Relatório Econômico da América Latina e o Caribe Outubro 2022 NOVAS ABORDAGENS PARA RESOLVER O DÉFICIT FISCAL 2 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal © 2022 Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento/Banco Mundial 1818 H Street NW, Washington D.C. 20433 Telefone: 202-473-1000; Internet: www.worldbank.org Alguns direitos reservados 1 2 3 4 25 24 23 22 Este trabalho foi publicado originalmente em inglês pelo Banco Mundial como New Approaches to Closing the Fiscal Gap. Em caso de discrepâncias, predomina o idioma original. Este trabalho foi produzido pelo pessoal do Banco Mundial com contribuições externas. As constatações, interpretações e conclusões expressas neste trabalho não refletem necessariamente a opinião do Banco Mundial, de sua Diretoria Executiva nem dos governos dos países que representam. O Banco Mundial não garante a exatidão dos dados apresentados neste trabalho. As fronteiras, cores, denominações e outras informações apresentadas em qualquer mapa deste trabalho não indicam nenhum julgamento do Banco Mundial sobre a situação jurídica de qualquer território, nem o endosso ou a aceitação de tais fronteiras. Nada aqui constitui ou pode ser considerado como uma limitação ou dispensa de privilégios e imunidades do Banco Mundial, os quais são especificamente reservados. Direitos e permissões Este trabalho está disponível na licença da Creative Commons Attribution 3.0 IGO (CC BY 3.0 IGO) http://creativecommons.org/licenses/ by/3.0 IGO. Nos termos da licença Creative Commons Attribution, o usuário pode copiar, distribuir, transmitir e adaptar este trabalho, inclusive para fins comerciais, nas seguintes condições: Atribuição — Favor citar o trabalho como segue: Banco Mundial. 2022. “Novas Abordagens Para Resolver o Déficit Fiscal” Relatório Econômico da América Latina e o Caribe (outubro), Banco Mundial, Washington, D.C. Licença: Creative Commons Attribution CC BY 3.0 IGO Tradução — Se o usuário traduzir este trabalho, favor acrescentar o seguinte termo de isenção de responsabilidade juntamente com a atribuição: Esta tradução não foi feita pelo Banco Mundial e não deve ser considerada tradução oficial do Banco Mundial. O Banco Mundial não se responsabiliza pelo conteúdo nem por qualquer erro desta tradução. Adaptações — Se o usuário criar uma adaptação deste trabalho, favor acrescentar o seguinte termo de isenção de responsabilidade juntamente com a atribuição: Esta é uma adaptação de um trabalho original do Banco Mundial. Pontos de vista e opiniões expressos na adaptação são de inteira responsabilidade do autor ou autores da adaptação e não são endossados pelo Banco Mundial. Conteúdo de terceiros — O Banco Mundial não é necessariamente proprietário de todos os componentes do conteúdo incluído no trabalho. 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ISBN (papel): 978-1-4648-1931-5 DOI: 10.1596/ 978-1-4648-1931-5 Projeto da capa e das páginas internas: Alejandro Espinosa/sonideas.com Tradução para o português: Leonardo Padovani. 3 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Agradecimentos Agradecimentos E ste relatório é um produto do Gabinete do Economista-Chefe para a América Latina e o Caribe do Banco Mundial. A elaboração do relatório foi liderada por William Maloney (economista-chefe), Daniel Riera-Crichton (economista sênior) e Guillermo Vuletin (economista sênior) com contribuições-chave de Raul Morales Lema (economista pesquisador). Pesquisa inestimável e assistência editorial foram dispensadas por Pilar Ruiz Orrico (consultora), Rucheta Singh (analista de pesquisa), Jacqueline Larrabure (assistente de programa) José Andrée Camarena Fonseca (consultor) e Nancy Morrison (consultora). Outras contribuições foram fornecidas por Guillermo Beylis (economista pesquisador), Virgilio Galdo (analista de pesquisa), Pablo Garriga (economista pesquisador), Elena Ianchovichina (economista-chefe adjunta) e Luis Diego Rojas Alvarado (consultor), Ayan Qu (consultora) no Gabinete do Economista-Chefe (LCRCE). Todas as equipes regionais ofereceram contribuições importantes: Desenvolvimento Humano: Luis Benveniste (diretor regional, HLCDR), Emanuela Di Gropello (gerente de prática, HLCED). Crescimento Equitativo, Finanças e Instituições: Robert R. Taliercio (diretor regional, ELCDR), Ximena del Carpio (gerente de prática, ELCPV), Hernan Winkler (economista sênior, ELCPV), Sergio Olivieri (economista sênior, ELCPV), Diana Sanchez Castro (analista de pesquisa, ELCPV), Yira Mascaro (gerente de prática, ELCFN), Faruk Liriano (analista do setor financeiro, ELCFN), Federico Kalan (consultor, ELCFN), Oliver Masetti (especialista do setor financeiro, ELCFN), José Ernesto Lopez Cordova (economista líder, ETIFE), Xavier Cirera (economista sênior, ETIFE), Santiago Reyes Ortega (consultor, ETIFE), Franz Ulrich Ruch (economista, EPGDR). As estimativas macroeconômicas específicas de cada país e os levantamentos foram produzidos por economistas nacionais na Prática Global de Macroeconomia, Comércio e Investimento, sob a liderança de Doerte Doemeland (gerente de prática, ELCMU) e coordenação de Luigi Butron Calderon (analista de pesquisa, ELCMU). Entre os colaboradores estavam Sonia Araujo, Daniel Barco, Rafael Barroso, Elena Bondarenko, Bledi Celiku, Tamoya Christie, Fabiano Colbano, Barbara Cunha, Anton Dobronogov, Jozef Draaisma, Paolo Dudine, Julian Folgar, Fernando Giuliano, Christian Gonzalez, Marek Hanusch, Santiago Herrera, Fernando Im, Evans Jadotte, Santiago Justel, Woori Lee, Ran Li, Rohan Longmore, David Cal MacWilliam, Rafael Ornelas, Andres Pinchao, Anjali Shahani Moreno, James Sampi, Hulya Ulku, Julio Velasco, Katia Vostroknutova, Pui Shen Yong, Christian Zambaglione, Gabriel Zaourak, Alexander Haider e Andrew Burns (todos da ELCMU). O apoio em comunicação e divulgação foi fornecido por Ana Elisa Luna Barros (gerente, ECRLC), Analia Martinez (assessora de comunicações on-line, ECRLC), Ruth Idalina Gonzalez Llamas (assessora sênior de assuntos externos, ECRLC), Yuri Szabo Yamashita (assessor de assuntos externos, ECRLC), Francisco Seminario (consultor, ECRLC), Cecilia Martinez Gomez (consultora, ECRLC) e Leandro Juan Hernandez (consultor, ECRLC). Alejandro Espinosa (Sonideas) contribuiu no projeto. A tradução do relatório para o português foi realizada por Leonardo Padovani. A data de corte deste relatório é 24 de setembro de 2022. 4 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Índice Índice Agradecimentos 3 SUMÁRIO EXECUTIVO De Volta ao Velho Normal? 7 Recuperação, Inflação e a Busca por Espaço Fiscal 8 O Legado da COVID-19 8 Crescimento: Medíocre, mas Resiliente 9 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens 10 Rumo a gastos públicos mais eficazes 12 Prespectivas de Crescimento para a Região 13 CAPÍTULO 1 Já Voltamos ao Normal? Recuperação, Inflação e a Busca por Espaço Fiscal 15 COVID-19: Retrocedendo, mas a Vigilância Deve ser Mantida 16 Crescimento: Resilientemente Medíocre – a Volta ao “Velho Normal” 18 Mercados de Trabalho: Recuperação Desigual, Mudanças Estruturais Limitadas 19 Riscos à Recuperação 22 A Pandemia Pode Ter Efeitos Duradouros sobre a Pobreza, o Desenvolvimento Humano e a Desigualdade 22 Os Ventos Contrários causados por Fatores Externos estão se Intensificando 24 A Confiança do Consumidor e das Empresas está Melhorando 26 O Setor Financeiro Continua Sólido de Modo Geral 27 Desafios à Frente 28 Desaparecimento do Espaço Fiscal 28 A Batalha Contínua Contra a Inflação 32 Conclusão 40 5 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Índice CAPÍTULO 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens 43 Aumento de impostos legislados 45 Aumentar ou não aumentar: uma história em duas ALCs 48 Possíveis impactos do aumento do imposto de renda de pessoa física 50 Imposto de renda de pessoa jurídica: alíquotas altas, cumprimento moderado 56 Rumo a um gasto público mais eficaz 58 Corte de investimento público: uma solução fácil com consequências terríveis e duradouras para o crescimento 59 Corte de transferências para pessoas em situação de maior vulnerabilidade (incluindo pensionistas) 63 Corte de desperdícios e ineficiências: uma maneira “sem custo” de recuperar a confiança das pessoas? 64 Figuras Figura 1.1. O excesso de mortalidade por COVID-19 na América Latina parece estar convergindo para níveis globais baixos     16 Figura 1.2. O Excesso de mortalidade na ALC foi muito maior que a mortalidade informada     17 Figura 1.3. O avanço da cobertura vacinal contra a COVID-19 varia consideravelmente entre os países da ALC    18 Figura 1.4. Espera-se que o crescimento econômico retorne aos níveis pré-pandemia na alc, embora com variações entre os países    19 Figura 1.5. O conflito na Ucrânia e as Decisões sobre a taxa de juros do Federal Reserve dos EUA reduziram as previsões em nível macro     20 Figura 1.6. O emprego total e a participação na força de trabalho estão voltando aos níveis pré-pandemia    21 Figura 1.7. O autoemprego, emprego informal e desemprego estão voltando aos níveis pré-pandemia    21 Figura 1.8. Enquanto a vacinação contra a COVID-19 acelerou, a proteção contra outras doenças ficou defasada    22 Figura B.1.1.1. A maior parte do declínio da pobreza monetária durante a década de ouro da ALC de 2003-13 foi transitória    23 Figura 1.9. Quatro fatores externos principais impulsionam os movimentos do PIB na ALC    25 Figura 1.10. O aumento das commodities teve efeitos opostos nos termos de troca em toda a região.    25 Figura 1.11. A parcela do crescimento real da ALC explicada por fatores externos está diminuindo    26 Figura 1.12. A Confiança do Consumidor melhorou na maioria dos países    26 Figura 1.13. A confiança dos empresários se estabilizou    27 Figura 1.14. Os diferimentos e empréstimos inadimplentes não se revelaram um grande problema    28 Figura 1.15. Saldo fiscal nos países da ALC, previsão para 2022    29 Figura 1.16. Déficits públicos e demanda privada causam déficits em conta corrente em toda a região    29 Figura 1.17. Os níveis de dívida em 2022 estão bem acima do que antes da pandemia     30 Figura 1.18. As taxas de juros implícitas da dívida pública aumentaram moderadamente    30 Figura 1.19. Índice de Títulos de Mercados Emergentes (EMBI) global diversificado, 2012–22    31 Figura 1.20. À medida que a Dívida cresce, as classificações de Crédito Soberano caem    31 Figura 1.21. Perfis de pagamento projetados para dívida soberana    32 Figura 1.22. Composição da dívida e participação dos títulos da dívida do governo central denominados em moeda estrangeira em sete países da ALC    33 Figura 1.23. Evolução das posições de reserva na região    33 Figura 1.24. Evolução da inflação geral na ALC em 2000–22    34 Figura 1.25. Inflação geral nos países da ALC, 2021 e 2022    34 6 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Índice Figura 1.26. Expectativas, previsões e metas de inflação dos bancos centrais relativas a cinco grandes países da ALC    35 Figura 1.27. Variação percentual do agregado monetário M1 versus a inflação estrutural, países selecionados da ALC    36 Figura 1.28. O excesso de liquidez nos mercados continua alto    37 Figura 1.29. Os bancos centrais reagiram fortemente ao excesso de liquidez     37 Figura 1.30. A velocidade do dinheiro ainda não recuperou os níveis pré-pandêmicos     38 Figura 1.31. A diferença entre o índice de preços ao consumidor e o índice de preços ao produtor aumentou    39 Figura 2.1. Arrecadação do imposto sobre valor agregado    46 Figura 2.2. Arrecadação do imposto de renda de pessoa física    46 Figura 2.3. Arrecadação do Imposto de renda de pessoa jurídica    47 Figura 2.4. A alíquota inicial é importante para determinar o efeito depressivo no crescimento do aumento de impostos sobre valor agregado     48 Figura 2.5. Receitas fiscais (como percentual do PIB)    49 Figura 2.6. Resposta em nível de país da renda antes de impostos a um choque exógeno e imprevisto de AMIITR após impostos, impulsionado exclusivamente por mudanças fiscais legisladas    53 Figura 2.7. Mudanças nas variáveis das margens extensiva e intensiva do mercado de trabalho após um ano de um aumento de um por cento na AMIITR após impostos    55 Figura 2.8. Resposta de impacto em nível de país das receitas de imposto de renda de pessoa física a mudanças exógenas não previstas na AMIITR     56 Figura 2.9. Alíquotas padrão de impostos de pessoa jurídica por região do mundo e país da ALC    57 Figura 2.10. Muitos países da ALC tendem a arrecadar menos (como percentual do PIB) do que outros países para determinados níveis de alíquotas de impostos    57 Figura 2.11. Muitos países da ALC tendem a ter níveis maiores de informalidade do que outros países para determinadas alíquotas de impostos     58 Figura 2.12. Composição do gasto público em mercados emergentes    59 Figura 2.13. Investimento público em países em desenvolvimento em todo o mundo    60 Figura 2.14. Multiplicadores de investimento público    61 Figura 2.15. Parcela de indivíduos que vivem precariamente em países desenvolvidos e emergentes (percentual da população)   64 Figura 2.16. Custo do desperdício e de ineficiências no gasto público na ALC como percentual do PIB e das despesas do governo    65 Figura 2.17. Custo de desperdícios e ineficiências no gasto público na ALC como percentual dos déficits fiscais gerais em 2021     65 Figura 2.18. Retorno para os gastos públicos em diferentes níveis de eficiência     66 Figura 2.19. Determinantes e implicações de grandes quantidades de desperdício e ineficiência do governo     67 Figura 2.20. Confiança do povo no governo, por região    67 Mapas Mapa 1.1. O Excesso de mortalidade em 2020–21 variou muito entre as regiões do México e do Brasil    18 Mapa 2.1. Há espaço para aumentar os impostos sobre valor agregado nos países da alc com alíquotas iniciais de IVA baixas    49 Mapa 2.2. Participação dos 10% maiores contribuintes por região em cada país    54 Mapa 2.2. Participação dos 10% maiores contribuintes por região em cada país (continuação)    55 Mapa 2.3. Estimativas de multiplicadores de investimento público em todo o mundo    62 Mapa 2.4. A evolução de 50 anos dos multiplicadores de investimento público nas províncias argentinas    62 Mapa 2.5. Existência de mecanismos automáticos de indexação de fórmulas baseados em preços no mundo, por volta de 2019    63 Tabelas Taxas reais de crescimento do PIB    13 Tabela 2.1. Estatísticas básicas de AMIITR usando uma amostra regional agrupada de anos para Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Estados Unidos    51 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal 7 SUMÁRIO EXECUTIVO De Volta ao Velho Normal? © 2019 NELSON ANTOINE/SHUTTERSTOCK. 8 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Sumário Executivo De Volta ao Velho Normal? © 2020 PATOOUU PATO/SHUTTERSTOCK À medida que a crise de COVID-19 recua, a região da América Latina e Caribe (ALC) está voltando ao trabalho e olhando para o futuro. A região já voltou ao normal? Conforme discutido no capítulo 1, as notificações de mortes relacionadas à pandemia estão baixas e têm convergido plausivelmente para os níveis globais – embora tenham partido de patamares muito mais altos do que se pensava anteriormente. No entanto, as baixas taxas de vacinação em alguns países os deixam vulneráveis a novas variantes. Na maioria dos países, o produto interno bruto (PIB) e o emprego recuperaram plenamente os níveis de 2019, embora as previsões de crescimento possam ser classificadas como “resilientemente medíocres”: os sistemas bancários parecem sólidos e, até o momento, os crescentes encargos da dívida parecem administráveis, mas não se espera que o crescimento exceda os baixos níveis da década de 2010. A pobreza em termos de renda (pobreza monetária) diminuiu significativamente com a recuperação econômica, mas as cicatrizes de longo prazo da pandemia em termos de educação e saúde semearam desigualdades profundas para o futuro.1 A resolução desses problemas e a realização das reformas estruturais necessárias para alcançar níveis mais elevados de crescimento e reduzir a pobreza continuam a ser itens centrais da agenda de políticas. O novo e indesejado elemento no espaço das políticas é a inflação. Embora seja comparável aos níveis de países avançados e bem gerida pelas autoridades monetárias regionais, a inflação está sendo impulsionada por forças que podem fazer com que a ela permaneça por mais tempo do que previsto originalmente. Por fim, os déficits financeiros induzidos pela pandemia e a necessidade de financiar programas e orientações críticas do governo levaram os formuladores de políticas a buscar maneiras de aumentar os impostos ou cortar alguns tipos de gastos e custos do governo para aliviar as restrições no espaço fiscal. O capítulo 2 considera os prós e contras de vários tipos de impostos e medidas de corte de custos. Recuperação, Inflação e a Busca por Espaço Fiscal O Legado da COVID-19 A autópsia do impacto da COVID-19 é, de modo geral, sombria. Em uma retrospectiva cuidadosa, a prestigiosa publicação médica The Lancet mostrou que a média de excesso de mortalidade na ALC durante a pandemia ficou entre as mais altas do mundo. A taxa de 254 mortes por 100 mil foi o dobro da média global e fica atrás apenas da Europa Central e a Ásia Central (COVID-19 Excess Mortality Collaborators 2022). Além disso, as estimativas dos sistemas nacionais de saúde da região variam de bastante precisas (na Costa Rica e Chile) até subestimativas que chegam a um fator de 10 (na Venezuela, Bolívia, El Salvador e Nicarágua). Os erros aumentam amplamente com a mortalidade e, portanto, são uma proxy plausível da qualidade da gestão da crise. 9 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Sumário Executivo De Volta ao Velho Normal? Embora a recuperação tenha levado as taxas de pobreza quase aos níveis pré-pandemia - uma queda de 30% em 2021 para 28,5% em 2022 - o impacto estrutural da pandemia na pobreza e na desigualdade de longo prazo permanece grave e, em grande parte, sem solução.2 Até o momento, cerca de 170 milhões de alunos da região foram totalmente privados de educação presencial por aproximadamente metade dos dias em que o ano letivo presencial normalmente ocorreria, podendo causar uma redução de 10% na renda vitalícia dessas pessoas (Banco Mundial, UNICEF e UNESCO, 2022). Além disso, esses custos não foram distribuídos uniformemente, recaindo mais fortemente sobre as pessoas sem acesso a conexões digitais e, dessa forma, provavelmente exacerbando por várias décadas as desigualdades já existentes. Estima-se que a insegurança alimentar durante a pandemia tenha aumentado o déficit de crescimento infantil, principalmente entre as famílias que não recebem transferências para cobrir o custo dos alimentos ou assistência alimentar em espécie. As taxas de vacinação em geral também caíram drasticamente, deixando a população exposta a doenças que antes estavam sob controle. São necessárias medidas de médio prazo para amenizar as perdas, mas, de uma maneira mais profunda, a crise educacional destaca a necessidade de corrigir a disfuncionalidade de longo prazo dos sistemas públicos de educação na região. O emprego parece ter retornado, em grande medida, aos níveis pré-COVID e não parece ter havido um aumento de longo prazo na informalidade (inclusive entre as mulheres) ou no subemprego. Essa visão relativamente benigna pode ocultar dinâmicas menos favoráveis devido, por exemplo, ao aumento dramático dos fluxos migratórios na região e em direção à fronteira dos EUA.   Crescimento: Medíocre, mas Resiliente As taxas de crescimento previstas para a região vêm aumentando consistentemente desde janeiro – em contraste com as quedas no resto do mundo. A ALC está, portanto, fechando a lacuna num momento em que as estimativas globais tendem a cair em decorrência da guerra na Ucrânia. Embora os importadores líquidos de alimentos e combustíveis, como os países do Caribe e da América Central, tenham sentido efeitos consideráveis e o aumento dos preços desses bens tenha aumentado a pressão sobre as famílias de toda a região, o aumento geral dos preços das commodities beneficiou os exportadores regionais - como a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru. No entanto, espera-se que os “ventos de cauda” que antes eram favoráveis se tornem desfavoráveis. Os preços das commodities devem cair 10% no ano que vem (FMI, 2022). A taxa de juros Fed Funds Rate dos EUA já subiu 1,5 ponto percentual e o Federal Reserve deve aumentá-la mais 2,5 pontos percentuais (previsões do Federal Open Market Committee). Esses desdobramentos, juntamente com o conflito na Ucrânia, estão deprimindo as economias do G-7 e, combinados com a contínua recessão na China devido aos lockdowns da COVID-19, devem reduzir as exportações. A incerteza política também aumentou em alguns países. Tudo isso sugere uma redução nas taxas de crescimento em 2023 para 1,6% dos 3,0% estimados para 2022. Essas taxas de crescimento são baixas e insuficientes para realmente reduzir a pobreza ou influir na prosperidade. Também são aproximadamente as mesmas da década anterior à pandemia. Elas, portanto, sugerem - se não uma armadilha de crescimento - pelo menos a continuidade de um desempenho medíocre. Isso, por sua vez, indica a necessidade de enfrentar desafios de longa data em matéria de infraestrutura, educação e inovação tecnológica e gerencial (consulte o Relatório Semestral da ALC de outubro de 2021, Banco Mundial, 2021). Além disso, conforme discutido na versão anterior do Relatório Semestral da ALC (Consolidando a Recuperação: Aproveitando as Oportunidades do Crescimento Verde, Banco Mundial, 2022), a emergente agenda verde global apresenta desafios, mas também grandes oportunidades para a região, exigindo uma gestão ativa das políticas. 10 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Sumário Executivo De Volta ao Velho Normal? Por outro lado, a região parece razoavelmente resiliente diante de desafios sobrepostos. Os encargos da dívida estão aumentando com as taxas de empréstimos globais, mas a menor exposição ao dólar dos empréstimos na região e uma posição de reserva mais forte fizeram com que as classificações internacionais (ratings) permanecessem relativamente estáveis. Além disso, até o momento, as preocupações sobre empréstimos inadimplentes ocultos junto a empresas e consumidores não se materializaram na maioria dos países. Dito isso, uma fração considerável dos empréstimos em muitos países foi reprogramada ou “perenizada.” Alguns se tornarão inadimplentes, com o potencial de desviar empréstimos de atividades mais produtivas. Os governos também terão que simplificar os mecanismos de resolução de dívidas, que atualmente são difíceis de controlar, e monitorar a solidez sistêmica. De modo geral, o sentimento externo parece relativamente estável, com os índices de títulos de mercados emergentes (emerging market bond indexes, EMBIs) da maioria dos países em níveis agregados baixos, com aumentos apenas modestos. As exceções são os aumentos dramáticos e bem compreendidos na Argentina e no Equador. Em muitos países, o aumento acentuado do endividamento não foi punido com rebaixamentos de classificação. Essas circunstâncias abrem espaço para um otimismo cauteloso. Aumento da inflação global e local. As taxas de inflação principal e estrutural3 nos patamares de 10% e 8,3% (excluindo a Argentina e a Venezuela), embora amplamente alinhadas com as dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), excederam as metas dos bancos centrais de toda a região, estressando os orçamentos dos agregados familiares e agravando a pobreza. As autoridades têm aumentado as taxas de juros cada vez mais, com o efeito concomitante de deprimir a recuperação. Até o momento, no entanto, as expectativas de inflação futura continuam relativamente inalteradas. O medo de uma espiral de preços e salários, portanto, ainda não se concretizou. Dito isso, vários fatores sugerem que as pressões latentes continuarão no futuro: em primeiro lugar, em comparação aos níveis pré-pandemia, os agregados monetários (capturados pela M1, composta por moeda e depósitos à vista) permanecem elevados e a velocidade continua baixa, mas vem acelerando. Essas duas tendências sugerem um poder de compra latente - embora crescente - na economia. Em segundo lugar, o crescimento dos preços dos insumos (capturado pelo Índice de Preços ao Produtor, IPP) decorrente de interrupções nas cadeias de suprimentos e da crise da Rússia superou o crescimento dos preços ao consumidor (capturado pelo Índice de Preços ao Consumidor, IPC), gerando preocupações de que o estreitamento das margens aumentará, em algum momento, o repasse desses valores aos consumidores. Desaparecimento do espaço fiscal. A queda das receitas dos governos e os esforços paliativos extraordinários para proteger as famílias e empresas durante a pandemia de COVID-19 geraram déficits altos e elevaram as dívidas dos governos. A proporção média da dívida pública em relação ao PIB na ALC sofreu um aumento acentuado durante a pandemia, de 15 pontos, chegando a 75,4% do PIB no final de setembro de 2021. Embora essa porcentagem tenha caído para 70% do PIB durante a recuperação, ela continuará freando quaisquer grandes investimentos em capital ou em aumento da produtividade. Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens A necessidade de fechar a lacuna fiscal, colocar a dívida em uma base sustentável e gerar espaço fiscal para financiar os investimentos físicos e sociais necessários levou à busca por novas receitas e, principalmente, à pressão pelo aumento do imposto de renda. Ao analisar qualquer aumento de impostos, as preocupações concentram-se nos possíveis efeitos depressivos sobre o crescimento, a progressividade geral e os possíveis incentivos à informalidade. Este capítulo apresenta novas evidências sobre esses efeitos do imposto sobre valor agregado (IVA) e do imposto de renda. Também defende medidas para cortar gastos públicos desnecessários 11 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Sumário Executivo De Volta ao Velho Normal? e aumentar a eficiência do governo – tanto para gerar um alto volume de recursos quanto como ponto de entrada para uma agenda mais ampla de modernização do Estado e geração de confiança pública. Os três grandes impostos. A América Latina arrecada 23,7% de toda a sua receita governamental de impostos sobre valor agregado, 13,2% de imposto de renda de pessoa jurídica e 10,6% de impostos de renda de pessoa física. Pelos padrões globais, a carga do primeiro imposto é alta e regressiva e é intermediária em relação ao segundo. O baixo nível de tributação sobre o rendimento das pessoas físicas em comparação aos países avançados e a possibilidade de tornar os impostos mais progressivos têm renovado o interesse devido ao potencial de gerar mais receitas. Quanto maior é a carga tributária inicial, maiores são os efeitos negativos do aumento dos impostos sobre o crescimento. As experiências de países avançados aponta para os grandes efeitos negativos do aumento de impostos. No entanto, evidências sobre os impostos de renda de uma amostra mais abrangente sugerem que os efeitos são proporcionalmente menos prejudiciais nos casos em que as alíquotas iniciais são mais baixas. Ou seja, os impactos são “não lineares” devido a seus efeitos distorcidos nos mercados de trabalho e de crédito, aumentando mais do que proporcionalmente à medida que as alíquotas aumentam. Portanto, os grandes efeitos negativos das alíquotas mais altas nos países avançados são função de seus altos níveis iniciais. Pesquisas recentes do Banco Mundial documentam essas mesmas não linearidades em relação ao IVA na América Latina (Gunter et al., 2021). Isso sugere que alguns países - como a Bolívia, Equador, México, Paraguai e a maioria dos países da América Central - podem ter espaço para novos aumentos do IVA relativamente sem custos, ao passo que o mesmo aumento provavelmente teria grandes impactos negativos sobre o crescimento na Argentina e no Uruguai e, em menor escala, também no Brasil e na Colômbia. Além disso, ao confirmar constatações anteriores nos Estados Unidos e relativas ao imposto de renda, essa nova pesquisa também sugere que essas “não linearidades” podem ser uma característica mais geral da tributação. Aumentar ou não Aumentar: Uma História em Duas ALCs. A América Latina tem um grupo de países - que inclui a Argentina, Belize, Brasil, Equador e Jamaica - onde as alíquotas agregadas dos impostos variam de 30% a 35% do PIB e, portanto, já estão próximas dos níveis da OCDE. Em outros países, como a Costa Rica e a República Dominicana, as alíquotas agregadas dos impostos giram em torno de 15%. Em um terceiro grupo de países, que inclui a Guatemala e o Haiti, as alíquotas estão bem abaixo desse patamar e podem ser elevadas com impacto mínimo sobre o PIB. Impostos de renda de pessoa física: são baixos na América Latina? A contribuição relativamente baixa do imposto de renda de pessoa física, de apenas 2,6% do PIB, o alçou a uma posição de protagonismo como possível fonte de novas receitas. De fato, a alíquota média marginal do imposto de renda de pessoa física (average marginal individual income tax rate, AMIITR) na ALC está muito abaixo, por exemplo, da AMIITR nos Estados Unidos. No entanto, na maioria dos países, apenas os 20% mais ricos pagam imposto de renda, em comparação com os Estados Unidos, onde 80% da população pagam o imposto. Isso significa que a carga tributária é extraordinariamente concentrada na ALC. De fato, a alíquota tributária marginal do 1% mais rico em alguns países da ALC é quase tão alta quanto a do grupo comparável nos Estados Unidos. Assim, ao considerar-se a elevação da AMIITR, é fundamental especificar se o objetivo é ampliar a base tributária ou simplesmente aumentar a alíquota sobre os mais ricos. Talvez por causa dessa concentração já alta, os impactos negativos do aumento do imposto de renda marginal na ALC são aproximadamente duas vezes maiores do que nos Estados Unidos. Possíveis canais são os impactos negativos na participação no mercado de trabalho e nas horas trabalhadas, bem como leves aumentos na informalidade. Esses, por sua vez, diminuiriam a arrecadação real de impostos para cerca de 12 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Sumário Executivo De Volta ao Velho Normal? metade do esperado a partir de simulações, mas sem as reações comportamentais. Os planos de reforma tributária precisam levar em conta esses efeitos importantes. Impostos de pessoa jurídica: aumentando o nível de conformidade. Na teoria, os impostos de pessoa jurídica na ALC já são altos, mas a conformidade é menor do que em outros lugares e as alíquotas mais elevadas podem aumentar os casos de evasão. Uma maneira de aumentar a eficiência da arrecadação do imposto de pessoa jurídica, agilizar a cobrança e eliminar as exceções seria reduzir a carga nominal (baixar a alíquota) e, ao mesmo tempo, intensificar a fiscalização de modo geral. Rumo a gastos públicos mais eficazes Além de arrecadar novas receitas, as reformas fiscais também buscam reduzir os custos. Aqui, mais uma vez, é necessária uma avaliação cuidadosa das opções disponíveis. Alguns cortes podem ter grandes e inesperados efeitos negativos sobre o crescimento ou grandes impactos sociais. Outros, como o aumento da eficiência dos gastos, praticamente não têm custo. Cortar o investimento público: Uma solução rápida e popular, mas com consequências nocivas a longo prazo. Cerca de 40% dos ajustes fiscais na ALC vêm da redução do investimento público. Visto que esses investimentos se pagam no futuro (de médio a longo prazo), esse investimento tem um público atual pouco articulado e, por isso, os cortes enfrentam pouca resistência. No entanto, assim como acontece com os impostos, os efeitos dos gastos públicos sobre o crescimento são extremamente não lineares. Além disso, a ALC já apresenta taxas muito baixas de investimento público – cerca de metade da taxas no Leste da Ásia e Pacífico e na África Subsaariana. Por isso, novos cortes podem ter impactos negativos consideráveis. Previdências e benefícios públicos corroídos pela inflação. Outra fonte furtiva de economia de recursos tem sido permitir que a inflação corroa os benefícios e, principalmente, a previdência pública. Vários países da região não dispõem de mecanismos de reajuste automático de preços. Dessa forma, a inflação alta pode ter um impacto negativo repentino e expressivo sobre os rendimentos da população aposentada e relativamente vulnerável. Rumo à maior eficiência de gastos e confiança pública. Uma fonte alternativa de espaço fiscal seria reduzir os 4% estimados do PIB (17% do gasto público) decorrentes de transferências mal direcionadas (Izquierdo, Pessino e Vuletin, 2018), práticas de compras ruins e políticas de recursos humanos (RH) ineficientes. Em cerca de metade dos países da região, eliminar essas ineficiências mais do que compensaria os déficits fiscais atuais e, nos demais, seria um grande passo na direção certa. Além disso, as estimativas mostram que esse gasto ineficiente praticamente não tem impacto de estimular a renda e, portanto, cortá-lo traria poucos efeitos negativos. Do ponto de vista social, os desperdícios do governo estão intimamente ligados à falta de confiança no governo e à percepção de corrupção. A ALC é a região com o menor nível de confiança no governo em todo o mundo. Os ajustes fiscais logrados com o aumento da eficiência podem servir como ponto de partida para uma agenda de modernização do Estado e para a reconstrução da confiança social no governo. 13 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Sumário Executivo De Volta ao Velho Normal? Prespectivas de Crescimento para a Região Taxas reais de crescimento do PIB 2019 2020 2021 2022e 2023p 2024p Argentina -2,0 -9,9 10,4 4,2 2,0 2,0 Bahamas 1,9 -23,8 13,7 8,0 4,1 3,0 Barbados -1,3 -13,7 0,7 10,5 5,0 3,2 Belize 4,5 -13,7 16,3 3,5 2,0 2,0 Bolívia 2,2 -8,7 6,1 4,1 2,8 2,7 Brasil 1,2 -3,9 4,6 2,5 0,8 1,8 Chile 0,8 -6,0 11,7 1,8 -0,5 2,2 Colômbia 3,2 -7,0 10,7 7,1 2,1 2,8 Costa Rica 2,4 -4,1 7,8 3,3 2,9 3,2 Dominica 5,5 -16,6 6,5 5,8 5,0 4,6 República Dominicana 5,1 -6,7 12,3 5,0 5,0 5,0 Equador 0,0 -7,8 4,2 2,8 3,0 2,8 El Salvador 2,4 -8,1 10,2 2,4 2,0 2,0 Granada 0,7 -13,8 5,3 3,8 3,4 3,1 Guatemala 4,0 -1,8 8,0 3,4 3,1 3,5 Guiana 5,4 43,5 20,0 57,8 25,2 21,2 Haiti -1,7 -3,3 -1,8 -1,5 -0,1 2,0 Honduras 2,7 -9,0 12,5 3,5 3,1 3,7 Jamaica 0,9 -10,0 4,6 3,2 2,0 1,2 México -0,2 -8,1 4,8 1,8 1,5 2,1 Nicarágua -3,8 -1,8 10,3 4,1 2,0 2,5 Panamá 3,0 -17,9 15,3 6,2 5,0 5,0 Paraguai -0,4 -0,8 4,1 -0,3 5,2 4,2 Peru 2,2 -11,0 13,3 2,7 2,6 2,6 Santa Lúcia -0,1 -24,4 11,9 7,9 6,0 3,6 São Vicente e Granadinas 0,4 -5,3 0,7 5,0 6,3 4,8 Suriname 1,2 -16,0 -2,7 1,3 2,3 3,0 Uruguai 0,4 -6,1 4,4 4,8 2,7 2,5 Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial. Observação: A data de corte dos dados é 28 de setembro de 2022. “e” denota estimativa e “p” denota previsão. 14 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Sumário Executivo De Volta ao Velho Normal? Notas 1 As pessoas são consideradas em risco de pobreza monetária quando sua renda disponível (após transferências sociais) estiver abaixo do limiar que as põe em risco de pobreza.   2 6,85 dólares de linha de pobreza. Valor para 2021 baseado em dados preliminares do SEDLAC harmonizados para nove países. Valor para 2022 com base em microssimulações. Excluindo o Brasil, as taxas de pobreza manter-se-iam ligeiramente superiores aos níveis pré-pandêmicos. 3 A inflação principal é o valor bruto da inflação definido pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC); já a inflação estrutural desconsidera componentes do IPC, como energia e frutas e legumes, que podem apresentar grandes volatilidades e causar oscilações não representativas no valor estrutural. Referências COVID-19 Excess Mortality Collaborators. 2022. “Estimating Excess Mortality due to the COVID-19 Pandemic: A Systematic Analysis of COVID-19-Related Mortality, 2020–21.” The Lancet 399 (10334): 1513–36. Gunter, S., D. Riera-Crichton, C. Végh, and G. Vuletin. 2021. “Non-linear Effects of Tax Changes on Output: The Role of the Initial Level of Taxation.” Journal of International Economics 131 (Julho): 103450. Izquierdo, A., Pessino, C., and G. Vuletina, eds. 2018. Better Spending for Better Lives: How Latin America and the Caribbean Can Do More with Less. Development in the Americas. Inter-American Development Bank, Washington, DC. World Bank. 2021. Recovering Growth: Rebuilding Dynamic Post-COVID-19 Economies Amid Fiscal Constraints. Semiannual Report for Latin America and the Caribbean, Outubro de 2021. Washington, DC: World Bank. World Bank. 2022. Consolidating the Recovery: Seizing Green Growth Opportunities. Semiannual Report for Latin America and the Caribbean, April 2022. Washington, DC: World Bank. World Bank, UNICEF (United Nations Children’s Fund), and UNESCO (United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization). Two Years After: Saving a Generation. Washington, DC: World Bank. Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal 15 CAPÍTULO 1 Já Voltamos ao Normal? Recuperação, Inflação e a Busca por Espaço Fiscal © 2015 T PHOTOGRAPHY/SHUTTERSTOCK 16 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? © 2018 CLAUDIO SANTISTEBAN/SHUTTERSTOCK C ada vez mais as estatísticas têm sugerido que a região da América Latina e Caribe (ALC) está voltando ao normal após se recuperar da pandemia de COVID-19. Embora esse avanço deva sim ser comemorado, vale a pena dar uma olhada debaixo do capô estatístico para entender a situação da região com maior precisão. COVID-19: Retrocedendo, mas a Vigilância Deve ser Mantida As altas taxas de vacinação de grande parte da região se mostraram eficazes na contenção dos piores efeitos da última onda de casos decorrentes da variante Ômicron BA.2, podendo também oferecer mais resiliência a variantes emergentes como a BA.2.75.2, que pode suscitar uma nova onda nos próximos meses. Depois de passar por ondas excepcionalmente brutais de excesso de mortalidade (Figura 1.1), a ALC parece ter convergido com o resto do mundo ao nível mais baixo em quase três anos: pouco mais de 1% na região e 3,5% no resto do mundo. No entanto, precisamos tomar cuidado com esses números. Em uma retrospectiva cuidadosa com medidas padronizadas entre países, a publicação médica The Lancet constatou que o fator de subnotificação Figura 1.1. O excesso de mortalidade por COVID-19 na América Latina parece estar convergindo para níveis globais baixos Porcentagem 100 80 60 40 20 0 -20 Jan-20 Fev-20 Mar-20 Abr-20 Maio-20 Jun-20 Jul-20 Ago-20 Set-20 Out-20 Nov-20 Dez-20 Jan-21 Fev-21 Mar-21 Abr-21 Maio-21 Jun-21 Jul-21 Ago-21 Set-21 Out-21 Nov-21 Dez-21 Jan-22 Fev-22 Mar-22 Abr-22 Maio-22 Jun-22 Mundo, excluída a América Latina América Latina Fontes: Our World in Data; Cálculos da equipe do Banco Mundial. Obs.: Os dados são baseados no P-score do excesso de mortalidade, que é medido como a diferença percentual entre o número de mortes informado e o projetado em cada país e período, conforme disponíveis no Our World in Data. A América Latina inclui o Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai e Peru. A amostra mundial compreende 53 países. Os agregados representam médias simples. 17 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.2. O Excesso de mortalidade na ALC foi muito maior que a mortalidade informada Excesso de mortalidade devido à pandemia de COVID-19 em 2020–21 (porcentagem) a. Regiões do mundo Porcentagem 350 300 250 200 150 100 50 0 Sudeste da Ásia, Leste da Ásia e Oceania África Subsaariana Global Alta renda Norte da África e Oriente Médio Sul da Ásia América Latina e Caribe Europa Central, Europa Oriental e Ásia Central Taxa de óbitos do excesso de mortalidade Taxa de mortalidade informada relacionada à COVID-19 b. Países da ALC selecionados Porcentagem 800 700 600 500 400 300 200 100 0 El Salvador Equador Costa Rica Chile Panamá Uruguai Paraguai Argentina Guatemala Brasil Colômbia Nicarágua Venezuela Honduras México Peru Taxa de óbitos do excesso de mortalidade Taxa de mortalidade informada relacionada à COVID-19 Bolívia Fontes: Wang et al., 2022; IHME, 2022. das taxas se aproximava de dois (COVID-19 Excess Mortality Collaborators 2022): a região sofreu quase o dobro dos países avançados - e não apenas um pouco mais, conforme informado anteriormente -, sendo superada em taxa de mortalidade apenas pela Europa Oriental e Ásia Central (Figura 1.2). Na região, a subnotificação das taxas acompanha de modo amplo as taxas gerais de mortalidade: as taxas no Chile e Costa Rica estavam amplamente corretas, ao passo que as taxas de mortalidade na Bolívia, Nicarágua, El Salvador e Venezuela foram subnotificadas por um fator de 10, elevando a mortalidade no Peru e na Bolívia a um patamar 5 a 7 vezes mais alto que na Costa Rica e Chile. As taxas variam não apenas entre os países, mas também dentro deles. No México e no Brasil, o fator de variação das taxas de mortalidade é de quase 3 entre as regiões (Mapa 1.1). Embora a evolução regional positiva nos dê esperança de que a pandemia esteja ficando para trás, a desigualdade entre as taxas de vacinação de toda a região continua alarmante (Figura 1.3). O Chile, Uruguai, Argentina, Peru, Nicarágua e Costa Rica estão todos acima de 80%, enquanto Guiana, México e Colômbia estão aumentando consideravelmente sua cobertura vacinal e devem chegar a patamares similares em breve. No entanto, muitos países, principalmente da região do Caribe, ficaram muito para trás e enfrentam o risco de uma nova rodada de efeitos econômicos devastadores causados por novas variantes, paralisando novamente o turismo e outros setores. 18 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Mapa 1.1. O Excesso de mortalidade em 2020–21 variou muito entre as regiões do México e do Brasil a. Excesso de mortalidade no México b. Excesso de mortalidade no Brasil 576,9 269,0 173,8 97,8 Fontes: Wang et al., 2022; IHME, 2022. Figura 1.3. O avanço da cobertura vacinal contra a COVID-19 varia consideravelmente entre os países da ALC Diferença em pontos percentuais da população plenamente vacinada em 2022 45 40 NIC 35 30 25 MEX 20 GUY BRA PER 15 BOL COL GTM HND CRI 10 VEN PRY TCA PAN ECU ARG JAM VCT URY CHL 5 BHS TTO BLZ VGB ATG LCA SUR BRB CYM HTI GRD DMA KNA SXM SLV ABW CUB 0 CUW DOM 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Porcentagem da população plenamente vacinada Fontes: Our World in Data; Cálculos da equipe do Banco Mundial. Obs.: No eixo x, a porcentagem da população totalmente vacinada baseia-se na situação vacinal em 15 de setembro de 2022. No eixo Y, a diferença de pontos percentuais na população totalmente vacinada é a diferença desde o início de 2022 (média dos primeiros sete dias) até 15 de setembro de 2022. Os códigos da Organização Internacional de Normalização (ISO) foram usados para indicar os países. Crescimento: Resilientemente Medíocre – a Volta ao “Velho Normal” O aumento dos preços das commodities e a resiliência da demanda interna geraram perspectivas de crescimento marginalmente elevadas para a ALC. Estima-se que o crescimento seja de 3,0% em 2022. Até o final do ano, a atividade econômica terá retornado, em sua maioria, aos níveis pré-pandemia (Figura 1.4, painel a), embora com variações expressivas entre os países. Entre as maiores economias, espera-se que o PIB do Chile e da Colômbia fique 10% acima dos níveis de 2019; já no Brasil e no México não são esperadas alterações no PIB (Figura 1.4, painel b). 19 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.4. Espera-se que o crescimento econômico retorne aos níveis pré-pandemia na alc, embora com variações entre os países a. Evolução do PIB real por região b. Evolução do PIB real na ALC Índice, 2019:T4 = 100 Índice, 2019:T4 = 100 115 115 110 110 105 105 100 95 100 90 95 85 90 80 75 85 70 80 65 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022:T1 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022:T1 Área do Euro Estados Unidos China Argentina Brasil Chile ALC - 6 Europa Oriental Colômbia México Peru Ásia emergente sem a China Fonte: Haver Analytics. Obs.: ALC-6 inclui Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. Os agregados representam médias simples. O PIB real é o produto interno bruto ajustado pela Fonte: Haver Analytics. inflação. Observação: O PIB real é o produto interno bruto ajustado pela inflação. Embora o conflito na Ucrânia e as consequentes disrupções nos mercados de alimentos e energia tenham levado os analistas a reduzir as perspectivas de crescimento em todo o planeta, o aumento geral dos preços das commodities gerou uma modesta revisão para cima na ALC, fechando a diferença de 2% em relação às previsões de crescimento global em julho (Figura 1.5, painel a). No entanto, as previsões para a ALC nos próximos dois anos continuam baixas (1,6 para 2023 e 2,3 para 2024) e semelhantes aos índices languidos da década de 2010, sugerindo a necessidade de aprofundar as reformas estruturais. Com perspectivas de taxas de juros mais altas, crescimento global mais lento e preços de commodities mais baixos no horizonte, as previsões de crescimento na ALC em 2023 devem cair 1,5 ponto percentual, quase o mesmo que a queda prevista para a América do Norte e Europa Ocidental (Figura 1.5, painel b). Todas as previsões para os países da ALC em 2023 pioraram desde o início do ano. Mercados de Trabalho: Recuperação Desigual, Mudanças Estruturais Limitadas A ALC já se recuperou, em grande medida, da enorme perda de emprego ocorrida na pandemia (Figura 1.6, painel a), embora mais uma vez com grande heterogeneidade entre os países (Figura 1.6, painel b). Alguns países, incluindo o México e a Argentina, se recuperaram rapidamente e até ampliaram o número de empregos para além dos níveis pré-pandemia; já outros, incluindo a Colômbia, ainda não se recuperaram completamente. Embora a publicação regional do Banco Mundial Emprego em Crise: Trajetória para Melhores Empregos na América Latina Pós-COVID-19 tenha constatado um padrão de aumento permanente da informalidade após as crises (Silva, 2021), nos últimos três anos a distribuição da força de trabalho entre os tipos de trabalho mudou 20 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.5. O conflito na Ucrânia e as Decisões sobre a taxa de juros do Federal Reserve dos EUA reduziram as previsões em nível macro a. Previsões de consenso do PIB por região 1) 2022 2) 2023 Mudança percentual em relação ao ano anterior Mudança percentual em relação ao ano anterior 5,00 4,00 5,00 4,50 4,50 3,00 4,00 4,00 2,00 3,50 3,50 3,00 1,00 3,00 2,50 0,00 2,50 2,00 -1,00 2,00 1,50 -2,00 1,50 1,00 0,50 -3,00 1,00 0,00 -4,00 0,50 Jan 22 Fev 22 Mar 22 Abr 22 Maio 22 Jun 22 Jul 22 Ago 22 Jan 22 Fev 22 Mar 22 Abr 22 Maio 22 Jun 22 Jul 22 Ago 22 Ásia Pacífico América Latina América do Norte Europa Ocidental Mundo Europa Oriental (RHS) b. Previsões de consenso do PIB para cinco grandes países da ALC 3) 2022 4) 2023 Mudança percentual em relação ao ano anterior Mudança percentual em relação ao ano anterior 7,00 3,50 3,00 6,00 2,50 5,00 2,00 4,00 1,50 3,00 1,00 0,50 2,00 0,00 1,00 -0,50 0,00 -1,00 Jan 22 Fev 22 Mar 22 Abr 22 Maio 22 Jun 22 Jul 22 Ago 22 Jan 22 Fev 22 Mar 22 Abr 22 Maio 22 Jun 22 Jul 22 Ago 22 Argentina Brasil Chile Colômbia México Fonte: Consensus Economics Inc. relativamente pouco. O autoemprego e a informalidade em geral continuam nos mesmos níveis de 2019 (Figura 1.7a). Ao mesmo tempo, a maioria dos países apresenta taxas de subemprego mais baixas. O Chile é um caso particularmente notável onde todos os três indicadores estão abaixo dos níveis anteriores. Dividindo os dados de informalidade por gênero e níveis de renda (Figura 1.7b) encontramos resultados semelhantes - à exceção da informalidade - entre os mais vulneráveis no Brasil, sendo 7 pontos percentuais maior do que em 2019. 21 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.6. O emprego total e a participação na força de trabalho estão voltando aos níveis pré- pandemia a. Emprego total b. Participação na Força de Trabalho Índice, 2019:T1 = 100 Índice, 2017:T1 = 100 110 110 105 105 100 100 95 95 90 90 85 80 85 75 80 70 75 65 2017:T1 2017:T2 2017:T3 2017:T4 2018:T1 2018:T2 2018:T3 2018:T4 2019:T1 2019:T2 2019:T3 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022:T1 2019:T1 2019:T2 2019:T3 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022:T1 2022:T2 Média da ALC Argentina Brasil Argentina Brasil Chile Colômbia Costa Rica Chile Colômbia Costa Rica Peru México Estados Unidos Paraguai República Dominicana Uruguai Fontes: Banco de dados ILOSTAT da Organização Internacional do Trabalho (OIT); Cálculos da equipe do Banco Mundial. Obs.: A média da ALC é a média dos valores indexados de países da ALC selecionados Fonte: Estatísticas de curto prazo sobre a força de trabalho da ILOSTAT da e que possuem dados disponíveis. ALC = América Latina e Caribe. Organização Internacional do Trabalho (OIT) Figura 1.7. O autoemprego, emprego informal e desemprego estão voltando aos níveis pré-pandemia a. Informalidade e Estrutura de Mercado b. Informalidade por Nível de Renda e Gênero Situação empregatícia, 2022:T1 vs. 2019:T4 Situação empregatícia, 2021 vs 2019 Porcentagem Porcentagem 80 100 70 90 80 60 70 50 60 40 50 30 40 30 20 20 10 10 0 0 Argentina Brasil Chile Colômbia Costa Rica Peru Paraguai Uruguai Argentina (urbana) Brasil Colômbia Costa Rica Peru Paraguai Uruguai Auto emprego Emprego informal Trabalhadores informais 40 inferiores Subemprego Valor em 2019:T4 Mulheres Valor em 2019:T4 Fonte: Estatísticas de curto prazo sobre a força de trabalho da ILOSTAT da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Fonte: Tabulações da SEDLAC (CEDLAS e Banco Mundial) realizadas pelo LAC Equity Obs.: As barras representam o ponto de dados mais recente (2022:T1) para todos os Lab. países - exceto Argentina e Uruguai, em cujos casos é usado o 2021:T4. Obs.: Os dados sobre o Uruguai representam 2020 vs. 2019. 22 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Esses dados podem ocultar outras dinâmicas que proporcionam um panorama menos “normal”. Mais especificamente, aumentos dramáticos dos fluxos migratórios na região, induzidos principalmente pela instabilidade em Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela, aumentam as tensões sociais em países como Chile, Colômbia, Equador e Peru e também aumentam o número de apreensões na fronteira dos EUA, que cresceu 63% em relação ao ano passado (dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA). Riscos à Recuperação A Pandemia Pode Ter Efeitos Duradouros sobre a Pobreza, o Desenvolvimento Humano e a Desigualdade Embora as oscilações na pobreza e no emprego reflitam, de modo geral, movimentos cíclicos, elas escondem danos estruturais que terão impactos de longo prazo sobre a equidade e a produtividade (Caixa 1.1). Figura 1.8. Enquanto a vacinação contra a COVID-19 acelerou, a proteção contra outras doenças ficou defasada Cobertura da Imunização (porcentagem) 50 60 70 80 90 100 Venezuela (República Bolivariana da) Uruguai Trindade e Tobago Suriname São Vicente e Granadinas Santa Lúcia São Cristóvão e Nevis Peru Paraguai Panamá Nicarágua México América Latina e Caribe Jamaica Honduras Haiti Guiana Guatemala Granada Global El Salvador Equador República Dominicana Dominica Cuba Costa Rica Colômbia Chile Brasil Bolívia (Estado Plurinacional da) Belize Barbados Bahamas Argentina Antígua e Barbuda Ano Média 2017-2019 2020 2021 Fonte: Herrera e Veillard, 2022. Obs.: Cobertura vacinal contra difteria, toxoide tetânico e coqueluche (DTP-3), 2017-2019, 2020 e 2021. 23 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Caixa 1.1. Enganados pelo ciclo de negócios: Separando os efeitos estruturais da pandemia sobre a pobreza e o desenvolvimento humano dos efeitos transitórios a pandemia de COVID-19 agravou a maioria dos indicadores sociais, como a taxa de pobreza e o índice de desenvolvimento humano (IDH), um índice composto por indicadores de expectativa de vida, educação (média de anos de escolaridade concluídos e anos de escolaridade esperados ao ingressar no sistema educacional) e renda per capita. Figura B.1.1.1. A maior parte do declínio da Será que à medida que as economias consolidam pobreza monetária durante a década de ouro os processos de recuperação - iniciados em 2021 e da ALC de 2003-13 foi transitória ainda em andamento em 2022 - esses indicadores percentual da queda total da pobreza) 100 sociais se recuperarão ou será que os determinantes 18 Queda na taxa de pobreza (como 90 16 Queda na taxa de pobreza de longo prazo terão um papel maior desta vez? Nem 7,7 41,2 (em pontos percentuais) 80 14 todos os indicadores sociais são iguais em termos 70 12 da importância das oscilações cíclicas dos negócios. 60 10 4,5 23,8 50 Por isso, é natural que a resposta à recuperação seja 8 40 diferente entre eles. Baseando-se em uma amostra 6 30 global, um estudo recente de Camarena et al. (2022) 4 20 6,6 35,0 mostra que, enquanto a pobreza monetária e os 2 10 componentes de renda do IDH oscilam, em grande 0 0 Em termos Como parte, devido às oscilações do ciclo de negócios absolutos porcentagem de curto prazo, outros indicadores sociais - como Renda Cíclica Renda Permanente Redistribuição a expectativa de vida e os níveis de escolaridade - Fontes: Camarena et al.. 2022, Figura 7, com base nos dados da SEDLAC-CELAS têm uma natureza mais estrutural (e lenta/rígida). (Banco de Dados Socioeconômicos da América Latina e Caribe) e Banco Mundial e FMI 2018. Construindo em cima da metodologia pioneira de Obs.: Foi usada a linha de pobreza de US$ 5,50 por pessoa por dia (em termos de paridade de poder de compra de 2011). O agregado para a América Latina e Caribe Datt e Ravallion (1992), os autores mostram que mais (ALC) é baseado em 15 países da região para os quais há microdados disponíveis em nível micro, ponderados pela população (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, de 40% da queda da pobreza monetária observada Costa Rica, El Salvador, Honduras, México, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai). na América Latina e Caribe (ALC) durante a chamada Década de Ouro (2003-13) podem ser atribuídos à melhoria da renda cíclica, enquanto apenas cerca de 24% podem ser associados a aumentos permanentes da renda (veja a Figura B1.1.1). Embora todas as crises sejam diferentes e possa ser cedo demais para afirmar com certeza, os insights deste trabalho sugerem que a taxa de pobreza monetária deve retornar aos níveis pré-pandemia à medida que as economias consolidam sua recuperação e a renda das pessoas começa a se recuperar. (Obviamente, quanto mais vigorosa a recuperação, mais rapidamente esse tipo de indicador social deverá melhorar.) Por outro lado, a piora de indicadores mais estruturais - como o IDH e outros indicadores educacionais (especialmente devido à perda de escolaridade na pandemia) - pode durar mais tempo na região. Essa constatação exige intervenções governamentais e sociais mais decisivas para melhorar os fatores subjacentes à recuperação. Em primeiro lugar, quase 170 milhões de alunos na região perderam 1 em cada 2 dias de ensino presencial no auge da pandemia, e projeta-se que sua expectativa de renda ao longo da vida deverá cair 10% (Banco Mundial, UNICEF e UNESCO, 2022). Estima-se um retrocesso das notas médias no ensino primário em leitura e matemática para níveis de mais de 10 anos atrás. O fato de esses efeitos se concentrarem nos estratos mais pobres que não tiveram acesso à aprendizagem on-line durante a pandemia destaca uma nova e persistente fonte de desigualdade. Os Estados Unidos, onde 24 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? as escolas ficaram fechadas por bem menos tempo, estão suprindo essas deficiências, em alguns casos, com “aulas de alta dosagem” (Bokat-Lindell, 2022). Na ALC a crise é ainda mais profunda e as políticas de resposta precisam ser ainda mais ousadas. No curto prazo, as áreas de foco devem ser: (1) reabrir todas as escolas de forma segura e sustentável; (2) rematricular todos os alunos; e (3) evitar o abandono escolar. A agenda de recuperação e aceleração da aprendizagem deve incluir: (1) priorização e consolidação dos currículos; (2) avaliação dos níveis de aprendizagem; e (3) implementação de estratégias e programas de recuperação da aprendizagem em escala. De maneira mais ampla, a crise deve ser vista como um “chamado às armas” para atacar o desafio mais amplo de aumentar a qualidade endemicamente ruim das escolas públicas da região. As notas padronizadas no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) continuam muito atrás das notas dos países avançados. O estado brasileiro do Ceará mostrou que é possível lograr ganhos enormes com uma abordagem abrangente, incluindo financiamento baseado em resultados, que compõe um roteiro plausível para a região (Loureiro et al., 2020). Em segundo lugar, a crise também atrasou os avanços na saúde. A despeito do progresso na vacinação contra a COVID-19, a pandemia interrompeu os programas de prevenção que estavam em andamento e serviços essenciais para todas as faixas etárias. Por exemplo, apesar de seu papel central na saúde e bem-estar das crianças no futuro, as taxas de vacinação contra a difteria, toxoide tetânico e coqueluche (DTP3) entre as crianças de 1 ano caíram e até 2021 ainda não haviam se recuperado. Do lado da saúde, estudos do México mostram que a insegurança alimentar durante a pandemia, principalmente entre as famílias não beneficiadas por transferências, causou um aumento pronunciado no déficit de crescimento infantil e mortes prematuras, bem como grandes perdas de produtividade (Unar-Mungúa et al., 2022). Simplesmente não há possibilidade de equidade ou crescimento de longo prazo sem resolver esses problemas. Os Ventos Contrários causados por Fatores Externos estão se Intensificando A queda das previsões de crescimento é, em grande parte, impulsionada por movimentos menos favoráveis em quatro fatores - mudança da Fed Funds Rate, crescimento do G-7, crescimento da China e mudanças nos preços das commodities - que podem ser responsáveis por quase 90% dos movimentos do PIB da ALC (Figura 1.9). A guerra na Ucrânia, as políticas contracionistas para combater a inflação e a luta incessante da China contra a COVID-19 retardaram a recuperação do G-7 e da China, traduzindo-se no enfraquecimento da demanda por exportações provenientes da ALC. Ao mesmo tempo, o forte aumento das taxas de juros pelo Federal Reserve dos EUA e pelo Banco Central Europeu amortece os fluxos de capital e encarece o financiamento externo. O aumento dos preços das commodities, especialmente energia e alimentos, continua a beneficiar os grandes exportadores líquidos de commodities do Cone Sul. Os termos de troca continuam favoráveis para esses países em comparação à situação antes e no início da pandemia, mesmo que alguns países como o Brasil e o Chile tenham apresentado quedas no ano passado (Figura 1.10). Por outro lado, os países da América Central e Caribe, que são tipicamente grandes importadores de energia e alimentos, sofreram mais do que a maioria. Em consonância com Relatórios Semestrais anteriores, a Figura 1.11 apresenta estimativas de produção baseadas em um modelo simples que captura a parte do crescimento do PIB explicada por variáveis externas comuns a todos os países da região. Nesse modelo simples de fatores externos, os fatores globais reais são representados pelo crescimento da China e do G-7, em conjunto com a variação dos preços das commodities. Os fatores financeiros são representados pelas taxas de juros internacionais. De acordo com a Figura 1.11, 25 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.9. Quatro fatores externos principais impulsionam os movimentos do PIB na ALC a. Índice de preços de commodities b. Crescimento do G-7 Index, 2016:T2 = 100 Porcentagem 300 15 250 10 200 5 150 0 100 -5 50 -10 0 -15 2019:T1 2019:T2 2019:T3 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022f:T4 2023f:T4 2024f:T4 2019:T1 2019:T2 2019:T3 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022f:T4 2023f:T4 2024f:T4 c. Rendimentos da Fed Funds Rate e do Título d. Crescimento da China de 10 Anos do Tesouro dos EUA Porcentagem Porcentagem 4,0 20 3,5 3,0 15 2,5 10 2,0 1,5 5 1,0 0,5 0 0 -5 2019:T1 2019T2 2019:T3 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022:T1 2022:T2 2022f:T3 2022f:T4 2023f:T4 2024f:T4 -10 2019:T1 2019:T2 2019:T3 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022f:T4 2023f:T4 2024f:T4 Fed Funds Rate Rendimento Real do T-Note de 10 Anos do Tesouro dos EUA Fontes: Preços de Commodities do Banco Mundial (Pinksheets); Banco de dados World Economic Outlook (WEO) do Fundo Monetário Internacional (FMI); Departamento do Tesouro dos EUA. Obs.: f=previsão; G-7 = Grupo dos Sete; ALC = América Latina e Caribe. Figura 1.10. O aumento das commodities teve efeitos opostos nos termos de troca em toda a região. Porcentagem 15 10 5 0 -5 -10 -15 -20 República Dominicana Equador Jamaica Honduras Costa Rica Panamá Uruguai México Brasil Argentina Chile Peru Colômbia 2020:abril vs 2022:abril Fonte: Fundo Monetário Internacional. 26 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.11. A parcela do crescimento real da ALC explicada por fatores externos está diminuindo Porcentagem 20 15 10 5 0 -5 -10 -15 -20 2019:T1 2019:T2 2019:T3 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022:T1 2022f:T4 2023f:T4 2024f:T4 Verdadeiro crescimento real do PIB Crescimento real do PIB explicado por fatores externos Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial. Obs.: A América Latina inclui a Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai. Os fatores externos considerados são a mudança da Fed Funds Rate, o crescimento do G-7, o crescimento da China e a mudança nos preços das commodities. f = previsão. em momentos de oscilação dos fatores externos, o modelo prevê ventos contrários para a região, com o crescimento associado a fatores externos previsto em 1% em 2024, uma queda de quase 5 pontos em relação a 2021. O desempenho final da economia dependerá da resiliência dos fatores de demanda interna. A Confiança do Consumidor e das Empresas está Melhorando À medida que as grandes economias da ALC vão deixando os lockdowns para trás, o consumo das famílias tem se recuperado nas grandes economias da ALC apoiado por uma combinação de transferências fiscais generosas, mercados de trabalho dinâmicos, condições de crédito mais flexíveis e perspectivas econômicas positivas. No início da pandemia, a confiança dos consumidores sofreu uma queda acentuada em relação aos países da OCDE e depois se recuperou rapidamente, abrindo espaço para um crescimento expressivo do consumo (Figura 1.12). À medida que a pandemia fica para trás, a política fiscal e os mercados de trabalho da região estão retornando aos níveis pré-pandemia e as condições de crédito estão novamente se restringindo. Figura 1.12. A Confiança do Consumidor melhorou na maioria dos países Índice, 2018:M1 = 100 110 108 106 104 102 100 98 96 94 92 90 Jan-18 Fev-18 Mar-18 Abr-18 Maio-18 Jun-18 Jul-18 Ago-18 Set-18 Out-18 Nov-18 Dez-18 Jan-19 Fev-19 Mar-19 Abr-19 Maio-19 Jun-19 Jul-19 Ago-19 Set-19 Out-19 Nov-19 Dez-19 Jan-20 Fev-20 Mar-20 Abr-20 Maio-20 Jun-20 Jul-20 Ago-20 Set-20 Out-20 Nov-20 Dez-20 Jan-21 Fev-21 Mar-21 Abr-21 Maio-21 Jun-21 Jul-21 Ago-21 Set-21 Out-21 Nov-21 Dez-21 Jan-22 Fev-22 Mar-22 Abr-22 Maio-22 Jun-22 Jul-22 Ago-22 Brasil Chile Colômbia Costa Rica México OCDE - Total Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 2022, Consumer Confidence Index (CCI) (indicador). 27 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.13. A confiança dos empresários se estabilizou Índice, 2018:M1 = 100 106 104 102 100 98 96 94 92 Jan-18 Fev-18 Mar-18 Abr-18 Maio-18 Jun-18 Jul-18 Ago-18 Set-18 Out-18 Nov-18 Dez-18 Jan-19 Fev-19 Mar-19 Abr-19 Maio-19 Jun-19 Jul-19 Ago-19 Set-19 Out-19 Nov-19 Dez-19 Jan-20 Fev-20 Mar-20 Abr-20 Maio-20 Jun-20 Jul-20 Ago-20 Set-20 Out-20 Nov-20 Dez-20 Jan-21 Fev-21 Mar-21 Abr-21 Maio-21 Jun-21 Jul-21 Ago-21 Set-21 Out-21 Nov-21 Dez-21 Jan-22 Fev-22 Mar-22 Abr-22 Maio-22 Jun-22 Jul-22 Ago-22 Brasil Chile Colômbia Costa Rica México OCDE - Total Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 2022, Business Confidence Index (BCI) (indicador). Consequentemente, o crescimento do consumo deverá desacelerar. Diante do impacto relativamente menor das condições globais, as perspectivas de crescimento e a confiança do consumidor melhoraram em relação ao resto do mundo, servindo como uma fonte de resiliência para a região. Da mesma forma, o crescimento do investimento foi incentivado pelo aumento dos preços das commodities, boas condições de crédito, materialização de projetos atrasados devido à pandemia e confiança do empresariado nas perspectivas econômicas. Após uma grande (e heterogênea) queda no início de 2020, a confiança dos empresários se recuperou e se estabilizou em um patamar semelhante a antes da pandemia (Figura 1.13). No primeiro semestre de 2022, o ímpeto dos negócios na região melhorou em relação aos países da OCDE, promovendo níveis mais altos de confiança e o aumento dos investimentos. O Setor Financeiro Continua Sólido de Modo Geral Embora ainda existam preocupações com empréstimos ocultos de emergência de empresas que foram especialmente prejudicadas pela pandemia, os setores financeiros parecem robustos, com alguma variação entre os países. No final de 2021, a proporção de empréstimos inadimplentes (non-performing loans, NPLs) em relação ao total de empréstimos no sistema estava bem abaixo dos níveis posteriores à crise financeira global (Figura 1.14, painel a) e, em muitos casos, vem diminuindo. A maioria dos países tem níveis de NPL iguais ou inferiores a seus níveis máximos (picos) e bem inferiores aos observados após a crise financeira global. Embora os empréstimos reprogramados sejam uma forma de empurrar os problemas para frente, até o momento, eles continuam muito abaixo do pico durante a pandemia (Figura 1.14, painel b). Embora não haja dados de NPL disponíveis sobre o Caribe, os países da União Monetária do Caribe Oriental (Eastern Caribbean Currency Union, ECCU) não apresentam taxas de reprogramação especialmente altas. O México continua sendo um indicador revelador. O país deu muito pouco apoio às empresas e famílias durante a crise e encerrou a tolerância aos empréstimos bem no início da fase de recuperação. Imaginar-se-ia, portanto, que os NPLs seriam mais frequentes no México - mas não são. No geral, as evidências sugerem um otimismo cauteloso sobre a solidez dos sistemas financeiros e o nível subjacente de estresse no setor privado. 28 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.14. Os diferimentos e empréstimos inadimplentes não se revelaram um grande problema a. Empréstimos inadimplentes Porcentagem de empréstimos brutos totais a. Empréstimos inadimplentes 7 Porcentagem de empréstimos brutos totais 6 7 5 6 4 5 3 4 2 3 1 2 - 1 El Salvador Argentina Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica Rica Guatemala Honduras México Panamá PeruPeru TTO TTO - El Salvador Argentina Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Guatemala Honduras México Panamá 2021:T4 (or mais recente) 2019:T4 Pico pós CFG Fonte: Indicadores de Solidez Financeira (Financial 2021:T4 Soundness Indicators, (or mais recente)FSI) do FMI. 2019:T4 Pico pós CFG CFG = crise de b. Carteira Obs.: crédito financeira diferido global. Porcentagem de empréstimos totais b. Carteira de crédito diferido 60 Porcentagem de empréstimos totais 50 60 40 50 30 40 20 30 10 20 0 10 Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica* ECCU Equador Honduras* México* Panamá Peru 0 Bolívia Brasil Chile Pico Colômbia Costa Rica* ECCU Mais recente Equador Honduras* México* Panamá Peru Pico Mais recente Fontes: Fitch; autoridades locais. Obs.: ECCU = União Monetária do Caribe Oriental (Eastern Caribbean Currency Union). *Valor acumulado ao longo do programa Desafios à Frente A região enfrenta dois desafios que, sobrepostos, trarão novas dificuldades para as políticas: o desaparecimento do espaço fiscal e a inflação. Desaparecimento do Espaço Fiscal As grandes políticas fiscais anticíclicas adotadas em toda a região em apoio às famílias e empresas vulneráveis durante a pandemia erodiram o pouco espaço fiscal conquistado pelos países da região em anos anteriores. O efeito no Caribe for especialmente severo. Dominica, São Vicente, Santa Lúcia e Bahamas têm déficits relativamente altos; nos primeiros dois países, os déficits ainda excedem 6%. De modo geral, houve avanços na redução dos déficits primários (em percentual do PIB) na região. Eles caíram, em média, 0,96 ponto percentual em 2022. O aumento dos juros pagos, no entanto, causou déficits gerais semelhantes aos de 2021 (Figura 1.15). Ao longo de 2020 e 2021, os déficits fiscais que perduravam não foram compensados pela poupança privada líquida (poupança privada menos investimento), gerando déficits em conta corrente em todos os países, com exceção da Argentina e Guatemala (Figura 1.16). 29 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.15. Saldo fiscal nos países da ALC, previsão para 2022 Percentual do PIB 8 6 4 2 0 -2 -4 -6 -8 -10 -12 El Salvador Equador Dominica São Vicente e Granadinas Bolívia Colômbia Santa Lúcia Brasil Bahamast Honduras Costa Rica Argentina México Panamá República Dominicana Suriname Barbados Paraguai Haiti Uruguai Guatemala Belize Nicarágua Peru Granada Chile Guiana Jamaica Saldo fiscal geral Saldo fiscal primária Fontes: Banco Mundial, Macroeconomics, Trade and Investment Global Practice - Latin America, com base em projeções preliminares (em 23 de setembro de 2022). Figura 1.16. Déficits públicos e demanda privada causam déficits em conta corrente em toda a região 11 6 1 -4 -9 -14 2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021 Argentina Brasil Chile Colômbia Guatemala México Paraguai Peru Uruguai Saldo Orçamentário como porcentagem do PIB Poupança Privada como porcentagem do PIB Saldo em conta corrente como porcentagem do PIB Fonte: Haver Analytics. Os déficits atuais fizeram com que a maioria dos países da região aumentasse consideravelmente seus estoques de dívida pública. A Figura 1.17 compara a dívida pública (como porcentagem do PIB de 2019) ao nível estimado em 2022. A maioria das economias está claramente acima da linha de 45 graus, confirmando um aumento substancial na maioria dos países. A Argentina renegociou a dívida nesse período. À medida que o estoque da dívida e as taxas internacionais crescem, a taxa de juros implícita no financiamento da dívida pública – os juros a pagar divididos pela dívida – subiu, até agora, apenas levemente, em média 10 30 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.17. Os níveis de dívida em 2022 estão bem acima do que antes da pandemia Porcentagem do PIB 105 95 SLV 85 BOL ARG BRA 75 CRI URI 2022e 65 COL PAN EQU 55 DOM MEX 45 CHL 35 PER GTM 25 25 35 45 55 65 75 85 95 105 2019 Fontes: Banco Mundial, Macroeconomics, Trade and Investment Global Practice -Latin America, com base em projeções preliminares (em 23 de setembro de 2022). Obs.: “e” = estimativa. Os códigos da Organização Internacional de Normalização (ISO) foram usados para indicar os países. pontos base desde 2021 (Figura 1.18), com pouco impacto sobre a sustentabilidade da dívida até o momento. No entanto, à medida que os países avançam para rolar dívidas a taxas mais altas, a carga de pagamento provavelmente aumentará. Ainda, a confiança do mercado internacional na região permanece robusta de modo geral. Embora a tendência seja geralmente ascendente e significativa na Argentina, Colômbia e México, após o pico no auge da pandemia, o Emerging Market Bond Index está pairando próximo de seus níveis pré-pandemia (Figura 1.19). Além disso, as agências internacionais de classificação de crédito têm sido lenientes com o acúmulo de dívidas. Apesar da típica piora das classificações (ratings) à medida que o estoque da dívida pública aumenta (conforme mostra a Figura 1.20), grandes aumentos de dívida - ocorridos, por exemplo, no Brasil, Paraguai, Figura 1.18. As taxas de juros implícitas da dívida pública aumentaram moderadamente Porcentagem 12 10 8 6 4 2 0 Argentina Brasil Chile Colômbia Costa Rica México Peru 2010-19 2020 2021 2022e Fonte: Macroeconomics, Trade and Investment Global Practice, Banco Mundial. Obs.: “e” = estimativa. 31 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.19. Índice de Títulos de Mercados Emergentes (EMBI) global diversificado, 2012–22 Prêmio de risco do país Pontos-base 800 7000 700 6000 600 5000 500 4000 400 3000 300 2000 200 100 1000 0 0 2012 2013 2014 2016 2017 2019 2020 2022 Brasil Chile Colômbia México Peru Uruguai Argentina (RHS) Equador (RHS) Fonte: JP Morgan. Obs.: A última observação data de 12 de setembro de 2022. República Dominicana e Uruguai - não foram punidos com quedas de classificação, e os rebaixamentos da Bolívia, Chile, Colômbia e Peru foram leves. O aumento moderado dos spreads soberanos e o rebaixamento moderado das classificações de crédito após aumentos relativos do estoque da dívida pública parecem indicar um reconhecimento, por parte dos investidores internacionais, da resiliência financeira na região. Parte da explicação deste voto de confiança pode ser vista nas próximas duas figuras. Em primeiro lugar, a Figura 1.21 mostra os perfis de pagamento da dívida soberana das principais economias da região. Além do Chile, que terá que fazer um pagamento volumoso, e da Argentina, os perfis parecem ser muito moderados e distribuídos ao longo do tempo, facilitando o pagamento ou a rolagem das dívidas. No entanto, à medida que as taxas de juros aumentam ao redor do Figura 1.20. À medida que a Dívida cresce, as classificações de Crédito Soberano caem 105 Dívida bruta (como percentual do PIB) 95 Jamaica 85 El Salvador Bolívia Brasil 75 Argentina Costa Rica Nicarágua Colômbia Uruguai 65 República Panamá Equador 55 Dominicana México 45 Paraguai Chile 35 Guatemala Peru (perspectiva positiva) 25 15 D RD C CC CCC- CCC CCC+ B- B B+ BB- BB BB+ BBB- BBB BBB+ A- A A+ Classificação de crédito de longo prazo da Fitch Fontes: Fitch Ratings; Banco Mundial; e cálculos da equipe do Banco Mundial. Obs.: As setas indicam a mudança das posições pré-pandemia para as posições atuais (em 31 de agosto de 2022). As setas vermelhas indicam classificações que pioraram e as setas pretas indicam que não houve mudança ou que houve melhora. Verde indica grau de investimento e vermelho indica grau de não investimento. 32 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.21. Perfis de pagamento projetados para dívida soberana 2,5 Percentual do PIB de 2022 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 Brasil Argentina Costa Rica Colômbia México Peru Chile 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030 Fonte: Bloomberg. mundo e o apetite dos investidores por ativos em mercados emergentes diminui, a rolagem (e o ônus) das dívidas provavelmente ficará mais cara no futuro próximo. Os pagamentos do principal e dos juros se tornarão uma parcela crescente do produto e dos gastos do governo, exacerbando a pressão sobre os saldos fiscais e fazendo da consolidação fiscal uma prioridade. Em segundo lugar, a composição cambial da dívida soberana mudou muito favoravelmente desde períodos anteriores de estresse. A parcela da dívida denominada em dólares foi em muito reduzida - ou seja, a capacidade dos países de pagar sua dívida ficou muito menos sensível à depreciação da taxa de câmbio nacional (Figura 1.22). Longe da dívida altamente dolarizada dos tempos anteriores às turbulências bancárias ou inadimplências soberanas,1 quase a metade da dívida pública atual na ALC é denominada em moeda nacional. A Figura 1.22 mostra que a composição cambial da dívida pública vem caindo de forma constante, à exceção da Argentina. Além disso, a posição das reservas está muito mais forte – quase 7 pontos percentuais do PIB a mais do que há duas décadas (Figura 1.23). Juntos, esses fatores sugerem que, embora o peso da dívida seja maior do que antes da pandemia, está mais fácil de administrar do que em anos anteriores. A Batalha Contínua Contra a Inflação Assim como no resto do mundo, a inflação cresceu acentuadamente na ALC (Figuras 1.24 e 1.25), começando com uma média estável de cerca de 2% nos anos anteriores à pandemia e aumentando cerca de 4 pontos percentuais entre 2021 e 2022; a previsão atual é que chegue a 6% em 2022. Sem contar os ambientes de alta inflação na Argentina, Suriname e Venezuela, as taxas de inflação de 2021 variaram de menos de 1% na Bolívia a 10% no Brasil. Em termos históricos, esses números são bastante moderados para a região e comparáveis aos de países avançados. No entanto, eles ocultam o custo desproporcional sobre as famílias da inflação extraordinariamente alta dos preços dos alimentos. A questão de política central é se as medidas restritivas dos bancos centrais são suficientes para deter o aumento da inflação ou se as pressões ascendentes continuarão. Há vários motivos para manter a vigilância. As expectativas de inflação parecem estar ancoradas. À medida que a alta da inflação continua, os agentes econômicos passarão a incluir expectativas de inflação futura em seus comportamentos. Preventivamente, os trabalhadores exigirão ganhos salariais nominais para preservar seu poder de compra e os empregadores 33 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.22. Composição da dívida e participação dos títulos da dívida do governo central denominados em moeda estrangeira em sete países da ALC a. Composição da dívida 100 2021:T4 a. Composição 90 da dívida 80 100 2021:T4 70 90 dotal, dotal, 60 80 50 70 da dívida 40 60 30 50 da dívida 20 40 Parcela 10 30 0 20 Argentina Brasil Chile Colômbia México Peru Uruguai Parcela 10 0 Dívida em moeda local detida Dívida em moeda estrangeira detida Dívida em moeda local detida Argentina Brasil Chile Colômbia México Peru Uruguai por investidores estrangeiros por investidores estrangeiros por investidores nacionais Dívida em moeda local detida Dívida Dívida em moeda em moeda estrangeira estrangeira detida detida por investidores Dívida em moeda local detida nacionais por investidores estrangeiros por investidores estrangeiros por investidores nacionais Fontes: Fundo Monetário Internacional; Cálculos da equipe do Banco Mundial. b. Participação dos títulos de dívida do governo central denominados em moeda estrangeira 90%em Dívida Obs.: Os títulos de dívida representam, em média, quase moeda de todos estrangeira os instrumentos detida de dívida em por investidores todos nacionais os países, exceto o Chile.    Percentual de todos os títulos de dívida do governo central b. Participação dos títulos de dívida do governo central denominados em moeda estrangeira 100 Percentual 90 de todos os títulos de dívida do governo central 100 80 90 70 80 60 70 50 60 40 50 30 40 20 30 10 20 0 2004:T1 2004:T3 2005:T1 2005:T3 2006:T1 2006:T3 2007:T1 2007:T3 2008:T1 2008:T3 2009:T1 2009:T3 2010:T1 2010:T3 2011:T1 2011:T3 2012:T1 2012:T3 2013:T1 2013:T3 2014:T1 2014:T3 2015:T1 2015:T3 2016:T1 2016:T3 2017:T1 2017:T3 2018:T1 2018:T3 2019:T1 2019:T3 2020:T1 2020:T3 2021:T1 2021:T3 10 0 2004:T1 2004:T3 2005:T1 2005:T3 2006:T1 2006:T3 2007:T1 2007:T3 2008:T1 2008:T3 2009:T1 2009:T3 2010:T1 2010:T3 2011:T1 2011:T3 2012:T1 2012:T3 2013:T1 2013:T3 2014:T1 2014:T3 2015:T1 2015:T3 2016:T1 2016:T3 2017:T1 2017:T3 2018:T1 2018:T3 2019:T1 2019:T3 2020:T1 2020:T3 2021:T1 2021:T3 Argentina Brasil Chile Colômbia México Peru Uruguai Argentina Brasil Chile Colômbia México Peru Uruguai Fonte: Fundo Monetário Internacional. Figura 1.23. Evolução das posições de reserva na região Porcentagem do PIB 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 Brasil Argentina Chile Colômbia México Peru Média da ALC (6) Fontes: Fundo Monetário Internacional; Cálculos da equipe do Banco Mundial. Obs.: ALC (6) = Seis países da América Latina e Caribe (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru). As observações sobre a Argentina começam em 1996 e sobre o México, em 2000. 34 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.24. Evolução da inflação geral na ALC em 2000–22 Porcentagem 14 12 10 8 6 4 2 0 -2 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021e 2022e Mediana Média móvel da mediana por 10 anos Faixa do 25o percentil Fonte: Banco de dados World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional, abril de 2022. Obs.: As porcentagens anuais dos preços médios ao consumidor são variações ano a ano. “e” = estimativa. Figura 1.25. Inflação geral nos países da ALC, 2021 e 2022 a. Taxa real de inflação em 2021 Porcentagem 45Taxa real de inflação em 2021 a. 472,46 40 Porcentagem 35 45 30 472,46 40 61,46 25 35 50,69 20 30 15 61,46 25 10 50,69 20 5 15 0 10 Equador El Salvador BolíviaBolívia Panamá Guatemala Aruba Aruba Costa Rica e Tobago Belize Belize Peru Peru Honduras Colômbia México Total- Total Nicarágua Chile Chile Paraguai Uruguai sem Argentina e Venezuela Dominicana Jamaica Brasil Brasil Argentina Suriname Venezuela 5 Trinidade 0 Equador El Salvador Panamá Guatemala Costa Rica e Tobago Honduras Colômbia México Nicarágua Paraguai Uruguai Argentina e Venezuela Dominicana Jamaica Argentina Suriname Venezuela OCDE Trinidade OCDE - República ALC ALC sem República Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em dados do Banco Mundial e da OCDE. b. Taxa de inflação anualizada em 2022 Obs.: A taxa real de inflação em 2021 representa a variação percentual no índice de preços ao consumidor de janeiro de 2021 a janeiro de 2022. ALC = América Latina e Caribe; Porcentagem OCDE = Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico b. Taxa de inflação anualizada em 2022 40 96,75 91,84 Porcentagem 35 40 96,75 30 45,4191,84 35 25 30 20 45,41 25 15 20 10 15 5 10 0 Equador El Salvador BolíviaBolívia Panamá Aruba Aruba Brasil Brasil México Jamaica Peru Peru Dominicana Belize Belize sem Argentina e Venezuela Nicarágua Paraguai Guatemala Uruguai Total- Total Honduras Colômbia Costa Rica Chile Chile Suriname Argentina Venezuela 5 0 Equador El Salvador Panamá México Jamaica Dominicana Argentina e Venezuela Nicarágua Paraguai Guatemala Uruguai Honduras Colômbia Costa Rica Suriname Argentina Venezuela OCDE OCDE - República ALC ALC sem República Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em dados do Banco Mundial e da OCDE. Obs.: A taxa de inflação anualizada em 2022 representa a variação percentual anualizada do índice de preços ao consumidor no acumulado do ano (até julho de 2022). ALC = América Latina e Caribe; OCDE = Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. 35 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.26. Expectativas, previsões e metas de inflação dos bancos centrais relativas a cinco grandes países da ALC a. Espectativas da inflação, 2000–22 Porcentagem, ano a ano 7 a. Espectativas da inflação, 2000–22 Porcentagem, 6 ano a ano 7 5 6 4 5 3 4 2 3 1 2 2000 2003 2006 2009 2012 2014 2016 2017 2019 2020 2022 Brasil Chile Colômbia México Peru 1 2000 2003 2006 Fonte: Consensus Economics Inc. 2009 2012 2014 2016 2017 2019 2020 2022 b. Previsões da inflação e metas do banco central Brasil Obs.: As expectativas de inflação representam Chile as previsões de longo Colômbia prazo (6 a 10 anos) México da inflação dos preços Peru ao consumidor (variação percentual em relação ao dezembro Porcentagem, ano a ano anterior). 12 b. Previsões da inflação e metas do banco central Porcentagem, ano a ano 10 12 8 10 6 8 4 6 2 4 0 2 Brasil Chile Colômbia México Peru Faixa-alvo da inflação Previsão de longo prazo Previsão para dezembro de 2022 0 Brasil Chile Previsão para dezembro de 2023 Colômbia México Peru Faixa-alvo da inflação Previsão de longo prazo Previsão para dezembro de 2022 Previsão para dezembro de 2023 Fonte: Consensus Economics Inc. Obs.: A pesquisa é datada de 18 de julho de 2022. tentarão empurrar os novos custos para os consumidores, definindo novos preços. Nesse processo, as próprias expectativas passam a impulsionar a inflação, principalmente em economias com alta participação de sistemas salariais e previdenciários indexados. A boa notícia é que, por enquanto, as expectativas de inflação parecem estar ancoradas em patamares próximos às metas dos bancos centrais. A Figura 1.26, painel a, mostra que houve poucas mudanças nas expectativas relativas a cinco grandes países da ALC. A Figura 1.26, painel b, mostra uma queda considerável das expectativas de inflação em 2023, que depois retornam às metas dos bancos centrais no longo prazo. Apesar do crescimento monetário ter impulsionado parcialmente as pressões inflacionárias nos últimos dois anos (ver a Caixa 1.2), a liquidez continua mais flexível do que antes da pandemia. A medida de dinheiro que está mais correlacionada à inflação varia entre os países. A Figura 1.27 apresenta duas medidas. Ela mostra a relação positiva entre o crescimento de uma medida de dinheiro M1 (que inclui moeda e depósitos à vista) e inflação estrutural (que se abstrai dos elementos mais voláteis do índice de preços ao consumidor, como a energia e certos alimentos como frutas e legumes). Assim, embora os fatores de pressão de custos e o aumento dos preços internacionais - como a continuidade dos gastos deficitários do governo - tenham tido um efeito 36 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Caixa 1.2. Excesso de Liquidez e o Retorno da Velocidade como Indutores da Inflação A teoria quantitativa da moeda (TQM) foi formulada originalmente por Copérnico em 1517 e aperfeiçoada por seguidores da Escola de Salamanca, que observaram que o aumento da quantidade de ouro e prata importados das colônias latino-americanas e posteriormente cunhados em moedas levou a um aumento nos preços do ouro e da prata usados na cunhagem de dinheiro na América Latina (Volckart, 1997). A teoria foi ampliada e popularizada em 1963 por Milton Friedman e Anna Schwartz (1963). Baseia-se em uma identidade simples que combina a quantidade de dinheiro na economia e sua velocidade (uma medida do número de vezes que cada cédula ou moeda é usada em um período e o inverso da demanda por dinheiro) ao valor nominal da produção em determinado período. De acordo com a teoria, o nível geral de preços de bens e serviços está proporcionalmente relacionado à oferta de dinheiro na economia (Edo e Melitz, 2019). A fórmula tradicional da TQM é: ​​​​ , (B1.2.1) ​​​M​  t​​   ​V​  t​​  = ​P​  t​​   ​Y​  t​​​​  ​ sendo que M representa os saldos monetários nominais, V é a velocidade do dinheiro, P é o nível geral de preços e Y é o PIB nominal. Tomando as taxas de crescimento, temos: ​​g​ M,t​​  + ​g​ V,t​  = ​ Π​  t ​​  + ​g​ Y,t​​​, (B1.2.2) onde π representa a inflação e está relacionada de forma linear ao crescimento monetário, crescimento da velocidade e crescimento nominal do PIB. Mesmo quando as pressões inflacionárias surgem de outras fontes - p. ex., interrupções das cadeias de suprimento ou grandes déficits governamentais - o nível geral de preços continua regido pela quantidade de dinheiro (outros preços no índice agregado, portanto, precisam cair). É claro que um aumento acentuado da velocidade (queda da demanda por dinheiro) teria o mesmo efeito que um aumento da moeda. Figura 1.27. Variação percentual do agregado monetário M1 versus a inflação estrutural, países selecionados da ALC 70 65 Chile Mudança percentual de M1 60 55 50 República Dominicana Nicarágua 45 Honduras 40 Guatemala Colômbia 35 México Brasil Costa Rica 30 25 El Salvador Paraguai 20 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Inflação estrutural (porcentagem) Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em Haver Analytics, Banco Mundial e Banco Central do Chile. Obs.: A inflação estrutural acumulada é a mudança no índice de preços ao consumidor (IPC) estruturado de março de 2021 a junho de 2022. M1 inclui moeda e depósitos à vista. A variação percentual no M1 foi feita comparando o M1 no quarto trimestre de 2019 ao M1 no primeiro trimestre de 2022. 37 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.28. O excesso de liquidez nos mercados continua alto Índice 2019:T4 = 100 170 160 M1 como percentual do PIB 150 140 130 120 110 100 90 2019:T4 2020:T1 2020:T2 2020:T3 2020:T4 2021:T1 2021:T2 2021:T3 2021:T4 2022:T1 Argentina Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica República Dominicana El Salvador Guatemala Honduras Jamaica México Nicarágua Paraguai Uruguai Fonte: Haver Analytics. considerável sobre a inflação, eles ocorreram em um ambiente que os validou e que também alimentou as pressões de demanda. No primeiro trimestre de 2022, a liquidez permanecia relativamente alta. A Figura 1.28 mostra que a relação entre M1 e PIB nominal permanece elevada em comparação aos níveis pré-pandemia. Este excesso de liquidez fez com que os bancos centrais da região reagissem agressivamente aos recentes desdobramentos da inflação. A Figura 1.29 mostra que, em comparação ao último episódio quando houve aumentos significativos das taxas básicas, desta vez os bancos centrais começaram de um nível mais baixo e aumentaram as taxas muito mais rapidamente, atingindo uma taxa mais alta em um período mais curto. Figura 1.29. Os bancos centrais reagiram fortemente ao excesso de liquidez Porcentagem 14 Episódio Atual 12 Episódio Anterior 10 8 6 4 2 0 M0 M2 M4 M6 M8 M10 M12 M14 M16 M18 M20 M22 M24 M0 M2 M4 M6 M8 M10 M12 M14 M16 M18 M20 M22 M24 M0 M2 M4 M6 M8 M10 M12 M14 M16 M18 M20 M22 M24 M0 M2 M4 M6 M8 M10 M1 M3 M5 M7 M9 M11 M13 M15 M17 M19 M21 M23 M1 M3 M5 M7 M9 M11 M13 Brasil Chile Colômbia Costa Rica México Peru Episódios de aperto monetário (meses) Fonte: Haver Analytics 38 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.30. A velocidade do dinheiro ainda não recuperou os níveis pré-pandêmicos Porcentagem 40 30 20 10 0 -10 -20 -30 -40 -50 El Salvador Argentina Brasil Chile Colômbia Costa Rica República Dominicana Guatemala Honduras Jamaica México Nicarágua Paraguai Uruguai 2019:T4 vs 2020:T3 2020:T3 vs 2022:T1 2019:T4 vs 2022:T1 Fonte: Haver Analytics. Obs.: M1 é uma medida de dinheiro agregado na economia que inclui moeda e depósitos à vista. Também vale notar que todos os episódios anteriores de aperto monetária, à exceção do peruano, duraram mais do que o episódio atual, o que aponta para a probabilidade de novos aumentos das taxas. A velocidade – o número de vezes que cada cédula circula – também está aumentando. Normalmente, a velocidade é considerada um parâmetro de movimento lento devido a mudanças técnicas. No entanto, em horizontes mais curtos, seus movimentos podem representar mudanças inversas na demanda por moeda. Durante a pandemia, à medida que o aumento da incerteza e a queda das oportunidades de compra faziam com que os consumidores e empresas aumentassem a demanda por saldos reais (ajustados pela inflação), a velocidade do dinheiro entrou em colapso na maioria dos países do mundo, incluindo os da ALC. À medida que a atividade econômica volta ao normal e a inflação força os bancos centrais a aumentar as taxas de juros, as pessoas não vão querer reter muito mais dinheiro em relação à quantidade de suas transações e espera-se que a velocidade aumente. Um grande aumento na velocidade elevará os preços e gerará mais inflação. A Figura 1.30 mostra a queda da velocidade durante a pandemia e ilustra o início da recuperação da velocidade na maioria das economias. O repasse dos preços dos insumos foi adiado. Após o colapso de muitas cadeias de suprimento globais e a transição de serviços para bens, a inflação de preços apareceu pela primeira vez no preço dos insumos, medida pelos saltos nos índices de preços ao produtor (IPPs). O repasse para os preços ao consumidor foi muito mais lento, levando a um grande aumento da diferença entre o IPP e o IPC, fazendo as margens do produtor diminuírem (Figura 1.31). Desde 2018, a diferença aumentou para 60 pontos percentuais no Brasil e para 40 pontos percentuais no Chile e na Colômbia. Isso novamente suscita a questão: quantos avanços foram realizados com esse trabalho focado nos efeitos “temporários” dos choques de oferta? Se as cadeias de suprimento se recuperarem no curto prazo, os IPPs poderão cair rapidamente de volta aos níveis do IPC. No entanto, se as interrupções persistirem, os preços ao consumidor podem começar a repassar mais o custo dos insumos à medida que as margens do produtor voltam ao normal. 39 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Figura 1.31. A diferença entre o índice de preços ao consumidor e o índice de preços ao produtor aumentou a. Brasila Índice, 2018:M1 = 100 190 170 150 130 110 90 Jan-18 Mar-18 Maio-18 Jul-18 Set-18 Nov-18 Jan-19 Mar-19 Maio-19 Jul-19 Set-19 Nov-19 Jan-20 Mar-20 Maio-20 Jul-20 Set-20 Nov-20 Jan-21 Mar-21 Maio-21 Jul-21 Set-21 Nov-21 Jan-22 Mar-22 Maio-22 Jul-22 Índice de preços ao produtor (NSA) Índice nacional de preços ao consumidor [Ampliado, IPCA] (NSA) b. Chile Índice, 2018:M1 = 100 190 170 150 130 110 90 Jan-18 Mar-18 Maio-18 Jul-18 Set-18 Nov-18 Jan-19 Mar-19 Maio-19 Jul-19 Set-19 Nov-19 Jan-20 Mar-20 Maio-20 Jul-20 Set-20 Nov-20 Jan-21 Mar-21 Maio-21 Jul-21 Set-21 Nov-21 Jan-22 Mar-22 Maio-22 Jul-22 Índice de preços ao produtor (NSA) Índice de preços ao consumidor (NSA) c. Colômbia Índice, 2018:M1 = 100 190 170 150 130 110 90 Jan-18 Mar-18 Maio-18 Jul-18 Set-18 Nov-18 Jan-19 Mar-19 Maio-19 Jul-19 Set-19 Nov-19 Jan-20 Mar-20 Maio-20 Jul-20 Set-20 Nov-20 Jan-21 Mar-21 Maio-21 Jul-21 Set-21 Nov-21 Jan-22 Mar-22 Maio-22 Jul-22 PPI para produção nacional (NSA) Índice de preços ao consumidor (NSA) d. Média da ALC (Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru) Índice, 2013:M12 = 100 190 170 150 130 110 90 Dec-13 Apr-14 Aug-14 Dec-14 Apr-15 Aug-15 Dec-15 Apr-16 Aug-16 Dec-16 Apr-17 Aug-17 Dec-17 Apr-18 Aug-18 Dec-18 Apr-19 Aug-19 Dec-19 Apr-20 Aug-20 Dec-20 Apr-21 Aug-21 Dec-21 Apr-22 Índice de preços ao consumidor - não ajustado sazonalmente Índice de preços ao produtor (produtor, atacado, industrial) - não ajustado sazonalmente Fonte: Banco Mundial; Cálculos da equipe do Banco Mundial. Obs.: ALC = América Latina e Caribe; NSA = não ajustado sazonalmente; IPP = índice de preços ao produtor. a. O IPCA é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo do Brasil. 40 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Conclusão Com o recuo da COVID-19 na maioria dos países, as economias da América Latina e Caribe estão em situação razoavelmente sólida e se saindo melhor do que muitas outras regiões. A região é afetada negativamente pela desaceleração do crescimento do G-7 e da China, bem como pelas tentativas das autoridades monetárias de todo o mundo de conter a inflação por meio do aumento das taxas de juros. Por outro lado, embora a guerra na Ucrânia tenha elevado os preços dos combustíveis e dos alimentos (pressionando os importadores líquidos, especialmente no Caribe), para muitos países da ALC o choque líquido dos termos de troca foi positivo. Isso, combinado com uma política fiscal amplamente expansionista e, até certo ponto, com a política monetária, fechou a lacuna entre as previsões anteriores de crescimento regional e as do mundo como um todo. Os mercados de trabalho em grande parte já se recuperaram e permanecem estruturalmente inalterados, sem aumento geral da informalidade, subemprego ou desemprego. Os níveis de pobreza, em grande parte, já recuaram para os níveis de antes. Os sistemas bancários precisam de vigilância contínua, mas até o momento a taxa de empréstimos inadimplentes não aumentou. Os desafios são as taxas de crescimento que permanecem mais baixas no médio prazo e semelhantes às taxas medíocres da década de 2010, sugerindo a necessidade de nos voltarmos para a agenda pendente de reformas estruturais. A inflação, embora em níveis globais, pode ser um desafio de longo prazo. Apesar dos aumentos cada vez mais agressivos das taxas de juros pelos bancos centrais, a liquidez continua acima dos níveis pré-pandemia, a velocidade está aumentando e a inflação mais alta dos preços ao produtor pode ser repassada para os preços ao consumidor à medida que as margens do produtor se recuperam. Apesar dos avanços ao longo do ano passado, a difícil situação fiscal enfrentada pela maioria dos países vem ganhando protagonismo à medida que as autoridades lutam para fechar os déficits causados pela pandemia, o aumento dos custos de empréstimos globais aumenta o serviço da dívida e a redução radical do espaço fiscal no futuro próximo restringe tanto os investimentos produtivos quanto a expansão dos programas sociais. O próximo capítulo analisa como os governos podem aumentar esse espaço fiscal. Ele apresenta constatações recentes sobre os impactos e limites do aumento de diversos tipos de tributos, bem como a possibilidade de aumentar a eficiência dos gastos. 41 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 1 Já Voltamos ao Normal? Notas 1 As medidas do “pecado original” calculadas por Eichengreen, Hausmann e Panizza (2005) mostram que a ALC não conseguia obter empréstimos em moeda local durante a maior parte dos anos 1990 e 2000. Referências Bokat-Lindell, S. 2022. “Can America’s Schoolchildren Recover from the Pandemic?” “Debatable Newsletter,” New York Times, September 7, 2022. https://www.nytimes.com/2022/09/07/opinion/school-covid- learning-loss.html?smid=nytcore-ios-share&referringSource=articleShare. Camarena, J., L. Galeano, L. Morano, J. Puig, D. Riera-Crichton, C. Végh, L. Venturi, and G. Vuletin. 2022. “Fooled by the Cycle: Permanent versus Cyclical Improvements in Social Indicators.” Journal of International, Money, and Finance 127 (Outubro): 102670. COVID-19 Excess Mortality Collaborators. 2022. “Estimating Excess Mortality due to the COVID-19 Pandemic: A Systematic Analysis of COVID-19-Related Mortality, 2020–21. The Lancet 399 (10334): 1513–36. Datt, G. and M. Ravallion. 1992. “Growth and Redistribution Components of Changes in Poverty Measures: A Decomposition with Applications to Brazil and India in the 1980s.” Journal of Development Economics 38 (2, Abril): 275–95. Edo, A., and J. 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Washington, DC: World Bank. 42 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal 43 CAPÍTULO 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens © GRANT FAINT/GETTY IMAGE 44 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens © 2021 NOWACZYK/SHUTTERSTOCK C omo discutido no Capítulo 1, a maioria dos países da América Latina e Caribe (ALC) enfrenta — com diferentes graus de severidade — preocupações crescentes com a sustentabilidade da dívida, devido a quatro fatores agravantes. Em primeiro lugar, em vários países da ALC a posição da dívida era frágil mesmo antes da pandemia de COVID-19. Esse acúmulo da dívida refletiu, em parte, incrementos procíclicos e rígidos do gasto público durante a fase expansionista do último superciclo de commodities (muitas vezes denominada a Década de Ouro), bem como grandes esforços anticíclicos e persistentes durante a crise financeira global no final dos anos 2000. Aumentar o gasto público em tempos tanto bons (caracterizados por receitas altas e custos de empréstimos baixos) quanto ruins (especialmente de forma rígida, devido a pressões sociais e políticas) é, infelizmente, uma receita para aumentar a dívida e colocar em risco sua sustentabilidade.1 Em segundo lugar, a queda acentuada das receitas durante a pandemia de COVID-19, aliada aos esforços para ajudar as famílias em situação de maior vulnerabilidade e empresas em dificuldades, especialmente durante 2020 e no início de 2021, fez com que a relação dívida/PIB na ALC aumentasse, em média, cerca de 4,5 pontos percentuais entre o início de 2020 e o início de 2022. Em terceiro lugar, as taxas de crescimento inexpressivas previstas no médio prazo implicam uma fraca recuperação da arrecadação de receitas e uma fragilidade contínua da postura fiscal. Por fim, na ALC, os infortúnios nunca vêm sós. Os recentes aumentos das taxas de juros pelo Federal Reserve dos EUA elevam os custos dos empréstimos e agravam as preocupações com a sustentabilidade da dívida em uma nova frente. Essa combinação - de antigos desequilíbrios estruturais, por um lado, e «má sorte», por outro - reduziu o espaço fiscal a zero. Como consequência, as crescentes preocupações com a sustentabilidade da dívida estão rapidamente impelindo a maioria dos países da ALC a realizar ajustes fiscais ou consolidações fiscais para aumentar a receita do governo ou cortar gastos. Este capítulo recorre a pesquisas recentes para subsidiar a discussão dos prós e contras macroeconômicos da aplicação de diferentes instrumentos de ajuste fiscal. Alguns desses instrumentos são bem conhecidos e estão bem consolidados em ambientes políticos e acadêmicos, enquanto outros são de natureza mais sutil e não convencional. Ao contrário de muitos estudos que se concentram no mundo industrializado, essas evidências recentes abordam a ALC em particular, ao reunir dados para uma amostra mais ampla e comparável de países em desenvolvimento. Como mostrado mais adiante no capítulo, essa abordagem, que enfatiza não haver um tamanho único ou um instrumento único, é fundamental para entender as consequências das opções políticas em diferentes economias e sociedades. A próxima subseção concentra-se na postura atual em relação ao aumento de alíquotas de impostos e analisa as possíveis 45 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens implicações desse aumento para alguns dos tipos de impostos que geram mais receita fiscal na região da ALC: imposto sobre valor agregado, imposto de renda de pessoa física e imposto de renda de pessoa jurídica. Obviamente, esta discussão não é completamente abrangente. Não discute outras fontes de receita tributária, como, por exemplo, impostos sobre o patrimônio e royalties de commodities. Enquanto para alguns países, especialmente na América Central e no Caribe, aumentar impostos ainda pode ser uma opção política sensata para lidar com os déficits fiscais atuais e a necessidade de aumentar o fornecimento de bens públicos essenciais, o aumento de alíquotas de impostos em muitos outros países provavelmente provocaria respostas comportamentais importantes de pessoas jurídicas e físicas — ligadas a altos custos macroeconômicos — e, portanto, aumentos duvidosos de receita fiscal. Em suma, em muitos países da ALC, a opção de ampliar o espaço fiscal aumentando as alíquotas de impostos já pode ter atingido o limite. De fato, quando levados adequadamente em consideração o tamanho da economia e o nível de renda per capita, em alguns países da ALC o tamanho do governo já é comparável (ou até superior) a muitas economias industrializadas. O capítulo então se volta para as consequências do corte de gastos como forma de ajuste fiscal. A discussão mostra que, embora a redução do investimento público seja uma ferramenta popular, principalmente devido à sua natureza flexível, essa solução fácil se dá à expensa de grandes custos para o crescimento econômico, especialmente em países com grandes lacunas de infraestrutura. A discussão também mostra que o corte de transferências sociais, que é especialmente tentador dado o atual pico inflacionário, pode não apenas afetar as pessoas em situação de maior vulnerabilidade (como pensionistas nos decis mais baixos da distribuição de renda), mas também ser bastante recessivo no curto prazo, visto que grande parcela das populações na ALC — e especialmente aquelas nos decis mais baixos da distribuição de renda — vive precariamente. Finalmente, a discussão se volta para o desperdício e a ineficiência nos gastos públicos, que representam, em média, 17% do gasto público total nos países da ALC. Reduzir esse desperdício e essa ineficiência seria suficiente para eliminar virtualmente o déficit fiscal atual de muitos países da ALC. Além disso, é “sem custos” do ponto de vista macroeconômico, dado que gastar de forma ineficiente é o mesmo que simplesmente não gastar. Igualmente importante pode ser ajudar os governos a recuperar a confiança das pessoas. Esforços nessa dimensão podem ser encarados como um passo à frente em uma agenda mais abrangente de criação de um Estado mais eficaz e responsivo. Aumento de impostos legislados Uma estratégia típica para fechar o déficit fiscal e colocar a dívida em um caminho mais sustentável, especialmente em tempos ruins, é aumentar as alíquotas dos principais impostos. Esse comportamento procíclico de política fiscal não é exclusivo da ALC, sendo bastante comum em todo o mundo em desenvolvimento — em nítido contraste com os países desenvolvidos (Vegh e Vuletin, 2015), onde as alíquotas de impostos são alteradas visando mais a eficiência de longo prazo do que respostas a crises fiscais (ou seja, a política fiscal é acíclica). As fontes mais importantes de receita fiscal na região da ALC — e na maioria dos países do mundo — são o imposto sobre valor agregado, o imposto de renda de pessoa física e o imposto de renda de pessoa jurídica. As Figuras 2.1 a 2.3 mostram a relevância da arrecadação desses três tipos de impostos em todas as regiões do mundo. A Figura 2.1 sustenta os argumentos de que o peso do imposto sobre valor agregado na ALC é alto em comparação a outras regiões e tem potencial limitado para aumentos adicionais, especialmente porque sua incidência é regressiva (Lustig et al., 2014). A Figura 2.2 sugere que os governos da ALC podem estar tributando os rendimentos de pessoas físicas de forma relativamente modesta. Esse fato, aliado ao impacto progressivo geral, é citado pelos formuladores de políticas para apoiar o aumento dos impostos de pessoas 46 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.1. Arrecadação do imposto sobre valor agregado a. Como percentual do PIB por região b. Como percentual da receita total por região 8% 30% 7% 6,8% 24,4% 25% 22,8% 23,7% 23,6% 5,8% 6,0% 6% 5,4% 20% 18,3% 5% 4% 3,4% 15% 3% 10% 2% 5% 1% 0,3% 1,3% 0% 0% Leste da Ásia e Pacífico Leste da Ásia e Pacífico Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Oriente Médio e Norte da África América do Norte África Subsaariana Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Oriente Médio e Norte da África América do Norte África Subsaariana Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco de Dados de Estatísticas de Receita Global e Banco Mundial. Obs.: Os dados do país correspondem ao governo consolidado. Os agregados regionais são construídos ponderando-se os dados de países com sua participação no PIB regional. Figura 2.2. Arrecadação do imposto de renda de pessoa física a. Como percentual do PIB por região b. Como percentual da receita total por região 12% 45% 10,4% 40,6% 40% 10% 9,3% 35% 8% 30% 24,8% 25,0% 25% 6% 4,4% 20% 18,0% 4% 3,6% 15% 12,7% 3,0% 2,6% 10,6% 10% 2% 5% 0% 0% Leste da Ásia e Pacífico Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Oriente Médio e Norte da África América do Norte África Subsaariana Leste da Ásia e Pacífico Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Oriente Médio e Norte da África América do Norte África Subsaariana Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco de Dados de Estatísticas de Receita Global e Banco Mundial. Obs.: Os dados do país correspondem ao governo consolidado. Os agregados regionais são construídos ponderando-se os dados de países com sua participação no PIB regional. físicas. A Figura 2.3 sugere um quadro misto no imposto de renda de pessoa jurídica, indicando que, embora as empresas na ALC não sejam tributadas de forma tão pesada quanto suas contrapartes no Leste da Ásia ou no Oriente Médio, a arrecadação de receita é substancialmente maior do que na Europa e duas vezes maior do que na América do Norte. 47 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.3. Arrecadação do Imposto de renda de pessoa jurídica a. Como percentual do PIB, por região b. Como percentual da receita total, por região 4,5% 4,3% 25% 4,0% 3,6% 19,1% 3,5% 20% 3,3% 18,0% 3,0% 2,8% 14,8% 2,5% 15% 13,2% 2,5% 2,0% 1,6% 10% 1,5% 6,6% 6,1% 1,0% 5% 0,5% 0,0% 0% Leste da Ásia e Pacífico Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Oriente Médio e Norte da África América do Norte África Subsaariana Leste da Ásia e Pacífico Europa e Ásia Central América Latina e Caribe Oriente Médio e Norte da África América do Norte África Subsaariana Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) , Banco de Dados de Estatísticas de Receita Global e Banco Mundial. Obs.: Os dados do país correspondem ao governo consolidado. Os agregados regionais são construídos ponderando-se os dados de países com sua participação no PIB regional. Além do potencial de aumentar a receita e a progressividade, a questão crítica é qual seria o tamanho do impacto negativo de aumentar-se a carga de cada uma dessas (ou de outras) alíquotas, por duas razões. Em primeiro lugar, a análise de custo-benefício de eventuais reformas precisa integrar seu impacto macroeconômico (e suas repercussões). Em segundo lugar, o efeito líquido real na arrecadação de receitas depende de como os agentes respondem a elas, o que é capturado na elasticidade fiscal. A discussão a seguir apresenta três novos conjuntos de evidências para o mundo em desenvolvimento que subsidiam alguns dos debates recentes mais acalorados. A primeira parte da discussão expõe novas evidências do impacto macroeconômico do imposto sobre valor agregado e mostra como o nível inicial do imposto sobre valor agregado afeta crucialmente os resultados macroeconômicos da mudança de sua alíquota. Quando as alíquotas do imposto sobre valor agregado são inicialmente baixas, o efeito dos aumentos pode ser praticamente zero, mas o impacto cresce à medida que a alíquota inicial aumenta. As novas evidências apresentadas na segunda parte da discussão mostram que os aumentos das alíquotas do imposto de renda de pessoa física na ALC provocam grandes mudanças de comportamento e, consequentemente, os governos devem ter cautela com o aumento de impostos nessa frente. Além disso, ao se concentrar nos mais ricos, as alíquotas marginais pagas em vários países da ALC não são tão diferentes daquelas observadas, por exemplo, nos Estados Unidos. Finalmente, a discussão trata do imposto de renda de pessoa jurídica e sugere algumas preocupações com a pressão por novos aumentos de impostos em uma região onde a informalidade é predominante e a evasão fiscal é reconhecidamente alta. 48 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Aumentar ou não aumentar: uma história em duas ALCs Evidências de países industrializados e, especialmente, da Europa industrial (como em Alesina, Favero e Giavazzi, 2015), apontam para grandes multiplicadores fiscais negativos em geral: ou seja, à medida que os impostos aumentam, a atividade econômica (medida pelo PIB) diminui e vice-versa. No entanto, uma amostra mais global sugere que o impacto negativo do imposto de renda é altamente não linear, aumentando com a carga tributária. Essa constatação está em consonância com argumentos teóricos (como em Jaimovich e Rebelo, 2017) que exploram o efeito distorcido dos impostos e sua capacidade para agir como desincentivos ao trabalho, ao investimento e à inovação. Assim, os grandes multiplicadores fiscais negativos nos países industrializados podem simplesmente representar suas altas alíquotas iniciais. Evidências recentes de Gunter et al. (2021) relativas ao imposto sobre valor agregado que inclui a Figura 2.4. A alíquota inicial é importante América Latina mostram o mesmo padrão: o para determinar o efeito depressivo no multiplicador fiscal é essencialmente zero em crescimento do aumento de impostos sobre níveis de alíquota inicial relativamente baixos, mas valor agregado torna-se progressivamente mais negativo à medida que a alíquota inicial aumenta (ver Figura 2.4). O 12 Mapa 2.1 sugere que vários países da América Central e do Caribe, bem como países com baixos 8 impostos como a Bolívia e o Paraguai, provavelmente poderiam aumentar o IVA com relativamente pouco efeito depressivo no crescimento, enquanto o mesmo 4 Multiplicador fiscal aumento de impostos faria com que a produção caísse em países com taxas relativamente altas, 0 incluindo a Argentina e o Uruguai. As constatações de não linearidade nos impostos -4 de renda em uma amostra global, e no IVA na ALC, também sugerem que esses efeitos podem ocorrer em receitas agregadas. A Figura 2.5 oferece, -8 portanto, uma visão muito grosseira de onde a ALC pode estar em termos de potencial de receitas -12 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 fiscais, antes que grandes efeitos negativos de Alíquota fiscal inicial crescimento comecem a ocorrer. Fica imediatamente claro que a região é extremamente variada em Fonte: Gunter et al., 2021. termos de cargas tributárias e níveis de tributação. Obs.: IVA = Imposto sobre valor agregado. Muitos países da América Central e do Caribe (como Costa Rica, República Dominicana, Guatemala e Haiti) arrecadam receitas de cerca de 15% do PIB. Em contrapartida, alguns países da América do Sul (como Argentina e Equador) arrecadam cerca de duas vezes esse percentual e estão mais próximos dos níveis de países industrializados; teriam, assim, menos espaço para aumentar receitas sem um impacto negativo no crescimento. Também é importante notar que as receitas fiscais variam entre os países, dependendo da prevalência dos sistemas públicos de pensões. Por exemplo, diferentemente da maioria dos países da ALC que têm fundos de pensão públicos financiados por repartição, desde 1980 o Chile conta principalmente com um sistema de capitalização individual totalmente financiado. Na prática, é claro, os efeitos tanto no crescimento quanto na equidade dependeriam de quais instrumentos são usados. 49 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Mapa 2.1. Há espaço para aumentar os impostos sobre valor agregado nos países da alc com alíquotas iniciais de IVA baixas Multiplicador fiscal 0 de 0 a -3 De -3 a -4 Maior (em valor absoluto) que -4 Sem dados Fonte: Gunter et al., 2021. Obs.: Valores negativos mais elevados sugerem um maior efeito depressivo no crescimento do aumento do imposto sobre valor agregado. Figura 2.5. Receitas fiscais (como percentual do PIB) a. Comparação regional mundial 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Sul da Ásia África América Latina Oriente Médio América Europa e Leste da Ásia Subsaariana e Caribe e Norte da África do Norte Ásia Central e Pacífico b. Países da ALC 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% El Salvador Equador Haiti Guatemala Republica Dominicana Costa Rica Panamá Guiana Paraguai Aruba Peru México Honduras Chile Colômbia Nicarágua Uruguai Barbados Belize Jamaica Brasil Argentina Fonte: Perspectiva Econômica Mundial (FMI). Obs.: O painel B exclui os países da ECCB. 50 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Possíveis impactos do aumento do imposto de renda de pessoa física A incidência relativamente baixa da tributação de renda de pessoa física na região e sua provável progressividade levaram a tributação dos mais ricos para o centro do palco e, portanto, merecem um foco especial aqui. No entanto, a falta de acesso a dados administrativos na região traduziu-se, até o momento, em relativamente poucas pesquisas de como os beneficiários-alvos mais ricos - incluindo os empresários mais bem-sucedidos - responderão a impostos de pessoa física mais elevados. Sua resposta afetará a arrecadação real de recursos, bem como sua disposição para investir e participar de atividades produtivas (por exemplo, Jaimovich e Rebelo, 2017). Um primeiro passo para começar a entender essas respostas comportamentais é estimar a chamada elasticidade da renda tributável (ERT) para a ALC, que mede a resposta agregada de renda a mudanças nas alíquotas líquidas de impostos. Como discutido em um trabalho recente intitulado “The Income and Labor Effects of Individual Income Tax Changes in Latin America: Evidence from a New Measure of Tax Shocks” (Riera-Crichton, Venturi e Vuletin 2022), a maior parte do conhecimento existente sobre a ERT vem de estudos realizados nos Estados Unidos (e, em menor medida, em outras economias avançadas). As estimativas de ERT de curto prazo para os Estados Unidos variam de 0,02 (Saez, 2004) a 1,2 (Mertens e Montiel-Olea, 2018). Enquanto uma estimativa de ERT de 0,02 sugere que a renda praticamente não é afetada por mudanças nas alíquotas de impostos, uma estimativa de ERT de 1,2 aponta para uma resposta mais do que proporcional da renda às mudanças nessas alíquotas. No entanto, pouco se sabe sobre as estimativas de ERT no mundo em desenvolvimento, devido à indisponibilidade de séries de dados sobre a alíquota média marginal de imposto de renda de pessoa física (AMIITR, do inglês average marginal individual income tax rate), refletindo o acesso limitado a dados administrativos sobre declarações de renda e a renda de pessoa física informada nessas declarações. Em um estudo recente do Banco Mundial, Riera-Crichton, Venturi e Vuletin (2022) constroem séries AMIITR para seis países da América do Sul — Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru — e, para fins de comparação, para os Estados Unidos. Os autores se baseiam no código estatutário de imposto de renda de pessoa física (estabelecido em diferentes leis, decretos e regulamentos) e, essencialmente, na renda de pessoas físicas informada em conjuntos de dados coletados em pesquisas domiciliares. A seguir, identificam choques fiscais exógenos e imprevistos e estudam seu impacto. Várias constatações importantes merecem destaque.2 A carga de renda de pessoa física da ALC, medida pela alíquota média marginal de imposto de renda de pessoa física (AMIITR) é relativamente baixa devido à baixa cobertura e não a alíquotas baixas para os mais ricos.3 A linha 1 na Tabela 2.1 mostra que a AMIITR é muito menor na amostra de seis países sul-americanos (5,8%) do que nos Estados Unidos (24,1%). O Paraguai, que introduziu o imposto apenas em 2012, tem a alíquota mais baixa (1,1%) e o Brasil, a mais alta (9,3%)4. No entanto, esses níveis relativamente baixos de AMIITR não refletem taxas marginais baixas, mas sim que, para a grande maioria dos indivíduos, a taxa marginal é zero.5 As linhas 2 a 6 dividem a distribuição de renda de cada país por quintil e mostram que o imposto de renda de pessoa física está concentrado nos 20% superiores da distribuição de renda em todos os seis países sul-americanos, à exceção da Argentina (embora a AMIITR paga pelos quatro quintis mais baixos seja significativamente menor que a AMIITR dos 20% superiores) e, em menor medida, o Peru. Isso contrasta com os Estados Unidos, onde até mesmo o primeiro quintil é alcançado de forma quantitativamente relevante. Além disso, as linhas 7 e 8 mostram que são principalmente os 10% mais ricos da distribuição de renda 51 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Tabela 2.1. Estatísticas básicas de AMIITR usando uma amostra regional agrupada de anos para Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Estados Unidos Argentina Brasil Média DP CV Min Máx Média DP CV Min Máx 1. Toda a Amostra 5,4 5,2 1,0 0 27,7 9,3 2,4 0,3 2,0 19,8 2. Os 20% inferiores 0,02 0,1 3,2 0 0,7 0 0 0 0 0 3. Os segundos 20% 0,03 0,1 2,5 0 1,0 0 0 0 0 0 4. Os terceiros 20% 0,11 0,4 3,3 0 2,5 0 0 0 0 0 5. Os quartos 20% 1,2 3,2 2,7 0 15,7 0 0 0 0 0 6. Os 20% superiores 11,1 8,8 0,8 0 32,6 16,4 2,3 0,1 3,8 23,8 7. Os 90% inferiores 1,4 2,7 1,9 0 17,4 0,3 0,3 0,9 0,0 1,3 8. Os 10% superiores 15,1 10,4 0,7 0 34,9 21,7 2,0 0,1 7,8 25,7 9. O 1% superior 23,7 11,1 0,5 0 35,0 27,3 0,8 0,0 25,0 29,8 Os 10-2% superiores 10. 12,7 10,8 0,8 0 34,8 19,6 2,2 0,1 7,8 24,4 Colômbia Equador Média DP CV Min Máx Média DP CV Min Máx 1. Toda a Amostra 5,0 1,9 0,4 1,7 12,1 4,7 2,5 0,5 0,7 16,2 2. Os 20% inferiores 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3. Os segundos 20% 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4. Os terceiros 20% 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5. Os quartos 20% 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 6. Os 20% superiores 10,3 2,4 0,2 5,0 17,7 8,9 3,9 0,4 1,6 26,0 7. Os 90% inferiores 0 0 0 0 0 0,3 0,5 1,7 0,0 3,6 8. Os 10% superiores 14,94 2,5 0,2 9,4 22,1 12,1 4,5 0,4 2,6 29,7 9. O 1% superior 30,4 0,8 0,0 28,0 32,5 21,3 5,7 0,3 8,6 34,0 Os 10-2% superiores 10. 10,0 1,6 0,2 5,6 14,9 8,2 3,6 0,4 0 15,0 52 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Tabela 2.1. Estatísticas básicas de AMIITR usando uma amostra regional agrupada de anos para Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Estados Unidos (continuação) Paraguai Peru Média DP CV Min Máx Média DP CV Min Máx 1. Toda a Amostra 1,1 1,0 0,9 0,1 4,7 3,7 1,8 0,5 0 10,4 2. Os 20% inferiores 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,0 3. Os segundos 20% 0 0 0 0 0 0,002 0,01 4,9 0 0,1 4. Os terceiros 20% 0 0 0 0 0 0,003 0,02 5,1 0 0,2 5. Os quartos 20% 0 0 0 0 0 0,005 0,02 3,9 0 0,2 6. Os 20% superiores 1,8 1,4 0,8 0,3 6,2 7,5 2,6 0,3 0 13,4 7. Os 90% inferiores 0 0 0 0 0 0,06 0,1 2,4 0 1,0 8. Os 10% superiores 2,3 1,5 0,6 0,4 6,9 11,2 3,3 0,3 0 18,6 9. O 1% superior 6,0 1,8 0,3 2,5 9,1 17,0 2,6 0,2 4,7 26,0 Os 10-2% superiores 10. 0 0 0 0 0 9,5 3,5 0,4 0 15,0 Estados Unidos Média DP CV Min Máx 1. Toda a Amostra 24,1 2,4 0,1 19,5 37,8 2. Os 20% inferiores 6,8 1,4 0,2 2,0 10,7 3. Os segundos 20% 14,7 0,9 0,1 12,9 18,7 4. Os terceiros 20% 19,3 1,7 0,1 16,6 27,0 5. Os quartos 20% 24,0 2,6 0,1 19,5 37,0 6. Os 20% superiores 31,6 4,1 0,1 26,6 50,3 7. Os 90% inferiores 21,2 2,0 0,1 17,5 29,8 8. Os 10% superiores 33,6 5,0 0,1 27,9 53,2 9. O 1% superior 38,5 6,3 0,2 28,0 63,4 Os 10-2% superiores 10. 32,4 4,9 0,2 27,2 48,3 Fonte: Riera-Crichton, Venturi e Vuletin, 2022. Obs.: AMIITR = taxa média marginal de imposto de renda de pessoa física; CV = coeficiente de variação; Máx = máximo; Min = mínimo; DP = desvio padrão. 53 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens desses países que pagam. Embora a proporção entre os 10% superiores e os 90% inferiores da AMIITR seja de cerca de 1,6 nos Estados Unidos, ela é de 193 no Peru, 77 no Brasil, 38 no Equador e 11 na Argentina. Essa proporção não está definida na Colômbia e no Paraguai (porque a AMIITR média dos 90% inferiores é zero). Analisando o 1% superior (linha 9), a AMIITR na maior parte da amostra, à exceção do Paraguai, está quase no nível dos Estados Unidos (36,9%): 30,4% na Colômbia, 27,3% no Brasil, 23,7% na Argentina, 21,3% no Equador e 17% no Peru. Assim, não está claro que haja um grande 1% superior inexplorado. Alinhar a AMIITR da amostra latina com a dos Estados Unidos exigiria expandir o imposto de renda mais para baixo na distribuição de renda. Há uma grande variação no imposto de renda entre as Figura 2.6. Resposta em nível de país da regiões. O Mapa 2.2 mostra que a heterogeneidade na renda antes de impostos a um choque renda subnacional representa a variação substancial exógeno e imprevisto de AMIITR após correspondente na AMIITR. Assim, o imposto de renda impostos, impulsionado exclusivamente por não só é mais progressivo por definição, mas também mudanças fiscais legisladas contribui para potenciais transferências de recursos em áreas geográficas no nível subnacional. 8 Os efeitos do aumento da tributação de renda de 6 pessoa física no crescimento são maiores na ALC do que nos Estados Unidos. Em contraste com as 4 estimativas máximas de ERT de curto prazo de 1,2 observadas nos Estados Unidos, a América Latina 2 mostra estimativas duas vezes maiores, de 2,5.6 A Porcentagem Figura 2.6 mostra a resposta da renda cumulativa, 0 antes de impostos, a um choque exógeno e imprevisto após impostos em diferentes horizontes temporais (avaliados em nível de país). -2 Parte desse efeito parece vir através do canal do -4 mercado de trabalho. Riera-Crichton, Venturi e Vuletin (2022) também avaliam como o imposto de renda de -6 pessoa física distorce as decisões de trabalho, nas margens tanto extensivas quanto intensivas, bem -8 como a informalidade do mercado de trabalho. A -3 -2 -1 0 1 2 3 4 Figura 2.7 apresenta os resultados. O painel a mostra Ano que, no lado da margem extensiva, a participação da força de trabalho aumenta (diminui) tanto no curto Fonte: Riera-Crichton, Venturi e Vuletin, 2022. Obs.: As áreas escuras, médias e cinza-claro apresentam intervalos de confiança quanto no longo prazo, em resposta a um aumento de 68%, 90% e 95%, respectivamente. AMIITR = taxa média marginal de imposto de renda de pessoa física. (queda) da AMIITR após impostos. Essa resposta positiva é impulsionada pelo comportamento tanto de pessoas empregadas (ver painel c) quanto de pessoas desempregadas (ver painel d). Curiosamente, enquanto a resposta positiva do emprego ocorre no impacto, o desemprego demora um pouco mais para responder de forma intensiva. Por estas razões, a taxa de desemprego responde fracamente no primeiro ano (ver painel e), mas positivamente a partir do segundo ano após o choque fiscal. No lado da margem intensiva, há uma resposta positiva duradoura nas horas semanais trabalhadas por trabalhador (ver painel b). Em suma, como previsto pelos modelos simples do mercado de trabalho, as evidências sustentam que aumentos (cortes) no imposto de renda de pessoa física reduzem (aumentam) a disposição para trabalhar nas margens tanto extensiva quanto intensiva. Após oscilações 54 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Mapa 2.2. Participação dos 10% maiores contribuintes por região em cada país a. Argentinaa b. Brasil Participação dos 10% maiores contribuintes (porcentagem) 4,0 - 5,1 5,2 - 6,4 6,5 - 7,0 7,1 - 9,8 9,9 - 14,4 14,5 - 27,4 27,5 - 40,6 Participação dos 10% maiores contribuintes (porcentagem) 3,8 - 3,9 4,0 - 5,1 5,2 - 6,2 6,3 - 8,3 8,4 - 11,5 11,6 - 14,7 14,8 - 26,7 c. Colômbiab d. Equador Participação dos 10% maiores contribuintes (porcentagem) Sem valores 4,7 - 5,5 5,6 - 6,1 6,2 - 6,9 Participação dos 10% maiores contribuintes (porcentagem) 7,0 - 7,8 3,8 - 3,9 8,4 - 11,5 7,9 - 9,1 4,0 - 5,1 11,6 - 14,7 9,2 - 11,3 5,2 - 6,2 14,8 - 26,7 11,4 - 15,6 6,3 - 8,3 Fonte: Riera-Crichton, Venturi e Vuletin, 2022. a. Para a Argentina, como as pesquisas domiciliares são representativas exclusivamente das áreas urbanas e, em alguns casos, há mais de uma área urbana pesquisada na mesma província, o valor atribuído a cada província no mapa é uma média ponderada pela população da parcela dos 10% maiores contribuintes das áreas urbanas pertencentes a cada província. A parcela da população urbana em relação à população total nas províncias argentinas varia entre 74% (em Misiones) e 100% (na Cidade de Buenos Aires). b. Para a Colômbia, as regiões brancas não estão incluídas na pesquisa domiciliar do país. Essas regiões excluídas representam apenas 3% da população total da Colômbia. 55 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Mapa 2.2. Participação dos 10% maiores contribuintes por região em cada país (continuação) e. Paraguai f. Peru Participação dos Participação dos 10% maiores 10% maiores contribuintes contribuintes (porcentagem) (porcentagem) 3,5 - 4,8 7,3 - 7,4 4,9 - 6,6 7,5 - 7,8 6,7 - 7,6 7,9 - 8,2 7,7 - 8,2 8,3 - 11,3 8,3 - 10,1 11,4 - 11,6 10,2 - 12,9 11,7 - 21,6 13,0 - 19,8 g. Estados Unidos Participação dos 10% maiores contribuintes (porcentagem) 4,5 - 5,5 5,6 - 7,1 7,2 - 8,8 8,9 - 10,5 10,6 - 12,0 12,1 - 16,7 16,8 - 21,5 Fonte: Riera-Crichton, Venturi e Vuletin, 2022. Figura 2.7. Mudanças nas variáveis das margens extensiva e intensiva do mercado de trabalho após um ano de um aumento de um por cento na AMIITR após impostos Painel A. Painel B. Painel C. Painel D. Painel E. Painel F. Taxa de Horas trabalhadas Pessoas Pessoas Taxa de Informalidade da participação na por semana por empregadas em desempregadas desemprego renda (definida 5 força de trabalho trabalhador relação à em relação à (definida como como renda (definida como 4,44 população população adulta desempregados informal em desempregados e adulta em relação à relação à renda 4 empregados em população informal e relação à economicamente formal) população adulta) 3,43 ativa) 3 2 2,42 0,95 1 0,52 0,36 0,45 0,23 0,26 0,09 0 0,00 -0,05 -0,15 -0,21 -1 -0,54 -0,82 -0,79 -2 -1,56 Fonte: Riera-Crichton, Venturi e Vuletin, 2022. Obs.: AMIITR = taxa média marginal de imposto de renda de pessoa física. 56 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens de curto prazo (veja painel f), a informalidade do Figura 2.8. Resposta de impacto em nível trabalho também aumenta (cai) após altas (cortes) de país das receitas de imposto de renda na alíquota do imposto de renda pessoa física. de pessoa física a mudanças exógenas não previstas na AMIITR Implicações de política para a arrecadação de Com resposta Sem resposta receitas. Esses efeitos, por sua vez, geram efeitos comportamental comportamental 0,70 de receita compensatórios, que geralmente não 0,66 são incorporados a microssimulações que não 0,60 0,60 pressupõem respostas comportamentais. Como mostra a Figura 2.8, quando essas respostas 0,50 são consideradas, o impacto nas receitas de um aumento de um ponto percentual na AMIITR (0,2) 0,40 0,38 é aproximadamente metade do que em modelos 0,30 simples (0,38) e, potencialmente, é estatisticamente indistinguível de zero. O trabalho preliminar também 0,20 0,20 sugere que, como visto no trabalho teórico de Jaimovich e Rebelo (2017), os empresários tendem 0,10 0,10 a se concentrar no topo da distribuição de renda, o 0,00 que pode sugerir que outros mecanismos possíveis estejam em ação, além da resposta do mercado de -0,10 trabalho. Um aumento da AMIITR que permitisse ampliar a base poderia ter efeitos diferentes. Na -0,20 -0,19 verdade, os Estados Unidos ampliaram sua base -0,30 tributária do imposto de renda de pessoa física após Fonte: Riera-Crichton, Venturi e Vuletin, 2022. a Segunda Guerra Mundial. Obs.: AMIITR = taxa média marginal de imposto de renda individual. Imposto de renda de pessoa jurídica: alíquotas altas, cumprimento moderado As receitas do imposto de renda de pessoa física na ALC são mais altas do que nos países avançados, porém mais baixas do que em algumas outras regiões (ver painel a na Figura 2.9). No entanto, países individuais da ALC ocupam uma posição bastante alta em termos do nível médio da alíquota do imposto de renda de pessoa jurídica quando comparados a outros grupos de países (ver painel b na Figura 2.9). Em termos do impacto dos impostos de pessoa jurídica no crescimento, a literatura em geral concentra-se nos EUA ou na OCDE e apresenta evidências mistas. Enquanto alguns estudos apontam para efeitos de crescimento positivos substanciais e robustos dos cortes de impostos de pessoa jurídica (por exemplo, Arnold et al., 2011; Lee e Gordon, 2005; Mertens e Ravn, 2013), outros informam resultados significativamente negativos, insignificantes ou, no mínimo, mistos (por exemplo, Angelopoulos et al., 2007; Widmalm, 2001; Gale et al., 2015; Ten Kate e Milionis, 2019). Uma resolução para esses fatos estilizados e aparentemente contraditórios é oferecida na Figura 2.10, que mostra que muitos países da ALC tendem a arrecadar (como percentual do PIB) menos do que outros países em determinado nível de alíquota de imposto de pessoa jurídica. Em dois terços da amostra da ALC, a receita arrecadada pelo imposto de pessoa jurídica é menor do que o esperado (ou seja, está abaixo da linha ajustada mundial). Essa “ineficiência” na arrecadação de impostos é impulsionada por fontes bem conhecidas, como evasão fiscal e altos níveis de informalidade (ver Figura 2.11). 57 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.9. Alíquotas padrão de impostos de pessoa jurídica por região do mundo e país da ALC a. Alíquotas de impostos de pessoa jurídica, por região 35% 30% 28,9% 26,2% 26,8% 25% 23,3% 22,2% 20% 18,4% 15% 10% 5% 0% Leste da Ásia Europa e América Latina Oriente Médio e América África e Pacífico Ásia Central e Caribe Norte da África do Norte Subsaariana b. Alíquotas de impostos de pessoa jurídica, por país da ALC 40% 34% 35% 35% 32% 30% 30% 30% 30% 30% 30% 30% 30% 30% 27% 27% 25% 25% 25% 25% 25% 25% 25% 25% 25% 25% 20% 15% 10% 10% 6% 5% 0% 0% 0% Equador El Salvador Argentina Antígua e Barbuda Bahamas Belize Bolívia Brasil Barbados Chile Colômbia Costa Rica Cuba República Dominicana Guatemala Guiana Honduras Jamaica Santa Lúcia México Nicarágua Panamá Peru Paraguai Trinidad e Tobago Uruguai Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base no Banco de Dados de Estatísticas de Receita Global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e dados da KPMG. Obs.: ALC = América Latina e Caribe. Figura 2.10. Muitos países da ALC tendem a arrecadar menos (como percentual do PIB) do que outros países para determinados níveis de alíquotas de impostos 7 Todos Nicarágua Industrializados 6 ALC de Pessoa Jurídica (como % do PIB) Receita do Imposto de Renda 5 Chile Colômbia Bolívia 4 Peru El Salvador Honduras México Costa Rica 3 Jamaica Uruguai Brasil Guatemala Argentina 2 Paraguai 1 República Dominicana Bahamas= 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 Alíquota do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base na KPMG (para a taxa de imposto de pessoa jurídica) e na Base de Estatísticas de Receita Global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Obs.: ALC = América Latina e Caribe; Industrializados = Países que aderiram à OCDE até 1980, com uma população de pelo menos 1 milhão de habitantes. 58 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.11. Muitos países da ALC tendem a ter níveis maiores de informalidade do que outros países para determinadas alíquotas de impostos 60 Todos Bolívia Industrializados 50 ALC Peru Tamanho da Economia Paralela Guatemala 40 Honduras El Salvador Uruguai Nicarágua Brasil 30 Paraguai Jamaica Colômbia Bahamas México 20 Costa Rica Argentina Chile República Dominicana 10 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 Alíquota do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base na KPMG (para a alíquota de imposto de pessoa jurídica) e Medina e Schneider 2018 (para o tamanho da economia paralela). Obs.: ALC = América Latina e Caribe; Industrializados = Países que aderiram à OCDE até 1980, com uma população de pelo menos 1 milhão de habitantes. Embora algumas discussões recentes sobre políticas tenham defendido um aumento na alíquota do imposto de renda de pessoa jurídica, se as alíquotas aumentarem, esses vazamentos na arrecadação de impostos podem se tornar mais severos. Claramente, pode-se argumentar a favor de uma fiscalização mais rigorosa para reduzir essa evasão. No entanto, é possível que a única razão pela qual o imposto de pessoa jurídica muito alto não encontre maior resistência seja exatamente porque uma certa quantidade de evasão é viável. Dessa forma, reduzir a evasão (mesmo que possível, ou a que custo) poderia, em princípio, causar quedas na produção. Passar para um sistema “mais limpo” pode envolver maior cumprimento em conjunto com alíquotas reduzidas. Rumo a um gasto público mais eficaz Os governos também podem melhorar a condução do ajuste fiscal usando os gastos de forma mais eficaz, cortando gastos com baixos retornos econômicos ou sociais percebidos. Esses esforços têm a vantagem adicional de oferecer um ponto de partida para reformas voltadas para a criação de um Estado mais eficiente e responsivo. Nem todos os gastos públicos são iguais em termos de seus impactos no crescimento ou na equidade. Economias de custos eficientes precisam ir além dos gastos agregados do “Big G” a um nível mais fino de desagregação. A Figura 2.12 mostra os maiores componentes do gasto público primário em um mercado emergente típico. Uma decomposição amplamente utilizada do gasto público primário (gasto total excluindo pagamentos de juros) separa os elementos de gastos que são direcionados por mandato legal (gastos automáticos) daqueles que ficam a critério do atual governo (gastos discricionários). Os dois principais tipos de gastos automáticos são os gastos com transferências sociais e com seguro-desemprego. As transferências sociais, por sua vez, são divididas entre seguridade social — que cobrem principalmente pessoas idosas com pensões ou benefícios 59 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens por invalidez — e programas de apoio à família. Figura 2.12. Composição do gasto público em Teoricamente, os gastos com transferências sociais mercados emergentes dependem de parâmetros estruturais, como níveis de Seguridade Social Consumo público pobreza ou demografia. Os gastos discricionários 32,5% 40% consistem principalmente em consumo público, que cobre os custos associados à prestação de bens e serviços públicos, incluindo compras governamentais de bens e serviços intermediários, pagamento de salários públicos e investimento público. A discussão a seguir apresenta três conjuntos recentes de constatações empíricas que abordam os debates Programas recentes mais acalorados sobre a realização de para a família ajustes fiscais por meio da redução de gastos nessas 8% categorias. O primeiro conjunto trata dos efeitos do Seguro-desemprego Investimento público 0,5% 19% corte do investimento público, uma forma comum de ajuste em muitos países da ALC. constatações Fonte: Riera-Crichton e Vuletin, 2022 empíricas revelam que esse tipo de corte de gastos é particularmente prejudicial à atividade econômica, especialmente em termos de crescimento econômico no médio prazo. O segundo conjunto trata do efeito do corte das transferências sociais (tanto para famílias quanto para regimes previdenciários). As constatações mostram que esse tipo de corte regressivo também é recessivo no curto prazo, pois as pessoas em maior situação de vulnerabilidade na região vivem precariamente. O terceiro conjunto de constatações mostra como a redução de grandes desperdícios e ineficiências do governo poderia propiciar uma forma de ajuste “sem custos”, o que também poderia ajudar os governos a recuperar a confiança das pessoas. Corte de investimento público: uma solução fácil com consequências terríveis e duradouras para o crescimento Reduzir o investimento público é uma forma popular de implementar ajustes fiscais na ALC. Cerca de 40% dos ajustes fiscais baseados em gastos na ALC dependem principalmente do corte do investimento público (Balestrini et al., 2022), embora a participação da ALC no investimento público seja a menor entre as regiões de países em desenvolvimento (ver painel a na Figura 2.13) e o nível de investimento público varie consideravelmente entre os países da ALC (ver painel b na Figura 2.13). Em tempos ruins, o investimento público pode parecer um alvo fácil para cortes, devido à sua natureza mais flexível e à falta de um eleitorado eficaz; os beneficiários geralmente estão no futuro distante. Ou seja, cortar o investimento público, especialmente em tempos ruins, pode ser politicamente mais palatável do que cortar despesas correntes, visto que os custos do corte de investimentos são menos perceptíveis para os eleitores. No entanto, cortar investimento público pode ter custos consideráveis no sentido de deprimir o crescimento no longo prazo (Izquierdo et al.. 2019). O investimento público não apenas estimula a demanda agregada, mas também melhora a produtividade no setor privado. Ao contrário do consumo do governo, o investimento público melhora diretamente a capacidade produtiva da economia, aumentando o produto marginal do capital privado e do trabalho. Com o passar do tempo, isso gera efeitos positivos e sinergias tanto no investimento 60 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.13. Investimento público em países em desenvolvimento em todo o mundo a. Nível mediano de investimento público (como percentual do PIB) por região, excluindo países desenvolvidos 8% 8% 7% 7% 7% 6% 6% 5% 4% 4% 4% 3% 2% 1% 0% América Latina Europa e Sul da Ásia África Leste da Ásia Oriente Médio e Caribe Ásia Central Subsaariana e Pacífico e Norte da África b. Investimento público em países da ALC (como percentual do PIB) 10.8% 10% 9% 9% 8% 7% 7% 6% 6% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 4% 4% 4% 4% 4% 3% 4% 4% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 2% 2% 2% 2% 2% 1% 1% 1% 1% 0% Equador Aruba Brasil México Antígua e Barbuda Costa Rica Bahamas Uruguai Guatemala Barbados Honduras Trinidad e Tobago República Dominicana Argentina Paraguai Jamaica Chile Suriname Santa Lúcia São Cristóvão e Nevis Belize Nicarágua Granada Peru Colômbia Panamá Haiti Dominica Bolívia Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial. privado quanto no consumo privado. Além disso, e pelos mesmos tipos clássicos de argumento, quanto menor o estoque inicial de capital público, maiores os efeitos de produção do aumento do investimento público. Especificamente, quando o estoque inicial de capital público é baixo, como ocorre na ALC, a produtividade marginal de uma unidade adicional de investimento público é grande. Auxiliado pelo investimento privado adicional, esse investimento público levará a multiplicadores mais altos de investimento público. A Figura 2.14 mostra esses mecanismos em ação quando o estoque inicial de capital público é alto (painéis a.1, b.1 e c.1) ou baixo (painéis a.2, b.2 e c.2). Estimativas extrapoladas de multiplicadores de investimento público em todo o mundo sustentam a constatação de que a ALC, em média, enfrenta grandes lacunas de infraestrutura (Mapa 2.3) e, consequentemente, grandes retornos potenciais do investimento público. A relevância do investimento público como propulsor do crescimento econômico também funciona dentro dos países. Por exemplo, evidências de províncias argentinas com foco em um determinado tipo de investimento público — rodovias pavimentadas — (Izquierdo et al., 2019) também mostram como o investimento público pode ter multiplicadores poderosos inicialmente e evoluir dinamicamente ao longo do tempo (ver Mapa 2.4). A província de Buenos Aires, que responde por cerca de 40% do PIB argentino e teve um aumento do PIB de quase três vezes em 50 anos - de 1964 a 2014 -, mal expandiu seu estoque de rodovias pavimentadas (com menos de 10% de aumento - de 4.300 km em 1964 para cerca de 4.700 km em 2014). Por essa razão, 61 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.14. Multiplicadores de investimento público Panel A: Efeito no PIB, avaliado com alta proporção de Panel D: Efeito no PIB, avaliado com baixa proporção de estoque inicial de capital público em relação ao PIB estoque inicial de capital público em relação ao PIB 3 3 Multiplicador de gasto cumulativo Multiplicador de gasto cumulativo 2 2 1 1 0 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Trimestre Trimestre Panel B: Efeito no consumo privado, avaliado com Panel E: Efeito no consumo privado, avaliado com alta proporção de estoque inicial de capital público baixa proporção de estoque inicial de capital em relação ao PIB público em relação ao PIB 3 3 Multiplicador de gasto cumulativo Multiplicador de gasto cumulativo 2 2 1 1 0 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Trimestre Trimestre Panel C: Efeito no investimento privado, avaliado com Panel F: Efeito no investimento privado, avaliado alta proporção de estoque inicial de capital público em com baixa proporção de estoque inicial de capital relação ao PIB público em relação ao PIB 3 3 Multiplicador de gasto cumulativo Multiplicador de gasto cumulativo 2 2 1 1 0 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Trimestre Trimestre Fonte: Izquierdo et al., 2019. 62 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Mapa 2.3. Estimativas de multiplicadores de investimento público em todo o mundo Multiplicador de investimento público estoque inicial, 2014 0,0 - 0,3 0,3 - 0,6 0,6 - 0,9 0,9 - 1,2 1,2 - 2,0 Sem dados Fonte: Izquierdo et al., 2019. Mapa 2.4. A evolução de 50 anos dos multiplicadores de investimento público nas províncias argentinas Avaliado em 1964 Avaliado em 1990 Avaliado em 2014 Multiplicador Multiplicador Multiplicador de investimento de investimento de investimento público público público Estoque inicial, 1964 Estoque inicial, 1990 Estoque inicial, 2014 0,0 - 0,3 0,0 - 0,3 0,0 - 0,3 0,3 - 0,6 0,3 - 0,6 0,3 - 0,6 0,6 - 0,9 0,6 - 0,9 0,6 - 0,9 0,9 - 1,2 0,9 - 1,2 0,9 - 1,2 1,2 - 2,0 1,2 - 2,0 1,2 - 2,0 Sem dados Sem dados Sem dados Fonte: Izquierdo et al., 2019. 63 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens seu multiplicador de investimento público quase dobrou nesse período, passando de 0,80 para 1,50. Em contrapartida, a província de La Rioja quase quintuplicou seu estoque de rodovias pavimentadas. Como resultado, seu multiplicador de investimento público caiu de 1,62 para praticamente zero. Tanto a teoria econômica quanto as evidências empíricas sustentam uma conclusão poderosa. Considerando-se os grandes retornos potenciais - tanto para o trabalho quanto para o capital privado - decorrentes das grandes lacunas de infraestrutura da ALC, é preciso resistir à tentação de equilibrar orçamentos adiando o investimento público. Corte de transferências para pessoas em situação de maior vulnerabilidade (incluindo pensionistas) Outra meta comum de redução, especialmente em tempos de inflação, são as transferências sociais, principalmente aquelas relacionadas à seguridade social e pensões (Galeano et al., 2021; Balestrini et al., 2022). Esse tipo de gasto é bastante rígido nos países industrializados em termos reais (após a inflação), por ser indexado automaticamente à inflação. Em muitos países em desenvolvimento, no entanto, não há, no caso das pensões, mecanismos automáticos de indexação de fórmulas baseados em preços (Mapa 2.5). Essa ausência, combinada com uma inflação de moderada a alta, torna essa fonte de ajuste fiscal tentadora para muitos governos, dada a grande participação das pensões no gasto total. Esse tipo de ajuste fiscal é amplamente regressivo na ALC porque a maioria dos pensionistas da região tem renda muito baixa, ao contrário do que ocorre em muitos países industrializados. Além disso, o impacto negativo na atividade econômica dos cortes nas transferências sociais é alto no curto prazo, pois os multiplicadores de transferência social são bastante elevados na ALC (Bracco et al., 2021). Isso se deve principalmente Mapa 2.5. Existência de mecanismos automáticos de indexação de fórmulas baseados em preços no mundo, por volta de 2019 O país tem indexação baseada em fórmula? Sim Não ND Fonte: Galeano et al., 2021. 64 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.15. Parcela de indivíduos que vivem precariamente em países desenvolvidos e emergentes (percentual da população) 0,8 México Noruega Argentina 0,7 Suécia Parcela de pessoas em situação precária (α) Alemanha Colômbia Estados Unidos Grécia Chile Finlândia Brasil 0,6 Peru Dinamarca Portugal Espanha Itália 0,5 Reino Unido Irlanda Luxemburgo Bélgica 0,4 Holanda Áustria 0,3 França 0,2 0,1 0 Desenvolvidos Emergentes Fonte: Bracco et al., 2021. ao fato de que uma grande parcela da população vive precariamente (ver Figura 2.15). Sem poupança ou acesso ao crédito, esses indivíduos e famílias não conseguem suavizar o consumo, recorrendo à poupança ou a empréstimos através dos mercados financeiros. Assim, consomem a grande maioria das transferências. Enquanto a parcela de indivíduos que vive precariamente é de cerca de 23% nos países industrializados e 48% nas economias emergentes, chega a cerca de 60% na ALC. Embora as reformas previdenciárias sejam certamente necessárias em muitas partes do mundo em desenvolvimento — especialmente por meio do aumento da idade de aposentadoria, do monitoramento do destino e da quantidade de pensões não contributivas e, geralmente, da atenção à sua natureza muitas vezes regressiva — a inflação é um ajuste bruto em todo o quadro que pode potencialmente empurrar muitas famílias em posição marginal para a pobreza. Corte de desperdícios e ineficiências: uma maneira “sem custo” de recuperar a confiança das pessoas? Como discutido em diversos meios de comunicação, políticas e pesquisas, há grandes desperdícios e ineficiências nas despesas públicas correntes na ALC que poderiam, em teoria, ser redirecionados para prioridades com maior retorno econômico ou social. Como mostra a Figura 2.16, embora com variações entre os países, os tamanhos dos vazamentos em transferências, dos desperdícios em compras públicas e das ineficiências da massa salarial são substanciais, representando, em média, cerca de 4% do PIB (painel a) e 17% do gasto público total (painel b). De fato, embora esses números de desperdício e ineficiência sejam calculados para 2018, seria de esperar que fossem ainda maiores, já que os aumentos nos preços do petróleo e de outras commodities aumentaram a carga de subsídios na região. 65 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.16. Custo do desperdício e de ineficiências no gasto público na ALC como percentual do PIB e das despesas do governo a. Como percentual do PIB 8 7,2 7 6,5 6,3 Percentual do PIB 6 5,0 4,8 5 4,7 4,7 4,6 4,4 3,9 3,9 3,8 3,8 3,7 4 3 2,7 2,5 2 1,8 1 0 El Salvador Argentina Bolívia Nicarágua Colômbia México Costa Rica Honduras Paraguai Brasil Panamá República Dominicana Uruguai Guatemala Peru Chile ALC b. Como percentual do gasto público total 30 Porcentagem of Expenditure 24,7 24,0 25 23,3 20,8 20 19,0 18,6 18,4 18,0 17,4 17,0 16,6 17,1 15 13,7 12,1 11,9 10,2 10 7,2 5 0 El Salvador Costa Rica República Dominicana Guatemala Paraguai Argentina México Nicarágua Honduras Bolívia Panamá Colômbia Uruguai Peru Brasil Chile ALC Vazamentos em transferências Desperdícios em compras públicas Ineficiência da massa salarial Fonte: Painel a: Izquierdo, Pessino e Vuletin, 2018. Painel b: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em Izquierdo, Pessino e Vuletin, 2018. Obs.: ALC = América Latina e Caribe. Figura 2.17. Custo de desperdícios e ineficiências no gasto público na ALC como percentual dos déficits fiscais gerais em 2021 350% 300% 250% 200% 150% 100% 50% 0% El Salvador Nicarágua Guatemala Argentina República Dominicana México Honduras Uruguai Paraguai Peru Costa Rica Brasil Bolívia Colômbia Panamá Chile ALC Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em Izquierdo, Pessino e Vuletin, 2018. Obs.: ALC = América Latina e Caribe. 66 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.18. Retorno para os gastos públicos em diferentes níveis de eficiência a. Condicionado a alta eficiência b. Condicionado a baixa eficiência 3,0 3,0 Multiplicador de gasto acumulado Multiplicador de gasto acumulado 2,0 2,0 1,0 1,0 0,0 0,0 -1,0 -1,0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Trimestre Trimestre Fonte: Cálculos da equipe do Banco Mundial com base em Izquierdo et al., 2018. Obs.: As linhas tracejadas indicam intervalo de confiança de 95% para o efeito das despesas correntes. Medidas de eficiência se baseiam em um índice derivado do Fórum Econômico Mundial sobre a qualidade das instituições governamentais. Corte de desperdícios e de ineficiências como fonte significativa de ajustes fiscais. Notoriamente, na maioria dos países da ALC o custo monetário estimado dessas três principais fontes de desperdícios e ineficiências do governo equivale a uma parcela substancial dos déficits públicos recentes. Embora as ações variem amplamente entre os países da ALC, em dois terços dos países da amostra o dinheiro ligado a essas fontes de desperdícios e ineficiências pode ser mais do que suficiente para cobrir o equivalente ao seu déficit fiscal global em 2021 (ver Figura 2.17). Portanto, parece sensato aumentar os esforços para reduzir esse tipo de desperdício no gasto público — por exemplo, aumentando os mecanismos de transparência, controle e aplicação da lei, inclusive o papel fundamental do sistema judiciário. Um tipo de ajuste fiscal “sem custo”. Ao contrário de outros tipos de ajuste fiscal, o corte de desperdícios e ineficiências não parece ter muito impacto na macroeconomia. A Figura 2.18 testa se há diferença nos retornos do consumo público entre as economias mais e menos eficientes. Compara multiplicadores de gastos dos países mais eficientes (painel a) e menos eficientes (painel b) do mundo, categorizados com base em um índice derivado das medidas de qualidade institucional do Fórum Econômico Mundial. Economias eficientes têm ganhos relativamente grandes e persistentes no consumo público. As economias menos eficientes não têm nenhum ganho; os multiplicadores de gastos são estatisticamente indistinguíveis de 0. Ou seja, gastos ineficientes podem ter o mesmo resultado que nenhum gasto. Por outro lado, o tamanho dos multiplicadores de gastos agregados pode ser grande quando os gastos públicos são conduzidos de forma eficiente, com um retorno multiplicador cumulativo para os gastos públicos primários chegando a quase US$ 2 após um ano. Grandes quantidades de desperdícios e ineficiências do governo reduzem a confiança das pessoas no governo. Um dos determinantes mais profundos de grandes desperdícios e ineficiências do governo é a corrupção no governo (ver painel a na Figura 2.19). Não é de surpreender que uma consequência importante de maior corrupção no governo seja a menor confiança das pessoas no governo (ver painel b na Figura 2.19). Além disso, a ALC é a região com menor nível de confiança no governo em todo o mundo (ver Figura 2.20). Em suma, essas evidências sugerem que há um espaço considerável na maioria dos países da ALC para reduzir o desperdício e melhorar a eficiência do gasto público. Esses esforços devem partir, antes de mais nada, dos 67 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Figura 2.19. Determinantes e implicações de grandes quantidades de desperdício e ineficiência do governo a. Desperdícios e ineficiências decorrentes de corrupção no governo, usando uma amostra da ALC 30,0 Estimativa de ineficiências e desperdiços no governo = 26,39 - 3,89*** x (Mitigação do risco de corrupção) desperdiços no governo (como % do PIB) 25,0 Estimativa de ineficiências e 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 4,50 5,00 5,50 Mitigação do risco de corrupção (pontuação mais alta = melhor mitigação de risco) b. Confiança no governo em relação à corrupção no governo, usando uma amostra global de países 1,00 Confiança = 0,21*** + 0,08*** x (mitigação do risco de corrupção) 0,90 0,80 0,70 Confiança no governo (média nacional) 0,60 0,50 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 4,50 5,00 5,50 6,00 Mitigação do risco de corrupção (pontuação mais alta = melhor mitigação de risco) Fonte: Painel a: Para o eixo X, Guia Internacional de Risco País (ICRG) 2018. Para o eixo Y, cálculos da equipe do Banco Mundial com base em Izquierdo, Pessino e Vuletin, 2018. Painel b: Para o eixo X, Guia Internacional de Risco País (ICRG) 2018. Para o eixo Y, Wellcome Global Monitor 2018. Obs.: ALC = América Latina e Caribe. “Confiança no Governo” é definida como a proporção de entrevistados que responderam “Muita” ou “Alguma” à pergunta “Qual é a sua confiança no governo nacional deste país?” no Wellcome Global Monitor 2018. Figura 2.20. Confiança do povo no governo, por região 0,60 0,50 Confiança no Governo (média regional) 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 Leste da Ásia Europa e América Latina Oriente Médio América do Norte África e Pacífico Ásia Central e Caribe e Norte da África Subsaariana Fonte: Wellcome Global Monitor 2018. Obs.: “Confiança no Governo” é definida como a proporção de entrevistados que responderam “Muita” ou “Alguma” à pergunta “ Qual é a sua confiança no governo nacional deste país?” no Wellcome Global Monitor 2018. 68 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens governos da região. Em média, cerca de 17% do gasto total são desperdiçados ou não são adequadamente alocados aos grupos mais vulneráveis. Medidas para reduzir o desperdício e promover a eficiência não terão efeitos macroeconômicos negativos e, além disso, podem contribuir para o restabelecimento da confiança social. Em um contexto de tensões sociais crescentes, encontrar opções de ajuste “sem custo” e que não cortem benefícios críticos e incitem o descontentamento civil será essencial para os governos da região — especialmente considerando-se a ampliação das lacunas sociais devido à pandemia. Algumas transferências, como as relativas a combustíveis, representam grande parte do gasto público em alguns países e são comprovadamente regressivas e antiambientais e, obviamente, não contribuem para a construção de capital humano entre as famílias mais pobres. Eliminá-las gradualmente no longo prazo é desejável, mas uma melhor segmentação no curto prazo resultaria em grandes economias de custos. Proteger o investimento público, especialmente para investir em infraestrutura nesses países com grandes lacunas de infraestrutura, também parece ser extremamente importante como determinante do crescimento no longo prazo e para ajudar a destravar sinergias positivas com investimento privado. Por fim, embora os aumentos de impostos sejam sempre uma opção, os governos — e particularmente aqueles em países onde a carga tributária já é alta — devem ter cuidado com a resposta potencialmente grande de distorções macroeconômicas e do mercado de trabalho. Isso é particularmente relevante em uma região que, no passado, frequentemente contou com aumentos de impostos como instrumento de ajuste fiscal. 69 Novas Abordagens para Resolver o Déficit Fiscal Capítulo 2 Fechando a Lacuna Fiscal: Novas Abordagens Notas 1 Consulte Riera-Crichton e Vuletin (2022) para mais detalhes sobre a trágica interação entre a rigidez de gastos e o ciclo de negócios. 2 Para tanto, eles atribuem uma nova classificação baseada em narrativas para cada mudança de imposto (à la Romer e Romer, 2010) e, em seguida, passam a determinar sua natureza prevista. 3 A AMIITR de um país ou região em um ano específico é a média das alíquotas de imposto marginais de cada faixa de renda ponderada pela renda antes dos impostos ou pela renda bruta ajustada. 4 O imposto de renda de pessoa física na Argentina, no Brasil, na Colômbia, no Equador e no Peru data de 1932, 1922, 1927, 1926 e 1934, respectivamente. 5 Na Argentina, a província de Tierra del Fuego não exige pagamento de imposto de renda de pessoa física desde 1974 (Lei 19.640); portanto, a coluna “Min” (mínimo) na tabela 2.1 é sempre “0” para a Argentina. 6 Ver Riera-Crichton, Venturi e Vuletin (2022) para detalhes sobre a identificação e abordagem econométrica. 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