PROTEÇÃO SOCIAL E EMPREGOS DOCUMENTO PARA DEBATE Nº 2009 | NOVEMBRO DE 2020 A Reforma do Bolsa Família: Avaliação das propostas de reforma debatidas em 2019 Matteo Morgandi, Liliana D. Sousa, Alison Farias, e Fabio Cereda © 2019 Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento / Banco Mundial 1818 H Street NW Washington DC 20433 Telefone: +1 (202) 473 1000 Internet: www.worldbank.org Esta obra foi elaborada pela equipe do Banco Mundial com contribuições externas. Os achados, interpretações e conclusões expressos nesta obra não refletem necessariamente as opiniões do Banco Mundial, dos membros de sua Diretoria Executiva ou dos governos que eles representam. O Banco Mundial não garante a exatidão dos dados incluídos neste trabalho. As fronteiras, cores, denominações e quaisquer outras informações exibidas em qualquer mapa incluído neste documento não implicam alguma opinião do Grupo Banco Mundial sobre o status jurídico de qualquer território, tampouco um endosso ou aceitação de tais fronteiras. DIREITOS E LICENÇAS O material desta obra está sujeito a direitos autorais. Como o Banco Mundial estimula a disseminação de seu conhecimento, esta obra poderá ser total ou parcialmente reproduzida para fins não comerciais desde que lhe sejam dados os créditos devidos. Eventuais dúvidas sobre direitos e licenças, inclusive direitos subsidiários, deverão ser encaminhadas a World Bank Publications, The World Bank Group, 1818 H Street NW, Washington, DC 20433, USA; fax: +1 (202) 522 2625; e-mail: pubrights@worldbank.org. Imagem de fundo geométrica abstrata: © iStock.com/marigold_88 Projeto 41595 A Reforma do Bolsa Família: Avaliação das propostas de reforma debatidas em 2019 Matteo Morgandi, Liliana D. Sousa, Alison Farias, e Fabio Cereda Classificação JEL: I38, H53, H55 Palavras-chave: Bolsa Família, Transferência de Renda, Proteção Social Contatos: Matteo Morgandi: mmorgandi@worldbank.org Liliana Sousa: lsousa@worldbank.org Resumo No debate corrente acerca da modernização do desenho do Programa Bolsa Família (PBF), várias propostas de reforma foram apresentadas em 2019, pelo Ministério da Cidadania (MC), pelo Congresso e IPEA, essa última como parte de um projeto mais amplo de consolidação de vários programas. Esta nota usa o modelo de microssimulação BraSIM para analisar as três propostas realizadas em 2019, no contexto do sistema de impostos e benefícios brasileiros. Todas as propostas elevam o número de beneficiários, com mais cobertura para as famílias mais pobres, especialmente crianças e jovens. Em geral, a incidência progressiva do programa atual pouco varia nas reformas do MC e do Congresso, mas se deteriora no desenho do IPEA que inclui um componente de cobertura universal das crianças. As três propostas têm contribuições diferentes sobre a redução da pobreza, e respectivos custos. A reforma com componente universal é significativamente menos eficiente do que o cenário atual e do que as outras reformas em termos de custo-benefício. Em compensação, a proposta do IPEA é a que mais contribui para a redução da desigualdade, e a única que identifica fontes de financiamento com a extinção de benefícios regressivos. Com essa análise comparativa, a Nota também ressalta os principais dilemas sobre o futuro do programa, relevantes mesmo após a pandemia da COVID-19: a tensão entre generosidade e cobertura; a existência de grupos pobres considerados como prioritários; como reconciliar o objetivo do programa de incentivar capital humano para crianças e o de garantia de renda mínima; os riscos da extinção do benefício básico e as possibilidades de financiamento com realocações de outras despesas fiscais menos progressivas. Abstract As part of the ongoing debate on the modernization of the Bolsa Familia (BF) program, several reform proposals were presented through 2019, including by the Ministry of Citizenship (MoC), Congress and the think tank IPEA, the latter as part of a broader proposal to consolidate various expenditures. This note uses the BraSIM microsimulation model to evaluate the 2019 proposals in the context of Brazil’s tax benefit system. All proposals lead to a higher number of beneficiaries, with the poorest families, especially children and youth, benefitting the most. In general, the progressive incidence of the current program would vary little in the MoC and Congress reforms, but is reduced in IPEA’s, which includes a universal component. The three proposals have different contributions on poverty-reduction: IPEA’s reform is significantly less efficient than the current scenario and other reforms in terms of cost-effectiveness. However, IPEA’s proposal most contributes to the reduction of inequality, and is the only one that identifies financing sources through the extinction of more regressive expenditures. Through this comparative analysis, the Note also highlights the main dilemmas about the future of the program, which remain relevant even in the post-COVID-19 reality: the tension between generosity and coverage; the priorization of certain groups for poverty-reduction; reconciling the program's objective of encouraging human capital for children with its role of minimum income guarantee; the risks of eliminating a “basic benefit”. While only IPEA’s proposal identified financing sources for the program’s expansion, the Note reveals additional potential sources of financing for the BF program in the tax benefit system. 2 Agradecimentos Esta nota foi preparada em 2019 pela equipe composta por Matteo Morgandi e Liliana D. Sousa (Líderes da Equipe), Alison Farias e Fabio Cereda da Global Practices de Proteção Social e Empregos, e de Pobreza e Equidade. A análise é baseada na ferramenta de microssimulação BraSIM desenvolvida pela Equipe de Pobreza e Equidade do Brasil liderada por Liliana Sousa, e baseada na PNAD Continua (IBGE). A equipe agradece pelos comentários e aportes a Tiago Falcão Silva, Fabiana Rodopoulos e Leonardo Chagas da Secretaria Nacional de Renda Cidadania (SENARC), Ministério da Cidadania do Brasil, e aos revisores Margaret Grosh (Senior Advisor, HDGSP), Pablo Acosta (Líder do Programa), Anna Fruttero (Economista Sênior, Fundo Monetário Internacional). 3 Índice Resumo .................................................................................................................................................. 2 I. Introdução ...................................................................................................................................... 5 II. O Programa Bolsa Família ............................................................................................................. 7 III. O Bolsa Família no contexto do sistema de impostos e benefícios brasileiro ......................... 11 IV. As principais propostas de reforma .......................................................................................... 16 V. Simulação do Impacto das Reformas ......................................................................................... 18 Cobertura ......................................................................................................................................... 18 Focalização e canais de eficiência .................................................................................................... 22 Impacto na pobreza e na desigualdade ........................................................................................... 25 VI. Discussão das propostas de 2019 e elementos para futuras reformas ................................... 26 Referências ...................................................................................................................................... 32 4 I. Introdução Até o começo de 2020, o Brasil vinha percorrendo um lento caminho de recuperação da recessão econômica de 2016. A taxa de desemprego se manteve em cerca de 11%, acima dos níveis pré-crise. A desigualdade aumentou e a renda dos 40% mais pobres em 2019 permaneceu abaixo da observada em 2015. Cerca de 4,5% da população se encontrava em situação de extrema pobreza (US$ 1,9 PPP). A situação fiscal do país não permitia grandes iniciativas, mesmo assim, no período compreendido entre agosto de 2017 e maio de 2019, o Programa Bolsa Família (PBF) conseguiu incluir a totalidade das famílias elegíveis na sua folha de pagamentos (fila zero). Isso foi possível em virtude dos esforços para aumentar a eficiência da focalização, mas também devido à queda, em termos reais, do valor do benefício. Como a pobreza continuou a aumentar entre 2017 e 2019, os ganhos de eficiência atingiram seu limite e o programa começou a experimentar uma fila de espera crescente, alcançando aproximadamente 1 milhão de famílias no final de 2019 (equivalente a cerca de 8% das famílias beneficiadas na época). Essas famílias atendiam aos critérios de elegibilidade mas não foram integradas no Programa Bolsa Família devido a restrições orçamentárias. Os desafios de cobertura do programa e a queda do valor real do benefício pago abriram o debate sobre o papel do Programa Bolsa Família enquanto política anticíclica e seu tamanho ideal. Entre as questões discutidas está a possibilidade do programa crescer automaticamente, com base na demanda, como estabilizador automático e política anticíclica contra a pobreza. Uma questão relacionada era a de como financiá-lo durante recessões, considerando para isso, inclusive, reformar outros benefícios do sistema de proteção social brasileiro. Dessa forma, ainda no final de 2019, ocorreu a divulgação de algumas propostas por parte de diversos órgãos governamentais. Uma primeira resposta do Governo a esse debate foi a introdução do 13º pagamento para beneficiários do PBF em dezembro de 2019. A chegada da pandemia COVID-19 ao Brasil no início de 2020 representou uma ameaça ainda maior à já frágil situação econômica do país, e a discussão sobre o sistema de proteção social brasileiro tornou-se eminente. A crise gerada pela pandemia causou a perda de renda do trabalho, prejudicando mais as famílias pobres e vulneráveis. Assim como em outros países, o governo brasileiro foi obrigado a tomar medidas rápidas para proteger as famílias que já se 5 encontravam em situação de pobreza e os mais vulneráveis, como os trabalhadores informais. Para isso, em março de 2020, o governo adotou duas principais medidas de curto-prazo: a expansão do PBF para incluir 1,2 milhão de famílias que já estavam na fila do programa; e a criação do programa Auxílio Emergencial (ver Quadro 1). Nesse contexto, o debate sobre o futuro do PBF como principal ferramenta de combate à pobreza a médio prazo se intensificou, e as expectativas sobre a contribuição do programa para a transição da fase de resposta emergencial ao COVID-19 para o período de recuperação econômica foram ampliadas. Quando começou a ser elaborada em 2019, o objetivo original desta nota era analisar as três principais propostas de reforma do programa Bolsa Família apresentadas naquele ano. Mesmo com outras proposições mais recentes em debate, a análise permanece relevante à medida que a necessidade de modernização do sistema de proteção social brasileiro ganhou ainda mais urgência no cenário atual, tanto no aspecto do desenho do programa, quanto na questão do financiamento. As três propostas analisadas são: (i) A ampliação do Bolsa Família proposta pelo Ministério da Cidadania em 2019; (ii) a proposta do Congresso de 2019 de priorizar a primeira infância liderada pela deputada Tabata Amaral; e (iii) a criação de um Benefício Universal infantil desenvolvido por uma equipe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Além disso, o estudo analisa o impacto da inclusão no programa de todas as famílias da "fila", sem alteração dos parâmetros originais do PBF: esta medida foi muito debatida em 2019 e foi parcialmente implementada em resposta à COVID-19. A análise feita é baseada em uma ferramenta de microssimulação (BraSim) desenvolvida pelo Banco Mundial com o intuito de reproduzir a incidência e o impacto fiscal dos impostos e benefícios do Brasil. Essa nota tenta contribuir para o debate simulando o impacto que mudanças no Programa Bolsa Família teriam na renda das famílias brasileiras, sejam elas pobres ou não. Esse último ponto é particularmente relevante no atual contexto fiscal em que o país está inserido. A definição de um 'Teto de gastos' nas contas públicas exige cortes em outras ações do orçamento para que se possa implementar qualquer expansão no PBF. 6 II. O Programa Bolsa Família O Bolsa Família é uma transferência condicional focalizada, acessível a famílias com renda per capita inferior a duas linhas de pobreza administrativas. O valor dos benefícios depende da estrutura familiar, e se diferencia entre as famílias com renda per capita abaixo da linha de extrema pobreza (R$ 89 por mês), e aquelas abaixo da linha de pobreza “moderada” (R$ 178 per mês). Em 2019 e 2020, o programa era composto por quatro benefícios: o variável, no valor de R$ 41, pago a famílias pobres (i.e. abaixo da linha da pobreza) por cada criança de 0 a 15 anos, gestante ou nutriz, limitado a cinco cotas por família; o benefício variável vinculado ao adolescente, no montante de R$ 48, pago a cada jovem entre 16 e 17 anos de famílias pobres, limitado a duas cotas por família; o benefício básico, no valor de R$ 89, pago a famílias na extrema pobreza (i.e. abaixo da linha da pobreza extrema); e, por fim, o benefício de superação da extrema pobreza, pago às famílias que mesmo após as demais transferências ainda permaneçam abaixo da linha da extrema pobreza. O valor deste benefício é o necessário para cobrir esse hiato. Desde sua criação, em 2003, o Programa passou por diversos ciclos de estabilidade e expansão de cobertura. No período de 2003 a 2006 ocorreu rápida expansão, superando 11 milhões de famílias beneficiárias, seguido de uma fase de estabilidade até meados de 2009. Com a chegada dos efeitos da crise global ao país, o BF foi utilizado de maneira anticíclica, iniciando um novo momento de ampliação, superando 13 milhões de famílias atendidas em 2011. Em decorrência da implementação do Plano Brasil sem Miséria, em 2012, o programa alcançou 14 milhões de famílias, atendendo aproximadamente 23% da população brasileira. O período de desaceleração econômica e a recessão de 2016 não refletiram no aumento da cobertura do programa. Ao contrário, a partir de maio de 2019, percebe-se uma queda persistente no número de beneficiários, que foi revertida com as concessões realizadas em março de 2020 1, já como resposta ao COVID 19. A inclusão de 1,2 milhão de novas famílias neste mês foi resultado de uma decisão política importante, permitindo a restauração do papel anticíclico 1 Embora o programa tenha sido ampliado por lei em março de 2020, para 95% das 1,2 milhões de famílias recém- incluídas na lista de espera, o benefício começará a ser pago em janeiro de 2021, após o término do Auxílio Emergencial. O efeito da recente expansão é analisado separadamente das outras reformas, no Quadro 1. 7 do programa, com eliminação quase total da subcobertura verificada até o choque da COVID-19 (Figura 1). Figura 1. Famílias Beneficiárias BF 16,000,000 14,000,000 12,000,000 10,000,000 8,000,000 COVID-19 6,000,000 4,000,000 Expansão Crise global Desaceleração 2,000,000 rápida econômica 0 Mar-05 Mar-12 Mar-19 Jan-04 Oct-05 Jan-11 Oct-12 Oct-19 May-06 May-13 Jan-18 May-20 Jul-07 Sep-08 Nov-09 Jul-14 Sep-15 Apr-09 Apr-16 Nov-16 Aug-04 Jun-10 Aug-11 Jun-17 Aug-18 Dec-06 Feb-08 Dec-13 Feb-15 Fonte: CECAD 2.0, Ministério da Cidadania. A linhas de elegibilidade do BF perderam valor em termos reais, assim como todos os benefícios do PBF. O valor da linha de elegibilidade do PBF em 2019 foi R$ 178, comparado com R$ 100 no começo do programa em 2003. Porém, em termos reais a linha caiu 11% desde 2003 (Figura 2): a queda nos valores de elegibilidade torna a entrada no PBF mais difícil e restringe o número de beneficiários. A mesma dinâmica se observa com a linha de pobreza extrema. Em 2003, essa linha era R$ 50, e em 2019 R$ 89, correspondente a R$ 34 em valores de 2003. Isso reduz os gastos com o componente do programa de superação da pobreza extrema. Cabe ressaltar também que a linha de elegibilidade do programa passou de 41% do valor do Salário Mínimo (SM) em 2003, para 17% do SM em 2019 (Figura 2). 8 Figura 2. Evolução dos valores de elegibilidade Figura 3. Evolução dos valores dos benefícios do de renda para o PBF 2003-2019 PBF 2003-2018 600 100 90 89 500 80 70 400 60 Valor beneficios R$ 387 300 50 50 41 240 40 36 200 178 30 100 20 100 89 15 17 50 66 10 33 - - 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 Benefício Básico nominal BF Nominal BF Real Benefício Básico real BSM Nominal BSM Real Benefício Variável nominal SM Real SM Nominal Benefício Variável real Nota: valores reais calculados pelo INPC-IBGE com base em 2003. Valor do Salário Mínimo (SM) nominal subiu constantemente até R$ 1045 em 2020. Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no dados do Ministério da Cidadania A evolução dos valores dos benefícios que compõem o programa mostra trajetórias distintas. O Benefício Básico, com valor semelhante à linha de extrema pobreza, perdeu valor real ao longo dos anos, enquanto o Benefício Variável se manteve relativamente estável (Figura 3). Esses parâmetros de generosidade, junto com a composição do grupo familiar, afetaram o benefício médio pago. Este teve uma queda no valor real até meados de 2006, seguido por um período de ganhos reais persistentes até o pico de 2013/14. Desde então, o benefício médio pago também apresentou uma leve queda em termos reais. 9 Quadro 1 - Os efeitos da expansão do Programa Bolsa Família em meio à crise do Coronavírus Os resultados trazidos ao longo dessa nota não levam em consideração a extensão do Bolsa Família apresentada neste quadro. As análises das reformas em debate datam do fim de 2019, enquanto as contidas neste quadro levam em considerações aspectos que ocorreram a partir de março de 2020. Em 2019, famílias que atendiam aos critérios de elegibilidade passaram a não ter acesso aos benefícios do PBF devido a restrições orçamentárias do governo. Esse movimento gerou uma fila de aproximadamente 1,5 milhão de famílias que aguardavam a liberação do benefício. Em março de 2020, com a pandemia do Coronavírus, reduzir a fila passou a ser uma questão emergencial no combate à crise econômica e social instalada. Neste mesmo mês, o Governo anunciou a inclusão de 1,2 milhão de famílias no programa, reduzindo substancialmente a fila. Semanas após este anúncio, no entanto, quase todas as famílias beneficiárias passaram a receber o Auxílio Emergencial dado pelo Governo Federal em razão da pandemia. Contudo, a decisão política permanece relevante para 2021, quando a expansão do PBF efetivamente se iniciará. As simulações realizadas pelo BraSim indicam que o aumento da cobertura ocorreria principalmente nos dois decis mais pobres e beneficia significativamente as famílias até o quarto decil (Figura A1). Esse movimento também pode ser percebido no aumento da renda média domiciliar per capita dos dois quintis mais pobres da população (Figura A2). O impacto na redução da pobreza ocorre principalmente entre as pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza extrema definido pelo Bolsa Família (-42,2%). O impacto proeminente nessa linha já era esperado, uma vez que o benefício do Bolsa Família só garante que as famílias superem a linha de extrema pobreza. Na pobreza moderada o impacto é de –2,2%. As simulações mostram um aumento de R$ 2,7 bilhões nos gastos após a expansão do PBF (próximo aos R$ 3,1 bilhões anunciados pela União). 10 Figura A1. Aumento da cobertura do PBF Figura A2. Aumento da renda média per após expansão (em decis de renda) capita domiciliar após expansão do PBF (em quintis de renda) +12.0% 1.4% +8.9% +5.0% +4.4% 0.3% +1.2% 0.0% 0.0% 0.0% Fonte: BraSim. Notas: Para simular os impactos da fila e expansão do PBF foi necessário fazer algumas modificações no modelo de micro simulação BraSim. Em particular, foi criada artificialmente uma fila de 1,2 milhão de famílias que atenderia aos critérios do programa, mas não receberia o benefício. As famílias que compõem a fila foram selecionadas do grupo de não beneficiários que mais se assemelhavam às famílias já contempladas pelo PBF, ao comparar suas características sociodemográficas. III. O Bolsa Família no contexto do sistema de impostos e benefícios brasileiro O PBF faz parte do complexo sistema de impostos diretos e benefícios (SIB) brasileiro, que é modestamente progressivo. A parte de impostos é composta pelo Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), pelas contribuições obrigatórias sobre o trabalho, e por diversas despesas fiscais (isenções) relacionadas aos dois primeiros elementos. Do lado dos benefícios, estão as aposentadorias contributivas (RGPS e RPPS), os programas de mercado de trabalho (Seguro Desemprego, Abono Salarial e Salário Família), e os programas de assistência social, como Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família e Aposentadoria Rural. O SIB tem um papel fundamental no apoio à renda das famílias mais pobres. Os benefícios de proteção social representam cerca de 70% da renda disponível da população no primeiro quintil, e 30% no segundo quintil (Figura 4). Grande parte desse apoio vem de pensões não contributivas (Aposentadoria Rural e BPC). O PBF representa apenas 13% e 3% da renda do primeiro e segundo 11 quintil, respectivamente. Para os quintis 3 e 4 da "classe média", a contribuição das transferências federais é próxima de 30%, principalmente devido às aposentadorias e pensões - tanto contributivas quanto não contributivas. Esse grupo é, também, um dos principais beneficiários dos subsídios ao trabalho formal (Abono Salarial e Salário Família). As contribuições previdenciárias são as taxas com maior impacto sobre a renda do trabalho da classe média, uma vez que o impacto do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é reduzido pelo sistema de dedução. Para a classe alta, as aposentadorias contributivas e as despesas fiscais são as transferências mais importantes. Este é o quintil que efetivamente paga impostos diretos, mas com uma alíquota efetiva relativamente baixa devido ao sistema de deduções. Figura 4. Impostos e transferências diretas do Figura 5. Impostos e transferências diretas do Governo Federal como proporção de renda Governo Federal (valor mensal) disponível 80% 1,000 Porcentagem da renda disponível 800 60% 600 40% 400 200 R$ 20% 0 0% -200 -400 -20% -600 291 467 770 1215 3467 291 467 770 1215 3467 Mais 2o quintil 3o quintil 4o quintil Mais ricos Mais pobres 1o quintil 2o quintil 3o quintil Mais ricos pobres Aposentadoria Rural Aposentadoria (contributiva) Aposentadoria Rural Aposentadoria (contributiva) Bolsa Família Abono salarial Bolsa Família Abono salarial BPC Seguro-Desemprego BPC Seguro-Desemprego Salário Família INSS contribuições Salário Família INSS contribuições IRPF deduções IRPF IRPF deduções IRPF Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. Nota: Os resultados referem-se ao cenário de 2019. Eles não consideram a expansão do programa Bolsa Família feita em março/abril de 2020. O PBF é a transferência mais progressiva entre os programas do SIB, seguido por Aposentadoria Rural e BPC. Os programas de mercado de trabalho, Salário Família e Abono Salarial, se posicionam em um patamar inferior ao das transferências de assistência social. O Salário Família 12 é o mais progressivo dentre eles, tendo o dobro do valor do índice do Abono Salarial, ainda assim, sua progressividade é apenas cerca da metade da progressividade do PBF (ver Tabela 1). Tabela 1. Custo fiscal simulado e incidência de despesas e benefícios fiscais selecionados no Brasil em 2017 % de benefícios Benefício Benefício Simulado Custo Anual Simulado para os 40% mais Médio p.c. em (2017) (R$ bilhões, 2017) pobres (pré- domicílios transferência) beneficiados Abono Salarial 16.8 27% 23 Salário Família 3.55 62% 12 Dedução infantil IRPF 1.89 4% 7.2 Dedução da Educação IRPF N.D. N.D. Dedução da Saúde IRPF N.D. N.D. Isenção parcial do IRPF das 11.62 0.01% 176 pensões do RGPS BPC 40.4 80% 319 Aposentadoria Rural 93.85 73% 414 Bolsa Família 26 94% 52 Fonte: Banco Mundial estimado com base no BraSim. Embora seja importante para as famílias de baixa renda, o gasto total com o Bolsa Família para as famílias do primeiro quintil de renda é baixo. Ele representa um quarto do que é gasto em aposentadorias não contributivas para essas famílias (Figura 5). Ocorre também que os quintis 4 e 5 de renda são os que mais recebem transferências do SIB. Isso se deve, principalmente, à generosidade das aposentadorias contributivas - que possuem um grande componente de subsídio público - e ao montante das despesas fiscais do governo 13 Bolsa Família tem um papel importante no apoio da renda das famílias trabalhadoras. Entre os distintos benefícios do SIB, os programas particularmente direcionados a famílias na força de trabalho incluem PBF, Salário Família e Abono Salarial. A Figura 6 monstra a proporção de trabalhadores (formais e informais) que recebem algum desses benefícios. O PBF se destaca como um programa importante para famílias de adultos trabalhadores, especialmente informais ou de baixa renda. Por outro lado, o Salário Família fica concentrado em trabalhadores de renda baixa e média, e o Abono Salarial entre trabalhadores de renda média até alta. Poucas famílias recebem ao mesmo tempo os benefícios trabalhistas e o PBF. Figura 6. Proporção dos trabalhadores recebendo PBF, Abono Salarial e Salário Família, por decil de renda laboral da família 70% 60% Recebe apenas AS 50% Recebe apenas SF 40% % trabalhadores Recebe AS e SF 30% Recebe PBF e 20% AS/SF/Ambos Recebe apenas 10% PBF 0% Mais 2 3 4 5 6 7 8 9 Mais pobres Decil de renda do mercado de trabalho ricos Fonte: Banco Mundial baseado no BraSIM. Notas: Decis de cálculo próprio baseados na renda per capita laboral mais aposentadorias. PBF é a transferência do Governo Federal de maior impacto sobre a redução da pobreza e da desigualdade. A Figura 7 classifica transferências do SIB conforme o impacto simulado na redução da pobreza extrema e moderada. Essa medida é calculada comparando um cenário simulado na ausência de determinada transferência com o cenário de referência. O impacto simulado corresponde, então, à mudança em um indicador de pobreza ou desigualdade 14 resultante da existência da transferência escolhida. Com um custo substancialmente menor, o impacto do PBF na redução da pobreza extrema é, aproximadamente, o triplo do impacto da aposentadoria rural e mais de cinco vezes maior que o impacto do BPC. Transferências de programas de mercado de trabalho, como Salário Família e Abono Salarial, praticamente não contribuem para a redução da pobreza extrema nem para a desigualdade. A Figura 8 ilustra outra forma de analisar o impacto redistributivo das transferências. Ela as classifica segundo progressividade, utilizando o índice Kakwani para tal, definido como o coeficiente de concentração da renda de mercado menos o coeficiente de concentração das transferências. Dessa forma, a medida indica o quanto das transferências são direcionadas à parcela da população com menor renda de mercado. Figura 7. Redução da pobreza e desigualdade Figura 8. Progressividade de impostos e transferências Bolsa Família Bolsa Família Aposentadoria Rural 13o da Aposentadoria Rural BPC Aposentadoria Rural 13o da Aposentadoria… BPC Seguro-Desemprego Outras transferências sociais Outras transferências… Seguro-Desemprego Salário Família Salário Família Abono salarial FGTS contribuição Abono salarial IRPF (PIT) IRPF (PIT) Cota patronal contribuição INSS contribuições INSS contribuições Cota patronal contribuição Impostos indiretos FGTS contribuição -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 p.p. Impostos indiretos Redução na desigualdade (Gini) Redução na pobreza (BF Ext Pov) -25 0 25 50 75 100 125 Redução na pobreza (1/4 SM) p.p. Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. 15 IV. As principais propostas de reforma Em 2019, três propostas de reforma para o Bolsa Família tiveram destaque no debate público. Elas vieram de diferentes instituições públicas, mais especificamente do Congresso, do Ministério da Cidadania e de uma equipe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (Tabela 2). Tabela 2. Resumo das propostas de reforma do Bolsa Família em 2019 Componente Cenário de 2019 Congresso Cidadania IPEA Renda Renda Renda Renda Valor máxima Valor máxima Valor máxima Valor máxima elegível elegível elegível elegível Variável criança 44.42* 178 100 200 44.42* 200 45 - (0-15 anos) Mãe: Grávida (- 44.42* 178 100 200 44.42* 200 9m)/Nutriz (6m) Variável infantil 90 - 0,5 x MAX 430 (0-4 anos) (Renda-250, 0) 200 (enquanto 178 250 frequentar sem limite Variável jovem 56.33* (16-17 50 (6-17 56.33* escola ou 45 (16-18 anos) anos) anos) ensino técnico, até 21 anos) Benefício Básico 89 89 Benefício de superação da 100 (com mín. 44 - 0,5 x MAX Hiato Hiato Hiato 100 Hiato 430 extrema de 10) (Renda-250, 0) pobreza Política de atualização do Indexação à 13o em 2019 Institucionaliza 13o valor do inflação benefício O benefício infantil e o de Características O valor dos benefícios O valor dos benefícios superação da extrema pobreza adicionais inclui o 13o. inclui o 13o. possuem uma taxa marginal de tributação implícita de 50%. Fiscalmente neutra: Extinguir Proposta de Abono Salarial, Salário Família e Não neutra Não neutra financiamento Deduções de dependentes no IRPF. * incluindo a proposta um benefício 13º por ano, o valor mensal aumentou 8% O Projeto de Lei PL 6072/2019 do Congresso prioriza as crianças na primeira infância. A reforma foi proposta pela Deputada Tabata Amaral em conjunto com outros congressistas na Câmara dos Deputados. Dentre suas principais modificações estão: (i) alterar as linhas de extrema pobreza e de pobreza para R$ 100 e R$ 200, respectivamente; (ii) reajustar o valor do benefício variável do 16 programa para R$ 100; (iii) limitar a idade das crianças elegíveis para o benefício variável para 5 anos, e extinguir o limite de 5 crianças por família; (iv) criar um benefício de R$ 50 para crianças e adolescentes pobres entre 6 e 17 anos, valor que corresponde à metade do benefício para crianças na primeira infância; o benefício básico deixaria de existir. Conforme veiculado na mídia nacional, o Ministério da Cidadania também tinha uma proposta elaborada, que visava a expansão do programa. Com ela, pretendia-se: (i) reajustar as linhas de pobreza para os mesmos valores que os da proposta do Congresso, R$ 100 e R$ 200; (ii) dar bônus às famílias com filhos que obtiverem bom desempenho escolar (com nota superior a sete), incluindo jovens no ensino profissionalizante; (iii) reajustar os montantes dos benefícios, embora não tenham revelado os novos valores; considerar jovens entre 18 e 21 anos de idade que ainda não tenham concluído o Ensino Médio no benefício variável para adolescentes, que passa a ter o valor de R$ 52; (iv) institucionalizar o 13º pagamento dos benefícios do programa; extinguir o benefício básico tal qual a proposta do Congresso; (v) e, finalmente, estipular o valor mínimo de R$ 10 per capita para o benefício de superação da extrema pobreza. Finalmente, a equipe do IPEA sugeriu uma reforma abrangente do sistema de proteção social brasileiro, combinando os orçamentos do atual PBF, Abono Salarial, Salário Família e deduções de imposto de renda relacionadas a crianças dependentes, para canalizar recursos em um único programa para crianças 2. Pela reforma do IPEA, passaria então a existir somente uma linha da pobreza, no valor de R$ 250. A família cuja renda ultrapassasse esse valor teria o benefício reduzido em R$ 0,50 centavos para cada real excedente. O Bolsa Família teria um total de três benefícios: o universal, para crianças e jovens entre 0 e 18 anos de idade, independentemente de sua renda familiar, no valor de R$ 45 por criança; o infantil focalizado, pago a famílias pobres com crianças de 0 a 4 anos, no montante de R$ 90 por criança; e, por último, o de pobreza extrema, no valor de R$ 44, pago por integrante familiar às famílias que, mesmo após considerados os benefícios anteriores, não ultrapassem a linha da pobreza. 2 Soares, Bartholo e Osório (2019): "Uma proposta para a unificação dos benefícios sociais de crianças, jovens e adultos pobres e vulneráveis". Texto para discussão 2505. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.- Brasília 17 A proposta do IPEA é mais compreensiva, e a única que inclui medidas de financiamento. A extinção do Abono Salarial, Salário Família e das deduções de dependentes no IRPF geraria espaço fiscal para a reforma pretendida. Desse modo, o aumento esperado no gasto é compensado com a redução da despesa em outros programas, resultando numa reforma fiscalmente neutra, conforme exige o teto dos gastos. V. Simulação do Impacto das Reformas Essa seção apresenta os resultados das simulações das propostas de reforma do Bolsa Família realizadas pelo BraSim. Elas são comparadas com o desempenho simulado do programa em 2019. É importante ressaltar que os exercícios nesta nota assumem a implementação perfeita, ou seja, não há famílias elegíveis ao programa que não sejam beneficiadas (ou seja, fila). Essa premissa é relaxada no Quadro 1, que investiga os impactos da extensão do programa em resposta à crise do Coronavírus. Outro detalhe importante é que toda a análise desta seção foi realizada com base em uma simulação do Bolsa Família em 2019, antes da expansão do programa em 2020. Além disso, foram feitos ajustes para aproximar os valores simulados aos dos valores oficiais, tanto em termos de número de beneficiários quanto do custo fiscal do programa. Vale ressaltar que o modelo não considera as respostas comportamentais dos agentes a novos incentivos, uma limitação comum de modelos como o BraSim (estáticos de equilíbrio parcial). Cobertura No contexto de implementação perfeita, todas as propostas elevam o número de beneficiários e o custo fiscal do PBF. No cenário de referência, há 42,05 milhões de beneficiários contra 45,74 no cenário do Ministério da Cidadania 2019 e 52,36 no cenário do Congresso 2019. No cenário do IPEA, há um total de 145,74 milhões de beneficiários, mas esse número não é comparável ao dos outros cenários, uma vez que esta reforma abrange uma gama maior de programas de assistência social do SIB. Em termos de despesa total, segundo simulações do BraSim, o programa atual custa cerca de R$ 26,46 bilhões por ano. Estima-se que o custo da proposta do Ministério da Cidadania de 2019 seja de cerca de R$ 33,91 bilhões e o do Congresso de 2019 R$ 18 35,82 bilhões (Figura 10). Mais uma vez, os valores da reforma do IPEA não são comparáveis aos das outras propostas pelo mesmo motivo mencionado acima. Mesmo assim, estima-se um custo anual de aproximadamente R$ 70 bilhões. Figura 9. Número de beneficiários e benefício Figura 10. Gasto anual total (R$ milhões) médio 160 70 80,000 70,025 140 61.93 60 70,000 57.01 Gasto mensal por beneficiário (R$) 120 52.46 50 60,000 Beneficiários (milhoes) 100 R$ (milhões) 40 50,000 80 40.04 30 40,000 33,992 60 26,468 35,822 20 30,000 40 20,000 20 10 10,000 0 0 Baseline Cidadania Congresso IPEA - Beneficiários (milhões) Baseline Congress IPEA Gasto mensal por beneficiário Cidadania Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. Nota: Os resultados referem-se ao cenário de 2019. Eles não consideram a expansão do programa Bolsa Família feita em março/abril de 2020. Todas as propostas aumentam a cobertura para as famílias mais pobres, mas em diferentes graus. No cenário de base, 61,2% da população dos mais pobres é contemplada pelo Bolsa Família, enquanto no segundo decil, esse percentual chega a 71,6%. Esses valores aumentam tanto com a proposta de reforma do Ministério da Cidadania de 2019 quanto com a do Congresso - 64% e 76,9% sob a primeira proposta e 67,4% e 82,3% sob a segunda. Novamente, a proposta do IPEA destoa em seu resultado por contemplar uma reforma mais geral do sistema de proteção social, abrangendo programas além do Bolsa Família, o que torna seus valores incomparáveis com relação aos outros cenários analisados. O percentual de beneficiários na população dos dois decis mais pobres no cenário do IPEA é de 80,58% e 95,19%, respectivamente. É importante 19 destacar que a proporção de beneficiários do Bolsa Família no primeiro decil é menor do que no segundo decil, pois os idosos do primeiro decil recebem BPC e Aposentadoria Rural, o que eleva sua renda per capita acima da linha de elegibilidade do programa. Figura 11. Proporção de beneficiários por decil Figura 12. Proporção de beneficiários por idade 100 100 90 80 80 70 60 60 50 40 40 30 20 20 10 0 0 0-14 15-29 30-64 65+ Baseline Cidadania Congress IPEA Baseline Cidadania Congresso IPEA Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. Nota: Os resultados referem-se ao cenário de reforma 2019. Eles não consideram a expansão do programa Bolsa Família feita em março/abril de 2020. As propostas também aumentam a cobertura do programa para a população mais jovem. No cenário de referência, 32,3% da população de 0 a 14 anos e 23,1% da população jovem entre 15 e 29 anos são beneficiárias do Programa (Figura 12) Na proposta do Ministério da Cidadania 2019 esses números aumentam para 35% e 25,2%, respectivamente, enquanto na proposta do Congresso 2019 são ainda maiores, chegando a 41% e 29%, respectivamente. As reformas também melhoram a cobertura para crianças e jovens em situação de pobreza. Todas as reformas contribuiriam para aliviar a situação da população que vive com menos de meio salário mínimo per capita (Figura 13). No cenário de referência, o Bolsa Família abrange 57,3% da população que vive com menos de meio salário mínimo per capita entre 0 e 17 anos e 55,4% entre 18 e 24 anos. A proposta de reforma do Ministério da Cidadania de 2019 eleva esses números para 62,4% e 59,9% e a proposta de reforma do Congresso de 2019 aumenta ainda mais 20 para 72,4% e 67,1% sem aumentar significativamente a cobertura da população total, o que indica uma mudança focalizada. Figura 13. Cobertura de crianças, jovens e adultos pobres, vivendo com menos de 1/2 salário mínimo per capita. 100.0 97.6 96.2 100 Porcentagem vivendo com ou menos de 1/2 salário mínimo 80 72.4 67.1 63.6 58.0 62.4 59.9 57.3 55.4 55.4 60 51.6 per capita 40 20 5.4 6.1 4.8 0 Não Pobres 0-17 & <1/2 SM 18-24 & <1/2 SM 25+ & <1/2 SM Bolsa Familia Cidadania Bolsa Familia Congresso Bolsa Familia IPEA Bolsa Familia Baseline Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. Nota: Os cenários são comparados ao programa em 2019 (Linha de Base). Todas as propostas diversificam a alocação regional dos beneficiários. Em cada um dos cenários analisados, a região Nordeste perde participação entre os beneficiários e a região Sudeste ganha. Isso se deve ao fato de que muitos beneficiários do programa já estão concentrados no Nordeste, possivelmente por serem mais pobres do que os do Sudeste e, com o aumento das linhas de elegibilidade, a população pobre de outras regiões acaba se qualificando para o PBF (Figura 13). 21 Figura 14. Distribuição regional dos beneficiários do Bolsa Família Baseline IPEA Centro Oeste Norte Nordeste Sul Centro Oeste Norte Nordeste Sul Sudeste Congreso Cidadania Centro Oeste Norte Nordeste Centro Oeste Norte Nordeste Sul Sudeste Sul Sudeste Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. Nota: Os resultados referem-se ao cenário de 2019. Eles não consideram a expansão do programa Bolsa Família feita em março/abril de 2020. Focalização e canais de eficiência Em geral, a focalização das reformas pouco varia com relação a do programa atual, com exceção da proposta do IPEA, que inclui um componente universal. A proposta do Ministério da Cidadania de 2019 apresenta incidência relativa das transferências muito próxima à do atual desenho. A incidência relativa da proposta do Congresso de 2019 é ligeiramente diferente, apresentando um aumento da proporção de beneficiários no terceiro decil de renda e uma redução no decil mais pobre (Figura 15). As transferências da proposta do IPEA de 2019 têm maior incidência sobre os decis mais ricos. Isso se deve ao benefício universal ser concedido independentemente da renda familiar. Aproximadamente 30% dos gastos do programa do IPEA 22 são destinados aos decis de renda mediana e alta. No entanto, esse quadro não pode ser utilizado para uma avaliação do efeito distributivo da proposta de reforma do IPEA, que também eliminaria outras transferências com pior foco na renda universal, gerando um impacto positivo sobre o patrimônio líquido do SIB. Figura 15. Impacto relativo das transferências de Figura 16. Despesa mensal do programa por programas rendimento do beneficiário 100% Mais ricos 6,000 Mais ricos 90% Incidência relativa das transferências 9 9 80% 5,000 8 8 70% 4,000 60% 7 7 R$ (milhões) 50% 6 3,000 6 40% 5 5 30% 2,000 4 4 20% 3 1,000 3 10% 0% 2 - 2 Mais Mais pobres pobres Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. Nota: Os cenários são comparados ao programa em 2019 (Linha de Base). Como a focalização dos programas não piora com as reformas, o aumento dos gastos do Bolsa Família seria direcionado aos pobres e vulneráveis. A despesa mensal total do programa aumenta significativamente nos três primeiros decis de renda, independentemente do cenário (Figura 16). No programa atual, R$ 829 milhões são destinados aos mais pobres. A proposta de reforma do Ministério da Cidadania 2019 aumenta esse valor para R$ 1,043 bilhão. A proposta do Congresso de 2019 distribui as despesas de forma muito semelhante. Mais uma vez, a proposta de reforma do IPEA, ao incorporar um componente desfocado, aloca cerca de metade do crescimento orçamentário dos gastos com decisões posicionadas acima da mediana. 23 Figura 17. Custo anual simulado por componente do Figura 18. Distribuição de benefícios entre quintis programa de renda pré-transferência 35 Custo anual simulado por componente do programa (R$ $32 $31 Baseline TopUp 30 Basline Basic Ben Baseline Child 25 $21 Baseline Youth 20 $17 Ipea TopUp Ipea Infant bilhões) 15 Ipea Child $10 $11 10 $8 $8 $8 $7 $7 Cidanaia TopUp Cidadania Youth 5 $2 $1 Cidadania Child - Congress Youth Ipea TopUp Baseline Child Baseline ToUp Cidadania Youth Ipea Univ Child Cidanaia TopUP Cidadania Child Congress Youth Congress TopUp Congress Child Ipea Infant Baseline Youth Basline Basic Congress Child Congress TopUp 0.0 20.0 40.0 60.0 80.0 100.0 Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. Nota: Os cenários são comparados ao programa em 2019 (Linha de Base). Todas as propostas de reforma 2019 sugerem eliminar o benefício básico do programa atual e transferir seus recursos para um benefício que cubra o hiato da extrema pobreza. O custo do benefício básico no programa atual corresponde a R$ 11 bilhões (11,000,000,000), enquanto o benefício para cobrir o hiato da extrema pobreza custa R$ 7 bilhões. Com a exclusão do benefício básico, as simulações indicam que os gastos com o benefício de redução do hiato da pobreza passariam a ser de R$ 21 bilhões na proposta do Ministério da Cidadania 2019, R$ 17 bilhões na proposta do Congresso 2019 e R$ 31 bilhões na proposta do IPEA (Figura 17). No programa atual, quase 93% do benefício básico se destina ao primeiro quintil de renda pré-transferência. Com sua exclusão, as simulações sugerem que essa distribuição cai para cerca de 84% nas propostas do Ministério da Cidadania e do Congresso, e 67% na do IPEA - mas permanece melhor que a do benefício básico no programa atual. No entanto, é importante considerar que, mesmo que sua 24 focalização seja apenas marginalmente melhor, a margem de erro desse tipo de benefício de redução do hiato de renda é provavelmente maior do que um benefício fixo. Impacto na pobreza e na desigualdade As propostas têm contribuições diferentes sobre a redução da taxa de pobreza extrema e moderada, dependendo da definição de pobreza considerada. O Brasil não tem linhas oficiais de pobreza, por isso são utilizadas diferentes linhas como referência para as simulações. As propostas de reforma de 2019 do Ministério da Cidadania e do Congresso reduzem a pobreza extrema em um ponto percentual a mais do que o atual Programa Bolsa Família (Figura 19). Por outro lado, considerando uma linha de pobreza maior, de ¼ do Salário Mínimo, a proposta do IPEA é a que mais impacta a redução da pobreza. Em termos de custo-benefício, o programa atual parece ser o mais eficiente na redução do hiato de pobreza. A Figura 20 apresenta a redução no hiato da pobreza e da pobreza extrema por unidade dispendida; essa é uma maneira de avaliar o custo-benefício da transferência. Cada real gasto no programa atual reduz o hiato da pobreza em R$ 0,38, e o hiato da extrema pobreza em R$ 0,20. A proposta que mais se aproxima do cenário atual nesses termos é a proposta do mesmo Ministério da Cidadania de 2019, que os reduz em R$ 0,37 e R$ 0,18, respectivamente. A proposta do IPEA é menos eficiente do que o cenário atual e as outras reformas em termos de redução da pobreza. Cada real gasto por este programa reduz o hiato da pobreza em R$ 0,24 e o hiato da pobreza extrema em R$ 0,11. Essa diferença na relação custo-benefício se deve, principalmente, ao componente universal da reforma, que transfere uma alta parcela do orçamento da proposta para famílias em decis elevados de renda. A proposta do IPEA é a que mais contribui para a redução da desigualdade. Isso porque, nesse cenário, há uma redistribuição dos benefícios atualmente concedidos pelo sistema de proteção, o que acaba afetando mais intensamente a distribuição de renda. Por outro lado, o programa do IPEA contribui menos para a redução da pobreza extrema do que o desenho atual do Bolsa Família. Isso ocorre porque o benefício de extrema pobreza incluído na proposta é menos 25 generoso do que os benefícios de extrema pobreza do programa atual, resultado que se deve à preferência por cobertura em detrimento de generosidade no programa. Figura 19. Impacto dos programas sobre pobreza Figura 20. Redução do hiato de pobreza por cada e desigualdade 1 R$ invertido no programa 0.45 BF Congresso 0.40 Redução no hiato da pobreza (R$) 0.35 BF Cidadania 0.30 0.25 BF IPEA 0.20 0.15 Baseline 0.10 0.05 0 1 2 3 4 5 6 0.00 p.p. Bolsa Bolsa Bolsa Bolsa Redução na pobreza (1/4 SM) Família Família Família IPEA Família Redução na pobreza (BF Ext Pov) Cidadania Congresso Baseline Redução na desigualdade (Gini) Pobreza Extrema pobreza Fonte: Estimativas do Banco Mundial com base no BraSim. Nota: Os cenários são comparados ao programa em 2019. VI. Discussão das propostas de 2019 e elementos para futuras reformas As propostas de reforma do Bolsa Família surgiram essencialmente de um debate crescente sobre a adequação do programa para mitigar a pobreza após a crise de 2016. A crise econômica de 2016 e a lenta recuperação da economia geraram desemprego de longa duração no mercado de trabalho brasileiro, causando um aumento da pobreza, e afetou, particularmente, dois grupos populacionais: famílias com crianças pequenas e jovens prestes a entrar no mercado. A atual pandemia COVID-19 agravou ainda mais a condição econômica de milhões de famílias brasileiras. Devido ao papel central do Bolsa Família como principal programa de alívio da pobreza no Brasil, esses desafios econômicos levaram a um importante debate sobre o desenho do PBF e sua adequabilidade em tempos de crise. Cabe resumir os principais parâmetros de política pública que permitem comparar as propostas de 2019: 26  Cobertura. O número de beneficiários não acompanhou o crescimento do número de pessoas pobres. As restrições orçamentárias do programa impediram a incorporação de novos beneficiários, até março de 2020 quando houve uma opção de política de reversão desse quadro. A deterioração da cobertura é explicada, também, pela queda em termos reais do limite de elegibilidade para o Bolsa Família. Todas as propostas de reforma visam, de alguma maneira, ampliar a cobertura.  Generosidade do benefício. Permanecendo os valores dos benefícios desatualizados mesmo após a revisão em 2018, a definição de uma regra de reajuste pertinente para o objetivo do programa é relevante.  Foco em grupos específicos. Dentro de suas limitações, todas as propostas de reforma sugeriram maneiras diferentes de priorizar a mitigação da pobreza infantil. Além disso, a questão da subcobertura da juventude apareceu no debate, por diferentes razões. Uma preocupação é como acompanhar os jovens até a conclusão do ensino médio, mesmo que já possuam mais de 18 anos. Uma segunda é como mitigar a vulnerabilidade dos jovens em um contexto de alto desemprego juvenil. A proposta do Ministério da Cidadania, ao estender o benefício variável para jovens de até os 21 anos de idade que ainda frequentem a escola, seria um primeiro passo importante para fortalecer a cobertura do programa aos jovens.  Eficiência. A necessidade de racionalizar o sistema fragmentado de proteção social para maior equidade e reduzir as lacunas de cobertura. De acordo com as simulações feitas com o BraSim, as propostas analisadas respondem de forma diferente a essas prioridades. Finalmente, não há reforma dominante, pois elas diferem na forma que abordam as questões em pauta (ver Tabela 2). Todas as propostas : (i) elevam o número de beneficiários e o custo fiscal do Bolsa Família no caso de implementação perfeita; (ii) melhoram a cobertura para as famílias mais pobres, para as crianças e jovens em situação de pobreza. Porém, a proposta do IPEA, devido a um componente de benefício universal, é superada pelas outras propostas em termos de focalização e eficiência para reduzir a pobreza extrema. De fato, como resultado da preferência por cobertura em detrimento de generosidade, a proposta do IPEA se sai pior do que o programa atual na redução da pobreza extrema. 27 Tabela 3. Resumo do impacto simulado da proposta Desempenho de impacto simulado Redução Redução da Questões abordadas Cobertura Custo Focalização Pobreza desigualdade (Extrema) Cidadania Cobertura, pobreza ↑ ↑ = ↑ ↑ 2019 infantil Cobertura, Adequação, Pobreza infantil, Congresso ↑ ↑ = ↑ ↑ Reajuste, Adesão Automática Eficiência contra pobreza Ipea ↑↑ = ↓ ↓ ↑ infantil, Fontes de Financiamento Fonte: Banco Mundial estimado com base no BraSim. Nota: Os resultados são comparados ao cenário base de 2019 que possui o Bolsa Família e outras transferências (Abono Salaria e Salário Família). A análise das propostas de 2019 apresenta também questões adicionais de desenho para o futuro do programa após da pandemia  Cobertura vs. Generosidade. Embora seja uma limitação matematicamente óbvia, ela coloca um conjunto de desafios para os formuladores de políticas do ponto de vista fiscal e possivelmente da economia política. As propostas de reforma do Congresso e do Ministério da Cidadania tentam equilibrar as duas coisas: aumentando as linhas de elegibilidade, o que resultaria em uma cobertura maior e, ao mesmo tempo, em benefícios médios mais elevados. A proposta do IPEA, em vez disso, foca na eliminação de erros de exclusão, maximizando assim a cobertura, mas resultando em um benefício médio inferior ao atual. Outra diferença importante entre as propostas do Ministério da Cidadania e do Congresso é que esta última traz uma medida para lidar com a "fila" do programa, ao incluir um dispositivo no projeto de lei que tornaria a adesão ao programa automática com base na necessidade. A visão dos autores é que, especialmente em tempos de crise, eliminar a fila e aumentar a base de beneficiários pode ser mais importante no combate à pobreza do que aumentar o valor dos benefícios. 28  Valorização. Relacionada à escolha entre cobertura e generosidade está a questão da atualização monetária dos benefícios do PBF, que acumulam anos de perda de poder de compra. Muitos, incluindo o Banco Mundial (2016), argumentam em prol da desvinculação de benefícios de proteção social com relação a aumentos automáticos atrelados ao salário mínimo, devido ao seu efeito em cadeia sobre os gastos públicos e à correlação pouco clara entre o salário mínimo e os objetivos dos programas individuais. No entanto, existem outras políticas de atualização a se considerar. Por exemplo, uma política de reavaliação de benefícios que acompanhe a cesta de consumo mínimo dos pobres estaria de acordo com a experiência internacional de programas de renda mínima garantida. As salvaguardas poderiam ser mantidas para garantir que o valor seja limitado a uma porcentagem máxima do salário mínimo, para manter os incentivos a participação no mercado de trabalho formal.  Desafios potenciais de se pautar no componente de garantia de renda mínima para proteger os mais pobres. Em todas as três propostas, o benefício básico deixaria de existir; mecanicamente, o componente de garantia de renda mínima se tornaria mais utilizado e compensaria a saída do outro benefício. Essa Nota mostra que, teoricamente, isso poderia gerar uma pequena economia, tornando o benefício um pouco menor para as famílias que estão mais próximas do limite de elegibilidade. No entanto, a implementação precisaria que o programa de garantia mínima minimizasse ou eliminasse o erro de medição na renda dos indivíduos, o que na realidade é difícil. A opinião dos autores é que o risco de remoção do benefício fixo pode ter custos administrativos mais elevados (por exemplo, por necessitar de verificações mais frequentes dos beneficiários) para determinar a renda efetiva dos indivíduos, ou erro maior. A simulação mostra que a manutenção do benefício básico permitiria atingir resultados inferiores, mas possivelmente mais críveis.  Reconciliar o papel de apoio ao capital humano, e de programa de última instância à proteção da renda. A concepção do novo Bolsa Família depende, em parte, do papel que espera-se que ele desempenhe na estrutura de benefícios sociais brasileiros. Como atualmente projetado, o programa atinge dois objetivos de forma integrada. O foco principal 29 é incentivar a formação de capital humano desde a primeira infância, por meio do apoio à renda e das corresponsabilidades das famílias para com a educação de suas crianças. Um objetivo secundário é servir como programa nacional de garantia de renda mínima, por meio de um benefício básico incondicional disponível a famílias sem filhos. Este último componente é especialmente relevante em tempos de crise econômica para o grande número de desempregados que, na maioria jovens, não são elegíveis ao Seguro-Desemprego. Nenhuma das propostas de 2019 alteraria o duplo objetivo do programa, mas todas transferem mais recursos para famílias com crianças por meio de pagamentos variáveis maiores.  A função anticíclica do programa. Até que ponto o PBF deveria ser considerado um programa estratégico contracíclico que pode crescer em períodos de crise, ou uma despesa, que requer redução como outras durante períodos de apertos orçamentários? Outros benefícios constitucionais no Brasil já possuem esse papel, como o Seguro Desemprego, por exemplo. A crise do COVID-19, porém, mostrou a insuficiência de ter um benefício contracíclico apenas para o setor formal. Um maior nível de institucionalização do papel desse programa como garantia de renda mínima poderia protegê-lo em momentos de crise fiscal. Várias fontes de financiamento para um Bolsa Família mais amplio permitiriam melhorar a equidade do Sistema de Impostos e Benefícios atual. A crise do COVID-19 abriu caminho para mudanças significativas no sistema de proteção social brasileiro: tanto as propostas de 2019, quanto os recentes debates, visam a uma expansão orçamentaria do programa. Porém, a existência do teto de gastos exige que as propostas sejam fiscalmente neutras. Em 2019, a proposta do IPEA abordava essa questão explicitamente, propondo uma reestruturação sensata de outros programas menos progressivos para financiar o benefício universal às crianças. A análise do SIB nessa Nota também permitiu comparar sistematicamente em termos de equidade várias despesas no sistema de benefícios e isenções fiscais (como mostrado na Tabela 3 acima), que poderiam ser eliminados para dar espaço a expansão do Bolsa Familia: 30  Um candidato equitativo seria a isenção parcial ao IRPF dos benefícios de aposentadoria formal: essa isenção está beneficiando integralmente o quintil superior da distribuição de renda, a um custo simulado de R$ 11 bilhões em 2017. Cabe ressaltar que os benefícios do RGPS já contêm uma parcela significativa de subsídio público implícito, devido ao insuficiente nível de contribuição previdenciária relativo aos benefícios pagos; a eliminação dessa isenção permitiria aumentar recursos públicos sem exigir uma reforma de benefícios.  Uma segunda isenção regressiva, mas muito menor, diz respeito à dedução de crianças no IRPF. Essa é amplamente documentada na proposta do IPEA, estimada pelo BraSim em R$ 1,9 bilhão.  Entre os benefícios não contributivos, o Abono Salarial, concebido muito antes do BF como apoio a renda do trabalhador, acabou se revelando regressivo, especialmente devido ao seu limiar de exigibilidade de até dois salários mínimos e seu foco no trabalho formal. Esse programa custa cerca de R$ 18 bilhões por ano. Um candidato adicional, de tamanho menor e menos regressivo, é o Salário Família. A dificuldade relacionada a todas opções de realocação está na complexa economia política dessas reformas. Como fica evidente na Figura 6 acima, os benefícios trabalhistas e as isenções do IRPF para famílias da classe média e alta tem pouca sobreposição com o Bolsa Família atual ou com um programa um pouco mais amplo. Porém, com a crise do COVID-19, o público-alvo de ferramentas de proteção social emergencial se expandiu rapidamente. Nesse contexto de ampliação das vulnerabilidades, a discussão sobre a reforma do PBF tornou-se ainda mais urgente, e potencialmente favorável para um novo “contrato social” com a classe média, necessário para qualquer reforma estrutural. Por exemplo, a renúncia a benefícios que suplementam a renda trabalhista formal em período de emprego poderia ser compensada por uma garantia de maior proteção nos momentos de queda de renda e por uma melhor assistência em políticas ativas ao reemprego. Inovar a partir de um programa de sucesso como o Bolsa Família não é tarefa trivial mas pode se beneficiar de debates guiados por evidências, e foi com esse objetivo que essa Nota foi elaborada. A análise de aspetos de economia política dessas potenciais reformas no SIB poderia ser um campo fecundo para futuras pesquisas. 31 Referências Amaral T., Rigoni F., Campos J. and R. Lima P. (2019). Projeto de Lei N. 6072, 2019. Presented to National Congress of Brazil on 20 November 2019. Fernandes A. and Tomazelli I. (2019). Governo vai reformular Bolsa Família e destinar benefício a crianças e jovens. Published in O Estadao de São Paulo, 7 December 2019. Fernandes A. and Tomazelli I. (2020). Reformulação do Bolsa Familia inclui aumento de benefício e bônus a famílias. Published in O Estadao de São Paulo, 13 January 2020. Soares, Bartholo e Osório (2019). Uma proposta para a unificação dos benefícios sociais de crianças, jovens e adultos pobres e vulneráveis. Texto para discussão 2505. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília. 32 Social Protection & Jobs Discussion Paper Series Titles 2018-2020 No. Title 2009 A Reforma do Bolsa Família: Avaliação das propostas de reforma debatidas em 2019 by Matteo Morgandi, Liliana D. Sousa, Alison Farias, e Fabio Cereda November 2020 2008 The Role of Social Protection in Building, Protecting, and Deploying Human Capital in the East Asia and Pacific Region by Harry Edmund Moroz October 2020 2007 Boosting the Benefits of Cash Transfer Programs During the Early Years: A Case Study Review of Accompanying Measures by Laura Rawlings, Julieta Trias, and Emma Willenborg October 2020 2006 Expansion of Djibouti’s National Family Solidarity Program: Understanding Targeting Performance of the Updated Proxy Means Test Formula by Vibhuti Mendiratta, Amr Moubarak, Gabriel Lara Ibarra, John van Dyck, and Marco Santacroce August 2020 2005 Assessing the Targeting System in Georgia: Proposed Reform Options by Maddalena Honorati, Roberto Claudio Sormani, and Ludovico Carraro July 2020 2004 Jobs at risk in Turkey: Identifying the impact of COVID-19 by Sirma Demir Şeker, Efşan Nas Özen, and Ayşenur Acar Erdoğan July 2020 2003 Assessing the Vulnerability of Armenian Temporary Labor Migrants during the COVID-19 pandemic by Maddalena Honorati, Soonhwa Yi, and Thelma Choi July 2020 2002 Getting it Right: Strengthening Gender Outcomes in South Sudan by Samantha de Silva, Abir Hasan, Aissatou Ouedraogo, and Eliana Rubiano-Matulevich July 2020 2001 The Science of Adult Literacy by Michael S. C. Thomas, Victoria C. P. Knowland, Cathy Rogers January 2020 1936 Moving forward with ALMPs: Active labor policy and the changing nature of labor markets by Jose Manuel Romero and Arvo Kuddo November 2019 1935 Unbundled: A framework for connecting safety nets and humanitarian assistance in refugee settings by Karin Seyfert, Valentina Barca, Ugo Gentilini, Manjula Luthria, and Shereen Abbady September 2019 1934 Decentralization’s effects on education and health: Evidence from Ethiopia by Jean-Paul Faguet, Qaiser Khan, and Devarakonda Priyanka Kanth September 2019 1933 Extending Pension Coverage to the Informal Sector in Africa by Melis Guven July 2019 1932 What Employers Actually Want - Skills in demand in online job vacancies in Ukraine by Noël Muller and Abla Safir May 2019 1931 Can Local Participatory Programs Enhance Public Confidence: Insights from the Local Initiatives Support Program in Russia by Ivan Shulga, Lev Shilov, Anna Sukhova, and Peter Pojarski May 2019 1930 Social Protection in an Era of Increasing Uncertainty and Disruption: Social Risk Management 2.0 by Steen Lau Jorgensen and Paul B. Siegel May 2019 1929 Developing Coherent Pension Systems: Design Issues for Private Pension Supplements to NDC Schemes by William Price April 2019 1928 Pensions in a Globalizing World: How Do (N)DC and (N)DB Schemes Fare and Compare on Portability and Taxation? by Bernd Genser and Robert Holzmann April 2019 1927 The Politics of NDC Pension Scheme Diffusion: Constraints and Drivers by Igor Guardiancich, R. Kent Weaver, Gustavo Demarco, and Mark C. Dorfman April 2019 1926 Setting Up a Communication Package for the Italian NDC by Tito Boeri, Maria Cozzolino, and Edoardo Di Porto April 2019 1925 Sweden’s Fifteen Years of Communication Efforts by María del Carmen Boado-Penas, Ole Settergren, Erland Ekheden, and Poontavika Naka April 2019 1924 Information and Financial Literacy for Socially Sustainable NDC Pension Schemes by Elsa Fornero, Noemi Oggero, and Riccardo Puglisi April 2019 1923 Communicating NEST Pensions for “New” DC Savers in the United Kingdom by Will Sandbrook and Ranila Ravi-Burslem April 2019 1922 Harnessing a Young Nation's Demographic Dividends through a Universal NDC Pension Scheme: A Case Study of Tanzania by Bo Larsson, Vincent Leyaro, and Edward Palmer April 2019 1921 The Notional and the Real in China’s Pension Reforms by Bei Lu, John Piggott, and Bingwen Zheng April 2019 1920 Administrative Requirements and Prospects for Universal NDCs in Emerging Economies by Robert Palacios April 2019 1919 Bridging Partner Lifecycle Earnings and Pension Gaps by Sharing NDC Accounts by Anna Klerby, Bo Larsson, and Edward Palmer April 2019 1918 The Impact of Lifetime Events on Pensions: NDC Schemes in Poland, Italy, and Sweden and the Point Scheme in Germany by Agnieszka Chłoń-Domińczak, Marek Góra, Irena E. Kotowska, Iga Magda, Anna Ruzik-Sierdzińska, and Paweł Strzelecki April 2019 1917 Drivers of the Gender Gap in Pensions: Evidence from EU-SILC and the OECD Pension Model by Maciej Lis and Boele Bonthuis April 2019 1916 Gender and Family: Conceptual Overview by Nicholas Barr April 2019 1915 Labor Market Participation and Postponed Retirement in Central and Eastern Europe by Robert I. Gal and Márta Radó April 2019 1914 NDC Schemes and the Labor Market: Issues and Options by Robert Holzmann, David Robalino, and Hernan Winkler April 2019 1913 NDC Schemes and Heterogeneity in Longevity: Proposals for Redesign by Robert Holzmann, Jennifer Alonso-García, Heloise Labit-Hardy, and Andrés M. Villegas April 2019 1912 Annuities in (N)DC Pension Schemes: Design, Heterogeneity, and Estimation Issues by Edward Palmer and Yuwei Zhao de Gosson de Varennes April 2019 1911 Overview on Heterogeneity in Longevity and Pension Schemes by Ron Lee and Miguel Sanchez-Romero April 2019 1910 Chile's Solidarity Pillar: A Benchmark for Adjoining Zero Pillar with DC Schemes by Eduardo Fajnzylber April 2019 1909 Sweden: Adjoining the Guarantee Pension with NDC by Kenneth Nelson, Rense Nieuwenhuis, and Susanne Alm April 2019 1908 The ABCs of NDCs by Robert Holzmann April 2019 1907 NDC: The Generic Old-Age Pension Scheme by Marek Góra and Edward Palmer April 2019 1906 The Greek Pension Reforms: Crises and NDC Attempts Awaiting Completion by Milton Nektarios and Platon Tinios April 2019 1905 The Norwegian NDC Scheme: Balancing Risk Sharing and Redistribution by Nils Martin Stølen, Dennis Fredriksen, Erik Hernæs, and Erling Holmøy April 2019 1904 The Polish NDC Scheme: Success in the Face of Adversity by Sonia Buchholtz, Agnieszka Chłoń-Domińczak, and Marek Góra April 2019 1903 The Italian NDC Scheme: Evolution and Remaining Potholes by Sandro Gronchi, Sergio Nisticò, and Mirko Bevilacqua April 2019 1902 The Latvian NDC Scheme: Success Under a Decreasing Labor Force by Edward Palmer and Sandra Stabina April 2019 1901 The Swedish NDC Scheme: Success on Track with Room for Reflection by Edward Palmer and Bo Könberg April 2019 1803 Rapid Social Registry Assessment: Malawi’s Unified Beneficiary Registry (UBR) by Kathy Lindert, Colin Andrews, Chipo Msowoya, Boban Varghese Paul, Elijah Chirwa, and Anita Mittal November 2018 1802 Human(itarian) Capital? Lessons on Better Connecting Humanitarian Assistance and Social Protection by Ugo Gentilini, Sarah Laughton and Clare O’Brien November 2018 1801 Delivering Social Protection in the Midst of Conflict and Crisis: The Case of Yemen by Afrah Alawi Al-Ahmadi and Samantha de Silva July 2018 To view Social Protection & Jobs Discussion Papers published prior to 2018, please visit www.worldbank.org/sp. RESUMO No debate corrente acerca da modernização do formato do Programa Bolsa Família (PBF), diversas propostas de reforma foram apresentadas em 2019 pelo Ministério da Cidadania, pelo Ipea e pelo Congresso Nacional. Esta nota usa o modelo de microssimulação BraSIM para analisar as três propostas de aperfeiçoamento do Programa Bolsa Família apresentadas em 2019 no contexto do sistema de impostos e benefícios brasileiros. Todas as propostas elevam o número de beneficiários, expandindo a cobertura para as famílias mais pobres, especialmente crianças e jovens. Em geral, a incidência progressiva do programa atual varia pouco nas reformas propostas pelo Ministério da Cidadania e pelo Congresso Nacional, mas se deteriora na proposta do Ipea, que inclui um componente universal. As três propostas têm custos e contribuições diferentes para a redução da pobreza. A reforma com componente universal é significativamente menos eficiente que o modelo atual e que as outras reformas em termos de custo-benefício. Em compensação, a proposta do Ipea é a que mais contribui para a redução da desigualdade e a única que identifica fontes de financiamento com a extinção de benefícios regressivos. Por meio da análise comparativa, esta nota também ressalta os principais dilemas sobre o futuro do programa, relevantes mesmo após a pandemia da Covid-19: a tensão entre generosidade e cobertura; a existência de grupos pobres considerados prioritários; os desafios para conciliar o objetivo do programa, que é incentivar o capital humano das crianças, e a garantia de renda mínima; os riscos da extinção do benefício básico; e as possibilidades de financiamento com realocações de outras despesas fiscais menos progressivas. SOBRE ESTA SÉRIE Os Documentos para Debate sobre Proteção Social e Emprego são publicados para comunicar os resultados do trabalho do Banco Mundial à comunidade de desenvolvimento com a maior celeridade possível. Este documento, portanto, não foi elaborado de acordo com os procedimentos apropriados para textos editados formalmente. Para mais informações, favor contatar o Serviço de Assessoria de Proteção Social por e-mail (socialprotection@worldbank.org) ou visitar o site www.worldbank.org/sp.