD base no CadÚnico Obras públicas: n.d. humano TCRs na educação: Serviços de MT: SINE OPORTUNIDADES Nutrição/ Bolsa Família Inclusão econômica: Desenvolvimento na Empregos para os Formação contínua para todos Primeira Infância : ACESSUAS Trabalho, ao longo da vida: Jovens: ATER, PAA, Economia Primeira infância ACESSUAS Trabalho acesso facilitado Solidária, Fomento Promover o capital no SUAS Nutrição: PNAE ao ensino superior à produção, Cisternas humano e o acesso TCRs na pré-escola: Competências: (Estatuto do Idoso) Requalificação: ao trabalho produtivo Bolsa Família programas de capacitação treinamentos Renda emergencial: AE*, Bolsa Família, Defesa Civil Renda emergencial: Renda emergencial: Transferências não Aposentadorias RESILIÊNCIA AE*, Bolsa Família, AE*, Bolsa Família, monetárias: SISAN, por idade: para os Defesa Civil Defesa Civil Cestas de alimentos RGPS (rural / Transferências Transferências Serviços: SUAS vulneráveis não monetárias: não monetárias: Seguro-desemprego urbano), RPPS Seguro por SISAN, Cestas SISAN, Cestas e invalidez: invalidez: de alimentos de alimentos SD, Auxílios INSS Proteger contra os BPC - deficiência Serviços: SUAS Serviços: SUAS Seguro subsidiado: impactos de Garantia Safra choques diversos Economias correspondentes: n.d. 0-5 anos 6-29 anos 30-65 anos 65 anos Acumulação Uso e proteção do Proteção do de Capital Humano Capital Humano Capital Humano Fonte: Adaptado de Resilience, Equity, and Opportunity: The World Bank Social Protection and Labor Strategy 2012–2022. Nota: *O Auxílio Emergencial (AE) foi uma resposta temporária à crise de COVID-19; o programa foi encerrado em 2021. CAPÍTULO 4 46 • Oportunidade refere-se à capacidade do sistema O sistema de proteção social brasileiro apresenta de promover o acúmulo de capital humano e todas essas características até certo ponto, como PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO proporcionar trabalho produtivo para todos. A mostra a figura 21. Nesta seção, destacamos alguns promoção de oportunidades para todos requer o desequilíbrios e deficiências importantes do sistema de uso de recursos para aumentar a produtividade do proteção brasileiro que precisarão ser reformados para trabalho e o acúmulo de capital humano. Também garantir que o sistema continue relevante e eficaz nas envolve a tentativa de equilibrar as contribuições e próximas décadas. recompensas em todos os grupos da sociedade e proporcionar formas para as pessoas protegerem seu capital humano e acessarem o trabalho 4.2 Equidade: Apoiar os mais produtivo. necessitados ao longo de todo o ciclo de vida • Resiliência refere-se à capacidade do sistema de proteger os vulneráveis contra o impacto de Equidade diz respeito à capacidade do sistema choques diversos. Um sistema de proteção social de proteção social brasileiro de proteger que promove a resiliência é capaz de proteger as suficientemente a população contra a pobreza e pessoas de riscos presentes e futuros ao longo de a perda de capital humano ao longo do ciclo de todo seu ciclo de vida. Também garante o acesso vida. Esta seção avalia cada programa principal em à proteção social independentemente da família termos de cobertura, adequação dos benefícios e realizar trabalho formal ou informal. progressividade. A análise se baseou amplamente na ferramenta de microssimulação de impostos e • Por último, a eficiência e a sustentabilidade de um benefícios brasileiros (BraSim). Ela permite simular sistema de proteção social estão relacionadas teoricamente a incidência de políticas fiscais sobre as a três características essenciais: (i) poucas famílias ao longo da distribuição de renda, mesmo se sobreposições entre os programas; (ii) provisão de não reportadas diretamente em pesquisas domiciliares. benefícios e serviços de forma eficaz e eficiente O quadro 2 apresenta as diversas ferramentas à população-alvo; e (iii) gastos e financiamentos utilizadas nesta nota. fiscalmente sustentáveis.   Quadro 2. Abordagens analíticas utilizadas para analisar o sistema de proteção social brasileiro nesta nota ASPIRE O Atlas de Proteção Social: Indicadores de Resiliência e Equidade (ASPIRE, Atlas of Social Protection: Indicators of Resilience and Equity) é um banco de dados de indicadores de gastos e de incidência para programas de proteção social. Em 2022, o ASPIRE continha informações sobre cerca de 140 países e mais de 3.000 programas. Esta nota adotou a taxonomia ASPIRE para categorizar os gastos federais de proteção social, que foram extraídos dos dados do orçamento federal. Os dados coletados incluem informações sobre o desenho, as despesas executadas e os números de beneficiários dos programas. BraSim O BraSim é uma ferramenta de microssimulação desenvolvida pela Equipe de Pobreza e Equidade do Banco Mundial que permite estimar os impactos distributivos das políticas fiscais. A ferramenta funciona em uma população sintética baseada em dados de pesquisas domiciliares, PNAD Contínua (PNADC) 2019, que representa a distribuição total de domicílios do Brasil. A ferramenta aplica as regras de cada programa federal de transferência e de taxação a cada família sintética de acordo com suas características demográficas. O BraSim permite identificar a incidência de impostos diretos e indiretos, as contribuições para a seguridade social de empregados e de empregadores, aposentadorias, bem como Bolsa Família, BPC, aposentadorias rurais, Abono Salarial e Salário Família. A ferramenta também permite que os usuários modelem as   Quadro 2. continue 47 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO implicações distributivas de equilíbrio parcial de mudanças nas políticas tributárias e de benefícios, no entanto não modela respostas comportamentais ou considera efeitos de equilíbrio-geral. Uma ressalva fundamental é que o sistema de benefícios fiscais é reproduzido no BraSIM (e modelos similares) sob uma suposição de implementação perfeita dos programas e, como tal, a análise é particularmente útil para avaliar o desenho e não o desempenho do programa. Os resultados diferem de uma análise de incidência baseada na declaração de recebimento de uma transferência específica na mesma pesquisa domiciliar. Brasil De Jure Model O BraJure é uma ferramenta de microssimulação de benefícios fiscais desenvolvida pela equipe de Proteção Social e Emprego do Banco Mundial e construída sobre a ferramenta BraSim. Ela foi projetada para simular os impactos na renda disponível das famílias de mudanças nas contribuições de empregados e empregadores, impostos, bem como direitos a benefícios, para diferentes formas de tipos de trabalho formal (dependentes, autônomos, MEI, e outros) no Brasil. A ferramenta permite definir um tipo de família composto por um a quatro membros (por exemplo sendo dois adultos e duas crianças, e sendo que um adulto se encontre empregado no setor formal), e simula o rendimento disponível familiar a cada aumento salarial em uma unidade monetária. PROST O Pension Reform Options Simulation Toolkit (PROST) é um software do Banco Mundial. Consiste em um modelo determinístico genérico utilizado para modelar os resultados do sistema previdenciário no longo prazo em mais de 100 países no mundo. O modelo utiliza dados específicos por idade dos participantes do sistema previdenciário e pressupostos exógenos determinados pelo usuário sobre a evolução futura das variáveis econômicas, os comportamentos dos participantes nos regimes previdenciários e alterações nos parâmetros dos regimes previdenciários. Cobertura do Sistema de Proteção Social valor dos benefícios e serviços direcionados às crianças e jovens tende a oscilar ao longo do tempo. Historicamente, o sistema de proteção social do Brasil não tem conseguido proteger todos os pobres Benefícios monetários são providos a famílias da mesma forma ao longo do ciclo de vida. A figura 22 trabalhadoras ao longo de um amplo espectro da mostra a distribuição dos programas de acordo com a distribuição de renda. Famílias trabalhadoras na maior faixa etária primária de seus beneficiários-alvo. Embora parte da distribuição de renda recebem dinheiro de o sistema de proteção social tenha desenvolvido vários programas, incluindo (em 2019) o Bolsa Família, programas para todas as faixas etárias, quando o Salário Família e o Abono Salarial (ver figura 24). Esses agregados, a maior parte dos gastos federais com programas têm objetivos e concepções diferentes, com proteção social é alocada para programas direcionados muitas sobreposições e erros de exclusão. Por exemplo, diretamente aos idosos (83 por cento em 2019). Isso o Abono Salarial, que é direcionado inteiramente aos é semelhante aos padrões de gastos das economias trabalhadores formais com renda de até dois salários- “muito mais velhas” da OCDE. Crianças e jovens recebem mínimos e independentemente da renda familiar, menores ou nenhum benefício, o que os coloca sobre- tornou-se menos eficaz ao longo do tempo em termos representados no quintil inferior da distribuição de renda de redução da pobreza. Isso ocorreu porque a maioria no Brasil (figura 23), ao passo que a pobreza na terceira dos membros das famílias pobres não tem empregos idade é algo raro. Os programas para os idosos também assalariados formais, enquanto muitas famílias de tendem a ser oferecidos de modo estável ao longo do classe média têm pessoas que ganham até o dobro tempo, na forma de aposentadoria permanente; já o do salário-mínimo (equivalente a cerca de dez vezes a CAPÍTULO 4 48   Figura 22. Despesas com previdência social,   Figura 23. Distribuição da população, por mercado de trabalho e assistência social ao longo faixas etárias e quintis de renda PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO do ciclo de vida no Brasil (2019) 100% 3% 700.000 100% 8% 14% 83% 90% 17% 17% 90% 600.000 80% 80% 500.000 70% 70% 56% 60% 60% 62% 400.000 62% 70% 70% 50% 50% 300.000 40% 40% 200.000 30% 30% 12% 41% 20% 20% 100.000 5% 30% 1% 10% 10% 21% 16% 13% 0 0% 0% Sem idade Criança Adulto Idoso Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 específica Previdência social Assistência social % do total 0-17 18-63 64 ou mais Mercado de trabalho Total Fonte: Banco Mundial, usando dados de despesas do Portal da Fonte: PNADC 2019. Transparência, 2019. Nota: Inclui os programas de previdência social, assistência social e mercado de trabalho, classificados pelos autores de acordo com as principais faixas etárias às quais os programas se dirigem. O Bolsa Família é classificado como assistência social - criança, o SUAS e as políticas habitacionais são classificados como assistência social-to- dos e o Salário Família é mercado de trabalho-criança. linha da pobreza do Bolsa Família em 2019). O Salário fragmentados, quando considerados em conjunto, Família - voltado para famílias com salários formais eles fornecem um piso de assistência social com baixos23 e com crianças em casa - é mais progressivo, benefícios que diminuem à medida que a renda dos mas atinge apenas uma pequena parcela das crianças beneficiários aumenta. Em última análise, o bem- brasileiras. estar das famílias depende do efeito combinado dos impostos e benefícios, e não de programas individuais. O principal programa de TCR do Brasil se destaca Modelos de benefícios fiscais de jure são amplamente como o benefício mais progressista e com o desenho utilizados para entender o efeito líquido da política mais moderno para aliviar a pobreza. Este programa fiscal do governo sobre a renda de diferentes tipos de - chamado desde seu início de Bolsa Família e, de 2021 família. Esses modelos são, na verdade, calculadoras de a 2022, de Auxílio Brasil - visa efetivamente as famílias renda que mostram o que um trabalhador tem direito a mais pobres, ajustando o nível do benefício de acordo receber do governo e o que ele tem o dever de pagar em com o número de crianças na família para reduzir a relação a cada valor de renda salarial auferida (figura lacuna de renda familiar.24 O programa Auxílio Brasil e o 25). O modelo da figura 25 considera uma família de novo Bolsa Família 2023, não foram incorporados nas quatro pessoas, com um adulto trabalhando no setor simulações desse estudo. As características de desenho formal em faixas salariais diversas (no eixo horizontal). são muito semelhantes às do Bolsa Família 2019, mas o Como se vê na figura, o governo continua a fornecer valor do benefício é significativemente maior. algum tipo de complemento de renda à medida que a renda do trabalho aumenta e em todo o espectro Embora os programas de transferências para formal-informal, quase como uma renda básica as famílias trabalhadoras no Brasil sejam universal e gradual (Gentilini et al., 2019). 23  Os limiares salariais são definidos anualmente pelo governo. Em 2022, por exemplo, o critério de elegibilidade era ter filho(a) de até 14 anos (ou filho(s) com deficiência(s) de qualquer idade) e salário inferior a R$ 1.655,98. Vale ressaltar que, em 2022, o Salário-Mínimo era de R$ 1.212,00. 24  O Auxílio Brasil introduziu um componente que recompensa os contratos formais no mercado de trabalho com bônus em dinheiro. Este componente é composto pelo Auxílio Inclusão Produtiva Urbana, no caso de contratos formais de trabalho em áreas urbanas, e pelo Auxílio Inclusão Produtiva Rural para agricultores familiares. Porém, essa norma nunca foi implementada e desapareceu na última reforma do programa. 49 “Devido ao seu desenho, o Bolsa Família e os suplementos salariais Salário Família e Abono PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Salarial beneficiam famílias brasileiras ao longo de toda a distribuição de renda”. Figura 24. Simulação da distribuição de benefícios, por decis de renda familiar 90% benefício ou combinação de benefícios Parcela da população que recebe cada 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Mais Pobres 2 3 4 5 6 7 8 9 Mais Ricos Recebe apenas o BF Recebe o BF e o AS/SF/Ambos Recebe o AS e o SF Recebe apenas o SF Recebe apenas o AS Fonte: Modelo de simulação BraJure do Banco Mundial. Nota: Família composta por dois adultos e duas crianças (entre 3 e 21 anos de idade). BF – Bolsa Família, AS – Abono Salarial, SF – Salário Família.   Figura 25. Renda líquida total proveniente de transferências para uma família de dois adultos e duas crianças, com um adulto trabalhando no mercado de trabalho formal Limiar 700 Limiar RE Cadastro Único Linha de pobreza extrema Linha de pobreza 1 SM (R$ 475 per capita) 600 (BRL 89 per capita) (R$ 178 per capita) 500 400 300 BRL 200 100 0 -100 -200 -300 502 543 585 627 669 711 752 794 836 878 920 961 1003 1045 1087 1129 1170 1212 1254 1296 1338 1379 1421 1463 1505 1547 1588 1630 1672 1714 1756 1797 1839 1881 1923 1965 2006 2048 2090 2132 2174 2215 2257 2299 2341 2383 2424 2466 2508 2550 2592 2633 460 418 376 334 0 42 84 125 167 209 251 293 Renda trabalhista declarada Benefício variável BF Benefício variável RE Benefício Cidadania Salário Família Contribuições Previdenciárias Renda Líquida per capita (RE) Renda Líquida per capita (não RE) Fonte: BraJure do Banco Mundial, modelo de benefício fiscal de jure referente ao Brasil em 2019. O modelo simula o valor e o nível dos benefícios recebidos (eixo vertical) por uma família, sob diferentes níveis de renda do trabalho (eixo horizontal), a partir de zero (quando nenhum membro tem emprego formal). As linhas de pobreza referem-se ao ano de 2019. "RE" significa Regra de Emancipação, uma regra do programa Bolsa Família que permite que a família continue recebendo a maioria dos benefícios do programa por até dois anos após sua renda subir acima do limite de elegibilidade. "Não RE" significa uma família que não participou da Regra de Emancipação. Benefício Cidadania é o benefício de nível familiar no AB. O tipo de família considerado nesta versão do modelo é composto por quatro membros, sendo dois adultos e duas crianças, e dado que um dos adultos é empregado no setor formal. O modelo pressupõe que o trabalhador não receba Abono Salarial uma vez empregado, uma vez que o benefício é concedido somente após cinco anos de emprego formal. Veja Fietz et al (2019) para uma ilustração completa de BraJure. CAPÍTULO 4 50 No caso do Brasil, a coexistência de benefícios com Os níveis de generosidade da assistência social diferentes enfoques de direcionamento gera algumas começaram a subir em 2021, com a reforma do Auxílio PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO duplicidades quando um trabalhador ingressa em Brasil. Com o encerramento do benefício temporário um emprego formal e tem direito a receber o Salário do Auxílio Emergencial em 2021, o programa Auxílio Família (e possivelmente também o Abono Salarial),25 Brasil foi criado para substituir o Bolsa Família. Com mas continua pobre e, portanto, também continua limites de elegibilidade mais elevados e a abolição de recebendo os benefícios do Bolsa Família. Essa situação restrições orçamentárias, o novo programa atingiu a não é problemática do ponto de vista da equidade, mas marca histórica de 18 milhões de famílias beneficiadas, também não é eficiente. marca essa superada novamente outubro de 2022, quando o programa atingiu a marca de 21 milhões Adequação de famílias cobertas. A reforma do AB introduziu várias inovações na concepção do benefício27 que, em Simulações com base em dados da PNAD Contínua conjunto, elevaram o benefício médio de R$ 196 para revelam que cerca de 21 por cento das famílias R$ 217,28 favorecendo principalmente as famílias com continuavam em situação de pobreza em 2019, crianças pequenas. Essa situação ajudou a reverter mesmo depois de receberem transferências de a queda gradual do valor real dos benefícios do Bolsa proteção social, e que estas são, em sua maioria, Família (ver Morgandi et al., 2019). O benefício médio famílias com crianças.26 A adequação avalia se o pago pelo Auxílio Brasil permaneceu em cerca de um valor da transferência é suficiente para proteger o quinto do valor do Benefício de Prestação Continuada beneficiário de um choque - neste caso, a pobreza (BPC) e do programa de previdência rural. A reforma extrema. Quando comparado a todos os outros gastos do Bolsa Família de 2023, consolidou o programa em com benefícios fiscais (ver figura 26), o Bolsa Família foi um valor médio similar ao programa Auxílio Brasil, e o programa que se revelou mais eficiente em reduzir a reduziu algumas das problemáticas atadas ao benefício pobreza para cada real gasto. É importante ressaltar extraordinário. que o impacto do Bolsa Família na redução da pobreza deveu-se, principalmente, ao bom direcionamento do Em 2021 também foram lançados, por meio de programa e à larga escala (Morgandi, Sousa et al., 2019), legislação específica, o Benefício Extraordinário e não à sua generosidade, que na época era baixa. De (BE) e o Benefício Complementar (BCompl). Estes fato, simulações realizadas com a ferramenta BraSim exacerbaram as complexidades dos benefícios da em relação ao programa BF em 2019 sugerem que, assistência social em vez de resolver os problemas mesmo que o Bolsa Família tivesse sido implementado de generosidade do AB. O Benefício Extraordinário foi com perfeição (ou seja, com todas as famílias elegíveis lançado como complemento para todas as famílias recebendo os benefícios do programa), cerca de 21 por do Auxílio Brasil, independentemente de composição cento das famílias no Brasil em 2019 ainda viveriam familiar, para garantir que todos recebessem pelo em situação de pobreza moderada, o que significa que menos R$ 400 mensais. O Benefício Complementar o nível de benefícios não era adequado. Isso contrasta também foi um benefício adicional fixo e temporário com o valor dos benefícios oferecidos pelos programas de R$ 200, pago entre agosto e dezembro de 2022 de para idosos, que, em quase todos os casos, elevam os modo a garantir R$ 600 para cada família beneficiada. beneficiários para um patamar bem acima da linha de Concebido inicialmente como temporário, o benefício pobreza do Cadastro Único. A previdência social tem foi prorrogado sucessivamente por pressão política, um impacto mais forte na redução da pobreza, embora alimentando assim uma impressão de reforma menos eficiente. O motivo é o alto valor dos benefícios permanente.29 Essas mudanças pontuais resultaram oferecidos. em um projeto de assistência social abaixo do ideal, 25  O Abono Salarial é concedido apenas ao trabalhador que completou pelo menos cinco anos de trabalho no setor formal. 26  Simulação na ferramenta BraSim utilizando dados da PNADC 2019. Presume a perfeita execução dos programas e inclui a renda dos servidores públicos como fonte de renda protegida. A pobreza foi definida em meio salário-mínimo per capita, ou USD 6,2 PPC. 27  Por exemplo: (i) revisão do valor dos benefícios; (ii) redução das modalidades de benefício variável; (iii) ampliação do benefício variável para os jovens entre 18 e 21 anos de idade; (iv) uma nova regra que rege a saída do programa; e (v) novos benefícios voltados para o incentivo a conquistas científicas e esportivas nas escolas. 28  Note que os montantes citados não incluem o impacto no benefício total dado o Benefício Extraordinário. 29  O Benefício Extraordinário se tornou permanente em maio de 2022 (Lei 14.342/22). Em julho de 2022, o Benefício Extraordinário foi alterado e passou a incluir um adicional de R$ 200 para todas as famílias beneficiárias do Auxílio Brasil entre agosto e dezembro de 2022. O benefício mínimo, portanto, passou a ser de R$ 600.   Figura 26. Relação custo-benefício dos principais programas de assistência social, de emprego e de 51 incentivos fiscais do Brasil PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO IRPF Outras Deduções IRPF Isenção Criança IRPF Isenção de Previdência Formal Todas transferências privadas Bolsa Família Declarado BPC Toda a assistência social Seguro Desemprego Salário Familia Abono Salarial Todos os programas de mercado de trabalho Previdência RGPS Aposentadoria rural 0 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 Relação custo-benefício Fonte: BraSim, com base na PNADC 2019, pressupondo a perfeita execução dos programas. Nota: Inclui os rendimentos dos servidores públicos como fonte de rendimentos protegidos. A pobreza foi definida em meio salário-mínimo per capita, ou USD 6,2 PPC. A relação custo-benefício é a redução da lacuna de pobreza em uma unidade de moeda local por cada unidade gasta com o programa social em questão. O valor zero significa que a despesa não teve qualquer impacto na redução da pobreza. dando margem a grandes desigualdades horizontais substituto de uma linha de pobreza real, embora entre famílias pobres de diferentes tamanhos. Além os ajustes de seu valor geralmente não visem a disso, as duplicações no sistema de proteção social preservação do poder de compra dos cidadãos de não foram solucionadas. A recente reforma de 2023 baixa renda. Os programas não vinculados ao salário- reintroduziu o programa Bolsa Família e começou mínimo - em grande parte voltados exclusivamente a reduzir os incentivos negativos à duplicação das para os pobres (como o Bolsa Família) - ficam fora do famílias ao mesmo tempo mantendo um nível de contrato social constitucional, que protege também generosidade alto. Essa reforma será avaliada em um a saúde e a educação. Por isso, o valor dos benefícios estudo futuro. proporcionados pelos programas de alívio da pobreza tem sido objeto de ajustes de valor menos frequentes, e Historicamente, houve indexação da maioria dos o espaço fiscal a eles atribuído tem sido sobrecarregado programas de proteção social, excluído o Bolsa pelos demais benefícios (principalmente após a crise Família, que nunca foi vinculado ao salário-mínimo. de 2015). Além disso, em 2022 também houve um Ajustes automáticos dos benefícios são necessários aumento de programas ad hoc relacionados à energia.30 para preservar sua paridade de poder de compra ao longo do tempo e, dessa forma, mitigar a pobreza. A pobreza é multidimensional, mas os gastos federais Esses ajustes costumam levar em conta as condições com proteção social têm se concentrado cada vez de vida dos beneficiários e também o espaço fiscal mais em programas de transferência de renda em disponível. No Brasil, a maioria dos programas - detrimento de provisão de serviços (benefícios não- incluindo o Seguro Desemprego, o Abono Salarial, a monetários). A pobreza é exacerbada pelo acesso previdência contributiva, a previdência rural e o BPC por limitado dos pobres aos mercados de trabalho, idade ou deficiência - fixam o piso mínimo de benefício serviços básicos, saúde e moradia e pelo maior risco no patamar do salário-mínimo nacional. O salário- de desnutrição (Campante Vale e Lara Ibarra, 2022). mínimo também serve como valor de referência para os É claro que nem todas essas questões podem ser critérios de elegibilidade de renda para recebimento do resolvidas pelo sistema de proteção social, mas a BPC e inclusão no Cadastro Único. proteção social tem uma vantagem comparativa em algumas áreas - por exemplo, por ser capaz de garantir O salário-mínimo, portanto, tem sido usado tanto que os serviços do governo cheguem aos pobres ou como ferramenta de indexação quanto como por fornecer benefícios e serviços personalizados a 30  Durante 2022, as transferências temporárias de renda criadas pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 15/22 incluíam um benefício pecuniário para caminhoneiros e taxistas, a ampliação do auxílio para a aquisição de gás de cozinha (Auxílio Gás dos Brasileiros) e repasses aos estados e municípios para prestação de serviços de transporte público gratuito para idosos. CAPÍTULO 4 52 grupos vulneráveis. As transferências condicionadas subsídios a programas previdenciários tendem a de renda são um dos poucos programas híbridos beneficiar muitas famílias das classes média e alta. PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO (dinheiro e serviços) que ainda existem em grande A figura 27 utiliza a ferramenta de microssimulação escala. Nos outros casos, com o encerramento da BraSim para identificar a parcela da renda familiar estratégia Brasil Sem Miséria, o sistema de proteção total representada pelas transferências de proteção social passou a economizar cortando programas e social em cada quintil da distribuição de renda no Brasil. serviços (em parte porque esses serviços não são A figura também mostra a renda média das famílias objeto de vinculação orçamentária, ao contrário da em cada quintil. Ela revela que as transferências sociais saúde e da educação). Em 2019, apenas 8 por cento têm um papel importante no apoio às famílias do dos gastos federais na área de assistência social e primeiro (mais baixo) quintil de renda da população, 1,7 por cento dos gastos na área de programas de uma vez que representam cerca de 65 por cento do mercado de trabalho foram destinados a programas rendimento total dos pobres. Esse nível de proteção se de benefícios não monetários. As políticas ativas dá, principalmente, na forma de amplo apoio aos idosos de mercado de trabalho e os programas de inclusão pobres, e não às crianças ou à população pobre em econômica em áreas rurais e urbanas, programas de idade ativa. No entanto, a figura mostra também que desenvolvimento da primeira infância, serviços sociais as transferências de proteção social, essencialmente a e cuidados de longo prazo para idosos são exemplos previdência contributiva, representam cerca de 20 por dos tipos de serviços cujo financiamento foi delegado cento da renda das famílias no terceiro, quarto e até aos governos subnacionais, de acordo com suas quinto quintis. O alto valor do benefício previdenciário próprias capacidades fiscais. faz com que os beneficiários se enquadrem, geralmente, entre o quinto e o sexto decil da distribuição de renda. Progressividade Esses benefícios previdenciários contêm um volumoso subsídio implícito31 que beneficia, em sua maioria, a As transferências da proteção social no Brasil são, de classe média, especialmente por meio de um generoso modo geral, bem direcionadas; porém, os volumosos valor mínimo de aposentadoria (descrito mais adiante).   Figura 27. Benefícios da proteção social e   Figura 28. Simulação do valor médio dos impostos diretos como percentual da renda benefícios e impostos diretos das famílias, por familiar em cada quintil de renda per capita quintis de renda per capita (2019) 70% 1000 60% 800 Benefícios por mês (BRL) 50% 600 40% 400 BR R$ 30% 200 20% 0 10% 0% -200 -10% -400 -20% -600 Mais 2 3 4 Mais 288 501 839 1356 3766 pobres quintil quintil quintil ricos Mais pobres 2 quintil 3 quintil 4 quintil Mais ricos Aposentadorias Rurais Não Contributivas Bolsa Família BPC Salário Família Deduções do IRPF Aposentadorias Contributivas Abono salarial Seguro-desemprego Contribuições ao INSS IRPF (PIT) Fonte: Ferramenta de microssimulação BraSim desenvolvida pela Fonte: Ferramenta de microsimulação BraSim desenvolvida pela equipe de Pobreza e Equidade do Banco Mundial, com base na equipe de Pobreza e Equidade do Banco Mundial, com base na PNAD Contínua de 2019. PNAD Contínua 2019. Nota: O gráfico mostra a participação de gastos específicos com Nota: IRPF é o Imposto de Renda da Pessoa Física. Quintis foram proteção social na renda total per capita disponível (após calculados sobre a renda per capita disponível (após tributação), tributação) de cada quintil. seguindo a metodologia do BraSim. 31  Não é possível quantificar com exatidão a parcela de subsídio da previdência devido à ausência de dados suficientes para estimar o histórico contributivo dos beneficiários.   Figura 29. Impacto líquido dos benefícios e impostos diretos na renda disponível das famílias, por 53 quintil PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO 1000 300% 800 Posição líquida como % da renda 250% benefícios e impostos diretos 600 de mercado + previdência Posição líquida (BRL) após 241% 200% 400 200 150% 0 100% 1 2 3 4 5 -200 50% -400 0% -600 14% -5% -12% -50% -800 -18% -1000 -100% Posição líquida (Previdência 100% Renda) Posição líquida como % da renda bruta de mercado + previdência Fonte: BraSim usando a PNADC 2019, com base em um modelo desenvolvido pela equipe de pobreza do Banco Mundial. Nota: “Posição líquida” é a diferença da renda familiar depois de descontados todos os benefícios em dinheiro e impostos diretos, excluindo-se os impostos indiretos. Com uma perspectiva diferente, a figura 28 mostra o naquele ano. Outro trabalho analítico também revelou valor médio dessas transferências em termos absolutos. que os impostos indiretos absorvem uma parcela muito Embora seja extremamente necessário para os pobres, maior da renda disponível dos pobres do que dos ricos. o valor transferido às famílias dos quintis mais baixos (primeiro e segundo) é pequeno e quase igual ao valor do benefício recebido pela classe média (do terceiro 4.3 Oportunidade: Promover a quintil), embora por meio de um conjunto diferente de acumulação de capital humano programas. Levando em conta tanto os impostos quanto as A proteção social é também uma forma de aumentar transferências, o sistema de benefícios fiscais a igualdade de oportunidades e reduzir a pobreza no Brasil é apenas levemente redistributivo. intergeracional. Programas desenhados não apenas Microssimulações no BraSim do sistema brasileiro para oferecer proteção de curto prazo, mas também de impostos diretos e transferências (Morgandi et para promover a acumulação de capital humano e al., 2019) revelam que a renda total das pessoas no incentivar os ganhos de produtividade do trabalho quintil mais rico - que são, em média, 12 vezes mais são fundamentais para reduzir a pobreza de longo ricas do que as do quintil mais pobre - é reduzida em prazo e aumentar o retorno social dos investimentos apenas 18 por cento após o desconto de impostos na população. Investimentos em nutrição e saúde, diretos, contribuições, gastos tributários e benefícios estimulação precoce e proteção infantil durante os (figura 29). Conforme mostra a figura 28, os principais primeiros 1.000 dias são essenciais para construir motivos dessa redistribuição, geralmente baixa, são uma base sólida para uma vida saudável e produtiva, as transferências previdenciárias relativamente altas pois este é o período mais rápido de crescimento e (e subsidiadas) do país e as baixas alíquotas efetivas desenvolvimento humano (Packard et al., 2019). de imposto de renda, especialmente devido a isenções Dado que quase metade da futura força de trabalho substanciais. Isso inclui a isenção parcial de impostos do Brasil é composta por crianças que vivem sobre as receitas previdenciárias contributivas em hoje em famílias pobres, o objetivo de ampliar as 2019, a um custo de R$ 75 bilhões,32 o equivalente oportunidades constitui um desafio estratégico e a mais que o dobro do orçamento do Bolsa Família vital para o Brasil. 32  Receita Federal do Brasil. https://www.gov.br/receitafederalt/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos/imposto-de- renda/estudos-por-ano/gn-irpf-2021-2020.pdf CAPÍTULO 4 54   Figura 30. Gastos com assistência social em 2019, por tipo de programa PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Benefícios por idade (BPC) 24% Benefícios por deficiência (BPC) 32% Bolsa Família 31% SUAS e Criança Feliz 4% Merenda escolar 4% Subsídios (Cisternas, Água Doce, Minha Casa Minha Vida, outros) 4% Transferência não-condicionada de renda (Defesa Civil, fomento à produção) 1% Transferência não monetária e alimentação (PAA, Restaurantes) 0% Isenção de taxas e subsídios 0% Fonte: Banco Mundial, utilizando dados do Portal da Transparência, 2019. Nota: Programas categorizados de acordo com a metodologia ASPIRE do Banco Mundial. Até o momento, apenas uma pequena parcela dos de recursos às unidades do CRAS para a oferta de gastos com proteção social promove explicitamente programas de inclusão econômica. No entanto, a a acumulação e a preservação do capital humano. implementação desta nova estratégia tem sido mais O Bolsa Família, que comprovadamente melhorou complexa e lenta do que o esperado. vários resultados de desenvolvimento humano entre as crianças e jovens (MDS, 2019), representa cerca O programa de desenvolvimento da primeira infância de um terço de todas as despesas com assistência Criança Feliz visa fornecer treinamento e assistência social. Outros programas que promovem diretamente a novos pais e mães por meio de visitas domiciliares a acumulação de capital humano incluem o Criança e reforça a capacidade das famílias de estimular Feliz ou seu sucessor e os programas nacionais de as abilidades de suas crianças, além de ampliar merenda escolar e de creches, os dois últimos incluídos a capacidade de busca ativa do estado a famílias no orçamento da educação. No entanto, conforme vulneráveis. Destina-se a famílias com gestantes e mencionado anteriormente, o financiamento desses crianças de 0 a 3 anos (ou de 0 a 6 anos no caso de tipos de serviços fica muito aquém dos gastos com crianças portadoras de deficiência) em situação de benefícios monetários, apesar de ser fundamental vulnerabilidade social. O programa, iniciado em 2016, para a promoção da meta “oportunidade”. Além disso, é composto por dois pilares: (i) visitas domiciliares, que a maioria dos gastos com assistência social - e com constituem a atividade principal do programa, e (ii) proteção social de modo geral - é alocada para os ações articuladas entre os comitês federal, estadual e idosos e pessoas com deficiências (figura 30). Mesmo municipal para fortalecer as políticas com impacto no essas despesas carecem de um foco contundente na desenvolvimento na primeira infância. O programa foi construção de capital humano (por exemplo, ajudar os criado com base em evidências de que os programas beneficiários a viver de forma independente ou a se voltados para os pais de crianças com até três anos integrar no mercado de trabalho). de vida têm efeitos positivos no desenvolvimento cognitivo, linguístico, motor e socioemocional de seus A reforma do Auxílio Brasil em 2021 tinha o potencial filhos, incluindo vínculos emocionais mais fortes e de fortalecer a dimensão de oportunidade do sistema menos problemas de comportamento, além de terem de proteção social do Brasil nos próximos anos, mas um impacto positivo no conhecimento dos pais e nas muitos aspectos da lei não foram implementados. práticas parentais e melhorarem as interações entre Por exemplo, a reforma ampliou as condicionalidades pais e filhos (PLAN-PNUD, 2020). que exigem que os beneficiários garantam que seus filhos frequentem a pré-escola e concluam o ensino O Programa Criança Feliz, no entanto, ainda não médio. Também previu a criação de novos benefícios atingiu a cobertura pretendida, principalmente em específicos relativos ao reembolso de despesas com áreas remotas. Apesar de sua meta inicial de atingir cuidado infantil, e abriu a possibilidade da transferência 3 milhões de crianças, o programa atende atualmente   Figura 31. Participação dos municípios no Programa Criança Feliz, 2021 55 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Número de crianças visitadas pelo Criança Feliz por número total de crianças beneficiárias do Bolsa Família, 2021 Proporção No. de crianças2 visitadas pelo CF Proporção média (Estados*) 100* No. de crianças1 recbendo o BF Alagoas 34,0% 0,00% - 18,0% Ceará 32,2% 18,1% - 32,0% Maranhão 33,0% 32,1% - 50,0% Amazonas 16,6% 50,1% - 70,0% *Estados com mais de 90% Mais de 70,0% dos municípios atendidos pelo Criança Feliz Fora do Criança Feliz 1 Os dados do Bolsa Família referem-se ao número de crianças de 0 a 36 meses que recebiam o benefício em fevereiro/2021 2 Os dados do Criança Feliz referem-se ao número de crianças visitadas em junho/2021 O Criança Feliz abrangia 2.645 municípios em junho/2021 Fonte: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, dados sobre os beneficiários do Programa Criança Feliz e Cadastro Único. apenas 1,3 milhão (figura 31). Isso deve-se ao fato de educação formal. Essa é uma tarefa complexa que, poucos municípios terem aderido ao programa. Em na melhor das hipóteses, combina benefícios (com 2021, apenas 2.910 dos 5.570 municípios brasileiros incentivos adequados) com serviços capazes aumentar (52 por cento) participavam do programa. O principal a empregabilidade das pessoas e encaminhá-las às motivo da não adesão, conforme informado pelas oportunidades de trabalho disponíveis. autoridades municipais, é que a transferência fixa por criança oferecida pelo Criança Feliz aos municípios No Brasil, os benefícios da assistência social já seria insuficiente para cobrir os custos e a logística da são compatíveis com a participação em empregos prestação do serviço em localidades mais complexas. formais. A análise com base nas regras de benefícios Por exemplo, o acesso dos conselheiros a áreas pobres de 2019 concluiu que o programa de transferência varia dependendo do terreno, condições sazonais, condicionada de renda do Brasil não contém segurança pessoal e disponibilidade de transporte. desincentivos ao trabalho formal. A alíquota fiscal de Assim, o programa pode não estar sendo oferecido nos participação (do inglês participation tax rate) – medida locais onde se faz mais necessário. como a parcela dos rendimentos perdidos devido a impostos mais altos e direito a menos benefícios quando Um segundo papel fundamental da proteção social uma pessoa desempregada passa a ser formalmente na ampliação das oportunidades é fortalecer a empregada (OCDE, 2020) - é muito menor no Brasil produtividade do trabalho dos pobres e vulneráveis. do que em outros países (Fietz et al., 2021), conforme Em vista das transformações da demanda por mão ilustra a figura 32. Isso ocorre porque o salário-mínimo de obra e dos meios de subsistência impostas pelas no Brasil é muito superior ao benefício médio, mas mudanças tecnológicas e climáticas, o sistema de também porque o programa permite que as famílias PSE brasileiro tem um papel fundamental na busca beneficiárias continuem recebendo benefícios por dois por maneiras de desenvolver o capital humano anos após os membros começarem a receber salários no dos adultos pobres e vulneráveis e aumentar sua mercado de trabalho, mesmo que sua renda ultrapasse produtividade, especialmente depois de deixarem a os critérios normais de elegibilidade (veja o quadro 3). CAPÍTULO 4 56   Figura 32. Alíquota fiscal de participação de uma família com dois adultos e duas crianças, recebendo apenas 1 salário mínimo de renda PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO 100 80 60 40 20 0 Estônia Brasil com RP Brasil sem RP Eslováquia Letônia Grécia Turquia República Tcheca Hungria Lituânia Canadá OECD - Total França Bulgária Reino Unido Israel Malta Portugal Austrália Romênia Nova Zelândia Espanha Irlanda Coréia Polônia Eslovênia Alemanha Bélgica Luxemburgo Japão Croácia Países Baixos Fonte: Fietz et al. (2021) Nota: Cálculos dos próprios autores relativos a dados sobre o Brasil (valores de 2019) e dados da OCDE (2020) sobre outros países. RP = Regra de Permanência do programa Bolsa Família. Mudanças recentes na generosidade do benefício do a programas voltados para trabalhadores fora do setor Auxílio Brasil, principalmente após a introdução do formal. Essa alocação não corresponde às necessidades Benefício Extraordinário e do Benefício Complementar, dos trabalhadores brasileiros. Dados de pesquisas podem ter alterado essa situação ideal. Será necessária domiciliares mostram que a maioria dos desempregados uma análise mais aprofundada para estimar o provável no Brasil está no setor informal ou são jovens em impacto desse benefício nos incentivos ao trabalho em transição da escola para o trabalho (Morgandi et al., diferentes tipologias de trabalhadores e famílias. 2020). Embora seja baixo o número de trabalhadores formais que perderam o emprego, os programas No Brasil, os gastos federais com mercado de trabalho financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador são alocados, em grande parte, a políticas regressivas dedicam-se quase inteiramente a este grupo. e passivas de apoio à renda, enquanto pouco é investido em programas ativos de mercado de trabalho e com O principal tipo de Programa Ativo de Mercado de trabalhadores vulneráveis. Os gastos totais do Brasil Trabalho disponível em escala é a formação. Uma com políticas de mercado de trabalho são consideráveis análise recente de dados de pesquisas domiciliares e próximos à média da OCDE (World Bank, 2018). O lançou uma nova luz sobre a aceitação da capacitação Seguro-Desemprego e os desembolsos do Fundo de formal de curta duração (CFCD). Ela pode ser considerada Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) absorvem, um tipo de PAMT se for direcionada a adultos em idade normalmente, três quartos desses gastos (figura 33), ao produtiva, especialmente se forem adultos vulneráveis. passo que se gasta pouco com intermediação de mão Em 2019, cerca de 1,7 por cento dos brasileiros fora de obra, programas de inclusão econômica e outros da escola entre 18 e 65 anos participaram de CFCD, o programas ativos do mercado de trabalho (PAMTs) equivalente a mais de 1,8 milhão de adultos. A maioria em apoio aos trabalhadores vulneráveis. De fato, a desses alunos (56,3 por cento) estava matriculada em parcela dos gastos referente a benefícios passivos vem instituições privadas, presumivelmente pagas do próprio aumentando ao longo do tempo (figura 34). Os gastos bolso; cerca de 10 por cento receberam formação por públicos com políticas de mercado de trabalho também meio do empregador; 17 por cento foram formados pelo são regressivos, já que a maior parte é direcionada Sistema S (que oferece programas gratuitos e pagos); unicamente a trabalhadores do mercado formal, e o e 16 por cento receberam formação em instituições Fundo de Amparo ao Trabalhador é, em parte, apoiado públicas federais. Isso mostra que os programas com pelo orçamento geral (World Bank, 2018). Estima-se financiamento público continuam representando que apenas 1,8 por cento das despesas sejam alocadas uma parcela pequena do mercado. Enquanto as taxas   Quadro 3. Como a Regra de Permanência / Regra de Emancipação contribui para a 57 integração do mercado de trabalho PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO No Brasil, as famílias beneficiárias do Bolsa Família tinham o direito de continuar recebendo a maior parte dos benefícios por até dois anos após sua renda ultrapassar o limite de elegibilidade. Essa concessão, denominada Regra de Permanência, podia ser usada se as famílias: (i) atualizassem voluntariamente suas informações de renda no Cadastro Único e (ii) tivessem renda inferior a meio salário-mínimo per capita (quase três vezes o limite de elegibilidade de entrada). Em 2020, a regra aplicava-se a 8 por cento das famílias do Bolsa Família. Cerca de 68 por cento ainda se encontravam abaixo da regra de elegibilidade do programa, de R$ 178, e só perderiam o benefício básico na ausência da regra. Assim, a maior parte das famílias às quais a regra se aplicava não estavam em vias de sair do programa; estavam, simplesmente, passando gradualmente do patamar de extrema pobreza ao patamar de pobreza moderada. No entanto, a regra deu bastante espaço para que os adultos que dependiam da assistência social experimentassem um emprego formal sem medo de perder seus benefícios. Na realidade, um em cada quatro beneficiários adultos do Bolsa Família em 2019 tinha emprego formal e dois terços recebia algum tipo de renda laboral. Quando o Bolsa Família se tornou o Auxílio Brasil em novembro de 2021, a Regra de Permanência passou a ser chamada de Regra de Emancipação e suas condições foram levemente alteradas, com definição clara em Lei e novos limites de saída. Em vista das limitações do orçamento federal e da longa lista de espera para se inscrever no programa, a Regra de Emancipação continuará tendo um papel importante no aumento da resiliência das famílias pobres que buscam se emancipar da pobreza e participar do mercado de trabalho. Fonte: Fietz et al. (2021) e Art. 34 do Decreto 10.852 de 8 de novembro de 2021. anuais de matrícula aumentam monotonicamente com positivos para os participantes em comparação a renda familiar (de 0,9 por cento para os adultos no aos não participantes, mas apenas para aqueles decil inferior a 2,9 por cento para os adultos do topo que frequentaram instituições privadas ou cursos da distribuição de renda) e variam também de acordo do Sistema-S (em vez de escolas técnicas públicas com o grau de escolaridade - os alunos de CFCD têm, federais) e para aqueles que concluíram cursos de em sua maioria, escolaridade baixa ou média (menos de capacitação de curta duração (2,2 por cento, em 20 por cento concluíram o ensino superior). Isso mostra média). No entanto, os autores encontraram grande o potencial da CFCD de atualizar as competências das variação nos resultados - por exemplo, as pessoas pessoas que já deixaram o ensino formal. A probabilidade que receberam capacitação de curta duração de de os alunos concluírem a capacitação também é prestadores públicos tiveram retornos próximos de maior do que possivelmente seria no caso de cursos zero. Da mesma forma, uma avaliação do Programa mais longos. Mantendo-se constantes todas as outras Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego características, os desempregados e os trabalhadores (PRONATEC), uma das principais intervenções da do setor informal são os que correm maior risco de não- estratégia brasileira de combate à pobreza até 2016, concluirem a formação. mostrou que quando os programas de capacitação são concebidos de acordo com a demanda (por Várias avaliações anteriores mostram que os cursos exemplo, oferta de formação apenas em competências de CFCD no Brasil, incluindo os direcionados a expressamente demandadas pelos empregadores), jovens vulneráveis e grupos de baixa renda, podem a capacitação de curta duração teve um impacto ser eficazes se incluírem certas características. positivo nos resultados de emprego dos participantes Um estudo de Almeida et al. (2015) constatou que a em comparação aos grupos de controle, inclusive entre capacitação de curta duração no Brasil rendeu retornos os beneficiários do programa Bolsa Família. CAPÍTULO 4 58   Figura 33. Gastos ativos e passivos com o mercado de trabalho (2018–2020) PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Total de PPMTs 109,22 Total Total de PAMTs 44,97 180,21 Sistema S 24,62 Capacitação (ex. Bolsa Qualificação, Pronatec) 0,66 Serviços Apoio ao empreendedorismo, iniciativas de startups, microcrédito (Rural e Urbano) 0,27 Intermediação trabalhista, Cadastros Trabalhistas, serviços através do PES 0,17 Outras PMAT (Economia Solidária, Agricultura Familiar) 0,02 FGTS - Saque por demissão 67,87 Seguro-desemprego (Contrib and não-contrib) 36,32 BEm - Dinheiro Abono Salarial 17,24 FGTS Complemento 5,03 Salário Família* 2,00 0 100 200 Despesas 2018 Despesas 2020 Fonte: Banco Mundial, utilizando dados do Portal da Transparência referentes a 2018 e 2020. Nota: Inclui despesas financiadas pelo Governo Federal e pelos empregadores: *= a partir de despesas orçamentárias financiadas por contribuições patronais obrigatórias. Políticas Passivas do Mercado de Trabalho (PPMT) = Salário Família, Abono Salarial, Seguro Desemprego, FGTS e BEm (Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda).   Figura 34. Evolução dos gastos com programas de mercado de trabalho (2014-2019) 70 PPMT - manutenção do rendimento em situação de Despesa anual em R$ (Bilhões) 60 desemprego (subsídio de desemprego, não contributivo) 50 PPMT - manutenção do rendimento em situação de desemprego (subsídio de desemprego, contributivo) PAMT - capacitação (vocacional, habilidades 40 para a vida, dinheiro por treinamento) PAMT - outros programas 30 PAMT - serviços e intermediação do mercado de trabalho através de PSA 20 PAMT - apoio empresarial / incentivos a startups (subvenções em dinheiro e não monetárias, microcrédito) 10 PAMP - incentivos ao emprego / subsídios salariais 0 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Fonte: Banco Mundial, utilizando dados do Portal da Transparência. Os programas de formação muitas vezes não estão o Contrato de Aprendizagem, que oferece formação vinculados a outros serviços de emprego, como no trabalho e educação formal a cerca de 400 mil intermediação de mão de obra.33 Existem poucos jovens anualmente. Esses tipos de programas não são programas federais que visam melhorar as qualificações coordenados com qualquer programa de apoio à renda de grupos específicos. Esses incluem o Emprega (por exemplo, assistência social ou seguro-desemprego). Mais, que promove a qualificação e oportunidades de Outra peculiaridade é o fato de o Sistema Nacional de emprego alinhadas às necessidades das empresas, e Emprego (SINE) não ajudar - ou ajudar muito pouco - 33  Algumas dessas questões foram suscitadas em uma pesquisa do Tribunal de Contas da União sobre iniciativas federais que visam preparar o mercado de trabalho brasileiro para a transformação digital. https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/sistema-s-deve- preparar-o-mercado-de-trabalho-para-a-transformacao-digital.htm, Acessado em 29 de novembro de 2021. os candidatos a emprego a acessarem outras PAMTs. disponível apenas para os trabalhadores dependentes 59 As funções do SINE limitam-se a encaminhamento formais, e não para os trabalhadores autônomos ou do PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO profissional, emissão de carteira de trabalho e setor informal (tabela 2). inscrição dos trabalhadores no seguro-desemprego. O financiamento do SINE tem sido mínimo e sua trajetória, Conforme mostra a figura 35, os empregados descendente. Em 2018, os gastos com intermediação dependentes estão mais bem protegidos contra de mão de obra equivaleram a menos de 1 por cento riscos diversos do que os demais trabalhadores, dos gastos com o seguro-desemprego. O papel do SINE embora constituam uma minoria da força de foi reduzido ainda mais quando o seguro-desemprego trabalho como um todo. Muitas disposições foram começou a ser entregue digitalmente em 2021. Borges, consagradas na consolidação das leis trabalhistas, Lobo e Foguel (2017) estimam que até mesmo pequenos que não abrange outras categorias de trabalhadores aumentos de eficácia na intermediação gerariam - como microempresários e donos de empresas. grandes economias fiscais no seguro-desemprego, O risco é ainda maior para o número crescente de liberando, portanto, recursos para alocação em outras microempreendedores individuais (MEI), que têm maior políticas ativas de mercado de trabalho. probabilidade de serem substituídos ilegalmente por empregados formais, pagando taxas de contribuição mais baixas e recebendo poucos ou nenhum benefício. Estudos têm mostrado que a existência de mais 4.4 Resiliência: Proteger as trabalhadores dependentes formais na economia pessoas contra choques diversos brasileira está positivamente associada ao crescimento econômico, mas o fraco desempenho econômico Sistemas de proteção social eficazes conseguem recente do país causou um aumento relativo do número reagir rapidamente quando as famílias são afetadas de outros tipos de trabalhadores. Além disso, conforme por choques, prestando um apoio que, muitas vezes, é discutido no Capítulo 3, é provável que a esperada canalizado através do mercado de trabalho. Além dos transformação no mundo do trabalho motivada por ciclos econômicos e da volatilidade de renda tipicamente avanços tecnológicos reduza o número de empregos associada ao trabalho informal (ver o Capítulo 2), os dependentes no setor formal, o que significa que a efeitos das mudanças climática e tecnológica e as parcela de trabalhadores que se beneficia da proteção novas formas de globalização dos serviços aumentam social deve continuar em queda. a exposição dos trabalhadores a choques no mercado de trabalho e de renda. Nesta seção, discutimos a Os programas de proteção contra o desemprego no origem da segmentação do mercado de trabalho entre Brasil não cobrem trabalhadores com histórico de trabalhadores dependentes formais e trabalhadores trabalho intermitente, trabalhadores informais ou informais/autônomos e os três principais aspectos autônomos. O sistema brasileiro de proteção contra do sistema brasileiro que visam proteger as pessoas o desemprego contém três elementos: (i) o Seguro contra os riscos: (i) proteção contra choques na renda Desemprego, que é o maior programa de mercado de do trabalho, (ii) proteção contra choques relacionados trabalho financiado pelo Governo Federal do Brasil; ao clima e (iii) proteção contra a deficiência e pobreza (ii) o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); na terceira idade. e (iii) as verbas rescisórias (Multas) (Firpo e Portella, 2021). O sistema de proteção contra o desemprego foi A forma como os adultos em idade ativa participam criado no século passado (1986) com base na premissa do mercado de trabalho afeta sua capacidade de da crescente formalização do emprego em uma gerenciar riscos. A capacidade dos trabalhadores de se economia centrada na indústria e nunca se adaptou às adaptar a choques de renda depende de seu acesso a realidades do mundo do trabalho moderno. Suas regras instrumentos de gestão de risco (Levy e Cruces, 2021 de acessibilidade são rígidas, sendo considerados e Packard et al., 2019). O Brasil conta com uma série trabalhadores formais aqueles que trabalharam de programas que ajudam os trabalhadores a lidar com no mínimo 12 meses com contrato de trabalho vários riscos importantes ao longo do ciclo de vida, assalariado nos últimos 36 meses. Hoje, a maioria dos incluindo proteção contra desemprego, deficiência e trabalhadores desempregados não é elegível para o seguro contra acidentes, proteção contra a pobreza seguro-desemprego porque não atende a essa condição na terceira idade, crédito subsidiado e formação no ou devido a seu histórico limitado de contribuições. Em trabalho. No entanto, a maioria desses benefícios está 2019, apenas 17,7 por cento do número médio mensal CAPÍTULO 4 60   Tabela 2. Proteção trabalhista contra os principais riscos, por forma de trabalho PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Riscos Forma de trabalho e número estimado de trabalhadores Volatilidade dos no Brasil rendimentos Pobreza na Acidente Deficiência do trabalho / terceira idade desemprego Trabalhadores formais (CLT, Seguro Acidente Benefícios do Benefícios plenos FGTS, SD, Multas servidor público) (36,7 milhões) de Trabalho RGPS/RPPS do RGPS/RPPS Assistência social Microempreendedor Individual com comprovação Seguro Acidente Benefícios BPC (2,5 milhões) de elegibilidade de Trabalho básicos do RGPS (programa de TCR) Assistência social Benefícios plenos Trabalhador Autônomo com comprovação Seguro Acidente Benefícios do ou básicos do (6,2 milhões) de elegibilidade de Trabalho RGPS RGPS (programa de TCR) Assistência social Empresários (Pessoa Jurídica) com comprovação Seguro Acidente Benefícios do Benefícios plenos (0,6 milhão) de elegibilidade de Trabalho RGPS do RGPS (programa de TCR) Assistência social Trabalhadores informais com comprovação (autônomos e empregados) BPC BPC de elegibilidade (31,9 milhões) (programa de TCR) Fonte: Estimativas do modelo de microssimulações do Banco Mundial (BraSIM), com base na PNAD Contínua. Nota: BPC = Benefício de Prestação Continuada; PJ= Pessoa Jurídica; RGPS = Regime Geral de Previdência Social; RPPS = Regime Próprio de Previdência Social. Número de trabalhadores com base no modelo de microssimulação BraSim do Banco Mundial, usando a média mensal da PNAD Contínua de 2017 relativa ao emprego principal. de trabalhadores desempregados no Brasil receberam antes de perder o emprego, principalmente no caso de auxílio-desemprego. Os trabalhadores formais incluídos trabalhadores de baixa renda (figura 36). Morgandi et no Cadastro Único, principalmente os que recebem al. (2021b) realizaram uma extensa revisão da literatura assistência social, estão em desvantagem, pois têm sobre o seguro-desemprego no Brasil. Os autores maior probabilidade de trabalhar mediante contratos concluíram que o nível relativamente alto da taxa de de curto prazo que não são elegíveis para o seguro- reposição do salário contrasta com a curta duração desemprego e de ter tempo médio de trabalho inferior dos pagamentos (no máximo cinco meses), insuficiente a um ano. Não fica claro se o seguro-desemprego, para proteger os trabalhadores de baixa escolaridade conforme opera atualmente, conseguirá proteger ou afetados por mudanças estruturais na economia. os trabalhadores no futuro, dado o crescimento de No entanto, o trabalhador, que recebe auxílios maiores contratos muito mais curtos e a queda dos incentivos do que o salário no início, não precisa procurar para ingressar no trabalho formal dependente. trabalho como condição para receber o benefício, o que configura um incentivo perverso para a pessoa alternar Os atuais programas voltados para o desemprego entre breves períodos de trabalho e breves períodos têm taxas de reposição generosas, mas apenas por de desemprego (Firpo e Portella, 2021; Carvalho et curtos períodos. Quando o trabalhador recebe seguro- al., 2018; Doornik et al., 2018; e Gerard e Gonzaga, desemprego, benefícios do FGTS e verbas rescisórias 2016). Essa situação gera uma alta rotatividade de ao mesmo tempo, o valor total do auxílio desemprego mão de obra e acaba prejudicando a produtividade dos pode ficar acima do salário que a pessoa recebia trabalhadores e a própria economia.   Figura 35. Acesso a programas de proteção social por situação da força de trabalho 61 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO AS PPMTs PAMTs Previdência Social idade* BPC Pensionistas 12,8% Legenda Despesas anuais 2020: Altas Aposentadoria FGTS Salário Maternidade Força de Trabalho (18-64 anos) 67,9% Trabalhadores Salarial*/ (>30bi BRL) Seguro Acidentes Família* dependents Salário Abono Seguro-Desemprego Apoio de Entrepreendedorismo Intermediação de mão de obra Médias formais Empregados 60,3% Programa federal de treinamento (2 a 20 bilhões de reais) Capacitação Sistema-S 30,4% BEm Gastos minúsculos (<300mi BRL) Trabalhadores independentes formais 9,4% BPC-PCD* Trabalhadores Poucos programas PBF * informais para informais 20,5% em idade ativa Desempregados 7,6% Fora da força de trabalho (18 anos ou mais) 19,4% Fonte: Autores. Proporções de pessoas, BraSim com base na PNADC 2019 e no Portal da Transparência. Notas: O BEm foi um programa temporário implementado em resposta à crise de COVID-19, extinto em 2021. PPMT = políticas passivas de mercado de trabalho. PAMT = políticas ativas de mercado de trabalho. * Elegibilidade baseada no limiar de renda. As políticas ativas do mercado de trabalho oferecem trabalho que já estão acontecendo, e que continuarão aos trabalhadores serviços que melhoram sua nas próximas décadas, irão exigir um aumento das empregabilidade, mas os gastos com esses serviços PAMTs para retreinar a força de trabalho adulta nas no Brasil são baixos e não são coordenados com novas habilidades exigidas pelos empregadores daqui programas de apoio a trabalhadores desempregados para frente e preparar os jovens que chegarão ao e de renda mínima. Diferentemente da OCDE e de mercado de trabalho com defasagens no acúmulo de outros países da ALC, no Brasil as PAMTs são compostas capital humano por conta da pandemia de COVID-19. quase inteiramente por subsídios salariais (Abono Salarial e Salário Família), enquanto os serviços de No futuro, é provável que eventos climáticos também intermediação de mão de obra constituem uma parcela provoquem choques que afetarão as famílias; e pequena e cada vez menor das PAMTs. A qualificação as redes de seguridade social e o Sistema Único de oferecida aos trabalhadores pelo Governo Federal é, Assistência Social (SUAS) já estão auxiliando as atualmente, dividida entre o Ministério da Educação (por comunidades a lidar com esses choques. No caso de meio de uma rede de institutos federais) e o Sistema-S, desastres naturais, sistemas de alerta precoce bem uma rede de instituições setoriais financiadas por elaborados foram implantados em áreas de alto risco contribuições obrigatórias de empregadores do setor do país e têm a capacidade de alertar a população privado. A oferta de qualificação técnica do governo era sobre diversos tipos de desastres. Após a ocorrência mais forte nos anos 2000, quando o governo operava de um desastre, a Defesa Civil34 intervém e aciona o a rede de instituições de formação do PRONATEC, mas SUAS e todos os CRAS municipais, que, por sua vez, o programa perdeu orçamento e importância durante agem rapidamente para identificar os atingidos pelo a crise fiscal de 2015/16. Com avaliações inconclusivas desastre e inscrevê-los no Cadastro Único. Quando e divergentes, o programa nunca mais voltou ao seu é declarado estado de emergência,35 o Ministério do estado original. As rápidas mudanças no mundo do Desenvolvimento e Assistência Social e a rede do SUAS 34  A Defesa Civil é responsável por ações emergenciais de prevenção, resposta e recuperação em casos de choque. 35  Instrução Normativa nº 36, 4 de dezembro de 2020. CAPÍTULO 4 62 oferecem benefícios temporários à população atingida, Uma revisão recente das políticas, estruturas de incluindo o adiantamento de benefícios do programa coordenação, sistemas de provisão e instrumentos PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO de TCR ou do BPC. O CRAS também encaminha as de proteção social no Brasil revelou a necessidade de famílias para serviços básicos - por exemplo, abrigos, fortalecer as medidas de proteção social adaptativa serviços de saúde, assistência social e outros serviços (PSA) (figura 37).36 O Teste de Estresse da Proteção públicos. É certo que, por ser um país descentralizado, Social, criado pelo Banco Mundial em 2021,37 é uma a eficácia da resposta a choques varia regionalmente ferramenta que produz uma avaliação rápida da no Brasil. capacidade de adaptação dos sistemas de proteção social em resposta a choques. A pontuação média do Brasil indica que o sistema do país está pronto e tem o potencial de ser ampliado rapidamente em resposta “Durante os primeiros meses de a desastres naturais motivados pelo clima. O principal desemprego, os trabalhadores demitidos ponto forte do Brasil é a estreita coordenação entre tendem a ganhar significativamente os órgãos responsáveis pela proteção social e os mais do que quando trabalhavam, uma responsáveis pela Gestão de Risco de Desastres, com vez que recebem, ao mesmo tempo, o funções e responsabilidades claramente definidas seguro-desemprego, poupança da conta e mínimas sobreposições. Isso é respaldado por um do FGTS e indenização”. sistema robusto de dados e informações, com o Cadastro Único e sistemas de alerta precoce bem estabelecidos e operantes. No entanto, ainda há algumas lacunas no sistema atual que limitam sua escalabilidade e nível de prontidão, incluindo a necessidade de mais Figura 36. Valor dos benefícios de seguro- recursos para respostas a choques de proteção desemprego expressos em salários mensais após social e a necessidade de incluir informações sobre a 24 meses de emprego vulnerabilidade das famílias à mudança climática no Cadastro Único. 9 Pagamento de benefícios de desemprego 8 Finalmente, uma das principais funções dos 7 sistemas de proteção social é preparar as famílias (salários mensais) 6 para lidar com a perda de renda na terceira idade. 5 O Brasil já dispõe de cobertura quase universal na 4 terceira idade por meio de uma combinação de regimes previdenciários contributivos, semi-contributivos e 3 não contributivos. Os idosos estão relativamente bem 2 protegidos contra a pobreza e são sub-representados 1 entre os pobres (Paiva e Ansiliero, 2021). Políticas 0 1 2 3 4 5 6 complementares também contribuem para a Salário mensal pré-desemprego (em SMs) resiliência dos idosos, incluindo isenções fiscais sobre SD Indenização FGTS a renda dessa faixa etária, incentivos ao trabalho e à educação previstos no Estatuto do Idoso e uma série Fonte: World Bank (2021b). de benefícios menores, tanto pecuniários (meia entrada Nota: O cálculo pressupõe um histórico de contribuição de 24 em eventos culturais e transporte público gratuito) e meses para receber cinco parcelas do Seguro-Desemprego. Também presume que o nível salarial era constante antes do não pecuniários (prioridade nas filas de atendimento desemprego e que o Seguro-Desemprego está sendo solicitado ou balcões dedicados ao atendimento de idosos em pela primeira vez. lojas e instituições). No entanto, essas políticas têm 36  Ed, Gonzalez e Ferreira (No prelo). Climate Change and the Role of Social Protection in Brazil. 37  Veja mais informações em World Bank (2021c). O teste de estresse da proteção social, lançado pelo Banco Mundial em 2021, pode ser usado para fazer uma avaliação rápida da adaptabilidade do sistema em resposta a um choque. O teste permite identificar e quantificar lacunas e restrições tanto na preparação quanto na escalabilidade do sistema ao responder aos desastres climáticos mais frequentes no Brasil (enchentes e secas). Essa parte do teste é realizada por meio de uma análise de cada um dos quatro blocos constitutivos da PSA, a saber: (i) programas e sistemas de entrega; (ii) dados e informações; (iii) financiamento; e (iv) e arranjos institucionais. Cada bloco constitutivo é desagregado em componentes e critérios expressos em formato de perguntas. Com base nas respostas a essas perguntas, cada componente recebe uma nota de 1 a 5. A nota final do teste é a média das notas dos diferentes componentes.   Figura 37. Resultados do Brasil no Teste de Estresse da Proteção Social 63 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Latentes Nascentes Emergentes Estabelecidos Avançados Programas 3,7 Programas Sistema e sistemas 4,1 de entrega de entrega Sistemas de pagamento 4,3 Sistemas de alerta precoce 4,5 Dados e informações Registro 4,1 Financiamento 3,5 Liderança do governo 4,3 Estruturas institucionais Instituições 5 Geral 4,1 Fonte: Elaboração da equipe do Banco Mundial. uma série de desvantagens. A previdência, tal como de aposentadoria, mas consideravelmente inferiores concebida atualmente, consome uma parcela excessiva às dos demais servidores públicos), o que não parece do gasto total do Brasil, não reduz a desigualdade de justificável (Amaral et al., 2019 e Paiva et al., 2018). renda e permite a certas categorias de trabalhadores - como professores, profissionais de saúde, seguranças No Brasil, o valor mínimo de aposentadoria é fixado e militares - se aposentar mais cedo. Algumas dessas no nível do salário-mínimo, que está acima dos questões são tratadas nesta nota. padrões internacionais e beneficia principalmente domicílios de renda média. Uma aposentadoria No serviço público, alguns grupos contam com mínima igual ao salário-mínimo pode ser considerada idades de aposentadoria e taxas de reposição muito alta pelos padrões internacionais, pois geralmente generosas, sem justificativa clara do ponto de vista considera-se adequado remunerar mais quem está de política pública. Embora a reforma previdenciária trabalhando ativamente do que quem encontra-se tenha trazido grandes mudanças paramétricas que aposentado e pode desfrutar de seu lazer. Em 2019, aproximam a previdência brasileira dos padrões globais, 65 por cento dos novos beneficiários da aposentadoria algumas categorias de trabalhadores ainda têm a opção por idade (70 por cento das mulheres e 56 por cento de se aposentar mais cedo do que o resto da população, dos homens) se beneficiavam da aposentadoria de e muitos servidores públicos gozam de taxas de valor mínimo, situando-os entre o terceiro e o quarto reposição extremamente generosas na aposentadoria. quintis de rendimento (conforme apresentado na figura Para essas categorias de trabalhadores, o Brasil é um 28, acima). Atualmente, 6 em cada 10 benefícios pagos ponto fora da curva global em ambos os aspectos. Por pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que é o exemplo, a reforma previdenciária de 2019 manteve a sistema nacional de previdência para os trabalhadores idade de aposentadoria mais baixa para as mulheres do setor privado, são avaliados em um salário-mínimo, (três anos a menos que para os homens), professores e essa parcela continuará crescendo devido às menores (cinco anos a menos que para os outros trabalhadores), taxas de reposição geradas pela nova fórmula de cálculo trabalhadores rurais (cinco anos a menos que para os do benefício, que vem sendo gradualmente instituída trabalhadores urbanos) e militares (que têm várias idades desde a reforma de 2019. CAPÍTULO 4 64   Quadro 4. Evolução dos direitos de proteção social dos idosos no Brasil PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Ao longo do último século, o Brasil desenvolveu um sistema de proteção social que oferece altos níveis de cobertura e ampla proteção contra a pobreza para os idosos. Por meio de uma combinação de benefícios contributivos, semicontributivos e não contributivos, 9 em cada 10 pessoas com 65 anos ou mais recebem hoje algum benefício previdenciário. O primeiro regime previdenciário, voltado para os trabalhadores ferroviários, foi introduzido na década de 1920; outros regimes foram criados nos anos e décadas seguintes, eventualmente abrangendo todas as categorias de trabalhadores formais. Até o início dos anos 1970, os trabalhadores domésticos também estavam cobertos pela lei. Diversos regimes foram fundidos em nível administrativo, mas a proteção social continuou a ser oferecida de modo estritamente contributivo e incluía serviços de saúde. Como resultado, grande parte da população permanecia descoberta pela previdência social. Na primeira metade da década de 1970 surgiram os primeiros regimes semicontributivos e não contributivos, voltados para trabalhadores rurais, idosos pobres e pessoas com deficiência. Os benefícios de previdência rural, com remuneração equivalente a meio salário-mínimo, começaram a ser pagos a um membro elegível por família com idade igual ou superior a 65 anos. A Renda Mensal Vitalícia foi o primeiro benefício virtualmente não contributivo destinado aos pobres urbanos. Beneficiava as pessoas pobres com 70 anos ou mais e pessoas com deficiência, também no valor de meio salário-mínimo. Três fatores então contribuíram para uma larga ampliação da cobertura. Primeiro, o surgimento de um novo contrato social com a redemocratização do país, em meados da década de 1980. Isso culminou na promulgação de uma nova Constituição Federal, em 1988, que universalizou os serviços de saúde e ampliou consideravelmente os regimes semicontributivos e não contributivos. As previdências rurais foram revisadas em 1992 e o benefício de assistência social para idosos pobres (Benefício de Prestação Continuada ou BPC) foi criado em 1996. O benefício do BPC foi fixado no nível do salário-mínimo integral, o mesmo nível da garantia de benefício mínimo das aposentadorias contributivas. Segundo, o envelhecimento contínuo da população mudou as preferências do eleitor mediano em favor da proteção da renda na terceira idade. Isso levou a um movimento consistente do país em direção a políticas mais voltadas para os idosos, em resposta à crescente população de eleitores mais velhos. Terceiro, a atitude histórico-cultural de respeito aos idosos no Brasil parece sustentar o amplo apoio social para a expansão de programas direcionados a esse segmento da população. É provavelmente por isso que o país passou a oferecer tantos benefícios e serviços para os idosos, incluindo transporte público gratuito, tarifas reduzidas em eventos culturais e atenção fiscal preferencial. Essas normas sociais e os benefícios e serviços relacionados parecem estar relacionados também a uma solidariedade orgânica, definida como a coesão social baseada na interdependência entre os diversos entes da família. Esse aspecto ganha ainda mais relevância nas famílias multigeracionais mais pobres, nas quais os idosos são, com frequência, os principais provedores com rendimentos mais estáveis. A combinação de regimes contributivos, semicontributivos e não contributivos a partir de 1988 continua a proporcionar benefícios generosos de proteção social a quase todos os idosos no Brasil. O sistema oferece cobertura ampla (mais de 90 por cento das pessoas com 65 anos ou mais recebem algum benefício), altas taxas de reposição para quem ganha pouco e baixos níveis de pobreza. A taxa de pobreza entre as pessoas com 65 anos ou mais é metade da média da população brasileira e oito a dez vezes menor do que a das crianças de até 15 anos de idade. Adicionalmente, as generosas regras previdenciárias para os servidores públicos (em particular, os servidores militares) e para os trabalhadores formais de maior renda do setor privado também contribuíram para os gastos previdenciários injustificadamente altos para um país com uma população relativamente jovem. Três reformas previdenciárias foram realizadas, em 1998/1999, 2003 e 2019, com o intuito principal de reduzir o aumento da expectativa de gastos nas décadas subsequentes devido ao   Quadro 4. continue 65 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO envelhecimento da população, que deverá ser duas vezes mais rápido do que nas últimas décadas nas economias desenvolvidas. Porém, a contenção de gastos nessas reformas previdenciárias foi limitada, e a trajetória dos gastos a longo prazo ainda parece insustentável. O desafio para os próximos anos e décadas será manter os avanços na melhoria de vida dos idosos sem comprometer outros objetivos sociais importantes. A alta cobertura da terceira idade e os baixos índices de pobreza entre os idosos são conquistas sociais importantes do Brasil e refletem amplo consenso social e político. Os critérios de elegibilidade e generosidade dos benefícios para idosos precisarão de ajustes contínuos, no entanto, para conter o crescimento explosivo dos gastos previdenciários e a exclusão de outros objetivos sociais e econômicos importantes.   Figura 38. Taxa interna de retorno por decil   Figura 39. Duração dos períodos de de contribuições realizadas, para aposentados contribuição dos beneficiários que se urbanos com benefício previdenciário mínimo aposentaram com o piso previdenciário em 2008 14% 25 12% 20 10% % de indivíduos 8% 15 6% 4% 10 2% 5 0% -2% 0 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 2930 31 Anos de contribuição Anos de contribuição 2 4 6 8 10° decil dos valores da contribuição Fonte: SEPREV/Ministério do Trabalho. As linhas coloridas Fonte: SEPREV/Ministério do Trabalho. representam os diferentes decis da distribuição dos valores das Nota: Não havia informações disponíveis sobre o histórico de contribuições dos beneficiários da previdência durante sua vida contribuições das pessoas que, eventualmente, não atingiram os profissional. requisitos mínimos para a aposentadoria, com o potencial de estender o lado esquerdo da distribuição. Os segurados do RGPS que esperam se beneficiar do suas contribuições, subsidiando o RGPS. Por outro lado, piso previdenciário atualmente não têm incentivo as pessoas de baixa renda que já contribuíram por 15 para aumentar suas contribuições à previdência. anos podem entender que não se beneficiariam de De fato, a garantia do piso previdenciário subsidia contribuições adicionais, podendo acarretar incentivos fortemente quem contribuiu apenas 15 anos – o negativos em termos de formalização do trabalho. A período mínimo de elegibilidade – ao longo da vida garantia do piso previdenciário normalmente oferece ativa, enquanto tributa quem contribuiu apenas de 1 retornos altos, embora variados, aos contribuintes. a 14 anos (inelegível para o benefício de aposentadoria Para os que contribuem com quantias baixas por curtos apesar de ter tido um histórico de contribuições). Hoje, períodos de tempo, a taxa interna real de retorno chega a os trabalhadores em transição entre empregos formais 12 por cento - um subsídio excessivamente alto e injusto. e informais, com baixas densidades contributivas e De acordo com simulações, nos primeiros oito decis de que contribuem há menos de 15 anos não conseguem valores de contribuição, o retorno real fica pouco acima pleitear a aposentadoria contributiva, ou seja, ‘perdem’ de 4 por cento, mesmo para aqueles que contribuíram CAPÍTULO 4 66   Figura 40. Número de aposentadorias por invalidez concedidas por ano PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO 300.000 250.000 200.000 N° de indivíduos 150.000 100.000 50.000 0 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 Urbanos Rurais Urbanos + Rurais Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS) e Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), vários anos, SEPREV/ Ministério do Trabalho. por 30 anos completos (e mais alto para outros) (figura ficam um pouco acima dos critérios de elegibilidade 38). Se a taxa implícita de retorno permanecesse em da renda familiar, apesar de não terem suas próprias torno de 4 a 6 por cento - não apenas para aqueles economias para a terceira idade. com carreiras profissionais completas, mas também para aqueles com carreiras apenas parciais, rateando Finalmente, uma resposta rápida e eficiente que o valor mínimo da aposentadoria - o gasto total com apoie pessoas que sofrem de deficiência temporária a aposentadoria dos segurados urbanos na terceira ou permanente ajuda a promover resiliência para idade que recebem o piso previdenciário cairia para as pessoas e para suas famílias. No Brasil, os 64 por cento da despesa corrente. Claramente, essas trabalhadores formais que têm invalidez permanente mudanças resultariam em economias fiscais apenas inesperada ou adquirida são cobertos pelo sistema parciais, porque algumas famílias se qualificariam para previdenciário. A administração previdenciária, no benefícios de assistência social para os idosos. entanto, tem enfrentado dificuldades consideráveis, incluindo longos prazos de processamento de pedidos, Em seu modelo atual, o BPC - um benefício voltado às processamento em lote de pedidos, judicialização e pessoas cujo histórico de contribuição é insuficiente incapacidade de planejamento.38 O prazo médio de - gera incentivos incompatíveis com o restante do concessão do benefício pelo Instituto Nacional do sistema. Em primeiro lugar, com um valor igual à pensão Seguro Social (INSS) saltou de 51 dias, em 2018, para contributiva mínima, o BPC enfraquece os incentivos 88 dias em 2021 (um aumento de 73 por cento). A para que os indivíduos contribuam ao longo de sua vida proporção de benefícios concedidos pelos tribunais profissional e não é justo com os trabalhadores de baixa porque os requerentes tiveram que recorrer ao judiciário renda que contribuíram para o sistema previdenciário. para conseguir acesso aos benefícios aumentou de Em segundo lugar, conforme discutido anteriormente, 10,4 por cento em 2019 para 13,2 por cento em 2021. o salário-mínimo não é uma medida adequada da A concessão de benefícios que exigem perícia médica necessidade. A indexação de benefícios a uma cesta (por exemplo, aposentadoria por invalidez) tem sido, mínima de consumo seria muito mais adequada, pois compreensivelmente, bastante prejudicada pela o objetivo do benefício é proteger os beneficiários da pandemia de COVID-19 nos últimos dois anos (figura 40), pobreza. Finalmente, os atuais critérios de elegibilidade e a parcela desses tipos de decisões judiciais relativas ao BPC, baseados na renda familiar, não protegem a benefícios atingiu o pico de 70 por cento do total muitos idosos vulneráveis, pois alguns não atendem ao em 2021. Os avanços da digitalização aparentemente critério mínimo de 15 anos de contribuições e também não foram suficientes para compensar a redução do 38  Boletim Estatístico de Previdência Social, janeiro de 2019 a janeiro de 2022, relativo a prazos de solicitação e judicialização e Painel Estatístico de Pessoal, disponível em http://painel.pep.planejamento.gov.br/, 27/4/2022. número de servidores ativos do INSS nos últimos anos As reformas previdenciárias das últimas décadas 67 (queda de 36.500 em 2016 para 22.800 em 2019, com não conseguiram controlar completamente o PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO estabilidade desde então até 2022). São necessários déficit previdenciário. Os planos de aposentadoria processos muito mais eficientes e simplificados para subnacionais para servidores públicos levaram se preparar para o esperado aumento do número de vários estados à beira da insolvência, desviando o pedidos devido ao aumento da idade instituído pela financiamento da prestação de serviços essenciais. reforma que entrou em vigor em 2019. Apesar da aprovação de várias reformas previdenciárias nas últimas três décadas, os regimes previdenciários do país continuaram gerando déficits cada vez maiores. 4.5 Sustentabilidade e Eficiência: Em 2020, o RGPS apresentou déficit de R$ 270 Oportunidades e desafios não bilhões, resultado da insuficiência de contribuições dos resolvidos trabalhadores urbanos e de um setor rural altamente subsidiado (figura 43). A crise de COVID-19 causou uma Nos últimos anos, o sistema de proteção social tem queda acentuada das contribuições urbanas, elevando estado no centro das discussões de políticas públicas o déficit para valores sem precedentes. A parte mais devido à preocupação com a sustentabilidade fiscal significativa do déficit do RGPS pode ser atribuída do orçamento federal. Um grande desafio no futuro aos subsistemas de previdência rural, que arrecadam será manter o equilíbrio entre os gastos e receitas da muito pouca receita (em média, apenas 7 por cento dos proteção social, uma vez que as tendências descritas benefícios anuais pagos aos beneficiários rurais). no Capítulo 3 podem corroer a base de contribuintes ou aumentar o número de beneficiários idosos. Esta seção As recentes mudanças paramétricas terão um efeito discute três áreas estratégicas que exigem atenção lento na produção de economias fiscais, de modo imediata dos formuladores de políticas: (i) as despesas que as despesas projetadas continuarão a superar com aposentadorias contributivas; (ii) o financiamento as receitas. Devido ao impacto progressivo da última existente da proteção social; e (iii) a necessidade de reforma previdenciária de 2019, a taxa média de adotar inovações na prestação de benefícios. reposição dos benefícios previdenciários cairá muito gradualmente durante um longo período de transição As despesas estruturais com a proteção social e de 30 anos, e espera-se que se estabilize no novo emprego cresceram apenas ligeiramente na última patamar somente após 2050 (figura 44). No entanto, década, até as medidas adotadas em decorrência essas medidas não são suficientes para equilibrar as da pandemia de COVID-19 (figura 41). As despesas receitas e despesas no médio prazo (figura 45). Quando com assistência social, previdência social e mercado os benefícios do aumento da idade de aposentadoria de trabalho não mudaram muito desde que o Banco tiverem sido colhidos, até 2030, os déficits voltarão a Mundial realizou uma análise aprofundada das despesas crescer por causa do aumento do número de idosos. em 2017. A única exceção foi durante a crise de COVID-19 em 2020-2021, quando o Brasil adotou uma das No entanto, a perspectiva de médio a longo prazo maiores respostas da região (Palomo et al., 2022), mas a para as aposentadorias do setor privado é menos expectativa era de que esse nível de gastos não perdurasse certa e depende das escolhas de políticas de hoje. após a crise (figura 42). A relativa estabilidade dos gastos O envelhecimento da população no futuro é uma das assistenciais do país até a crise de COVID-19 decorreu tendências mais óbvias, mas há também previsões menos do chamado “teto dos gastos”, promulgado em 2016, confiáveis sobre outros fatores, como o crescimento que limita o crescimento das despesas à taxa de inflação econômico, crescimento real dos salários e número do ano anterior. No entanto, em 2022, o montante de de contribuintes ativos no mercado de trabalho.39 O gastos estruturais da assistência social atingiu um pico número de segurados do RGPS é bastante alto, embora sem precedentes, e será importante nos próximos anos muitos segurados em idade produtiva tenham inscrições identificar um nível fiscalmente sustentável, inclusive inativas. Pelas razões discutidas acima, é improvável por meio de reformas que aumentem a eficiência das que o número de segurados do RGPS aumente transferências não contributivas. consideravelmente no futuro. A crescente formalização 39  Visto que o pagamento das aposentadorias no âmbito do RGPS depende diretamente dos salários individuais, indexados à inflação, as receitas de contribuições crescem junto com os salários nominais. Quanto maior o crescimento dos salários reais, maior a diferença entre as taxas de crescimento das despesas e das receitas. O Banco Mundial estima que uma diferença sustentada de 1 por cento no crescimento real dos salários pode reduzir o déficit do sistema em cerca de 1,5 por cento do PIB até 2040, tendência essa que continuaria nas décadas seguintes. O déficit também pode ser substancialmente influenciado por mudanças na densidade contributiva da população em idade ativa. CAPÍTULO 4 68 “O crescimento dos gastos estruturais de proteção social foi limitado pelo ajuste fiscal e pelo PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO teto de gastos, mas aumentou temporariamente durante a pandemia de COVID-19”. Figura 41. Despesas com previdência social, Figura 42. Despesas com assistência social e mercado de trabalho e assistência social como mercado de trabalho (2019-2022) parcela do PIB (2004-2020) 25% 400 380 350 20% 19,1% 300 Porcentagem do PIB Bilhões de R$ 15% 5,1% 250 200 1,3% 157 171 10% 150 12,8% 100 94 100 5% 54 48 57 4,2% 50 0% 0 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2019 2020 2021 2022 Previdência Assistência Social MT AS Mercado de Trabalho Déficit da previdência Total PST Fonte: Banco Mundial, por meio do Portal da Transparência e Fonte: Portal da Transparência, dados de setembro de 2022. SEPREV (déficit previdenciário). Nota: Os dados de 2022 referem-se ao valor empenhado até Nota: A aposentadoria rural é classificada como previdência social. julho. dos empregos pode fazer com que os segurados mantiveram a aposentadoria antecipada e privilégios contribuam para o RGPS com mais regularidade. Se o generosos mesmo após a reforma da previdência (figura número de contribuições mensais aumentasse 10 por 46 e figura 47). Embora os governos subnacionais cento, o déficit do RGPS seria reduzido em cerca de possam, em princípio, estender suas próprias reformas 0,5 por cento do PIB. Por outro lado, se aumentarem paramétricas além das disposições da reforma do as relações formais intermitentes ou ocasionais, isso funcionalismo público federal, até agora a maioria dos pode reduzir a densidade contributiva e, portanto, as estados que fizeram alterações optou por copiar ou receitas do RGPS. Mesmo em vista dessas incertezas, enfraquecer a reforma do funcionalismo público federal. as perspectivas fiscais relativas ao RGPS parecem sombrias devido ao envelhecimento da população, ao É provável que sejam necessárias medidas adicionais baixo crescimento econômico e salarial, à crescente para controlar os gastos previdenciários na próxima automação do trabalho e ao aumento dos gastos com década. A reforma previdenciária de 2019, com programas voltados para as pessoas com deficiência. toda razão, focou principalmente nas disposições sobre a aposentadoria antecipada, que beneficiaram No curto prazo, a principal preocupação continua principalmente os segurados de renda mais alta sendo a sustentabilidade fiscal dos sistemas do RGPS e do regime próprio de previdência social previdenciários subnacionais dos servidores públicos. (RPPS) dos servidores públicos. No entanto, o Brasil Esses sistemas têm déficits crescentes que não devem ainda não aprovou algumas reformas paramétricas diminuir até meados da década de 2040. Isso se deve fundamentais, como a fixação da mesma idade em parte ao grande número de professores, militares de aposentadoria para homens e mulheres e para e servidores públicos contratados antes de 2003, que trabalhadores rurais e urbanos, algo a ser remediado em reformas futuras. As regras atuais permitem que prejudicada por ineficiências, como as decorrentes 69 as mulheres rurais se aposentem por idade 10 anos da sobreposição de programas e erros de inclusão. PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO antes dos homens urbanos. Também é fundamental De acordo com estimativas do Banco Mundial, cerca que os sistemas subnacionais de previdência social de 40 por cento das famílias nos decis de renda 2 a adotem reformas que reduzam os desequilíbrios fiscais 5 recebem dois ou três benefícios (figura 48), muitas decorrentes dos regimes previdenciários. vezes devido à má concepção dos programas em questão (principalmente em termos de focalização Além da situação previdenciária, a sustentabilidade e segmentação) e não devido a problemas de do sistema de proteção social do Brasil também é implementação.   Figura 43. Receitas e benefícios do RGPS urbano (esquerda) versus rural (direita) (2016-2020) 600 533,9 550,3 600 502,1 516,3 468,5 500 500 400 400 414 419,7 425,4 435,4 410 BRL bilhões 300 300 BRL bilhões 200 200 131,5 137,9 138,1 139,9 140,1 100 100 9,4 10,7 11,1 9 8,9 -54,5 0 -82,4 -90,9 0 -98,5 -140,4 -122,1 -127,2 -127 -130,9 -131,2 -100 -100 -200 -200 2016 2017 2018 2019 2020 2016 2017 2018 2019 2020 Benefícios pagos Receitas Resultados Fonte: Boletim Estatístico da Previdência Social, 2016-2020, SEPREV/Ministério do Trabalho. Nota: PAYG = sistema pay-as-you-go.   Figura 44. Taxa média de reposição dos   Figura 45. Receitas, despesas e déficits benefícios previdenciários cai gradualmente projetados do RGPS devido ao impacto progressivo da última reforma previdenciária 100% 20% 15% 90% 10% 80% 5% 0% 70% -5% 60% -10% 50% -15% 2020 2024 2028 2032 2036 2040 2044 2048 2052 2056 2060 2064 2068 2072 2076 2080 2019 2023 2027 2031 2035 2039 2043 2047 2051 2055 2059 2063 2067 2071 2075 2079 Taxa média de reposição, homens Receita Total PAYG Despesa Total PAYG Taxa média de reposição, mulheres Saldo Atual PAYG Fonte: Estimativas do Banco Mundial usando o PROST. Fonte: Simulações PROST do Banco Mundial usando dados do INSS. CAPÍTULO 4 70   Figura 46. Projeção dos déficits dos programas   Figura 47. Proporção de beneficiários e previdenciários de servidores estaduais pensionistas em relação aos servidores ativos de PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO selecionados (como percentual das receitas governos subnacionais correntes) Projeção do déficit pela % RCL de alguns RPPS estaduais 40% 2,0 35% 1,69 1,6 1,46 30% 1,37 25% 1,2 1,10 20% 0,96 0,85 0,76 15% 0,8 10% 0,4 0,26 5% 0,05 0% 0,0 2020 2025 2030 2035 2040 2045 2050 RS RJ PB RN CE SE SP AL PR MA AM PA RO RR RG do Norte Rio de Janeiro Bahia Centro-Oeste Norte Nordeste São Paulo Maranhão Paraná Sul Sudeste Santa Catarina Alagoas Média Mato Grosso Amazonas Fonte: Banco Mundial usando dados do Plano de Ajuste Fiscal/ Fonte: Banco Mundial usando dados do Anuário Estatístico de Secretaria do Tesouro Nacional. Previdência Social do RPPS/Ministério do Trabalho, 2020.   Figura 48. Percentual da população em cada decil de renda, de acordo com o número de programas recebidos pelas famílias 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 100% 3% 1% 7% 5% 5% 5% 90% 14% 11% 10% 14% 11% 18% 21% 80% 23% 28% 30% 33% 40% 70% 27% 25% 60% 44% 59% 43% 50% 50% 42% 40% 37% 37% 39% 36% 30% 55% 20% 41% 32% 10% 23% 21% 20% 21% 24% 18% 18% 0% D1 D2 D3 D4 D5 D6 D7 D8 D9 D10 0 programa 1 programa 2 programas 3 programas 4 programas 5 programas Fonte: World Bank (2018), com dados da PNAD Continua. Nota: Os decis usam a Renda de Mercado mais Aposentadorias per capita. Finalmente, um dos principais determinantes da são organizados de acordo com as principais fases de eficiência do sistema de proteção social do Brasil implementação ao longo da cadeia de entrega (figura é a qualidade da provisão. Os sistemas de provisão 49). A provisão de proteção social é facilitada pelas ou de entrega (do inglês, delivery systems) são as comunicações e sistemas de informação e tecnologia, formas como os benefícios e serviços de proteção dentre outros fatores. social chegam até os beneficiários pretendidos. Eles   Figura 49. Cadeia de entrega na provisão de um sistema de proteção social 71 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO AVALIAR INSCREVER FORNECER GERENCIAR Divulgação Recepção Avaliação de Decisões Determinação Notificação Fornecimento Conformidade Decisões e cadastro necessidades sobre do pacote de e de benefícios dos beneficiários, de saída, e condicões elegibilidade benefícios e integração e/ou prestação atualização dos notificações e e inscrição servicos de servicos dados, e resultados reclamações dos casos CICLO 1 2 3 4 5 6 7 RECORRENTE 8 9 REAVALIACÃO PERIÓDICA Fonte: Lindert et al. (2020). Os programas emergenciais introduzidos durante a as pessoas com rapidez e segurança. Essa inovação pandemia de COVID-19 usaram formas inovadoras motivou a adoção do mesmo mecanismo no Auxílio de entregar benefícios à população, mas muitas delas Brasil, que agora, como padrão, faz os pagamentos para ainda não foram integradas aos programas de longo contas sociais digitais. Os formuladores de políticas, no prazo do país. Talvez o fato mais importante tenha sido entanto, ainda precisam encontrar maneiras de garantir esses programas emergenciais explorarem os cadastros acesso equitativo aos serviços digitais e de aproveitar básicos de programas de benefícios contributivos e não o potencial de mais provedores privados para oferecer contributivos, de empregadores formais e de registros serviços financeiros de alto valor aos beneficiários. de contribuição previdenciária para identificar as pessoas e famílias que precisavam de apoio. O Auxílio Outra área que deve ser tratada no futuro é o Emergencial, por exemplo, acessou mais de 40 fontes fato de o Cadastro Único ainda ser usado para de dados em todo o Governo Federal. Com isso, ficou verificar a elegibilidade de possíveis beneficiários, claro que as vulnerabilidades e perdas de renda podem mas sem a capacidade de registrar informações ser avaliadas com mais precisão se forem comparados dos beneficiários de programas que fazem uso do bancos de dados diferentes e relevantes (Fietz et al., próprio Cadastro. Os programas usam o Cadastro 2021). A experiência também mostrou que, para que Único para aferir a elegibilidade dos beneficiários, mas essas inovações se tornem permanentes, a governança não conseguem enviar informações ao cadastro - por da assistência social, da previdência social e dos exemplo, dados sobre matrículas. Além disso, existe registros trabalhistas precisará ser revista. Idealmente, uma divisão histórica e persistente entre os cadastros os registros do Cadastro Único, do Cadastro Geral de contributivos e não contributivos e entre as instituições Empregados e Desempregados (CAGED) e do Guia de implementadoras (World Bank, 2018). Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP) devem ser integrados, e o Cadastro Por fim, a comunicação entre os programas de Nacional de Informações Sociais (CNIS) parece ser o proteção social e seus beneficiários também precisa melhor local para abrigá-los. Reduzir a quantidade de ser aprimorada. À exceção do Auxílio Brasil, que conta informações provenientes dos próprios usuários (por com um aplicativo móvel para se comunicar com os exemplo, histórico de empregos formais, qualificações beneficiários e receber feedback, a única interface educacionais e recebimento de outros benefícios do que os outros programas sociais têm com seus sistema) aumentaria a precisão dos dados e também beneficiários é durante o processo de inscrição ou por reduziria a carga sobre os usuários no futuro. meio de serviços de reclamações. Há, portanto, amplo espaço para desenvolver canais digitais para facilitar e Os programas emergenciais da pandemia também aumentar a frequência das interações entre usuários e adotaram um sistema de conta digital para gestores de programas. pagamento dos benefícios de proteção social para CAPÍTULO 5 Pavimentando o 72 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO caminho: Opções de reforma para as próximas duas décadas PRINCIPAIS MENSAGENS • Esta nota propõe dez reformas para o sistema de proteção social que podem preparar o Brasil para enfrentar questões estruturais e novos desafios decorrentes de tendências de longo prazo. • O sistema de proteção social do futuro deve incluir a garantia de um pacote mínimo de programas, projetado para reduzir os erros de exclusão e que seja diretamente coordenado com os programas contributivos. • A cobertura subsidiada deve se concentrar nos mais vulneráveis e ser gradualmente diminuída com base na capacidade do indivíduo de contribuir. • O Brasil deve reduzir as lacunas no acesso a programas de proteção social, e os diferenciais em contribuições e impostos entre as diferentes formas de trabalho (empregado, autônomo). • Uma transferência universal de renda para crianças, combinada com um benefício com base na renda (means-tested benefit) para as famílias mais pobres, pode melhorar a eficiência e a equidade do conjunto, hoje fragmentado, de transferências para as famílias. • Propõe-se um benefício previdenciário social de velhice consolidado, diretamente coordenado com as aposentadorias contributivas, capaz de restabelecer os incentivos à contribuição e prover retornos justos em todos os níveis contributivos. • Para aprimorar o desenvolvimento na primeira infância, as transferências condicionadas de renda podem ser acompanhadas por intervenções custo-efetivas que fortaleçam os cuidados praticados pelos pais e a coordenação com demais serviços. • Diversas mudanças podem melhorar a capacidade de resposta do sistema de proteção social a desastres causados pelo clima. • Uma renovação dos sistemas para prover políticas de mercado de trabalho e intervenções de inclusão econômica será fundamental para apoiar a futura força de trabalho ao longo das muitas transições. Uma reforma dos benefícios trabalhistas monetários poderia abrir espaço para o financiamento de uma rede moderna de centros de serviços públicos de emprego, ao mesmo tempo em que se melhoraria a produtividade do trabalho. • Sistemas de entrega e tecnologia aprimorados podem apoiar a execução dessas políticas, no entanto não devem substituir o CRAS/SUAS, que poderia ser fortalecido para se concentrar na prestação de serviços sociais. 5.1 Princípios orientadores e da incerteza sobre o futuro dos programas de alívio 73 temporário. Avanços recentes em relação ao tamanho e PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Diversas reformas podem preparar o Brasil para desenho do Auxílio Brasil são levados em consideração. enfrentar os desafios que surgirão dadas as Embora o gasto total do Brasil com assistência social megatendências do futuro. A figura 50 ilustra uma atualmente seja maior, as recomendações para o médio seleção de dez reformas que decorrem da análise prazo permanecem válidas. sistêmica realizada neste documento de acordo com seu impacto esperado sobre a pobreza e a equidade, seu O pacote de políticas de proteção social deve se impacto fiscal (positivo, neutro ou negativo) e o tempo concentrar em garantir o acesso a instrumentos necessário para sua implementação. Será fundamental de compartilhamento de riscos - especialmente chegar-se a um pacote fiscalmente equilibrado, diante para os mais vulneráveis - como forma de ampliar de um orçamento restrito e da grande parcela já as oportunidades e a inclusão. Os estudos recentes dedicada ao sistema de proteção social no Brasil. Neste Charting a Course Towards Universal Social Protection capítulo, discutimos os princípios que devem sustentar (World Bank, 2022a), Time for a New Course: an essay essas reformas e, em seguida, cada uma das propostas. on social protection and growth in Latin America (Levy e Cruces, 2021) e Risk Sharing in a Diverse Labor Market A maioria das propostas de reforma parte de trabalhos (Packard et al., 2019) estabeleceram alguns princípios analíticos anteriores desenvolvidos pelo Banco orientadores para os países em desenvolvimento Mundial ou se baseia diretamente neles. O objetivo revisitarem sua oferta de programas à luz dos desafios deste capítulo é, portanto, sugerir uma direção geral e à ampliação da cobertura e geração de incentivos ao um pacote de políticas, e fazer referência a publicações desenvolvimento, a natureza mutável do novo mundo mais aprofundadas que exploram os detalhes por trás do trabalho, novas fontes de riscos e avanços nos de cada política. As reformas foram, em grande parte, sistemas administrativos. Esses princípios também se elaboradas tendo como base o cenário anterior à COVID aplicam à renovação do sistema de proteção social e 19, diante dos desafios envolvidos na simulação do empregos do Brasil e formam a base das propostas de sistema de benefícios fiscais com dados de 2020-2021 reforma política incremental discutidas neste capítulo.   Figura 50. Direção dos impactos fiscais e sobre a pobreza das reformas propostas para o sistema de proteção social do Brasil Positivo Preencher lacunas, inovar na prestação Redes de proteção de cuidados na sensíveis ao clima primeira infância Consolidação das Inclusão econômica transferências para Impacto na pobreza em áreas rurais familias trabalhadoras Reforma dos Políticas ativas de Instrumentos financeiros benefícios monetários mercado de trabalho para trabalhadores para desempregados para o século XXI informais Avanço digital do Cadastro Único, novas Reforma do Neutro Reduzir diferenciais funções para os CRAS benefício mínimo no regime tributário de aposentadoria trabalhista Impacto fiscal Custo fiscal moderado Custo fiscal baixo Impacto fiscal neutro Economia baixa Economia moderada Impacto de curto prazo Impacto de médio prazo Fonte: Autores. 2 CAPÍTULO 5 74 A base de um sistema de proteção social para o de todos os trabalhadores, independentemente de futuro consiste na garantia de um pacote mínimo seu envolvimento no mercado de trabalho, incluindo PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO de benefícios direcionado de forma a minimizar trabalhadores autônomos atuando em novas formas os erros de exclusão. O mínimo garantido teria dois de trabalho digital. componentes: (i) transferências para prevenir a pobreza e (ii) subsídios para cobrir os prêmios de seguro contra O governo também deve incentivar ativamente os perdas catastróficas para as quais não há alternativas indivíduos a poupar para o curto e o longo prazos, de mercado. Packard et al. (2019) argumentam que construindo a terceira camada de proteção com o mínimo garantido deve ser financiado a partir do baixos custos fiscais. Nossas propostas de política orçamento federal (a base tributária mais ampla) e na próxima seção se propõem expandir a poupança deve priorizar abordagens que minimizem os erros individual para trabalhadores autônomos e informais, de exclusão,40 mesmo ao custo de maiores erros de visando ajudar os trabalhadores a buscarem cobertura inclusão.41 Seguindo esse princípio, nossa primeira de seguro contra choques de renda do trabalho além proposta seria institucionalizar uma transferência de dos recursos proporcionados pelo pacote mínimo renda universal para as crianças, combinada com um garantido. Historicamente, os sistemas de poupança benefício de renda mínima baseado em comprovação voluntária tiveram baixa aceitação nos países em de elegibilidade para as famílias mais pobres. Nossa desenvolvimento, pois são um bem normal - ou seja, as segunda proposta, reconhecendo a cobertura quase pessoas poupam mais à medida que a renda aumenta. universal (embora fragmentada) dos programas Além disso, as pessoas estão sujeitas a inúmeros vieses voltados para os idosos no Brasil, seria a criação de um que diminuem o interesse em poupar para necessidades benefício previdenciário universal por idade avançada, futuras. Para superar em parte essa limitação, alguns coordenado de modo a incentivar a aposentadoria países experimentaram estímulos comportamentais contributiva. Isso resolveria as lacunas na cobertura dos para lembrar as pessoas de economizar, recursos idosos e aumentaria a eficiência do gasto total com a de opção padrão para separar parte dos fluxos de terceira idade. Essas duas reformas são fundamentais renda em contas separadas e incentivos monetários para garantir a proteção ao longo do ciclo de vida e baseados em comportamento, como contribuições podem ser consideradas como a primeira camada de de contrapartida. Investir na educação financeira da proteção a ser oferecida por um futuro sistema de população também pode aumentar o conhecimento e o proteção social. interesse por seguros e poupança. O pacote mínimo garantido seria complementado por O pacote mínimo garantido também deve definir várias camadas adicionais de proteção, com a segunda níveis de benefícios adequados, garantir que os camada sendo um seguro (ou poupança) obrigatório incentivos sejam compatíveis em todos os programas e financiado individualmente. Esse mecanismo de e ser fiscalmente sustentável e anticíclico. Esses seguro ou poupança seria proporcional à capacidade do diferentes atributos desejáveis são muitas vezes indivíduo de contribuir e cobriria perdas relativamente difíceis de conseguir simultaneamente, mas algumas raras e catastróficas (por exemplo, invalidez, morte lições foram aprendidas com a experiência global que prematura e longevidade prolongada). Exigir que as podem ajudar a alcançar todos esses objetivos: pessoas economizem e busquem cobertura por meio de instrumentos que fornecem benefícios atuarialmente • Os programas funcionam como garantias de justos reduz o risco moral e garante que os recursos direitos, o que significa que devem responder às públicos sejam alocados de forma transparente para necessidades observadas. Para que isso aconteça, as pessoas mais necessitadas. Nossa proposta de os programas precisam ser baseados em direitos reforma do benefício mínimo de aposentadoria visa (UNDP, 2021), anticíclicos e manter um processo desvincular o componente subsidiado do componente contínuo de elegibilidade. No caso do Brasil, isso contributivo na previdência brasileira. Uma previdência significa que os programas de transferência de contributiva e transparente seria aberta e exigida renda precisam ter o mesmo status legal de outros 40  Por exemplo, um programa de renda mínima garantida que consiste em benefícios concedidos mediante comprovação de elegibilidade, com o objetivo de prevenir a pobreza a um custo mínimo para o orçamento. No entanto, esta abordagem acarreta o risco de subcobertura - ou seja, pode não alcançar todas as pessoas elegíveis. 41  Por exemplo, um programa de renda básica universal no qual um valor fixo seria pago a cada indivíduo, independentemente de seus rendimentos, resultando em menos erros de exclusão. 75 programas de proteção social, ou seja, para se i. Consolidação de transferências 75 tornarem garantia de direitos, para evitar qualquer fragmentadas para as famílias SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL forma de racionamento ou listas de espera. trabalhadoras Reformas adaptativas também são necessárias para lhes dar o espaço fiscal para responder a Para aumentar a sustentabilidade do programa de tempos de crise. Ao mesmo tempo, uma vez que TCR e garantir sua verdadeira capacidade anticíclica, o benefício médio do programa de TCR cresceu os benefícios para as famílias trabalhadoras substancialmente em comparação com seu nível deveriam ser coordenados e, idealmente, integrados pré-crise, o nível de benefício poderia ser revisto e em um único programa. Conforme discutido no seu design ser tornado mais eficiente garantindo, Capítulo 4, o governo brasileiro fornece alguma forma assim, que o programa esteja disponível para todos de complemento de renda para as famílias em todos que precisam. os segmentos da distribuição de renda, sob a forma de uma “renda básica universal escalonada” (onde o • O pacote mínimo garantido deve permitir a total de benefícios recebidos cai à medida que a renda eliminação gradual dos benefícios para evitar familiar aumenta). No caso do Brasil, no entanto, esse reduções repentinas e acentuadas na renda familiar. apoio gradual à renda é fragmentado. A coexistência de Isso exigirá que todos os programas sigam os benefícios com públicos-alvo diferentes cria duplicações mesmos mecanismos de elegibilidade por renda (não em alguns domicílios e falta de cobertura em outros. necessariamente limites) e que sua administração Além disso, com a criação do Benefício Extraordinário seja coordenada. As nossas propostas de reforma em 2022, uma série de pagamentos extras e generosos da aposentadoria e da assistência social para idosos do Auxílio Brasil, a despesa total com transferências de também visam evitar qualquer quebra de cobertura renda para as famílias aumentou substancialmente em para as famílias devido a mudanças temporárias na comparação ao período anterior à pandemia, mas de renda ou no período contributivo. uma forma que privilegia os domicílios unipessoais em detrimento das famílias com muitas crianças. • Os patamares de elegibilidade para o pacote devem ser relativamente altos para viabilizar o apoio ao O Brasil poderia consolidar suas transferências para grande número de pessoas que entram e saem da famílias trabalhadoras em uma única transferência pobreza. social escalonada, que pode apoiar os pobres crônicos e os afetados por choques transitórios de forma mais Por fim, enfrentar muitas das questões estruturais generosa e sustentável. Ao longo dos anos, vários do futuro depende da prestação de serviços de alta autores propuseram esse tipo de consolidação de qualidade. Isso implica uma migração parcial dos benefícios (ver World Bank, 2018 e Paiva et al., 2021). A gastos de proteção social de benefícios monetários presente proposta, denominada “benefício consolidado para maior ênfase em sistemas que garantam boa de assistência social”, se baseia nessa literatura e nas governança, capacitação e garantia de qualidade dos inovações alcançadas pelo sistema de proteção social programas entregues localmente, inclusive expandindo desde a crise de COVID-19. Propõem-se que tenha as a capacidade do governo federal de orientar e financiar seguintes características: políticas complexas. Existem experiências importantes na administração pública brasileira, como a implantação • Grande foco na inclusão e nas lições aprendidas do SUAS em todo o país, que podem ser estendidas a com a experiência do Auxílio Emergencial. Uma das outros setores e programas. importantes inovações adotadas pelo Auxílio Emergencial foi a inclusão automática de famílias 5.2 Dez propostas de reformas que poderiam temporariamente conseguir sair políticas para um horizonte até da pobreza, mas que não teriam os meios para 2040 permanecer fora dela. Apresentamos as seguintes sugestões para reformar o • Evitar os desincentivos à participação formal no sistema de proteção social brasileiro para que ele possa mercado de trabalho adotando um patamar de saída lidar com as tendências e mudanças esperadas nas relativamente alto e uma regra suave de redução próximas duas décadas. gradual de benefícios para evitar que as famílias 2 CAPÍTULO 5 76 com rendimentos ligeiramente acima do patamar as transferências existentes destinadas a crianças, de elegibilidade sejam drasticamente penalizadas, que agora estão fragmentadas por todo o sistema PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO inclusive quando entrarem no mercado de trabalho de benefícios fiscais (incluindo os benefícios para formal. crianças e jovens do Auxílio Brasil, Salário Família, e deduções de imposto de renda de pessoa física • Tratar as diferentes formas de renda do trabalho da relacionadas a filhos dependentes). mesma forma para fins de tributação e de contribuição, incluindo a renda do trabalho assalariado e ii. Benefícios mediante comprovação de elegibilidade: autônomo, para reforçar a equidade horizontal consolidaria o componente não-condicional do nas recompensas do trabalho. Da mesma forma, Auxílio Brasil (o Benefício de Cidadania) com o Abono os níveis de contribuição deveriam ser igualmente Salarial, um programa originalmente destinado recompensados em termos de benefícios em todas a apoiar trabalhadores de baixa renda que, as formas de trabalho. atualmente, é muito ineficaz. O benefício começaria a diminuir acima do limite de elegibilidade para • Coordenar cuidadosamente a assistência social preservar os incentivos à participação no mercado e o seguro-desemprego para que a assistência de trabalho formal. social passe a ser uma segunda camada da rede de segurança quando os benefícios do seguro- As simulações dessa proposta foram feitas com um desemprego se esgotam e para evitar a duplicação desenho de orçamento neutro, utilizando as despesas de benefícios no nível familiar. do programa em 2019 como ano de referência. Utilizou-se a ferramenta BraSim do Banco Mundial • Garantir que o benefício consolidado de assistência calibrada para 2019 com os orçamentos dos programas social sirva como plataforma para promover o uso de Bolsa Família, Abono Salarial, Salário Família, e outros serviços. Estes poderiam incluir programas deduções de imposto de renda para filhos dependentes de desenvolvimento na primeira infância, apoio como referência. O novo programa consolidado de ao acompanhamento à saúde, educação infantil assistência social pagaria um benefício fixo para todas e básica, e ser uma entrada para programas de as crianças brasileiras de 0 a 17 anos (componente inclusão financeira e econômica, como já foi feito universal) e um benefício fixo para cada adulto pelo Bolsa Família/Auxílio Brasil. vivendo em domicílio abaixo do limite de elegibilidade (componente de comprovação de elegibilidade). O limite • Corrigir as deficiências no desenho do Benefício de elegibilidade usado na simulação foi de R$ 250 per Extraordinário e do Benefício Complementar, como capita a preços de 2019,42 um valor suficiente para o valor fixo que desconsidera a composição familiar, permitir que trabalhadores formais de baixa renda se o que acaba incentivando as famílias a se dividirem beneficiem do componente direcionado. Para aqueles em unidades menores. com renda acima da linha de elegibilidade de R$ 250, presumimos que o benefício seria removido com uma Uma reforma com essas características seria taxa fiscal marginal de 50 por cento, o que significa compatível com a base legal do programa Bolsa Família/ que um aumento de R$ 1 na renda per capita acima do Auxílio Brasil, pois a lei do programa permite absorver limite de elegibilidade levaria à redução de R$ 0,50 no outros benefícios no programa de TCR. nível de benefício por adulto. Uma possibilidade de implementar uma única Esse novo benefício consolidado de assistência transferência social seria combinar um benefício social permaneceria razoavelmente bem direcionado universal para crianças com um benefício mediante e reduziria a pobreza em grau semelhante ao que comprovação de elegibilidade amplamente ocorreria se o atual sistema fragmentado pudesse ser direcionado para famílias pobres. Este novo programa perfeitamente implementado. Apesar de seu desenho teria dois componentes: universal, o benefício por criança seria progressivo.43 Isso ocorre porque a distribuição das crianças nos i. Benefício universal fixo por criança: consolidaria todas domicílios brasileiros é enviesada para os quintis 42  Vale lembrar que os limites de elegibilidade em 2019 eram de R$ 89 para a extrema pobreza e de R$ 178 para a pobreza. 43  O benefício universal tem um coeficiente de concentração de -0,19. Combinados, os componentes universal e direcionado teriam um coeficiente de concentração de -0,32. O coeficiente de concentração mede o quão progressiva ou regressiva é uma fonte específica de renda. Varia de -1 a 1. Fontes de renda com coeficientes de concentração abaixo do coeficiente de Gini (que mede a desigualdade de renda) podem ser consideradas progressivas (ou seja, contribuem para reduzir a desigualdade de renda). Fontes de renda com coeficientes de concentração abaixo de 0 podem ser consideradas altamente progressivas. 77 mais pobres. Nessa simulação de orçamento neutro, 2017, estimam que 2,5 milhões de crianças receberam 77 haveria apenas variações pequenas e estatisticamente mais de um benefício, enquanto 17 milhões de crianças SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL insignificantes na taxa de pobreza após a reforma não receberam nenhum benefício, metade das quais (usando diferentes linhas de pobreza) em comparação estava nos 30 por cento inferiores da distribuição de ao cenário de implementação perfeita de todas as renda. O componente universal criaria, assim, um transferências. No entanto, a nova estrutura de fluxo de renda estável para sustentar as crianças que benefícios seria coerente (diferente da atual estrutura vivem em domicílios vulneráveis, independentemente fragmentada), preencheria lacunas de cobertura, da forma de inserção das famílias no mercado de atingiria um número maior de beneficiários, evitaria trabalho ou das frequentes flutuações de renda que sobreposições e ofereceria incentivos adequados para atualmente fazem com que as famílias entrem e saiam que os indivíduos procurassem empregos formais. A constantemente dos programas (Fietz et al., 2021 e redução suave das transferências sobre a distribuição Morgandi et al., 2022). de renda (figura 51) é uma boa ilustração da coerência do novo desenho. A ampliação da base de beneficiários, especialmente entre a classe média vulnerável, também poderia   Figura 51. Incidência da proposta de apoiar a economia política da reforma. Supondo transferência consolidada para crianças e uma implementação perfeita, nossas simulações famílias de baixa renda, comparada à soma de sugerem que o número total de beneficiários diretos e todas as principais transferências fiscais para indiretos passaria dos atuais 125,7 milhões44 para 140,9 famílias in 2019 milhões. Tentativas anteriores de consolidar todas as transferências em um único benefício atingindo apenas 45% os pobres (reforma Renda Brasil, 2021) sucumbiram 40% rapidamente à dinâmica da economia política que explica a persistência de benefícios mal projetados Porcentagem de recursos 35% 30% no Brasil, como o Abono Salarial. O novo desenho sinaliza claramente para a maioria dos beneficiários do 25% Abono Salarial, Salário Família, e deduções do imposto 20% de renda que a maioria deles ganharia com o novo 15% programa (seja porque ganham pouco, seja porque 10% têm filhos) e com menos risco de serem obrigados a 5% sair do programa. Ao mesmo tempo, a grande sobre- 0% representação de crianças entre os pobres no Brasil 1 2 3 4 5 Quintis de renda per capita garantiria uma progressividade sustentável. PBF+AS+SF+DD Benefício de AS consolidado Muitos aspectos operacionais de tal reforma Fonte: Simulações dos autores com base na ferramenta de exigiriam mais planejamento. Do ponto de vista Microssimulação BraSim 2019. Nota: A figura mostra a incidência da transferência consolidada administrativo, unificar os orçamentos dos programas proposta em comparação com a incidência de todas as relevantes é uma tarefa por si só complexa. Os transferências focadas na família (Bolsa Família, Abono Salarial, Salário Família e a Dedução de Dependentes no Imposto de Renda benefícios do Abono Salarial são pagos mais de um de Pessoa Física). ano após a comprovação dos critérios de elegibilidade, e o Salário Família e as deduções do imposto de renda A principal vantagem desta reforma seria reduzir são despesas tributárias e não gastos com proteção os prováveis erros de exclusão que surgem como social. Além disso, somente o Cadastro Único e a resultado do atual sistema fragmentado e da Receita Federal contêm informações confiáveis sobre implementação imperfeita de benefícios concedidos as crianças nas famílias brasileiras e, segundo Paiva et mediante comprovação de elegibilidade. O programa al. (2021), 26 milhões de crianças não estão incluídas consolidado não apenas evitaria sobreposições, mas em nenhum dos dois cadastros. Como foi feito no caso também preencheria a lacuna existente na cobertura do programa Auxílio Emergencial, o Cadastro Único de crianças. Soares et al. (2019), usando dados da poderia ser ampliado por meio do uso de um formulário Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de digital simplificado para a construção de um único 44  Beneficiários do Bolsa Família, Abono Salarial, Salário Família ou deduções de imposto de renda para filhos dependentes. 2 CAPÍTULO 5 78 cadastro nacional de domicílios com a finalidade de as desigualdades entre aqueles que estão logo acima inscrição no programa universal. Isso poderia ajudar a e abaixo da linha de elegibilidade. Ainda não está claro PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO promover a auto-seleção, já que as famílias de renda se o orçamento de 2023 do Auxílio Brasil/Bolsa Família mais alta têm menor probabilidade de se cadastrar (que, incluindo o Benefício Extraordinário, correspondeu para um benefício de generosidade limitada, ao passo a 1,4 por cento do PIB), pode ser sustentado como que, hoje, o benefício é automaticamente concedido referência fiscal permanente para assistência social às como uma dedução fiscal.45 famílias. No contexto da presente proposta, os recursos atualmente gastos com o Benefício Extraordinário Outra questão fundamental refere-se ao papel e seriam usados para aumentar a generosidade do à amplitude das condicionalidades dos benefícios, componente de comprovação de elegibilidade do que são o eixo do Auxílio Brasil. Mais análises serão benefício consolidado. Também é importante considerar necessárias sobre as evidências da eficácia das TCRs os custos de oportunidade de expandir ainda mais os no Brasil e os padrões de uso de serviços por crianças benefícios em dinheiro, dados os usos alternativos a que e jovens em toda a distribuição de renda. Uma opção esses recursos poderiam ser destinados, especialmente pode ser estender condicionalidades rígidas a todos os para desenvolver serviços subfinanciados no pacote beneficiários da transferência universal. Afinal, o Salário de proteção social, como será discutido mais adiante Família prevê condições semelhantes às exigidas neste capítulo. pelo Bolsa Família (frequência escolar e vacinação), com a principal diferença de não serem exigidas. No ii. Reforma do benefício mínimo por idade entanto, isso provavelmente não seria compatível avançada com a abordagem baseada em direitos defendida nesta nota. Uma opção ainda menos justificável seria Tendo em conta os grandes desafios de limitar as condicionalidades às crianças que vivem sustentabilidade do sistema de previdência, será em famílias que também recebem o componente vital a reforma do benefício previdenciário mínimo, mediante comprovação de elegibilidade, o que se aliada a medidas compensatórias no pagamento de sobreporia consideravelmente ao atual conjunto de aposentadorias sociais. Atualmente, o Brasil oferece famílias que recebem benefícios do Bolsa Família. Uma uma “garantia de benefício mínimo” para a maioria dos opção potencialmente interessante seria a adoção de idosos residentes no país por meio de vários programas: condicionalidades brandas, mantendo o sistema de (i) aposentadoria mínima garantida; (ii) aposentadoria monitoramento e envolvendo assistentes sociais em rural (não contributiva de facto); e (iii) aposentadoria caso de descumprimento das condições de frequência social do BPC. Conforme discutido na Seção 4.4, essa escolar e acompanhamento de saúde e, assim, avançar combinação de programas é fiscalmente dispendiosa para um modelo mais flexível e baseado em risco que já e tem vários elementos de desenho que a tornam existe em outros países. No entanto, essa opção gera insustentável e distorcida. Recomendamos uma série questões operacionais e custos. de alterações de desenho para os três benefícios para melhorar sua equidade e consistência e aumentar sua Finalmente, essas simulações de reforma poderiam eficiência. Em primeiro lugar, sugerimos reformar o ser atualizadas no futuro para incorporar o benefício previdenciário contributivo mínimo garantido, orçamento 2022-2023 do Auxílio Brasil como nova rateando o valor do benefício pelo número de anos linha de base e revisar o Benefício Extraordinário. de contribuição, eliminando a diferença de idade de Como indicado no Capítulo 4, o Benefício Extraordinário aposentadoria entre homens e mulheres e removendo apresenta deficiências em seu desenho, resultando em o período mínimo de contribuição. Em segundo lugar, recebimento de um benefício generoso de R$ 600 pela propomos a revisão do valor do BPC para restabelecer maioria das famílias inscritas, independentemente de os incentivos à contribuição previdenciária e, por fim, a seu tamanho ou necessidade. Isso anulou as melhorias consolidação do BPC com a previdência rural. de desenho do Auxílio Brasil, que tentou maximizar seu impacto sobre grupos específicos. Um segundo Seria mais justo ratear o valor da previdência mínima risco potencial do Benefício Extraordinário é que pode pelo número de anos que os indivíduos contribuíram dar às famílias um incentivo para se dividirem em para o sistema durante suas vidas profissionais. unidades menores. Finalmente, o benefício acentua O valor mínimo da aposentadoria é definido na 45  Seria também uma resposta à determinação do Supremo Tribunal Federal de acelerar a implementação do processo de universalização da renda básica prevista na Lei 10.835/2003. 79   Figura 52. Consolidação dos componentes das aposentadorias por idade (BPC e aposentadoria rural) 79 e da garantia previdenciária contributiva mínima rateada SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL a) regras atuais b) regras propostas 100% 100% 80% 80% % do salário mínimo % do salário mínimo 60% 60% BPC ou nada Aposentadoria BPC Aposentadoria 40% mínima 40% mínima 20% 20% 0% 0% 0 5 10 15 20 25 30 35 0 5 10 15 20 25 30 35 Anos de contribuição Anos de contribuição Não contributiva Contributiva Não contributiva Contributiva Fonte: Autores. constituição brasileira como equivalente ao salário- (devido ao seu curto histórico contributivo), o BPC mínimo, mas atualmente apenas aqueles que acumulam entraria para complementar a renda. Para os idosos pelo menos 15 anos de contribuições recebem algum sem aposentadoria contributiva (como os que benefício. A reforma proposta eliminaria a contribuição trabalharam a vida toda na informalidade), o BPC mínima de 15 anos, deixando de penalizar aqueles com seria pago integralmente (ver figura 52). Este desenho histórico de trabalho mais curto.46 Ao mesmo tempo, o universalizaria de fato a proteção mínima na terceira benefício deixaria de ter o atual piso alto e passaria a idade e eliminaria o critério de renda atualmente ser rateado por anos de contribuição. Um trabalhador aplicado ao BPC. Essa abordagem universal não seria com histórico completo de contribuições (35 anos para muito dispendiosa, uma vez que a maioria dos idosos os homens no momento) continuaria a se qualificar atualmente já recebe algum benefício, mas ajudaria a para uma aposentadoria mínima completa, enquanto aliviar o desafio político de uma reforma e reduzir as um trabalhador com 5 anos de contribuições receberia ineficiências administrativas. As reformas do imposto 5/35 desse valor. Apenas a parte contributiva deste de renda que propomos a seguir permitem que o governo benefício seria extensível aos sobreviventes. Essa recupere parte do benefício pago aos que ganham mais. reforma removeria o componente de subsídio da garantia de aposentadoria mínima. Para aqueles que A economia gerada por esta reforma aumentaria a não se qualificarem para a aposentadoria integral, o sustentabilidade fiscal do sistema sem aumentar benefício do BPC poderia ser usado para complementar a pobreza. Com o envelhecimento da população, a a diferença de renda, conforme discutido a seguir. demanda por direitos previdenciários continuará a aumentar, então reformas como essa serão essenciais O BPC poderia, então, ser coordenado com essa para evitar a exclusão de outras despesas menos aposentadoria contributiva recém-desenhada para protegidas e mais favoráveis aos pobres. Como a garantir que todos os idosos permaneçam fora da aposentadoria mínima representa uma grande parcela pobreza. De acordo com a prática usual na maioria dos dos benefícios previdenciários concedidos anualmente, países, o benefício do BPC poderia ser gradualmente a reforma teria um impacto fiscal considerável. De reduzido em termos reais (mantendo seu valor nominal) acordo com nossa proposta, se a taxa implícita de para se tornar inferior à aposentadoria mínima retorno for mantida entre 4 e 6 por cento - não apenas contributiva. Além disso, para os idosos com direito a para aqueles com uma trajetória completa de 35 anos, apenas uma parcela da aposentadoria contributiva mas também para aqueles com uma trajetória parcial 46  A aposentadoria é atualmente acumulada em 4 por cento da base salarial por ano durante os primeiros 15 anos e em 2 por cento a partir de então. 2 CAPÍTULO 5 80 (por rateio do valor mínimo da aposentadoria) - a blindar grande parte de seus rendimentos do imposto economia total nos gastos atuais com aposentadorias de renda,48 pagar contribuições previdenciárias PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO seria de 36 por cento. Mesmo contabilizando o aumento reduzidas e evitar outros impostos que fazem parte da dos gastos com o BPC, a economia total ainda ficaria cunha fiscal dos empregados assalariados regulares.49 em torno de 30 por cento de todos os gastos atuais Essa heterogeneidade de impostos e contribuições com benefícios mínimos, ou R$ 80 bilhões ao ano (0,9 obrigatórias relacionadas a diferentes formas de por cento do PIB).47 Para colocar isso em perspectiva, trabalho resulta em diferentes alíquotas efetivas os gastos com todo o programa BPC contabilizam de impostos sobre os trabalhadores brasileiros, atualmente de R$ 35 bilhões por ano. mesmo entre aqueles que realizam trabalhos muito semelhantes (figura 53). Assim, a reforma proposta ofereceria múltiplas vantagens. Daria a todos os idosos uma proteção As preocupações com o fenômeno da pejotização segura contra a pobreza, evitando a duplicação de (ou terceirização) estão crescendo, principalmente benefícios no mesmo nível elevado em um contexto no que diz respeito aos seus efeitos negativos sobre de altos tradeoffs fiscais, onde muitas famílias pobres a eficiência, a receita fiscal e a vulnerabilidade do não recebem sequer o nível mínimo de apoio. A reforma trabalhador. O custo considerável e as vantagens proposta melhoraria os incentivos para contribuir, regulatórias associadas ao trabalho autônomo aumentaria a justiça e aumentaria a sustentabilidade provavelmente explicam a parcela crescente fiscal do sistema previdenciário. Além disso, nossa de trabalhadores não-dependentes na força de proposta em relação ao benefício previdenciário trabalho, como discutido no Capítulo 3. A experiência consolidado reduziria o ônus administrativo sobre os internacional tem mostrado como as oportunidades indivíduos, sobre o Instituto Brasileiro de Previdência de terceirização por menor preço (arbitragem de Social (INSS) e sobre os tribunais, além de garantir custos) geram fortes incentivos para as empresas que toda a população idosa esteja protegida contra a contratarem trabalhadores autônomos sempre que pobreza. possível. O trabalho autônomo involuntário pode ser problemático, pois esses trabalhadores não acessam iii. Redução dos diferenciais na tributação as ferramentas de proteção social disponíveis para do trabalho empregados assalariados. As mudanças na legislação trabalhista adotadas em 2017 reduziram as restrições A natureza mutável do trabalho e a reforma da aos trabalhadores que executam muitas tarefas como legislação trabalhista do Brasil em 2017 destacaram subcontratados independentes de empresas maiores, a necessidade de se ajustar a cunha fiscal e as ampliando ainda mais a demanda por essa forma contribuições para a seguridade social. A cunha fiscal de trabalho. As disposições legais contra o “trabalho (a diferença entre os custos totais do trabalho e os autônomo disfarçado” continuam em vigor no Brasil, salários líquidos que os trabalhadores recebem) sobre mas não são necessariamente eficazes, especialmente o trabalho dependente no Brasil é uma das mais altas porque a mudança tecnológica facilitou a segmentação da região da ALC e está um pouco abaixo da média e terceirização do trabalho sem vínculo empregatício dos países da OCDE. Em contraste, a cunha fiscal direto. Os regimes especiais do Brasil também têm um enfrentada por indivíduos que vendem sua força de impacto negativo nas receitas. Em 2017, 61 por cento trabalho legalmente no mercado como pessoa jurídica das 4,9 milhões de empresas formais que contribuíram (empresa unipessoal ou sócio) é significativamente para o Instituto Brasileiro de Previdência Social (INSS) menor. Dependendo da forma de constituição envolvida o fizeram sob os regimes SIMPLES ou MEI. Estas (como MEI, SIMPLES ou outras formas de pessoa empresas representavam 26 por cento do emprego jurídica), os trabalhadores não-dependentes podem total e 16,8 por cento dos salários totais (AEPS, 2017). 47  As economias provenientes de se igualar a idade de aposentadoria não foram incluídas nesses cálculos. 48  No Brasil, a renda do trabalho está sujeita ao imposto de renda da pessoa física (IRPF) e também às contribuições sobre a folha de pagamento (que variam de acordo com cada tipo de emprego). Por outro lado, os dividendos pagos aos acionistas de uma empresa (incluindo um proprietário individual de uma pequena empresa) são isentos de impostos. Os trabalhadores dependentes devem declarar todos os seus rendimentos como renda do trabalho (pró-labore), enquanto trabalhadores autônomos e microempresários (duas formas diferentes de trabalho autônomo) podem deduzir parte de suas receitas como custos (reais ou presumidos). Além disso, os proprietários de empresas (como SIMPLES ou PJ) podem escolher a parcela de seus lucros líquidos que devem ser considerados rendimentos do trabalho, sendo o restante considerado dividendos isentos de impostos. 49  Os tributos incluem a contribuição do INCRA, a contribuição do Salário Educação, a contribuição do Sistema S e a contribuição do Seguro Acidente Trabalho. 81   Figura 53. Cunha fiscal total como percentual dos rendimentos do trabalho para diferentes formas 81 de trabalho no Brasil, desenho atual e potencial reforma SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL Brasil (2018) Proposta de Reforma 40% 40% Carga Tributária Total Carga Tributária Total 30% 30% 20% 20% 10% 10% 0% 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Salários-Mínimos Salários-Mínimos CLT Linha de Base PJ Linha de Base MEI Reforma CLT Reforma MEI Linha de Base SIMPLES CLT na Linha de Base SIMPLES Reforma SIMPLES Reforma TA Linha de Base TA Linha de Base PJ - LP Reforma PJ - LP Fonte: Modelo do Banco Mundial de impostos de jure e benefícios no Brasil para 2018, desenvolvido por Katharina Fietz, Stella Carneiro, Matteo Morgandi, Cornelius Fleishaker e Rodrigo Orair. Nota: O modelo identifica a carga tributária (% do total dos custos trabalhistas pagos em contribuições e impostos) por diferentes indivíduos que vendem seu trabalho sob diferentes regimes. CLT identifica os trabalhadores dependentes contratados sob a consolidação das leis trabalhistas, seja em empresa regular (PJ) ou em regime simplificado (SIMPLES). TA = Trabalhador Autônomo na CLT. MEI = microempreendedor individual. SIMPLES = sócio de empresa no regime SIMPLES (imposto simplificado). PJ = sócio de empresa no regime regular (Pessoa Jurídica - PJ). Nós propomos que várias mudanças sejam feitas particularmente para os que ganham mais e são mais nos impostos e contribuições para reduzir o custo do capazes de explorar as oportunidades de terceirização. trabalho, melhorar a equidade e aumentar a neutralidade em diferentes formas de trabalho. Essas propostas são: Mais detalhadamente, eliminar os impostos que (i) reduzir a diferença nos custos de aquisição de mão financiam bens públicos a partir da folha de de obra de um empregado assalariado dependente e de pagamento dos trabalhadores formais já poderia um trabalhador autônomo; (ii) alinhar os impostos entre reduzir significativamente o custo dos assalariados os tipos de renda (dividendos/lucros, pensões, salários dependentes. Para reduzir a elevada carga fiscal e aluguéis) para alcançar a neutralidade tributária; e desses assalariados, o financiamento de bens públicos (iii) aumentar a progressividade geral do sistema de - como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma impostos diretos por meio da cobrança do imposto Agrária (INCRA), o Sistema S, e o Salário Educação - de renda de pessoa física, por meio de alíquotas mais pode ser removido da folha de pagamento. Só isso progressivas em linha com os países da OCDE e menos poderia reduzir a cunha fiscal de 31 por cento para isenções. Essas mudanças propostas contribuem 28 por cento para um único assalariado que recebe o para harmonizar a cunha fiscal para todos os tipos de salário médio. Uma reforma semelhante foi realizada trabalhadores e são projetadas para serem fiscalmente na Colômbia, aumentando o emprego formal entre os neutras.50 A figura 53 apresenta os resultados da trabalhadores de baixa renda (Kugler et al., 2017). Além aplicação simultânea de todas as mudanças propostas disso, propomos a aplicação do mesmo teto base de nas alíquotas finais. É importante ressaltar que a contribuição aplicado às contribuições previdenciárias reforma reduziria significativamente o custo do dos empregados às contribuições previdenciárias do trabalho formal dependente e, em geral, diminuiria o empregador (contribuição patronal previdenciária ou diferencial na cunha fiscal entre as formas de trabalho, CPP). O teto atual é de cerca de 6 salários-mínimos, 50  Essa proposta foi desenvolvida pela equipe do Banco Mundial em conjunto com Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 2 CAPÍTULO 5 82 transformando as contribuições em um imposto sobre contribuição dos trabalhadores MEI para equipará-la os trabalhadores de alta renda. Como etapa final, os à dos trabalhadores dependentes, de 5 por cento para PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO custos não trabalhistas dos trabalhadores dependentes 11 por cento do salário-mínimo. podem ser harmonizados, independentemente da empresa para a qual trabalhem. Por exemplo, as iv. Proteção contra o desemprego no futuro mesmas regras do Seguro Acidente de Trabalho mercado de trabalho devem ser aplicadas aos trabalhadores assalariados dependentes que trabalham em empresas tanto no Para aumentar a eficiência dos programas de regime PJ como no SIMPLES. proteção contra o desemprego, o seguro-desemprego e a poupança individual (o FGTS) devem ser Para compensar as perdas de receita decorrentes da articulados entre si e com outros serviços. Um grande redução dos impostos sobre a folha de pagamento, o corpo de literatura tem pedido uma reforma dos Brasil poderia alinhar o imposto de renda de pessoa programas de desemprego.51 Uma abordagem possível, física às boas práticas internacionais, removendo com base na experiência internacional (World Bank, as isenções atuais para dividendos e rendimentos de 2018), é que a poupança individual acumulada no FGTS aposentadorias. No Brasil, os dividendos distribuídos seja utilizada como primeira linha de financiamento a acionistas individuais são isentos de imposto de do seguro-desemprego. Somente após esgotados renda, o que é uma anomalia global. Isso incentiva os recursos do FGTS, o trabalhador receberia os ainda mais os indivíduos a constituírem empresa. recursos do seguro-desemprego.52 Dessa forma, os Um segundo grupo que é tratado de forma diferente trabalhadores receberiam menos do que ganhavam dos trabalhadores dependentes são os aposentados enquanto trabalhavam (eliminando assim os incentivos e pensionistas. A isenção do imposto de renda sobre perversos), os prazos de pagamento seriam estendidos uma parcela da renda de aposentadoria e pensão custa (ver o exemplo na figura 54), e as economias individuais atualmente ao governo mais de R$ 70 bilhões por ano. seriam usadas antes que quaisquer pagamentos Ambas as mudanças aumentariam a neutralidade do fossem feitos a partir do pool de risco público. imposto de renda e ajudariam a financiar a redução no custo da mão de obra, estimulando assim a criação de O seguro-desemprego pode ser melhorado através empregos formais em empresas formais. de alterações paramétricas nas suas condições de acesso e generosidade de benefícios e da Em segundo lugar, o alinhamento das taxas de redistribuição das corresponsabilidades.53 Melhorar contribuição previdenciária para todos os tipos de o sequenciamento e a integração da indenização trabalhadores reduziria ainda mais os incentivos rescisória, assistência social e seguro social também para disfarçar o trabalho dependente como tornaria o seguro-desemprego mais adequado para trabalho autônomo. Os optantes do SIMPLES e PJ uma situação de desemprego de longa duração e podem declarar uma contribuição-base arbitrária reduziria os desincentivos associados ao benefício. (salário de contribuição) independentemente de seus Portanto, seria desejável reduzir a taxa de substituição lucros reais, permitindo-lhes subdeclarar legalmente do seguro-desemprego e, ao mesmo tempo, aumentar a seus rendimentos para fins previdenciários. Em duração do benefício em linha com as melhores práticas nossa proposta, visamos uma harmonização das internacionais. O FGTS poderia ser estabelecido como taxas de contribuição por meio de: (i) aplicação de o primeiro pagador do auxílio de renda mensal após uma base contributiva máxima às contribuições do a demissão do trabalhador, e o seguro-desemprego empregador para a segurança social; (ii) aplicação começaria a ser pago assim que o FGTS do trabalhador das mesmas taxas dos trabalhadores dependentes se esgotasse. Simulações dessa reforma sugerem que aos trabalhadores autônomos que trabalham para ela resultaria em períodos médios de desemprego um empregador; e (iii) aumento da alíquota de mais curtos. Benefícios complementares podem 51  Outros desenhos compatíveis com incentivos potenciais são propostos na literatura; por exemplo, o benefício poderia ser pago em parte por meio da conta de FGTS e em parte por meio do pool do seguro-desemprego. 52  Sabe-se que o FGTS é mais do que uma poupança individual, pois atualmente também financia programas habitacionais e de saneamento. Assim, a utilização desses recursos como substituto do seguro-desemprego não produziria um impacto neutro. No contexto das perspectivas futuras do Brasil em 2040, o FGTS deve ser pensado como um mecanismo de financiamento de bens públicos que fazia sentido quando os mercados financeiros privados eram menos desenvolvidos. No entanto, no presente e no futuro próximo, essas políticas devem ser financiadas por outras fontes orçamentárias, em vez de forçar os trabalhadores a poupar. 53  Veja em Morgandi et al. (2020) uma visão geral mais detalhada dessas recomendações de políticas específicas para melhorar o sistema de proteção contra o desemprego no Brasil. 83   Figura 54. Fonte de financiamento caso o seguro-desemprego e o FGTS fossem articuladas 83 SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL 1.400 100% Benefício do seguro-desemprego em R$ 1.200 80% Taxa de Substituição 1.000 80% 80% 80% 80% 75% 70% 60% 800 65% 60% 55% 600 40% 400 20% 200 0 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Meses de desemprego FGTS + Financiamento de multa Financiamento público Taxa de substituição do benefício Fonte: Morgandi et al. (2021). Nota: Benefício-desemprego para trabalhador demitido com salário pré-desemprego igual a 1,5 salário mínimo e tempo de emprego de 24 meses. ser oferecidos a trabalhadores desempregados que O Cadastro Único e o Bolsa Família podem ser estejam dispostos a se envolver imediatamente com usados para oferecer produtos de poupança programas ativos do mercado de trabalho em busca preventiva para a vasta população de trabalhadores de um novo emprego para reduzir a probabilidade de os vulneráveis e informais no Brasil. Há uma série de beneficiários esgotarem o benefício. medidas que, tomadas em conjunto, podem aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais, e que Embora o Brasil já gaste em proteção social um valor estão descritas com mais detalhes em World Bank semelhante ao de outros países com capacidade de (2021d). De particular relevância é o uso de sistemas arrecadação semelhante, mudanças legislativas de poupança preventiva para fortalecer a resiliência são necessárias para distribuir esse gasto de de renda e a alfabetização financeira dos beneficiários forma mais equitativa entre as diferentes faixas da assistência social que estão se aproximando dos etárias. Além disso, outras alterações legislativas, limites financeiros para saída do programa, como como alterar o período de carência para quem solicita aqueles que se enquadram na Regra de Emancipação. o benefício pela primeira vez, poderiam aumentar o Os beneficiários do Bolsa Família próximos do limite de acesso ao seguro-desemprego para as pessoas com saída do programa tendem a trabalhar informalmente trajetórias de trabalho intermitentes. Na próxima e ser autônomos, mas não são mais extremamente recomendação será discutido como aumentar ainda pobres (Fietz et al., 2021), portanto podem ser mais mais a proteção de renda para grupos atualmente facilmente persuadidos a poupar. A experiência da descobertos. Conta Poupança Social Digital deve ser estudada para identificar como as economias do Auxílio Emergencial v. Instrumentos financeiros para foram usadas. trabalhadores informais A disponibilização de produtos de poupança às famílias Uma questão importante durante o período de poderá permitir-lhes mitigar antecipadamente os recuperação do Brasil será como aumentar a custos dos choques e reduzir a probabilidade de resiliência dos trabalhadores vulneráveis e informais, voltar a precisar das redes de segurança. O Banco especialmente aqueles que não são elegíveis para Mundial (World Bank, 2021b) analisou iniciativas de assistência social. As políticas de inclusão financeira todo o mundo destinadas a aumentar as taxas de podem contribuir para atingir esse objetivo. poupança, inclusive em outros países de renda média, 2 CAPÍTULO 5 84 como Colômbia, Ruanda, Quênia e Paquistão (tabela o governo também poderia fornecer contrapartidas 3).54 Essas iniciativas envolveram a oferta de educação para trabalhadores de baixa renda fora do emprego PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO financeira, opções padrão, lembretes e recompensas assalariado, a fim de ajudá-los a aumentar suas contas pelo alcance de metas. Por um custo fiscal mais alto, de poupança individuais mais rapidamente.   Tabela 3. Experiência internacional com instrumentos de poupança preventiva para trabalhadores Funcionalidades Número de Tipo de programa Grupo alvo para aumentar a beneficiários/ poupança cobertura 666.990 beneficiários Contrapartidas, loterias, (2020) Colômbia (BEPS) mensagens de texto / Beneficiários potenciais: lembretes 11,4 milhões Quênia 100.000 beneficiários Algumas restrições (Esquema de a (2018) Aposentadoria/ Trabalhadores de saque, fornecido posentadoria Beneficiários potenciais: poupança de longo- informais e de digitalmente Mbao) 12 milhões prazo (também baixa-renda pode ser usado Contrapartida de para outros fins de acordo com status 1,3 milhões inscritos poupança de longo- Ruanda (Ejo socioeconômico, (2021) prazo em Quênia e Heza) fornecido digitalmente, Beneficiários potenciais: Ruanda) combinado com seguro 2,9 milhões de vida >300.000 trabalhadores Chile (Reforma autônomos (2008): de 2008) representa 33 por cento Trabalhadores dos elegíveis a contribuir autônomos formais Contas de poupança Colômbia 8 milhões de beneficiários de seguro- Taxas de juros favoráveis (Cesantias) (2018) desemprego Transferências 2,3 milhões de famílias automáticas, educação México (PROUF) Programa de Beneficiários de (2015-2018). Grupo alvo financeira, seguro de -Descontinuado inclusão financeira TCR potencial: 6,2 milhões de vida gratuito, acesso a beneficiários. microcrédito Trabalhadores Esquema de informais Paquistão poupança voluntária descobertos, Piloto visa alcançar (CRISP) Contrapartidas com contas beneficiários 150.000 beneficiários - Planejado individuais em saída de TCR Seguro-desemprego Trabalhadores Países de alta para trabalhadores autônomos renda da OCDE autônomos formais formais Fonte: Banco Mundial (2021b). 54  Uma dúzia de países da OCDE também têm janelas de seguro-desemprego para autônomos formais, mas esses esquemas parecem inadequados para um contexto em que a informalidade é alta e é difícil observar com precisão as perdas financeiras. Seria necessário um sistema de fiscalização muito mais forte para monitorar a adesão às condicionalidades de busca de emprego do que o que existe atualmente no Brasil. 85 Os esforços para incentivar a poupança financeira Tais intervenções são particularmente importantes em 85 às vezes são combinados com a oferta de outros um contexto de persistente discriminação de gênero SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL serviços, como incentivos à poupança de longo prazo e raça no mercado de trabalho. Elas podem: (i) reduzir para a aposentadoria, ou incentivos para apoiar a as assimetrias de informação e os preconceitos dos inclusão financeira. Por exemplo, ao incentivar os empregadores (através da sinalização de competências trabalhadores do setor informal a poupar, cria-se um do trabalhador e da intermediação objetiva); (ii) incentivar histórico financeiro visível que pode servir como garantia os empregadores a oferecer aos jovens com uma rede para lhes permitir o acesso ao crédito. Os provedores social limitada as suas primeiras oportunidades de de serviços financeiros também podem considerar emprego (por meio de subsídios salariais); (iii) melhorar as oferecer microsseguros para perdas catastróficas, habilidades dos candidatos para entrevistas de emprego mas raras (como morte ou acidentes), bem como para e aprendizagem no trabalho (por meio de capacitação em mitigar esses riscos. Finalmente, a oferta de educação habilidades interpessoais); e (iv) aumentar o propósito e a financeira complementar será fundamental para que busca de programas de capacitação de melhor qualidade as famílias possam aproveitar ao máximo a poupança (serviços completos de orientação e aconselhamento). e, em geral, escolher produtos mais baratos, reduzindo Vários países em desenvolvimento também estão assim os riscos para os bancos. experimentando o uso de contratos baseados em desempenho com fornecedores que oferecem funções vi. Renovação dos programas ativos do não essenciais, como treinamento técnico, intermediação mercado de trabalho personalizada e colocações subsidiadas, e essa é uma área promissora a ser explorada pelo Brasil. Uma maior A reforma do financiamento das políticas ativas do coordenação entre PAMTs e iniciativas do Sistema S mercado de trabalho (PAMT) modernas no Brasil também seria útil para garantir que os pobres recebam ajudaria os trabalhadores e candidatos a emprego o apoio para prepará-los para se beneficiar de vagas em a enfrentar os choques do mercado de trabalho do cursos de capacitação de alta qualidade. futuro. O Brasil quase não tem PAMTs, a não ser a oferta de capacitação, que existe até certo ponto, Para coordenar essa agenda no nível local, o Brasil mas de forma isolada. O Brasil poderia investir em deve começar a reformular seus serviços de emprego, PAMTs sem ter que aumentar o gasto total, por que estão enfrentando dificuldades, como portas de exemplo, realocando gastos correntes no FAT para entrada para outros programas. Os serviços públicos de o Abono Salarial, que custam R$17 bilhões por ano e emprego (SINE) historicamente incluíram um conjunto beneficiam principalmente aqueles nos quintis de renda restrito de funções: oferta/procura de empregos, média e alta com um emprego formal. As políticas documentação trabalhista e inscrição no seguro- macroeconômicas de estímulo ao emprego precisariam desemprego. O financiamento do SINE tem sido mínimo de outras fontes de financiamento para complementar e vem caindo. Em 2018, a intermediação de mão de os salários daqueles que já têm um emprego formal, por obra representou menos de 1 por cento do que foi gasto meio do Abono Salarial. com o seguro-desemprego. O papel do SINE diminuiu ainda mais desde que o seguro-desemprego passou a As PAMTs também podem melhorar a equidade na ser operado digitalmente. Borges, Lobo e Foguel (2017) oferta/procura no mercado de trabalho e reduzir a estimam que mesmo uma pequena melhoria na eficácia discriminação. As PAMTs devem começar traçando da intermediação resultaria em grande economia fiscal o perfil dos candidatos e, em seguida, oferecer-lhes no seguro-desemprego, abrindo espaço para financiar uma combinação de orientação profissional, apoio outras políticas ativas do mercado de trabalho. A na procura de emprego, programas estruturados de intermediação de mão de obra é, e no futuro será ainda desenvolvimento de habilidades, desenvolvimento mais, prestada por meio de plataformas digitais que de habilidades socioemocionais e a possibilidade de podem ajudar a combinar candidatos com empregos. acumular experiência de trabalho por meio de um No entanto, isso não elimina a necessidade de se subsídio salarial temporário (veja na tabela 4 uma desenvolver escritórios presenciais que possam realizar gama completa de intervenções possíveis). Sistemas funções essenciais, como traçar perfis de candidatos de monitoramento e avaliação devem ser implantados a emprego, treinar clientes em habilidades de busca para identificar programas bem-sucedidos e avaliar de emprego, encaminhá-los a prestadores de serviços provedores individuais. locais em casos mais complexos e garantir que todos recebam tratamento justo e sem discriminação. 2 CAPÍTULO 5 86   Tabela 4. Classificação dos benefícios e serviços de apoio à renda, por grupos de risco PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Serviços de emprego: ajudam as pessoas a encontrar trabalho Serviços para aumento de Benefícios empregabilidade, Grupo de Risco (passivos ou Aconselhamento, ou ALMP: ajudam ativos) intermediação, as pessoas a se Informação, acompanhamen- tornarem mais orientação to de caso para empregáveis ativação Desempregado • Benefícios de • Ferramentas de • Assistência na • Treinamento para a pouco tempo curto prazo (seguro- autoatendimento busca por emprego atualizar ou aumentar (semelhante a desemprego • Plataformas para •Orientação e competências jovens e pessoas ou assistência- conectar quem monitoramento por • Treinamento para em busca do desemprego), oferece e quem assistente social empreendedorismo primeiro emprego) geralmente com busca emprego • Indicação para • Estágios Plano de Ação • Websites e call- emprego • Subsídio salarial Individual e centers • Orientação para que empresas corresponsabilidades profissional empreguem • Incentivos para desempregados ou voltar ao trabalho quem busca o primeiro • Apoio para emprego abrir empresa, • Subsídios para que empreendedorismo empresas adaptem o local de trabalho ou adquiram tecnologias que auxiliem empregados com deficiência Desempregado há Benefícios de longo • Ferramentas de • Intensificação do • Prontidão para o muito tempo prazo (assistência- autoatendimento aconselhamento emprego e treinamento desemprego ou • Plataformas para e orientação do em habilidades assistência social conectar quem assistente social, interpessoais depois que o seguro- oferece e quem incluindo Plano de • Treinamento desemprego se busca emprego Ação Individual ocupacional/habilidades esgota), geralmente • Atividades de • Alguma assistência técnicas com Plano de extensão para à busca por emprego, • Educação básica e para Ação Individual e trabalhadores indicações adultos corresponsabilidades jovens, desalentados, • Mentoria • Alfabetização digital inativos • Subsídios salariais • Informações para que as empresas sobre o valor da empreguem educação, e retornos trabalhadores às especialidades desempregados há técnicas muito tempo • Criação de empregos em obras públicas Subempregados • Ferramentas de • Assistência na • Treinamento no autoatendimento busca por emprego emprego • Websites e call- • Indicações para • Estágios centers empregos •Treinamento para • Informações • Orientação empreendedorismo sobre o valor da profissional e gestão de empresa educação, e retornos • Informações e (finanças, contabilidade, às especialidades aconselhamento etc.) técnicas sobre tecnologias e • Apoio financeiro e práticas de manejo microcrédito combinado agrícola com aconselhamento técnico Fonte: Kathy Lindert, Tina George Karippacheril, Ines Rodriguez Caillava (eds.), Bowen et al., 2020. 87 Para ajudar os trabalhadores a lidar com o de que a coordenação entre os componentes é vital, 87 deslocamento induzido pela tecnologia e pela já que os conjuntos de intervenções demonstraram SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL transição verde, o Brasil deve organizar trajetórias ter um impacto maior do que intervenções isoladas. de requalificação mais intensivas. Programas Embora o governo central tenha um papel crucial no de assistência ao ajuste comercial (AAC) foram estabelecimento das regras e ferramentas do jogo, implementados em alguns países para ajudar os os programas de PEI precisam ser coordenados em trabalhadores afetados por declínios generalizados nível geográfico. No entanto, um grande desafio será na indústria após acordos comerciais. Embora os identificar a instituição ou instituições com vantagem programas de AAC tenham resultados mistos, comparativa para desempenhar as funções necessárias alguns produziram resultados positivos e podem no nível local. sugerir possíveis formas de se organizar programas de requalificação nas indústrias e nas ocupações Experiências passadas de programas de inclusão que serão afetadas por choques futuros no Brasil. econômica produtiva no Brasil, como o Brasil Sem Hollweg et al. (2014) destacam a necessidade de levar Miséria (BSM), demonstraram como o agrupamento em conta as seguintes considerações ao projetar de diferentes políticas sociais tem o potencial de esses tipos de programas: (i) centrar-se em um único acelerar a inclusão produtiva no país. O BSM foi setor ou instrumento; (ii) projetar cuidadosamente o lançado em 2011 como parte da estratégia de inclusão componente de capacitação de forma a adequá-lo aos produtiva do Brasil. O programa consistia em três setores de destino; e (iii) investigar diferentes opções de eixos principais de atuação: (i) garantia de renda; (ii) compartilhamento de custos entre os setores público inclusão produtiva; e (iii) acesso a serviços públicos. e privado para financiar o programa com eficiência. Os três eixos tinham como objetivo alcançar famílias Para apoiar os trabalhadores durante as transições extremamente pobres com produção e segurança entre empregos, também será importante considerar a alimentar insuficientes. O BSM contou com uma concessão de benefícios adicionais para complementar abordagem transversal do governo para coordenar o seguro-desemprego de curta duração para que os políticas e programas existentes, como o Bolsa Família trabalhadores tenham um apoio à renda ao longo do e o Programa de Aquisição de Alimentos, bem como período de capacitação. novos instrumentos, como o Bolsa Verde e o programa de Fomento a Atividades Produtivas Rurais, que foram vii. Inclusão econômica para áreas rurais agrupados em um pacote de IPE. O Cadastro Único e o SUAS foram importantes para facilitar os esforços Evidências de programas de inclusão econômica maciços de coordenação do BSM, mas também para produtiva revelaram que esses programas proporcionar um ponto de entrada para os beneficiários apresentam resultados positivos se bem em potencial acessarem todos os programas coordenados geograficamente. Colin et al. (2021) agrupados.55 analisam evidências globais sobre o impacto e os custos dos programas de inclusão produtiva e Um aproveitamento melhor dos dados do Cadastro econômica (IPE). Esses programas concentram-se em Único e outros registros públicos poderia facilitar populações pobres e extremamente pobres que atuam ainda mais a implementação de intervenções de em economias altamente informais e principalmente inclusão produtiva e econômica. O Cadastro Único, em áreas rurais. As intervenções de IPE variam, mas especialmente se complementado por dados de outros geralmente envolvem a oferta de bens, transferências cadastros governamentais, fornece informações e treinamento de habilidades, bem como esforços bastante detalhadas sobre indivíduos e famílias no nível para encaixar indivíduos e grupos nos mercados. A local do ponto de vista do mercado de trabalho. Tais análise considerou 80 estudos de caso diferentes informações poderiam ser utilizadas não apenas para e descobriu que os programas tiveram impactos administrar transferências de renda, como ocorre hoje, promissores de curto prazo, inclusive na renda, bens mas também para planejar e direcionar programas de e poupança. A análise também encontrou evidências inclusão econômica de acordo com as características 55  Através do Cadastro Único, a função de Busca Ativa permitiu ao programa encontrar famílias extremamente pobres que ainda não haviam sido localizadas. Graças à Busca Ativa, 687.000 famílias anteriormente invisíveis foram incluídas no Cadastro Único apenas no primeiro ano do BSM. Além disso, os esforços do BSM garantiram que 88 por cento das famílias em extrema pobreza fossem incluídas em pelo menos um programa dentro do BSM. As famílias que acessaram algum programa por meio do BSM obtiveram os melhores resultados, com um aumento médio de 134 por cento na renda familiar (Mello, 2018). 2 CAPÍTULO 5 88 das pessoas e das comunidades. O Banco Mundial pelas características e rápida implantação do programa (World Bank, 2021) apresenta um conjunto de temporário de transferência de renda emergencial, o PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO recomendações detalhadas sobre como alavancar os Auxílio Emergencial. cadastros públicos para promover a agenda de IPE. O Brasil precisa intensificar seus esforços para viii. Redes de segurança prontas para coletar informações sobre a vulnerabilidade das responder às mudanças climáticas famílias a choques e sua relativa capacidade de enfrentamento e recuperação. Os cadastros sociais É essencial tornar o sistema de proteção social são especialmente importantes para estimar os efeitos do Brasil adaptável aos choques ambientais para de um desastre sobre uma família e para fornecer ajudar famílias e comunidades a lidar com os informações sobre beneficiários e não beneficiários impactos adversos das mudanças climáticas. A da proteção social. O Brasil já possui um cadastro proteção social adaptativa (PSA) combina diferentes social consolidado e com alta cobertura – o Cadastro abordagens setoriais para construir a resiliência dos Único – mas poderia fortalecê-lo incluindo variáveis de pobres e vulneráveis, aumentando sua capacidade vulnerabilidade às mudanças climáticas e identificando de se preparar para, enfrentar e se adaptar a choques as comunidades mais vulneráveis a elas. Além disso, o covariáveis. Destina-se a garantir que os sistemas cadastro poderia aumentar sua relevância para a PSA de proteção social sejam bem equipados e flexíveis o ao atualizar com mais frequência informações sobre suficiente para adaptar sua resposta às circunstâncias áreas de alto risco. O Ministério do Desenvolvimento e necessidades variáveis das pessoas afetadas quando e Assistência Social poderia investir ainda mais na ocorre um choque, respondendo de forma oportuna e capacidade de conduzir avaliações pós-choque ou apropriada (Bowen et al., 2020). Embora o Brasil tenha acessar avaliações de vulnerabilidade de outros setores um sistema de proteção social bem estabelecido, uma para garantir que os formuladores de políticas tenham revisão recente revelou algumas lacunas e restrições uma compreensão atualizada das necessidades pós- que limitam a escalabilidade e a prontidão dos sistemas choque das famílias. para garantir uma resposta oportuna e apropriada aos choques relacionados às mudanças climáticas.56 O Brasil poderia também considerar investir em um sistema ex ante de resposta a choques. Alguns ajustes de desenho simples ao programa de O financiamento de risco de desastres envolve TCR poderiam tornar o programa capaz de fornecer a necessidade de ter estratégias e sistemas de respostas oportunas e apropriadas aos choques das financiamento de risco para responder a choques antes mudanças climáticas. Os impactos positivos das redes que eles ocorram (Bowen et al., 2020). No Brasil, isso de segurança social na capacidade das famílias pobres significaria passar de uma abordagem ad hoc para de lidar com choques, manter sua segurança alimentar uma abordagem mais proativa para alocar fundos e abster-se de recorrer a alternativas negativas de de resposta a desastres. Para facilitar isso, seria enfrentamento estão bem documentados (ver Ulrichs necessária uma estratégia financeira de camadas de e Slater, 2016).57 O Brasil já tem uma base sólida de risco com base em dados históricos sobre os custos de programas de proteção social e poderia desenvolver resposta a choques combinada com uma modelagem ainda mais a PSA incluindo recursos de desenho para prever o custo de diferentes respostas futuras de no programa de TCR que facilitariam a resposta à proteção social. mudança climática. Esses recursos podem incluir: (i) usar o programa de TCR como plataforma para informar No nível de política, o Brasil poderia desenvolver seus beneficiários sobre riscos e ações apropriadas protocolos para a PSA. Uma característica definidora em emergências; (ii) investir em inclusão financeira e da PSA é que sua implementação geralmente envolve introduzir contas de poupança para trabalhadores de muitos atores. Isso significa que há necessidade de baixa renda beneficiários do programa de TCR; e (iii) protocolos para orientar o planejamento, a gestão promoção de programas de subsistência para apoiar as e a provisão de PSA, bem como intensa articulação famílias expostas a choques. Por fim, outros ajustes de entre ministérios e agências envolvidas na resposta desenho do programa de TCR poderiam ser inspirados a desastres. Como o Brasil é muito descentralizado, 56  Ed, Gonzalez, Ferreia. No prelo. 57  Ulrichs e Slater (2016). How Can Social Protection Build Resilience? Insights from Ethiopia, Kenya and Uganda. Working Paper, Building Resilience and Adaptation to Climate Extremes and Disasters (BRACED), Londres. 89 também seria necessário explorar como as problemas complexos que continuam disseminados 89 responsabilidades pela resposta ao choque são alocadas pelo Brasil, como violência de gênero,58 e SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL nos níveis estadual e municipal. atendimento a novos grupos vulneráveis, como refugiados e migrantes. ix. Provisão parcialmente digital do Cadastro Único e fortalecimento da rede e dos serviços • Apoio à inclusão digital dos beneficiários para do CRAS que possam acessar os serviços digitais de forma independente, o que será condição necessária para As redes de assistência social continuarão a ser a inclusão social no futuro. fundamentais na prestação de serviços de proteção social, mesmo com o aumento do acesso digital. A O CRAS se beneficiaria de várias maneiras da provisão de serviços parcialmente digital das atuais prestação de uma combinação de serviços humanos funções administrativas possibilitou que os serviços e entrega digital. Embora a tecnologia permita socioassistenciais e o Centro de Referência em avanços incríveis em escala e reduções no custo da Assistência Social (CRAS) focassem em interações prestação de serviços sociais, a prestação de serviços humanas de maior valor. Em particular, o Sistema assistenciais inteiramente por meio da tecnologia Único de Assistência Social (SUAS) foi pioneiro por não é recomendada devido à ocorrência de falhas de muitos anos na utilização do acompanhamento algoritmo e ao fato de alguns serviços serem mais bem de caso específico do domicílio no Programa de prestados presencialmente. Inovações tecnológicas Acompanhamento Familiar, mas com grande volume que foram usadas pela primeira vez na provisão de casos e ferramentas administrativas limitadas. do Auxílio Emergencial poderiam desempenhar um Nos países da OCDE houve uma transição ampla para papel no direcionamento ao público-alvo, na melhoria o fornecimento de serviços sociais individualizados da interface com os cidadãos e na coordenação de de alto valor, e muitos países de renda média estão informações de diferentes fontes. Em particular, o seguindo o exemplo. Isso é um desafio devido aos altos alcance e registro de potenciais beneficiários por meio investimentos iniciais necessários, mas representa uma de inscrição on-line economizaria recursos e permitiria oportunidade importante para prevenir as causas não que o serviço estivesse disponível 24 horas por dia monetárias da pobreza. A adoção desse novo conjunto a um custo baixo. A integração de cadastros básicos de funções pelo setor de assistência social do Brasil e bancos de dados permitiria realizar verificações e exigirá aumento de financiamento. O retorno marginal monitoramentos automatizados de elegibilidade e de tais investimentos provavelmente é maior do que o traçar a trajetória socioeconômica dos beneficiários. mero aumento do valor monetário das transferências sem quaisquer intervenções concomitantes. Algumas Na próxima década, as funções de alcance, funções expandidas que seriam atribuídas às unidades captação e cadastramento da assistência social do CRAS poderiam incluir: precisam incorporar avanços de tecnologia móvel e comunicação. Por exemplo, no futuro, qualquer • Monitoramento pela equipe de erros induzidos por comunicação entre governo e cidadãos sobre políticas máquina e falhas de algoritmo. e programas sociais deve fazer uso das possibilidades oferecidas pelos sistemas de TI e pelo acesso crescente • Avaliação de necessidades mais sistemática (embora ainda incompleto) à internet, mesmo por parte e integrada que poderia então desencadear dos pobres. Há espaço para desenvolver comunicações um acompanhamento de casos intensificado e personalizadas com os usuários com base em seu perfil e encaminhamentos para serviços sociais para uma status de inscrição. A experiência do Auxílio Emergencial minoria de casos mais complexos (como acontece também demonstrou o potencial do uso da inscrição na OCDE e no Chile). online em programas sociais, inclusive durante choques e desastres, e para realizar as atualizações necessárias • Desenvolvimento de abordagens dedicadas a dos cadastros e programas regulares de proteção social. 58  Evidências emergentes do impacto da COVID-19, bem como lições de epidemias anteriores, sugerem que riscos significativos de violência contra as mulheres (VCM) aumentam nesses contextos, especialmente em países com sistemas de saúde fracos, estado de direito fraco e níveis já altos de VCM e desigualdade de gênero. No Brasil, entre março e abril de 2020, houve um aumento de 22 por cento nos feminicídios e de 27 por cento nas denúncias ao disque-denúncia nacional de violência contra a mulher. O Banco Mundial desenvolveu uma metodologia para prevenir a violência baseada em gênero (VGB) por meio do setor de assistência social no Brasil que pode ser implementada no nível subnacional. 2 CAPÍTULO 5 90 O Brasil também poderia atualizar o Cadastro dos programas sociais e sobre a migração de usuários Único para torná-lo um cadastro social, permitindo entre os programas para avaliar os impactos de médio PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO sua interoperabilidade com os cadastros de outros prazo da participação nos múltiplos programas sociais. programas. Embora o Cadastro Único seja usado por mais de 20 programas voltados para a população x. Novas modalidades de provisão dos pobre para verificar a renda dos beneficiários, essas serviços para o desenvolvimento na primeira informações não são agregadas, pois cada programa infância mantém seu próprio cadastro de beneficiários. Tornar o Cadastro Único interoperável com os cadastros O Brasil tem várias políticas voltadas para crianças de programas individuais, como é a melhor prática em seus primeiros 1.000 dias, ancoradas em serviços em países como Chile e Turquia, permitiria identificar de saúde primários universais pré-natais e pós-natais, eventuais sobreposições, gerenciar o acesso a pacotes juntamente com creches públicas e serviços voltados de serviços e garantir maior cobertura da assistência para crianças mais vulneráveis. No entanto, existe social (Leite et al., 2017). Não são apenas os programas uma gama abrangente de políticas complementares de e agências de proteção social que precisam avançar apoio infantil que o Brasil poderia oferecer. Portanto, nessa direção, mas também as agências e programas uma alta prioridade para o futuro é garantir que esses de outros setores do governo, especialmente a saúde e serviços estejam disponíveis onde quer que sejam a educação. necessários e que sejam bem coordenados (figura 55). A integração dos cadastros fortaleceria o Os programas parentais para estimulação na monitoramento, incluindo a adesão aos critérios primeira infância têm o potencial de se tornar uma de saída do programa e o rastreamento dos maneira econômica de apoiar o desenvolvimento beneficiários, e ao longo do tempo aumentaria a integral das crianças em casa. O Criança Feliz, ou seu eficiência. O fato de o Brasil ter aberto seus dados sucessor, se beneficiaria da expansão de sua cobertura administrativos a uma comunidade de pesquisa muito e melhoria de sua qualidade, e também há espaço ativa complementou seu limitado investimento em para a introdução de novas modalidades de provisão, avaliações internas de programas. No entanto, mais especialmente no futuro, quando os beneficiários terão análises precisam ser feitas sobre os critérios de saída maior acesso à tecnologia (figura 56).   Figura 55. Políticas complementares para o desenvolvimento na primeira infância AUMENTA A COMPETITIVIDADE REDUZ A DESIGUALDADE AS CRIANÇAS ATINGEM SEU PLENO POTENCIAL (com capacidades físicas, sociais e emocionais para aprender, ganhar a vida, inovar e concorrer) AS CRIANÇAS ESTÃO SAUDÁVEIS AS CRIANÇAS RECEBEM ESTÍMULOS AS CRIANÇAS ESTÃO BEM E BEM NUTRIDAS, ESPECIALMENTE PRECOCES E OPORTUNIDADES CUIDADAS E PROTEGIDAS NOS PRIMEIROS 1.000 DIAS DE APRENDIZAGEM DO ESTRESSE • Bom status nutricional das mães • Interações positivas e interessantes • Evitar estressores familiares e e gestantes com os pais/cuidadores comunitários (negligência, violência, • Aleitamento materno exclusivo • Oportunidades de aprendizagem lúdica deslocamento, choques domésticos) e contínuo apropriada para a idade por meio de • Conexões emocionais positivas • Ingestão adequada de programas pré-escolares de qualidade com os pais/cuidadores micronutrientes • Disciplina com apoio • Imunização e acompanhamento de doenças infantis • Boas práticas de higiene Fonte: Adaptado do Banco Mundial (2018). 91   Figura 56. Pilares para o fortalecimento das ações de desenvolvimento na primeira infância 91 SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL SOC IAL P ROT ECT ION FOR T HE F U T U R E BR AZIL Expansão Introdução de novas Melhoria da Coordenação da cobertura modalidades de entrega qualidade intersetorial Incorporar Treinamento modalidades de permanente para as Integração do PCF Fechar lacunas de atendimento em equipes do PCF (alta com o SUAS nas cobertura nos grupo e mistas rotatividade) iniciativas estaduais municípios onde o (visitas domiciliares e e municipais PCF atua encontros em grupo) Desenvolvimento de protocolos Uso de tecnologia para complementar as Expansão dos atividades presenciais currículos e adaptação Articulação com Alcançar os mais (apps, SMS, rádio, ao contexto cultural benefícios de vulneráveis em áreas encontros virtuais sem o programa complementares) – cuidados infantis / Pilotos com tecnologia Envolvimento dos pais creches (além das mães) Financiamento adequado para Fortalecimento das diferentes modalidades ferramentas de considerando o monitoramento no contexto local nível municipal Fonte: Autores. Uma forma de reduzir os custos do programa e mitigar treinamento contínuo dos profissionais do programa a barreira de financiamento para os municípios seria (dada a alta rotatividade dos profissionais que realizam adotar novas modalidades de provisão. Reuniões as visitas domiciliares) e com o fortalecimento das em grupo e uso de tecnologia no atendimento, por ferramentas de monitoramento no nível municipal. exemplo, poderiam diminuir significativamente o número de visitas domiciliares, reduzindo os custos de Por fim, uma avaliação de impacto do programa deslocamento e até mesmo o número de equipes de mostrou um aumento na procura por outros visitadores necessárias. Os membros das equipes do programas de assistência social por parte das programa Criança Feliz possuem contratos de curto famílias participantes do Criança Feliz. Isso parece prazo, o que resulta em alta rotatividade de pessoal ser o resultado das visitas das equipes do programa e muitas vezes compromete seu treinamento. Isso que fornecem às famílias informações sobre o acesso também pode afetar negativamente a qualidade do a programas de assistência social que antes elas programa. desconheciam. Como as visitas domiciliares são uma importante porta de entrada para outros serviços Quanto à qualidade das intervenções de programas socioassistenciais, a integração das atividades de parentalidade, também há espaço para melhorias estaduais e municipais do Criança Feliz e do SUAS no desenvolvimento de protocolos (principalmente é altamente incentivada, incluindo serviços públicos para grupos específicos, como grupos indígenas locais de assistência à infância. A existência de e quilombolas). Os gestores do programa também programas de parentalidade não reduz a necessidade de poderiam considerar uma adaptação das atividades ampliar a cobertura nacional das creches. Na verdade, do Criança Feliz levando em conta os contextos locais são ações complementares e, com o passar do tempo, e culturais e incentivar os pais, bem como as mães, a à medida que os filhos crescem e as mães precisam se envolverem mais com as atividades do programa. voltar ao trabalho, as creches tornam-se cada vez mais A qualidade também poderia ser melhorada com o importantes. 2 CAPÍTULO 5 92 xi Considerações finais para melhorar os sistemas de entrega, políticas de desenvolvimento da primeira infância e melhoria da PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO Embora esta nota não apresente o custo detalhado implementação de programas existentes. Algumas de cada reforma, a maioria das reformas poderia dessas reformas podem proporcionar ganhos rápidos ser agrupada de forma a ser fiscalmente neutra que aumentarão a confiança e a credibilidade do novo no médio prazo. Por exemplo, reduzir os gastos sistema de proteção social. Outras mudanças propostas, passivos do mercado de trabalho abriria espaço para com base na experiência de outros países de renda investimentos em programas ativos do mercado média alta, exigiriam mais investimentos incrementais de trabalho ou para consolidar transferências para e um compromisso sustentado no médio prazo. as famílias trabalhadoras. A reforma da garantia de aposentadoria mínima geraria economia fiscal Finalmente, muitas das principais propostas suficiente para aumentar a sustentabilidade em apresentadas nesta nota tentam incorporar outras áreas e possibilitar investimentos em serviços considerações de economia política. Historicamente, subdesenvolvidos para a população vulnerável, tem sido difícil alterar os benefícios recebidos pela incluindo assistência social para idosos, programas de parcela bem-organizada da classe média brasileira, e desenvolvimento da primeira infância e programas de esta nota reconhece essa realidade. Será importante que inclusão produtiva. os formuladores de políticas se envolvam em um amplo diálogo social para promover e chegar a um consenso Além disso, poderiam ser introduzidas importantes sobre um pacote de reformas que permitirá converter mudanças institucionais que envolvem apenas as economias obtidas com a melhoria de programas pequenos investimentos sem impacto fiscal ineficientes em serviços de melhor qualidade. O objetivo significativo. Isso pode incluir investimentos que desta nota é fornecer as evidências necessárias para promovem a tecnologia, sinergias intersetoriais estimular esse diálogo. Referências 93 PROT EÇ ÃO SOCIAL PAR A O BR ASIL D O F U T U RO AEPS - Anuário Estatístico da Previdência Social. 2017. Washington, DC: World Bank. Disponível em: https:// Brasília: Dataprev. 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