Actualização Económica Guiné-Bissau Macroeconomia Género Educação CRÉDITO DA FOTO DA CAPA: LUCIA SOLDÀ CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 3 ACTUALIZAÇÃO ECONÓMICA DA GUINÉ-BISSAU RENÚNCIA DE RESPONSABILIDADE Este volume é um produto do pessoal do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento/Banco Mundial. Os resultados, interpretações e conclusões expressos neste documento não reflectem necessariamente as opiniões dos Directores Executivos do Banco Mundial ou dos governos que estes representam. O Banco Mundial não garante a exactidão dos dados incluídos neste trabalho. As fronteiras, cores, denominações e outras informações mostradas em qualquer mapa deste trabalho não implicam qualquer julgamento por parte do Banco Mundial relativamente ao estatuto legal de qualquer território ou ao endosso ou aceitação de tais fronteiras. DIREITOS DE AUTOR O material desta publicação está protegido por direitos de autor. Copiar e/ou transmitir fragmentos ou todo este trabalho sem autorização pode ser uma violação da lei aplicável. O Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento/Banco Mundial encoraja a divulgação do seu trabalho e normalmente concede permissão para reproduzir partes deste trabalho prontamente. Para obter permissão para fotocopiar ou reimprimir qualquer parte deste trabalho, envie um pedido com informações completas ao Copyright Clearance Center, Inc., 222 Rosewood Drive, Danvers, MA 01923, USA, telefone 978-750-8400, fax 978-750-4470, http://www.copyright.com/. Todas as outras questões sobre direitos e licenças, incluindo direitos subsidiários, devem ser dirigidas ao Gabinete da Editora, The World Bank, 1818 H Street NW, Washington, DC 20433, USA, fax 202-522-2422, e-mail pubrights@worldbank.org. 4 PREFÁCIO O objectivo deste relatório é actualizar o Governo da Guiné-Bissau, os grupos de reflexão e investigadores, o público e os quadros superiores do Banco Mundial sobre o estado da economia da Guiné-Bissau e as suas perspectivas, juntamente com as reformas estruturais que exige, e os desafios de desenvolvimento que enfrenta. O relatório começa com um capítulo sobre a evolução económica recente, as perspectivas a médio prazo, e os riscos. Inclui secções sobre crescimento, política fiscal, dívida pública, sector externo, evolução monetária, e inflação. O segundo capítulo examina o custo económico da desigualdade de género na Guiné-Bissau e avalia o impacto da educação das raparigas na desigualdade. O terceiro capítulo sublinha a importância de melhorar as competências da mão-de-obra para manter uma trajectória de crescimento sustentável a médio prazo. This update was prepared by the Macroeconomics, Trade and Investment Global Practice under the guidance of Nathan M. Belete (Country Director, AWCF1), Theo David Thomas (Practice Man- ager, EAWM1) and Anne-Lucie Lefebvre (Resident Representative, AWMGW). The overall effort 5 AGRADECIMENTOS Esta actualização foi preparada pela unidade de Programa, EAWM1), e Theresa Adobea global de Macroeconomia, Comércio e Bampoe (Assistente de Programa, EAWM1) Investimento sob a orientação de Nathan M. prestaram assistência administrativa e Belete (Director Nacional, AWCF1), Theo David operacional. Thomas (Gerente da Unidade, EAWM1) e Anne- O relatório beneficiou de comentários Lucie Lefebvre (Representante Residente, fornecidos por Edouard Al-Dahdah AWMGW). O esforço global foi liderado por (Economista Principal do País, EAWDR), Patrick McCartney (Economista, EAWM1 ). Ernest John Sergenti (Economista Principal, O primeiro capítulo foi da autoria de Patrick EAWM1), e Theo David Thomas (Gerente da McCartney (Economista, EAWM1), com Unidade, EAWM1). Os revisores foram Fiseha contributos de Rosa Delgado (Economista, Haile (Economista Sénior, EAWM2) e Cristelle EAWM1), Daniela Marotta (Economista Kouame (Jovem Profissional, HAWE2). Principal, EAWM1), Daniel Reyes (Economista Os autores gostariam de agradecer e creditar Principal, EAWM1) e Sering Touray Elena Touriño Lorenzo e Lucia Soldà pelo (Economista, EAWPV). fornecimento de fotografias para a reportagem O segundo capítulo foi da autoria de e Carlos Zúñiga Lossio pelo design gráfico e a Quentin Wodon (Director, UNESCO-IICBA), apresentação geral do relatório. Paula Tavares (Especialista Sénior em Desenvolvimento do Sector Privado, CAWA2) e Sara Abrantes Guerreiro (Consultora, CAWA2). O terceiro capítulo foi preparado por Emily Gardner (Especialista em Educação Sénior, HAWE2), Javier Lovelle Varela (Consultor, HAWE2) e Setou Mamadou Diarra (Consultor, HAWE2). Micky O. Ananth (Analista de Operações, EAWM1), Maude Jean-Baptiste (Assistente 6 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 7 CONTEÚDOS PREFÁCIO 5 AGRADECIMENTOS 6 CONTEÚDO 8 LISTA DE TABELAS, NÚMEROS E CAIXAS 9 SIGLAS E ABREVIATURAS 11 SUMÁRIO EXECUTIVO 13 This update was led by Patrick McCartney (Economist, EAWM1). Parte I - Macroeconomia The second chapter was prepared by Emily The first chapter was authored by Patrick Gardner (Senior Education Specialist, HAWE2) A. DESENVOLVIMENTOS McCartney (Economist, EAWM1), with RECENTES inputs and Setou Mamadou Diarra (Consultant, from Sering Touray (Economist, EAWPV) HAWE2). Sector and Ernest Real Sergenti (Senior Economist, 19 Micky O. Ananth (Operations Analyst, EAWM1), EAWM1). Dinâmica The authorsfiscal e da would dívida like to also thank 23 Maude Jean-Baptiste (Program Assistant, Balança de Pagamentos Sebastian Schäber (Consultant, EAWM1), EAWM1), and Theresa Adobea Bampoe 30 Política (Economist, Rosa Delgado Inflação Jose- Monetária e EAWM1), 31 (Program Assistant, EAWM1) provided helpful Pobreza Daniel Reyes (Senior Economist, EAWM1), 33 administrative and operational assistance. Samer Naji Matta (Economist, EAWM1), Djibril The report benefitted from comments B. PERSPECTIVAS E RISCOS Ndoye (Economist/Statistician, EAWPV) and 35 provided by Edouard Al-Dahdah (Lead Country Cassandro Mendes (Consultant, EAWM1) for Economist, EAWDR), Ernest John Sergenti their Partework on the previous II - Investir iteration no capital humanoof the first para reduzir a desigualdade de género (Senior Economist, EAWM1), and Theo David chapter of the report. 43 Thomas (Practice Manager, EAWM1). The Custo económico potencial da desigualdade de género Três caminhos para a igualdade de género 56 peer reviewers were Fiseha Haile (Senior Conclusões e recomendações 84 Economist, EAWM2) and Cristelle Kouame (Young Professional, HAWE2). Parte III - Foco especial: educação. Visão geral do sector da educação 94 Impacto da crise da COVID-19 no sector da educação 100 Desempenho do sector da educação 103 Os estrangulamentos que prejudicam o desempenho do sector da educação 110 Prioridades políticas 117 Anexos 125 8 LISTA DE QUADROS, FIGURAS E CAIXAS Figura 1: Remessas anuais 2013-2022 Figura 1b: Remessas Líquidas Mensais 2020-2022 Caixa 1: Desenvolvimentos políticos recentes Figura 2: Variação anual do PIB real e variação anual das exportações de castanha de caju bruto (RCN) (2000-2022) Caixa 2: EAGB, a empresa pública nacional de eletricidade: um risco fiscal permanente Figura 3: Dívida Pública da Guiné-Bissau (Percentagem do PIB) Figura 4: Dívida Externa da Guiné-Bissau (percentagem do total) Figura 5: Evolução dos preços dos principais produtos de importação: Arroz e Petróleo ( jan 2019 - dez 2022) Figura 6: Alterações relacionadas com as exportações de castanha de caju (ano/ano) Figura 7: Inflação Global 2018-2022 (variação homóloga) Figura 8: Crédito à economia Figura 9: Consumo Médio Per Capita (por quintis da distribuição de rendimentos) Figura 10: Taxas de pobreza (por regiões) Figura 11: Balança de transações correntes (Percentagem do PIB) Figura 12: Desempenho fiscal (percentagem do PIB) Figura 13: Desempenho da dívida (percentagem do PIB) Utilizando o último análise da sustentabilidade da dívida (ASD)* Quadro 1: Categoria Sócio-Profissional de Atividade por Género e Acesso ao Crédito, 2018–19 (%) Quadro 2: Resultados de Regressão Selecionados para rendimentos, 2018–19 Quadro 3: Estimativas da perda de riqueza em capital humano devido à desigualdade de género nos rendimentos, 2018 Figura 14: Taxa de Fertilidade e Crescimento Anual da População ( %) Quadro 4: Estimativas da Riqueza Produzida e Natural da Guiné-Bissau ao Longo do Tempo, 1995-2018 Caixa 3: Potenciais implicações de género das Mudanças e choques climáticos Quadro 5: Estimativas dos Direitos Económicos das Mulheres na África Ocidental e Central, 1970 e 2020 Quadro 6: Tendências na Prevalência do Casamento Infantil e de Gravidez Precoce, Mulheres por faixa etária (%) Quadro 7: Relações entre Casamento infantil, Gravidez Precoce e Educação de Meninas, 2018-19 (%) Quadro 8: Tendências de desempenho escolar das meninas - Taxas de conclusão por nível de ensino (%) 9 LISTA DE QUADROS, FIGURAS E CAIXAS Figura 15: Taxas de Conclusão por Género na Guiné-Bissau (%) Quadro 9: Razões para nunca ter feito a inscrição ou abandonar a escola por nível de ensino (%) Caixa 5: Fatores que levam os professores a não passarem tempo suficiente a ensinar Quadro 10: Opções Políticas para o Sector da Educação destacadas na Atualização Económica de 2021 Caixa 6: Melhorar a aprendizagem na Guiné-Bissau: resultados de um ensaio de controlo aleatório Caixa 7: Fatores de risco para a violência baseada no género na Guiné-Bissau Quadro 11: Propostas de políticas para a redução da desigualdade de género na Guiné-Bissau Quadro 12: Ciclos de Educação Figura 16: Comparação das despesas públicas em educação (percentagem do PIB e da despesa pública total - %) Figura 17: Anos de aprendizagem ajustada pré e pós-COVID-19 nos países da UEMOA Figura 18: Tendências da taxa buta de admissão por nível de educação e indice de paridade de género na Guiné-Bissau Figure 19: Comparação internacional da Taxa de Conclusão do Ensino Primário (TCP)Rate (PCR) Figura 20: Taxa de crianças que não frequentam a escola em função do seu estatuto socioeconómico Quadro 13: Taxa de repetição por classe, género e zona de residência Figura 21: Disparidades regionais e de género nas taxas brutas de Admissão Figura 22: Média de aumento dos rendimentos associada ao ano adicional de escolaridade nos países da ASS Figura 23: Comparação internacional da proporção estudante-professor, ensino primário Quadro 14: Matriz de prioridades políticas em destaque 10 SIGLAS E ABREVIATURAS Objectivos de Desenvolvimento AfDB Banco Africano de Desenvolvimento ODM do Milénio Assembleia do Partido Popular Partido Africano para a APU-PDGB Unido-Democrático da Guiné-Bissau PAIGC Independência da Guiné e Cabo Verde Banco Central dos Estados da Partido Africano para a Independência BCEAO África Ocidental PASEC da Guiné e Cabo Verde Banco Interamericano de BID Desenvolvimento PBR Países de baixo rendimento Taxa de conclusão do BIS Banco de importância sistémica PCR ensino primário Banco de Desenvolvimento da BOAD África Ocidental PER Revisão da despesa pública CAD PIB Défice da conta corrente Produto Interno Bruto Fundo de Confinamento e Socorro PNUD Programa das Nações Unidas para o CCRT a Catástrofes Desenvolvimento Comunidade Económica dos PP CEDEAO Estados da África Ocidental Pontos percentuais CIF PRMI’S Custo, Seguro e Frete Países de Baixa e Média Renda DRES Direcções Regionais de Educação PRS Partido para a Renovação Social PSE DSE Direitos de Saque Especiais Plano Setorial de Educação Iniciativa para a Suspensão do RCF DSSI Serviço da Dívida Facilidade de crédito rápido Electricidade e Água da Guiné-Bis- RCN Exportações de castanha de caju EAGB sau bruto Encorajar o desenvolvimento na RIC ECD primeira infância Taxas brutas de matrícula SFC Países marcados por situações de ECF Linha de Crédito Alargada fragilidade e afetados por conflitos EDP SFPA Acordo de Parceria para a Pesca Energias de Portugal Sustentável EGRA/EGMA Leitura e avaliação de matemática SIGE Sistema de Informação sobre Gestão de irau Inicial da Educação EMIS Sistema de Informação de Gestão SMP da Educação Programa Monitorizado de Pessoal FMI SNA Fundo Monetário Internacional Sistema de Contas Nacionais FOB SOE Franco a bordo Empresas Públicas IDE SSA LoreInvestimento directo África Subsaariana IDH Índice de Desenvolvimento TCEN Humano Taxa de câmbio efetiva nominal M2 TCER Fornecimento de dinheiro Taxa de câmbio efetiva real MADEM-G15 Movimento para a Alternância UE Democrática União Europeia Ministério da Educação Nacional e UEMOA União Económica e Monetária da MENES do Ensino Superior África Ocidental MEPRI Ministério da Economia, Plano e UM União para a Mudança Ministério das Finanças NPLS Empréstimos não performativos MF Países de rendimento médio MICS ONG Organização Não-Governamental 11 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 12 SUMÁRIO EXECUTIVO Capítulo 1: Desenvolvimentos económicos recentes e perspectivas A Guiné-Bissau experimentou uma desaceleração económica em 2022, com um crescimen- to de 3,5%. A elevada produção de caju não se refletiu em crescimento económico, uma vez que o país registou um fraco desempenho das exportações provocado por problemas com a Maersk, pela escassez regional de combustível, pela queda dos preços internacionais do caju em agosto e pela fraca demanda por parte da Índia e do Vietname. Esta situação contrasta com a de 2021, quando a economia recuperou para crescer a 5% após a pandemia. Em outubro de 2022, a infla- ção anual aumentou para 7,6% e amorteceu o consumo privado. Em 2022, a pobreza regressou ao seu nível pré-pandémico e espera-se que diminua ainda mais a médio prazo. Embora seja estimado que a pandemia de COVID-19 provocou um aumen- to da pobreza, as análises recentes apontam para uma recuperação gradual em 2022. Com base no limiar internacional de pobreza de 2,15 dólares (na paridade de poder de compra de 2017), esti- ma-se que a pobreza desça de 19,9% em 2021 para 19,2% em 2022, depois de ter aumentado em 2020 para 21,1% de 20,64% em 2019. O lento declínio da pobreza indica uma lenta recuperação da economia, sustentada pelos efeitos colaterais de choques externos, como a guerra na Ucrânia. Espera-se que a taxa de pobreza continue a diminuir, atingindo 18,4% em 2023, e 17% em 2024. A instabilidade política, um ambiente empresarial fraco e uma economia pouco diversifica- da são as causas de um crescimento baixo e volátil na Guiné-Bissau. A instabilidade política recorrente, enraizada na competição pelo controlo dos recursos, continua a ser um obstáculo ao desenvolvimento económico. A falta de infra-estruturas impede o acesso eficiente ao mercado e o desenvolvimento de cadeias de valor nacionais e regionais. O fraco ambiente empresarial, juntamente com uma história de fragilidade política e institucional que data da independência de Portugal, fragiliza o investimento do sector privado, impedindo o progresso na diversifica- ção económica. A economia é dominada pela agricultura e depende quase inteiramente de uma única cultura de rendimento. As castanhas de caju em bruto representam 90-98% do total das receitas de exportação e proporcionam rendimentos a cerca de 80% da população. A economia pouco diversificada da Guiné-Bissau torna-a extremadamente vulnerável a choques externos e condições climáticas adversas. Como resultado da diminuição do desempenho das exportações de caju, as receitas inter- nas diminuíram, e o défice fiscal (incluindo subsídios) caiu ligeiramente de 5,6% em 2021 para 5,5% em 2021. Apesar dos contínuos investimentos em infra-estruturas em 2022, os bai- xos volumes de exportação levaram a um declínio nas receitas totais de 19,6% do PIB em 2021 para 16% em 2022. Uma recuperação da demanda internacional de caju, a implementação do IVA e a implantação do sistema de pagamento de impostos online Kontaktu deverão melhorar as receitas fiscais em 2023. As despesas correntes diminuíram e espera-se que a realização de um recenseamento da função pública em 2022 elimine os trabalhadores fantasmas e os funcioná- rios públicos contratados fora dos regulamentos formais, reduzindo ainda mais a fatura salarial e as despesas correntes. Como resultado, o défice fiscal diminuiu para 5,5% do PIB em 2022. Apesar disso, a dívida tem-se mantido elevada, em 80,9% do PIB em 2022, mas considera- -se que é sustentável. A dívida pública total aumentou de 78,3% em 2021 para 80,9% do PIB em 13 2022, com a dívida externa a aumentar de 40% para 41,2%. No entanto, a dívida pública continua a ser sustentável, enquanto o governo se comprometeu a utilizar apenas empréstimos conces- sionais no futuro. O saldo da conta corrente piorou em 2022, devido aos elevados custos da importação de alimentos e energia. O país depende enormemente das importações para a maioria dos secto- res, tais como alimentos básicos (especialmente arroz e farinha de trigo), combustíveis, medi- camentos e materiais de construção. As fracas exportações de caju, juntamente com a pressão inflacionista sobre bens e serviços essenciais que a Guiné-Bissau importa, deveriam provocar um deterioro do saldo da balança corrente de 0,3% em 2021 para -5,2% em 2022. Em 2022 as remessas continuaram a aumentar, e os dados até setembro indicam que as remessas líquidas já são quase tão elevadas como o total de 2021. A taxa de crescimento económico irá aumentar em 2023 à medida que o caju excedentário de 2022 for transportado e o consumo privado se recuperar. Espera-se que o crescimento registe uma recuperação em 2023, uma vez que o excedente de caju da campanha de 2022 é transferido para 2023 e parte dele é transformado em caju processado. O governo está a tra- balhar com outros atores do sector do caju para racionalizar os processos de exportação e es- pera-se que a demanda internacional de caju bruto se recupere com a diminuição dos estoques de processamento do Vietname. Do lado da demanda, a redução da inflação deveria incentivar o consumo privado, o que irá contribuir para o crescimento económico. As autoridades estão empenhadas na consolidação fiscal para assegurar a sustentabilida- de a médio prazo. Espera-se que o défice fiscal diminua novamente em 2023, de 5,5% para 3,5% do PIB. Estima-se que a dívida pública se mantenha elevada em 2023 a 78,2% do PIB e que dimi- nua para 75,4% do PIB em 2024. Apesar do crescimento económico projetado, o défice de finan- ciamento continuará elevado a médio prazo com um défice de financiamento de cerca de 0,7% do PIB em cada ano devido à enorme fatura salarial, um aumento considerável no pagamento de juros e investimentos para assegurar a recuperação económica. Espera-se que este défice seja coberto principalmente por subvenções externas e empréstimos concessionais. O défice orçamental e os níveis da dívida pública deverão permanecer elevados em 2023, mas a médio prazo, convergir para os critérios da UEMOA. As autoridades estão empenhadas num ambicioso programa de consolidação fiscal para construir amortecedores fiscais e assegu- rar a sustentabilidade a médio prazo. Como resultado, o défice orçamental deverá cair para 4,2% em 2022 e convergir para os critérios da UEMOA de 3% do PIB até 2025. Estima-se que dívida pública deverá permanecer elevada em 2022, em 78,4%, mas que diminua gradualmente para atingir o critério da UEMOA de 70% até 2026. As perspectivas de evolução são incertas e estão sujeitas a riscos significativos de dimi- nuição devido à invasão russa da Ucrânia e às próximas eleições parlamentares. Um longo período de invasão russa da Ucrânia, ou uma intensificação da dureza da guerra, poderia afetar as perspectivas económicas se causasse choques na cadeia de abastecimento e diminuísse o ritmo da diminuição da inflação. A instabilidade política resultante das eleições parlamentares pode afetar o apoio político à mobilização de receitas e medidas de controlo de despesas. Para além dos riscos decorrentes da volatilidade dos preços mundiais dos alimentos e do petróleo, as fracas exportações de caju e a diminuição do apoio dos doadores poderia afetar estas perspec- tivas. As tensões financeiras nas empresas estatais, tais como o EAGB e as fragilidades no sec- tor bancário podem gerar passivos contingentes que aumentariam as pressões fiscais. Existem também riscos de deterioro relacionados com eventos climáticos, em particular secas ou 14 inundações, que têm um impacto significativo no sector agrícola. Capítulo 2: O Custo económico da desigualdade de género A desigualdade de género é generalizada na Guiné-Bissau, com enormes repercussões na educação das meninas e no casamento infantil, nas capacidades de participação das mu- lheres no mercado de trabalho e no bem-estar dos seus filhos. O nível de educação das meni- nas nos níveis secundário e pós-secundário continua a ser inferior ao dos meninos e as mulheres adultas têm um nível de alfabetização inferior ao dos homens. Para além disso, a discriminação e as normas sociais determinam os termos da participação das mulheres no mercado de trabalho. É menos provável que as mulheres entrem no mercado laboral e trabalhem por salário do que os homens. Quando isso acontece, elas ganham um salário inferior, o que diminue o poder de negociação e a voz das mulheres. Muitas meninas são casadas ou têm filhos antes dos 18 anos, antes de poderem estar física e emocionalmente preparadas. As mulheres e meninas também correm riscos de ser vítimas de violência baseada no género nas suas casas, no trabalho e em espaços públicos. A sua voz e capacidade de intervenção são limitadas no agregado familiar, na comunidade, no trabalho, ou nos espaços públicos, onde as mulheres estão sub-representadas nos organismos públicos. A coexistência de sistemas de justiça formais e tradicionais estabelece níveis diferentes de proteção dos direitos das mulheres e das crianças. A desigualdade de género afeta também as crianças e contribui para as elevadas taxas de crescimento da população, atra- sando a transição demográfica e os benefícios do dividendo demográfico. O impacto da desigualdade de género numa vasta gama de resultados de desenvolvimento atinge grandes proporções e os argumentos económicos para investir em meninas e mulhe- res são sólidos. As perdas na riqueza do capital humano na Guiné-Bissau devido à desigualdade de género nos rendimentos poderiam atingir até 5,6 mil milhões de dólares, de acordo com os dados para 2018. Este valor pode ser uma estimativa sobrestimada, mas não deve haver dúvidas de que o custo económico da desigualdade de género é muito grande. Além disso, considerando o elevado crescimento populacional, em parte devido à desigualdade de género, as estimativas sugerem que, em termos per capita, a riqueza natural e produzida na Guiné-Bissau diminuiu substancialmente nas últimas duas décadas e meia. Tendo em conta que a riqueza de um país é composta pelos bens que lhe permitem produzir rendimentos futuros (rendimento nacional bruto), as tendências são preocupantes. As mulheres enfrentam outras barreiras que limitam a sua participação económica, no- meadamente as barreiras legais. Segundo o Índice Mulheres, Empresas e o Direito do Banco Mundial que avalia as barreiras legais à participação económica das mulheres, as mulheres be- neficiam de menos de metade dos direitos legais dos homens. Isto dificulta a sua participação na economia através da força de trabalho e do empreendedorismo. Numa escala de zero a 100, a Guiné-Bissau tem uma pontuação global de Mulheres, Empresas e o Direito de 42,5 pontos, o desempenho mais baixo entre os países da África Ocidental e Central. Também regista um atraso na implementação de reformas nos últimos 50 anos para melhorar a igualdade legal de género na participação económica das mulheres, em comparação com outros países da sub-região. De 1970 a 2020, como indicado no Quadro 5, o índice de direitos das mulheres na Guiné-Bissau melhorou apenas 14 pontos de 28,1 para 42,5. Em contrapartida, a média da região aumentou 28 pontos, de 39,7 para 67,8. 15 A desigualdade de género tem também grandes impactos noutras áreas, incluindo a fertili- dade e o crescimento populacional, o atraso de crescimento dos menores de cinco anos, e a capacidade de decisão das mulheres no seio do agregado familiar. Em muitas dessas áreas, é provável que os custos associados sejam também elevados. É o caso, por exemplo, do impacto na fertilidade e do crescimento da população, que tem um impacto nos padrões de vida (PIB per capita, bem como a riqueza per capita). As elevadas taxas de crescimento anual da população devem-se em parte a elevadas taxas de fertilidade, causadas, pela sua vez, pela desigualdade de género, nomeadamente pela elevada prevalência de casamento infantil e de gravidez precoce, bem como pelos baixos níveis de escolaridade das meninas e mulheres. O casamento infantil e a gravidez precoce contribuem para a diminuição dos resultados escolares das meninas e, por outro lado, manter as meninas na escola é uma das melhores estratégias para acabar com o ca- samento infantil e reduzir a gravidez precoce. Embora sejam necessárias múltiplas políticas para reduzir a desigualdade de género, o investimento em meninas adolescentes é especialmente importante tendo em conta os benefícios para toda a vida. É possível promover uma vasta gama de políticas para reduzir as disparidades de género e melhorar o empoderamento económico das mulheres; nesta secção, o enfoque tem-se cen- trado em três vias-chave para alcançar uma maior igualdade: (i) melhorar as leis e o quadro re- gulamentar; (ii) educar as meninas e acabar com o casamento infantil e a gravidez precoce; e (iii) acabar com a violência baseada no género. As principais recomendações que emergem da aná- lise são: (i) é necessário eliminar as barreiras legais para melhorar as oportunidades económicas das mulheres; (ii) é necessário aumentar as oportunidades para as jovens meninas e educá-las para reduzir o casamento infantil e a gravidez precoce; e (iii) é necessário reforçar a voz e a capa- cidade de intervenção das mulheres, lidando particularmente com as normas de género nocivas e a violência baseada no género. As opções políticas para reduzir a desigualdade de género são fornecidas na Tabela 11. Embora estas opções não incluam uma lista exaustiva dos programas e políticas que poderiam ser implementadas para reduzir a desigualdade de género, contribuirão para o progresso nesta área. Capítulo 3:Educação: a resposta à pandemia e a promoção de uma maior resiliência O fraco desempenho do sector da educação e uma grande parte da mão-de-obra não qua- lificada com os baixos níveis de capital humano no pais continuam a ser um grave desafio para o desenvolvimento económico. A educação pode trazer tremendos benefícios tanto para os indivíduos como para todo o país. A educação contribui diretamente para uma maior pro- dutividade e rendimentos, menores taxas de pobreza, melhores resultados de saúde, e maior envolvimento cívico. A baixa qualidade e a falta de acesso à educação continuam a ser os principais desafios. A escolarização básica universal ainda está longe de ser uma realidade. Apesar das melhorias no acesso ao ensino primário nas últimas décadas, um terço das crianças de 6-11 anos nunca 16 frequentaram a escola, e apenas 42% das crianças de 24-29 anos completaram o ensino primá- rio. A gestão do sector da educação a todos os níveis, desde o ministério central até à escola in- dividual, sofre o impacto negativo da baixa despesa pública, da fraca capacidade e da insuficiente capacidade de governação. O sistema de educação também se depara com desafios persisten- tes relacionados com greves frequentes de professores e uma oferta inadequada de professores qualificados. No entanto, no ano passado não houve greves importantes e foi o segundo ano escolar, após a pandemia do coronavírus, sem encerramentos importantes devido às greves nos últimos 7 anos. Nos últimos dois anos, os salários foram pagos regularmente se efetuou uma dedução dias de ausência nos salários dos professores em greve. Isto foi possível graças ao apoio do BM na implementação do Estatuto da Carreira dos Professores. Para complicar ainda mais a situação, a Guiné-Bissau deve agora também tomar medidas adicionais para enfrentar a crise no sistema educativo devido à pandemia da COVID-19. A Guiné-Bissau está entre os mais de 150 países que tiveram de fechar as suas escolas para reduzir a propagação da COVID-19. O surto de coronavírus criou uma enorme perda de tempo de apren- dizagem, com repercussões potenciais para as famílias e crianças nos próximos anos. O Governo adotou um ambicioso Plano Setorial de Educação para 2017-2025, que define as prioridades governamentais dos investimentos neste sector, mas os desafios persistem. Primeiro, a implementação do plano foi adiada consideravelmente devido à pandemia da CO- VID-19, e à instabilidade política. Além disso, o financiamento necessário para alcançar o objetivo de acesso universal a uma educação básica de qualidade ainda não está disponível. Embora a despesa pública em educação tenha aumentado durante a última década, o sector continua na maioria subfinanciado, e a Guiné-Bissau continua a ter a despesa mais baixa em educação como percentagem do PIB, em comparação com os países pares da África Subsaariana (ASS). Apesar destes desafios significativos, há várias medidas que o país adoptou e que pode adoptar para diminuir a pobreza de aprendizagem e acelerar o desenvolvimento do seu ca- pital humano. Como resultado dos grandes esforços de coordenação do Ministério da Economia e das Finanças (MEF) e do Ministério da Educação Nacional e do Ensino Superior (MENES), o valor do pagamento dos salários atrasados dos professores diminuiu significativamente. Como resultado dos grandes esforços de coordenação do Ministério da Economia e das Finanças (MEF) e do Ministério da Educação Nacional e do Ensino Superior (MENES), o valor do pagamento dos salários atrasados dos professores diminuiu significativamente. Em consequência, verificou-se uma redução da frequência das greves de professores em 2019/20 e não se registaram grandes greves nos anos letivos de 2020/21 e 2021/2022. Outras medidas, tais como um maior inves- timento na formação de professores e a melhoria do acesso a materiais de aprendizagem, per- mitem transformar a qualidade da educação. As melhorias contínuas na gestão dos recursos humanos e a implementação do Estatuto da Carreira Docente recentemente adoptado come- çaram a mostrar alguns resultados e a reduzir as greves de professores e a melhorar o ensino. A incorporação do uso da tecnologia no ministério aumentaria a probabilidade de dispor de dados atualizados e fiáveis para melhorar a planificação e a tomada de decisões com vista à utilização eficiente dos recursos limitados. 17 CRÉDITO DA FOTO: LUCIA SOLDÀ O ESTADO DA ECONOMÍA 18 A. DESENVOLVIMENTOS RECENTES Sector Real A recuperação da Guiné-Bissau após o COVID estagnou em 2022 com um crescimento de apenas 3,5% (1,1% em termos por habitante), inferior aos 5% esperados, devido a uma fraca campanha da castanha de caju.1 Uma campanha de caju difícil travou a recuperação económica, uma vez que vários problemas limitaram a concretização de uma produção elevada em crescimento económico. A produção de caju atingiu 240. 000 toneladas, um rendimento recorde de produção, mas apenas 171.000 toneladas foram exportadas até finais de Dezembro. O fraco desempenho deve-se, em parte, aos conflitos no transporte marítimo e à escassez regional de combustível, que prejudicou o transporte interno. As organizações do sector privado e as câmaras de comércio também responsabilizaram a burocracia de licenças e de exportação do porto. Ao nível internacional, os problemas de armazenamento no Vietname e as interrupções no comércio do caju devido às festividades religiosas na Índia também provocaram uma fraca demanda internacional, o que obrigou a que todos os países exportadores de caju da África Ocidental terminassem a campanha com estoques não vendidos. Como resultado, os preços internacionais flutuaram durante toda a temporada, bloqueando os acordos de exportação entre compradores intermediários de caju e comerciantes internacionais. Além disso, a crescente confiança do sector privado, que tinha sido alicerçada num longo período de estabilidade política, foi abalada por episódios recentes, incluindo a tentativa de golpe de Estado e de dissolução do governo (Caixa 1). A elevada inflação de 7,6%, provocada pela invasão russa na Ucrânia, agravou os problemas da economia real apesar das elevadas remessas de fundos.2 Este aumento da inflação, originada por um aumento dos preços dos alimentos e da energia, trava o consumo privado, prejudicando o crescimento económico e esforços de redução da pobreza, apesar da contínua tendência de aumento das remessas líquidas (Figuras 1a e 1b). A tendência crescente das remessas emergiu durante a pandemia de COVID-19, possivelmente devido a uma mudança de canais financeiros informais para canais formais devido às restrições de viagem. No mês de janeiro de 2023 verificaram-se sinais de um abrandamento das pressões inflacionistas sobre alguns motoristas, uma vez que os custos dos transportes públicos voltaram aos níveis anteriores à pandemia.3 No entanto, o preço e a escassez de alguns alimentos básicos continuaram a aumentar, destacando ainda mais a dependência do país das importações de alimentos.4 As infra- estruturas rodoviárias continuaram a ser melhoradas com financiamento do governo e 1 Os números apresentados no relatório são estimativas do staff do Banco Mundial, uma vez que os números oficiais do PIB só estão disponíveis até 2018 (Anexo 1). 2 Utilizando os dados do BCEAO de Janeiro até Outubro. 3 Os preços dos táxis partilhados baixaram de 300 FCFA para 250 FCFA e os custos do toka-toka diminuíram de 100 FCFA para 50 FCFA. 4 As cebolas quase desapareceram do mercado, e uma cebola custava 500 FCFA por cebola em janeiro. 19 ajudaram a impulsionar o crescimento, estimulando o sector da construção. Os serviços também voltaram a funcionar uma vez que as medidas de restrição e limitações de viagem foram completamente removidos. Figura 1a: Remessas anuais 2013-2022 e Figura 1b: Remessas Líquidas Mensais 2020-2022 1. Visão geral do Sector da Educação Fonte: BCEAO A Guiné-Bissau confronta-se com importantes desafios estruturais para melhorar as suas perspectivas de crescimento. A recorrente instabilidade política é a causa do fraco desempenho do país (Caixa 1). Uma rede rodoviária nacional deficitária, um porto marítimo pouco produtivo e o custo elevado do acesso à Internet dificultam o acesso adequado no mercado e o desenvolvimento de cadeias de valor nacionais e regionais. Um ambiente de negócios desafiante, junto com a incerteza política e a fraqueza das instituições, minam o investimento do sector privado e entrava o avanço da diversificação económica. 20 CAIXA 01 Desenvolvimentos políticos recentes A Guiné-Bissau é um dos países das instituições públicas também mais pobres e mais frágeis, provocaram que a utilização dos situando-se entre os 10% dos recursos públicos tenha sido pouco piores classificados em termos transparente e responsável. da maior parte dos Indicadores A instabilidade continuou mesmo de Governação Mundial. O ciclo depois do pior momento da crise de de contínuas disputas políticas COVID-19 atenuou. Em fevereiro de inviabiliza a consolidação das 2022, após um período de relativa estruturas políticas, de segurança, estabilidade política, houve outra económicas e administrativas tentativa de golpe de estado por necessárias para garantir a parte de homens armados no prestação de serviços públicos Palácio do Governoem Bissau, e a segurança da população. Na enquanto decorria uma reunião do sua curta história como nação governo. Esta foi a 17ª tentativa independente desde 1975, o país de golpe na Guiné-Bissau desde a sofreu dois golpes de Estado, independência, o que aumenta a uma guerra civil e um assassinato já elevada incerteza económica e presidencial. A origem desta riscos. instabilidade constante é a dura concorrência entre as elites pelo Na sequência, o Presidente Embaló controlo do Estado. O Estado é utilizou os seus poderes legislativos incapaz de desempenhar mesmo para dissolver o governo em maio as funções mais básicas e a sua de 2022 e indicou inicialmente que presença é limitada na maioria as novas eleições seriam realizadas do país. Isto contribui para uma em 18 de dezembro de 2022. Foi elevada taxa de pobreza e um nomeado um governo transitório e baixo desenvolvimento do capital interino até às eleições, que estão humano. Cerca de 22,6% da agora marcadas para junho de população vive abaixo do limiar de 2023. pobreza de 1,90 dólares por dia, e o país ocupa a posição 177ª de um total de 191 países no Índice de Desenvolvimento Humano de 2021. A fragilidade e a fraqueza 21 A economia continua a depender enormemente da exportação de castanhas de caju em bruto. Estas representam cerca de 90% do valor das exportações e proporcionam rendimentos a cerca de 80% da população, principalmente aos pequenos agricultores e trabalhadores temporários das colheitas. Apenas aproximadamente 3% da produção nacional bruta de caju é transformada localmente para amêndoa comestível. Consequentemente, o crescimento económico está intrinsecamente ligado aos resultados das exportações deste cultivo (Figura 2). Esta dependência torna o país vulnerável a choques externos, incluindo da alta volatilidade dos preços internacionais e de condições climáticas adversas, tais como as chuvas irregulares ou as inundações. Figura 2: Variação anual do PIB real e variação anual das exportações de castanha de caju bruto (RCN) (2000-2022) Coeficiente de correlação: 0,70 Fonte: Ministério das Finanças e Banco Mundial Na Guiné-Bissau não existe um ambiente propício ao crescimento liderado pelo sector privado devido a infra-estruturas insuficientes, baixos níveis de capital humano e de serviços públicos . Além disso, existe uma feroz concorrência entre as elites para obter ganhos e uma administração pública fraca. O clima de investimento não é favorável para os negócios, verificando-se que o Índice de Liberdade Económica da Heritage Foundation caiu de 36,9/100 para 31,5/100 em 2021 e 2022 respectivamente, em comparação com uma média mundial de 60,3/100. As empresas e os agregados familiares têm dificuldades para ter acesso ao financiamento. O funcionamento dos mercados sofre os efeitos da falta de investimento público em serviços económicos fundamentais e bens públicos. As infra-estruturas de transporte, logística, eletricidade, água e telecomunicações estão degradadas, o que aumenta o custo de fazer negócios. O país faz parte da região da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), onde os mercados de telecomunicações continuam a estar fragmentados e o 22 preço dos serviços das tecnologias da informação e comunicação (TIC) é muito elevado. A ausência persistente de bens e serviços públicos essenciais - através de investimento público direto ou parcerias público-privadas (PPPs) eficazes - limita consideravelmente a capacidade das empresas privadas investirem e das famílias carenciadas participarem na atividade económica, quer através de um emprego independente mais produtivo, quer através de oportunidades de emprego que poderiam ser geradas por um sector privado mais próspero. Dinâmica fiscal e da dívida A situação fiscal registou uma ligeira melhoria em 2022. O governo comprometeu-se com um programa de consolidação orçamental que preserva a sustentabilidade a médio prazo, que se traduziu numa ligeira redução do défice orçamental de 5,6% em 2021 para 5,5% em 2022. Este compromisso foi evidenciado pela conclusão de um Programa Monitorizado pelo Corpo Técnico do FMI, que levou a um acordo com o FMI para um programa de Facilidade de Crédito Alargada de três anos que suporta uma consolidação fiscal gradual.5 As autoridades comprometeram-se a implementar medidas para reforçar a mobilização de receitas. As receitas fiscais diminuíram ligeiramente para 9,5% do PIB em 2022, devido a menos exportações de caju do que o esperado. Este declínio foi decepcionante, uma vez que as receitas fiscais aumentaram para 9,8% em 2021 graças às reformas fiscais e ao contínuo desenvolvimento do sistema de pagamento de impostos online, Kontaktu6. Além disso, foi reforçado o cumprimento fiscal e adoptaram-se medidas para melhorar os procedimentos de controlo interno das direções aduaneiras e fiscais. Em 2022, o governo anunciou também um pacote fiscal para simplificar e aumentar a transparência do sistema fiscal. Prosseguiram também os trabalhos de aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), apoiado pela assistência técnica do FMI, que espera-se que seja concluída até junho de 2023 e que o rendimento fiscal da implementação seja de 2,6 % até 2027. Do lado das despesas, as autoridades continuam empenhadas em racionalizar a fatura salarial e em melhorar o controlo geral das despesas. As despesas salariais permaneceram estáveis em 6,2% do PIB em 2022, de 6.1% em 2021, porque a despesa salarial excedeu o montante orçamentado7 no primeiro semestre do ano devido a 5 Havia 11 referências estruturais no PMS que se centravam em três áreas principais de reforma: gestão financeira pública para controlo das despesas e da massa salarial; mobilização de receitas; e o sector financeiro. Todas foram cumpridas, excepto a referência estrutural para o sector financeiro, que consistia em desenvolver uma estratégia governamental de saída do banco subcapitalizado que o governo detém parcialmente. 6 O sistema electrónico Kontaktu permite aos contribuintes fiscais pagar impostos online, facilitando a eficiência do pagamento e reduzindo a burocracia. 7 O montante orçamentado no primeiro semestre do ano foi de 29 mil milhões FCFA, com uma execução de 31,8 mil milhões FCFA, o que representa um gasto excessivo de 109,6 por cento. 23 contratações irregulares no sector público8. Apesar do ligeiro aumento nos salários, a despesa corrente caiu de 15,5% do PIB em 2021 para 14,7% em 2022. Isto contribuiu para uma redução da despesa total de 24,7% do PIB em 2021 para 21,5% em 2022. A consolidação das despesas foi apoiada pela racionalização dos salários através de medidas como o congelamento dos salários e das novas contratações no sector público, e a abolição de dois terços dos postos de assessores da Presidência, do Gabinete do Primeiro-ministro, da Presidência da Assembleia Nacional e das Presidências do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas. O controlo das despesas continuou a ser efetuado através da continuação do Comité do Tesouro. As empresas públicas representam um risco fiscal significativo para o governo. Existe transparência limitada no sector das empresas públicas, especialmente no caso da empresa nacional de utilidade pública e estatal Eletricidade e Águas da Guiné- Bissau (EAGB), cuja dívida pública atingiu um nível significativo em 2022, gerando um stock total da dívida de aproximadamente 3% do PIB (Caixa 2). A falta de transparência das empresas públicas torna mais difícil a identificação de passivos contingentes, aumentando o risco fiscal num país com uma capacidade de absorção da dívida muito baixa em caso de acontecerem novos choques. O Porto da Guiné-Bissau é também uma empresa pública deficitária, mas não se sabe exatamente quanto está a perder ou de que maneira estas perdas são financiadas, por exemplo. CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 8 Foi feita uma análise da massa salarial como parte da Revisão das Despesas Públicas do Banco Mundial de 2019 para a Guiné-Bissau e concluiu-se que a massa salarial real era muito superior à massa salarial oficial, uma vez considerados os incen- tivos e outros benefícios, tais como viagens e saúde. Para 2022, a massa salarial real era de aproximadamente 119,2 mil milhões de FCFA, em comparação com a massa salarial oficial de 66,8 mil milhões de FCFA. A massa salarial real (massa salarial oficial) representa 12,1% do PIB (6,8%) e 120,7% das receitas fiscais (67,6%). Isto é muito superior ao critério da UEMOA de um rácio de receitas salariais/fiscais de 35 por cento. 24 CAIXA 02 EAGB, a empresa pública nacional de eletricidade: um risco fiscal permanente O abastecimento público de energia Uma série de graves erros de gestão na Guiné-Bissau está principalmente ao longo de décadas levaram à falência limitado à região da capital. A empresa técnica do EAGB. A fraca gestão e as estatal de Eletricidade e Água da Guiné- irregularidades contabilísticas afetam a Bissau (EAGB), fundada em 1983 e situada estabilidade financeira da empresa. Por na capital, Bissau, visa assegurar a produção, um lado, as despesas de funcionamento transporte e distribuição de eletricidade e da EAGB são elevadas, principalmente água em todo o país. No entanto, apenas devido à sua importante fatura salarial. A menos de 20% da população, a maior empresa emprega cerca de 1.000 pessoas, parte localizada em Bissau, tem acesso cujos salários são superiores à média à rede de eletricidade e água do EAGB. nacional e beneficiam de eletricidade e Algumas regiões têm geradores de maiores água gratuitas. Por outro lado, a recolha de dimensões, mas o fornecimento de energia receitas é baixa porque a EAGB não tem a é limitado e instável. Em fevereiro de 2019, o capacidade de fazer leituras atempadas ou EAGB assinou um contrato de fornecimento por vezes não tem em conta o consumo de de eletricidade com a KARPOWERSHIP, água e eletricidade. Estima-se que ainda que instalou uma central elétrica flutuante existam faturas pendentes de eletricidade na costa, no porto de Bissau. Atualmente o de cerca de 4 mil milhões de francos CFA de navio gera e fornece toda a eletricidade que empresas e clientes individuais. O elevado o EAGB vende aos seus clientes. A duração nível de endividamento da EAGB resultante do contrato é de cinco anos, com planos é estimado em 25 mil milhões de francos para aumentar gradualmente a capacidade CFA (3% do PIB), incluindo salários em atraso de produção para 24MW durante este e dívidas ao Tesouro, bancos comerciais e período. ao Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). O governo transfere cerca de 5 mil milhões de francos CFA por ano para saldar a dívida. 25 Um consórcio português de peritos assumiu a gestão do EAGB em 2018. A EAGB beneficia da assistência técnica de um consórcio liderado pela “Energias de Portugal” (EDP) que visa implementar um plano de melhoria de gestão e reestruturação financeira. Cerca de 18 peritos e especialistas técnicos estão encarregados de modernizar o Com a adopção de uma nova tarifa serviço ao cliente e o sistema de faturação em negociada bilateralmente pelo governo Bissau. No entanto, no momento do início da com a Karpower, a EAGB apresenta um pandemia, o consórcio regressou a Portugal risco fiscal significativo. O governo acordou e adoptou um sistema de teletrabalho. Em um contrato mais longo e mais caro com a consequência, o governo da Guiné-Bissau Karpower, que iria aumentar a sua produção suspendeu unilateralmente o seu contrato para 70MW durante um período de 10 anos. de forma temporária, com efeitos a partir de Quando o consórcio português regressou de 1 Junho 2020, com o regresso a acontecer Portugal, constataram que as mensalidades somente em Julho de 2021. pagas à Karpower aumentaram, a partir de Junho de 2021, mas que as mudanças para aumentar as receitas, tais como que A EAGB está a considerar tomar medidas o governo lhes pagasse pela eletricidade significativas e já começou a reestruturar consumida, ainda encontravam resistência. a sua dívida para abrir um caminho para O resultado foi um modelo de negócio não a sustentabilidade. Espera-se que o EAGB sustentável, provocando quatro meses de tome medidas decisivas para melhorar a pagamentos em atraso à Karpower. Em sua situação financeira. Estas devem incluir resposta, o governo organizou uma mesa controlos de salários, para reduzir a fatura redonda em Março de 2022 e convidou a salarial, e um aumento da instalação de EAGB e o Banco Mundial para encontrar uma contadores de pré-pago. Uma comissão solução. Apesar disso, Karpower ativou uma para cobrar as contas de eletricidade não carta de crédito no valor de três meses de pagas já começou a cobrar este tipo de atraso, que foi assinada no início do contrato. dívidas. A EAGB negociou com sucesso uma O valor destes pagamentos em atraso foi de reestruturação da dívida com o Instituto mais de 6 milhões de dólares. Foi assinada Nacional de Segurança Social (INSS), que uma nova carta de crédito, que atrasou, mas permitiu que cerca de 100 trabalhadores em não resolveu, o problema. A comunidade de idade de reforma se retirassem e recebessem doadores continua a apoiar o governo para as suas pensões. Foi celebrado um acordo de encontrar uma solução para o problema e o reestruturação do serviço da dívida de 8 anos novo contrato tem sido enviado para análise com um banco comercial local. A empresa jurídica e avaliar a sua validade. Ainda o cumpriu rigorosamente o calendário de resultado está pendente. pagamento da dívida. Contudo, os potenciais custos fiscais das futuras perdas operacionais da EAGB representam um risco elevado para a situação da dívida do governo. 26 As receitas totais pioraram em 2022, em parte devido a uma diminuição das receitas fiscais. As receitas totais caíram de 19,6% do PIB em 2021 para 16% em 2022, devido aos baixos volumes de exportação de castanha de caju. A fraca campanha de caju também levou a uma diminuição das receitas fiscais para 9,5% do PIB, contra 9,8% em 2021. O rácio impostos/PIB continua a ser um dos mais baixos do mundo devido a uma base tributária limitada e a uma administração fiscal deficiente. O excesso de burocracia também prejudica a eficiência da cobrança de impostos, uma vez que o pagamento de impostos ainda depende bastante das interações pessoais e dos intercâmbios em papel. As reformas e a assistência técnica da comunidade doadora continuam a tratar destas deficiências. Foram também introduzidos vários impostos novos em 2021, tais como o imposto da democracia e a taxa de contribuição audiovisual, para aumentar a base tributária. O imposto das sociedades foi resgatado em 2022, após a queda de 2020, e ultrapassa agora os níveis anteriores à pandemia em 2019. Contudo, a percentagem deste imposto que provém apenas dos grandes contribuintes é significativamente inferior em 2022 (28%) do que em 2019 (83%). A falta de capacidade de cobrança de receitas internas tem criado uma forte dependência dos impostos indiretos, que são principalmente cobrados na alfândega durante os procedimentos de importação e exportação9. Os esforços contínuos para alcançar a consolidação fiscal e melhorar a boa governação têm-se multiplicado através de subvenções. A Guiné-Bissau recebeu vários compromissos de apoio orçamental de outros parceiros para além do FMI. Portugal e França deram ambos 3,3 mil milhões de francos CFA em 2022 para a segurança alimentar e despesas do sector social. Como resultado, em 2022, as subvenções atingiram 4% do PIB, em comparação com 6,3% em 2021, quando apenas a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) deu um apoio orçamental de 1,5 milhões de euros, mas ainda eram recebidas subvenções para apoiar com medidas contra a pandemia. Além disso, a Guiné-Bissau poderá beneficiar do mesmo montante em 2023 por parte da AFD, e da Espanha, que em fevereiro de 2023 anunciou que também iria apoiar o governo através de subvenções. Em 2022, a despesa total diminuiu sensivelmente, apesar dos progressos limitados na racionalização da fatura salarial. A despesa total registou uma ligeira queda de 23,6% do PIB em 2021 para 23,4% em 2022, uma redução menor do que a esperada. Isto deve-se ao fraco desempenho da racionalização da fatura salarial, verificando-se um aumento dos salários para 6,8% do PIB, apesar de o governo ter iniciado um censo, no segundo trimestre de 2022, para eliminar os trabalhadores do sector público que não têm contrato ou que não deveriam estar a trabalhar para a função pública. Como resultado, no primeiro semestre do ano, registou-se um excesso de salários como resultado da pandemia, quando foram contratados trabalhadores adicionais para 9 A facilidade de cobrança de impostos na alfândega faz com que alguns impostos direto (15% dos impostos diretos em 2019) sejam também cobrados durante a importação ou exportação. Estes incluem uma contribuição para os impostos sobre as so- ciedades (Antecipação de Contribuição Industrial) e impostos específicos sobre a castanha de caju (Contribuição Predial Rustica), entre outros. 27 apoiar o país durante a crise de COVID-19, incluindo 1.500 trabalhadores do sector da saúde contratados fora do orçamento e sem a autorização do Ministro das Finanças10. Isto representa um custo orçamental de cerca de 0,3% do PIB e um pouco menos de um terço desse custo no primeiro trimestre de 202211. Esta situação ocorreu no ano 2020 quando as despesas salariais aumentaram para 6,7% do PIB12, contra 5,5% em 2019, e espera-se que desçam para 6,1% até ao final de 202213. As despesas de capital financiadas internamente atingiram 1,5% do PIB, com um investimento significativo contínuo em infra-estruturas rodoviárias. O governo racionalizou as despesas não essenciais nos últimos três meses de 2022 para cumprir as metas do FMI para uma Facilidade de Crédito Alargado. O défice fiscal permaneceu relativamente estável e melhorou apenas ligeiramente em 2022. O défice orçamental registou apenas uma ligeira melhoria em 2022, para 5,5% do PIB, após uma queda para 5,6% em 2021, face a 9,9% em 2020. Esta falta de melhoria deve-se a despesas mais elevadas do que o previsto, nomeadamente relacionadas com a fatura salarial das contratações irregulares, e a despesas relacionadas às eleições parlamentares de 2023. O défice primário interno diminuiu de 8,3% do PIB em 2020 para 3,7% em 2021, devido a uma desaceleração nas despesas de investimento financiadas a nível interno, particularmente no sector da saúde. 14 No entanto, a dívida manteve-se elevada, em 81% do PIB em 2022, de 78,9% em 2021, com a composição da dívida externa a manter-se estável em 41,2% do PIB. De acordo com uma avaliação conjunta do Banco Mundial e do FMI, o país permanece em alto risco de endividamento. O FMI e o Banco Mundial apoiaram o governo a reduzir a dívida não-concessional, implementando uma política de tecto zero para novas dívidas não-concessionais (Figuras 3 e 4). 10 O Memorando Económico do País para a Guiné-Bissau calcula que, ao considerar a remuneração não assalariada e outros benefícios ocultos em outras categorias orçamentais, este número é, na verdade, superior a 10% do PIB. 11 No final de 2021, o caso foi levado ao Conselho de Ministros e os Ministros da Saúde e da Administração Pública foram desti- tuídos. O orçamento de 2022 deu ao Ministro das Finanças a autoridade exclusiva para contratar novos funcionários na admi- nistração pública. 12 O Anexo 2 fornece mais detalhes sobre as políticas de mitigação decretadas pelo governo. 13 O governo iniciou um recenseamento no segundo trimestre de 2022 para retirar trabalhadores do sector público que não têm contrato ou não deveriam estar a trabalhar para a função pública. 14 O saldo primário nacional exclui subvenções, despesas de capital financiadas pelo estrangeiro e juros. 28 Figura 3: Dívida Pública da Guiné-Bissau (Percentagem do PIB) Figura 4: Dívida Externa da Guiné-Bissau (percentagem do total) Fonte: Autoridades da Guiné-Bissau e cálculos do Fonte: Autoridades da Guiné-Bissau e cálculos do FMI e FMI e do pessoal do Banco Mundial. do pessoal do Banco Mundial. Balança de Pagamentos A balança corrente tornou-se deficitáriaem 2022, devido ao elevado custo das importações de alimentos e energia. O país depende enormemente das importações na maioria dos sectores, tais como alimentos básicos, combustíveis, medicamentos e materiais de construção.15 A pressão inflaciista sobre os bens e serviços essenciais (Figura 5) que a Guiné-Bissau importa provocou uma ligeira deterioração da balança corrente, que caiu para -5,2% em 2022, de +0.3% em 2021. Prevê-se uma melhoria em 2023 para 3,5% à medida que as pressões inflacionistas sobre as importações diminuem, apesar da prolongada invasão russa na Ucrânia, e as exportações de caju recuperam. A diminuição das exportações de caju tem agravado os custos de importação. Em 2022, os custos mais elevados de importação de alimentos e energia foram parcialmente compensados por uma valorização da taxa de câmbio efetiva real. No entanto, embora a produção de caju tenha atingido os níveis mais elevados até agora registados, a demanda internacional diminuiu, e o volume das exportações foi baixo (Figura 6). A nova afetação de Direitos de saque especiais (DSE) do FMI para a Guiné-Bissau representou 2,4% do PIB em recursos adicionais. O processo global de atribuição de DSE foi a maior de sempre, em cerca de 456 mil milhões de DSE. Este foi aprovado a 2 de Agosto de 2021 e está em vigor desde 23 de Agosto de 2021. Esta atribuição tinha 15 Embora no passado a Guiné-Bissau fosse um exportador líquido de arroz, actualmente mais de metade do consumo local de arroz, o principal alimento básico do país, depende das importações de arroz. 29 como objectivo responder à necessidade global de reservas a longo prazo e ajudar os países a enfrentar o impacto da pandemia da COVID-19.A Guiné-Bissau recebeu uma dotação de DSE do FMI, no montante de 38,4 milhões de dólares (2,4% do PIB), em agosto de 2021, que ajudou a colmatar o défice de financiamento externo e permitiu que o governo pagasse antecipadamente parte da dívida do BOAD. As remessas aumentaram em 2022, atingindo 7,7% do PIB entre janeiro e setembro (Figuras 2a e 2b). Figura 5: Evolução dos preços dos principais produtos de importação: Arroz e Petróleo (jan 2019 - dez 2022) Nota: A figura apresenta os preços em dólares. Fonte: Banco Mundial- Dados dos Preços das Mercadorias (folhas cor-de-rosa) Figura 6: Alterações relacionadas com as exportações de castanha de caju (ano/ano) Nota: A figura apresenta alterações ano/ano dos componentes do valor de exportação da castanha de caju. Fonte: Autoridades da Guiné-Bissau e cálculos do pessoal do Banco Mundial. 30 Política Monetária e Inflação A inflação aumentou para mais do dobro em 2022, refletindo as contínuas perturbações nas cadeias de abastecimento. A pressão inflacionista aumentou após a pandemia, passando a inflação global de 3,3% em 2021 para 7,6% em 2022 (Figura 7) . Este aumento deve-se a rupturas nas cadeias de abastecimento e a uma subida global dos preços das mercadorias causada pela invasão russa da Ucrânia. A escassez de combustível na região agravou este problema, uma vez que os custos de transporte aumentaram devido ao aumento dos tempos de transporte. Embora a taxa de câmbio efetiva real (TCER) se tenha valorizado nos últimos anos, mantém-se em torno dos níveis de 2010. A paridade de francos CFA ao euro tem mantido a TCER relativamente estável desde 2010. As alterações na TCER tendem a seguir a taxa de câmbio efetiva nominal (TCEN), uma vez que o diferencial inflacionista com os parceiros comerciais é mínimo. O TCER valorizou-se em cerca de 4% desde 2019, mas mantém-se em torno dos níveis de 2010. Figura 7: Inflação Global 2018-2022 (variação homóloga) 8 7 6 Porcentagem 5 4 3 2 1 0 2018 2019 2020 2021 2022e (Jan-Oct) (Jan-Out) Data Fonte: Dados do Banco Mundial e BCEAO. Os mercados financeiros pouco desenvolvidos limitam a inclusão e o desenvolvimento financeiro. O acesso aos serviços financeiros e a sua utilização aumentaram durante a última década, ajudados pela decisão do governo de pagar os salários apenas através do sector bancário. No entanto, permanecem baixos, e o stock de crédito ao sector privado era de apenas 15% do PIB no final de 2021, inferior à média da UEMOA de 22% do PIB. Uma maior utilização dos serviços de telefonia móvel poderia impulsionar a inclusão financeira, dando às pessoas fora de Bissau acesso aos serviços financeiros. 31 Em 2022, o BCEAO continuou as suas medidas macroprudenciais para apoiar as instituições financeiras e outras empresas privadas. A liquidez do sistema bancário foi apoiada pela orientação acomodatícia do BCEAO, e o crédito à economia permaneceram estáveis em 2022 (Figura 8). A desaceleração económica provocada pelo COVID-19 trouxe dificuldades de liquidez para as empresas privadas e bancos. As taxas de refinanciamento reduzidas do BCEAO de até 2,0% continuam em vigor. O frágil sistema bancário representa um passivo contingente e um risco fiscal para o governo, acentuado por um banco subcapitalizado. No final de 2021, um banco de importância sistémica (BIS) possuía cerca de 40% de todos os depósitos no país, mas a sua fraca capitalização e o enorme nível de crédito mal parado constituem uma ameaça à estabilidade macrofinanceira.16 Em 2021, o governo começou à procura de um investidor estratégico. A criação de uma empresa de gestão de ativos está a ser considerada pelos financiadores como uma solução. No entanto, este processo tem sido difícil, uma vez que o banco só conseguiu recuperar apenas cerca de 10% dos seus créditos mal parados. Persistem questões estruturais de longa data no sector bancário. Estas têm origem na crise política de 2012 e numa queda acentuada dos preços do caju em 2013, que teve um impacto negativo em dois bancos altamente envolvidos no sector do caju, resultando em níveis muito elevados de créditos mal parados. Embora um banco esteja recuperado, o BIS continua subcapitalizado, com níveis de capital negativos desde 2017. Desde dezembro de 2018, o rácio de solvência do sector financeiro tem sido negativo, apesar de uma recapitalização do BIS pelo governo em dezembro de 201917. Os indicadores de solidez financeira mostram que o sector bancário, excluindo o BIS, recuperou em 2021. Em junho de 2021, o rácio capital/ativos ponderados pelo risco era de 21,7 excluindo o BIS (3,6 incluindo o BIS), enquanto que os créditos mal parados eram apenas de 6,5 excluindo o BIS (16,6 incluindo o BIS). No entanto, o sector depende da orientação acomodatícia do BCEAO, que pode reflectir restrições crónicas de liquidez. 16 No momento da elaboração do presente relatório não há dados dos créditos mal parados em 2022. Em 2021, estes represen- tavam 16,6% (6,3% excluindo o banco subcapitalizado). 17 O requisito mínimo para o rácio de solvência estabelecido pelo BCEAO é de 8,25%. Em dezembro de 2019, o rácio médio de solvência da UEMOA era de 11, 35%. O rácio de solvência da Guiné-Bissau era de -2,0%, o único país da UEMOA com um rácio negativo. 32 Figura 8: Crédito à economia Fonte: Estimativas do FMI e do Banco Mundial. Pobreza Baixos níveis de crescimento económico registados na última década têm sido insuficientes para reduzir de forma significativa a pobreza durante a última década. A taxa de pobreza nacional diminuiu apenas um ponto percentual de 2010 para 2018, de 48,7% para 47,7%. Na capital, Bissau, e noutros centros urbanos, a pobreza diminuiu em 6 e 9 pontos percentuais, respectivamente, enquanto aumentou em 5 pontos percentuais nas zonas rurais. A variação geográfica das tendências da pobreza indica claramente as diferenças no crescimento setorial no tempo. O sector agrícola emprega mais de 70% da força de trabalho e é a principal fonte de rendimento para a maioria da população - particularmente nas zonas rurais e entre as famílias mais pobres. No entanto, de 2010 a 2018, a contribuição do sector agrícola para o PIB foi, em média, de 2,2%. Embora seja estimado que a pandemia de COVID-19 provocou um aumento da pobreza, as análises recentes apontam para uma recuperação gradual em 2021, seguida por um lento declínio em 2022. Com base no limiar internacional de pobreza de 2,15 dólares (na paridade de poder de compra de 2017), estima-se que a pobreza desça de 19,9% em 2021 para 19,2% em 2022 - um declínio de 0,7 pontos percentuais - (em comparação com a diminuição de 1,2 pontos percentuais de 2021 para 2020). Este número equivale a mais de 4 000 pessoas a menos em situação de pobreza extrema (em comparação com as mais de 14 000 pessoas que saíram da pobreza de 2020 a 2021). A lentidão do ritmo de redução da pobreza em 2022 coincide com um crescimento mais lento e uma inflação mais elevada. O controlo dos preços dos alimentos básicos (arroz, açúcar 33 e farinha de trigo) e o aumento das remessas deverão atenuar ligeiramente os efeitos da guerra na Ucrânia no bem-estar das famílias (as remessas formais aumentaram em média 36% entre janeiro e junho de 2022 em comparação com o mesmo período em 2021). Como resultado, espera-se que a taxa de pobreza caia ainda mais para 18,4% em 2023 e 17% em 2024. É provável que o aumento dos preços dos alimentos influencie o bem-estar das famílias, principalmente através de produtos básicos importados, como o arroz. É também provável que os recentes aumentos nos preços dos alimentos devido às rupturas nas cadeias de abastecimento mundiais e aos efeitos colaterais da guerra na Ucrânia afetem o ritmo de redução da pobreza na Guiné-Bissau. Por um lado, o aumento dos preços dos alimentos limita a capacidade das famílias vulneráveis de aumentar os seus rendimentos reais - particularmente as famílias agrícolas, a maioria das quais são pobres e sofrem a diminuição dos preços do caju. Por outro lado, como muitos agregados familiares na Guiné-Bissau são produtores de alguns alimentos básicos, o aumento de preços pode não ter um grande impacto negativo no bem-estar das famílias. No entanto, estima-se que o aumento do preço do arroz, que é geralmente importado, tenha um efeito negativo maior no bem-estar das famílias. Em geral, a análise indica que a inflação tem reduzido o consumo per capita em todos os quintis da distribuição do rendimento, embora marginalmente (Figura 9, painel b). A inflação representa um aumento de 1 ponto percentual nas taxas nacionais de pobreza em 2020 (Figura 10, painel b). Para as famílias mais pobres, que gastam mais em alimentos, provavelmente o efeito do aumento dos preços no bem-estar aumentará a sua vulnerabilidade às situações de maior pobreza. É fundamental conseguir uma recuperação resiliente para compensar a perda de rendimentos causada pelo COVID-19. A análise de Mendes et al. (2021) 18 revelou que, sem o COVID-19, espera-se que o nível de consumo das famílias tenha aumentado, resultando num declínio de 2 pontos percentuais na pobreza. Antes da pandemia, previa- se que as famílias através da distribuição do rendimento aumentassem o seu consumo em 2020 (Figura 9, painel a). Contudo, o impacto da pandemia em 2020 reduziu o consumo per capita para níveis inferiores aos de 2019 para a maioria dos agregados familiares, especialmente, para os que se encontram no decil superior da distribuição do rendimento. Como resultado, estima-se que a pobreza (com base no limiar nacional de pobreza) tenha aumentado 3 pontos percentuais. Nas regiões, o efeito negativo segue o mesmo padrão, mas varia em termos da dimensão do efeito. A região com a maior diminuição do consumo per capita é Bissau. Estima-se que as taxas de pobreza nas regiões, que se esperava que diminuíssem antes da pandemia, tenham aumentado até 2020. Para além de Biombo e Bissau, as taxas de pobreza são superiores a 50% (Figura 10, painel a). Portanto, para inverter a tendência da pobreza e restaurar a trajetória de redução da pobreza, a recuperação económica deve ser resiliente e inclusiva. 18 A análise combinou dados do Inquérito Nacional às Famílias de 2018/19 com dados macroeconómicos sobre a contribuição setorial para o crescimento do PIB e a inflação para examinar o efeito da pandemia no bem-estar das famílias. Considera vários canais através dos quais a pandemia poderia afetar o bem-estar das famílias - incluindo a redução do crescimento e as rupturas do mercado, resultando em preços mais elevados. Além disso, propõe um cenário contrafactual dos resultados no caso hipotéti- co de a pandemia não ter ocorrido em 2020 (o Anexo 3 apresenta a metodologia). 34 Figura 9: Consumo Médio Per Capita (por quintis da distribuição de rendimentos) a. Efeito da desaceleração económica b. Efeito do aumento dos preços dos principais pro- dutos de base Figura 10: Taxas de pobreza (por regiões) a. Efeito da desaceleração económica b. Efeito do aumento dos preços dos principais pro- dutos de base Fonte: Cálculos do autor usando dados do EHCVM (2018-19) e dados das Contas Nacionais B. PERSPECTIVAS E RISCOS Apesar de uma fraca campanha do caju em 2022, a campanha de 2023 deverá ser forte, o que apoiará um crescimento económico real de 4.5%. O crescimento em 2023 deve beneficiar de vários fatores. Do lado da oferta, o sector agrícola vai promover o crescimento visto que o excedente de caju da campanha de 2022 foi transferido para 2023 e ainda está a ser vendido. Além disso, o país enviou alguns dos excedentes de caju actualmente armazenados em Bissau para as onze fábricas de processamento do país para sua transformação. A capacidade de processamento de caju está limitada a 10 000 toneladas, mas isto ainda representa um passo potencialmente positivo no sentido de incrementar a cadeia de valor do principal sector produtivo do país. Espera-se que a demanda internacional por caju se recupere, uma vez que o Vietname, o maior exportador mundial de caju processado, tem exportado mais quantidades de caju do que tem importado, resultando na diminuição significativa dos estoques. O investimento contínuo em infra-estruturas rodoviárias irá também impulsionar o sector da construção. Do lado da demanda, espera-se que as pressões inflacionistas sobre as 35 importações de alimentos e energia comecem a diminuir, à medida que os efeitos da guerra na Ucrânia e as rupturas da cadeia de abastecimento começarem a atenuar-se, melhorando o consumo privado e estimulando o crescimento. Seguindo a tendência global, espera-se que a inflação atinja o seu máximo em 2022 e que diminua para 5% em 2023. A inflação começará a estabilizar-se em 2023 à medida que as rupturas de abastecimento diminuem e os preços dos combustíveis e da energia se estabilizam. A médio prazo, a adesão à zona económica e monetária da UEMOA, que proporciona uma forte âncora nominal com a sua ligação ao euro, e o compromisso do governo em matéria de consolidação fiscal manterá a inflação sob controlo, convergindo para 2% até 2025. Espera-se que a orientação monetária se mantenha acomodatícia, e que o BCEAO contribua para manter a liquidez no sector bancário, aumentando o crédito interno na economia a médio prazo, passando de 13,2% em 2023 para 191,9 mil milhões de francos CFA e aumentando para 216,6 mil milhões de francos CFA em 2024. Esta situação poderia agravar os problemas de créditos mal parados dentro do sector bancário. Em 2023, a redução da pressão externa, com a estabilização dos preços dos combustíveis e dos alimentos e a melhoria das exportações de caju, conduzirá a uma contracção no défice da balança de transações correntes. Com o declínio da inflação, os custos de importação de bens essenciais, tais como alimentos e combustíveis, assim como os bens de capital necessários para investimentos de reabilitação de estradas, irão contribuir para o esperado aumento das exportações de caju e aumentarão o défice da balança de transações correntes para 4,3% do PIB até 2023. Apesar do aumento das exportações de caju, a elevada dependência das importações para necessidades básicas e investimentos não permite que o défice da balança de transações correntes evolua rapidamente. Por isso, espera-se que o défice da balança de transações correntes desça apenas marginalmente em 2024 e 2025, para 4,5% e 4,2%, respectivamente, uma vez que os custos de importação diminuem (Figura 11). Figura 11: Balança de transações correntes (Percentagem do PIB) Figura 11: Balança de transações correntes (Percentagem do PIB) Fonte: Cálculos do Banco Mundial. 36 As autoridades estão comprometidas com a consolidação fiscal para assegurar a sustentabilidade da dívida a médio prazo. Espera-se que o défice orçamental diminua para 3,5% em 2023, de 5.5%. O Banco Mundial vai começar a apoiar o governo na implementação de um projecto de governação que visa racionalizar as despesas, controlar a fatura salarial e melhorar a gestão de tesouraria, apoiando o governo em direção a uma conta única do Tesouro. O programa de Facilidade de Crédito Alargada acordada com o FMI vai continuar a apoiar a recuperação após a pandemia e implementar as reformas estruturais necessárias, que inclui a apresentação ao Parlamento de uma Lei revista do Regime Geral de Isenção (Dezembro de 2023) e a revisão do Imposto sobre o Rendimento e das Contas do Imposto de Selo (Junho de 2025), para reforçar a cobrança de receitas domésticas. O défice orçamental deverá ainda ser reduzido para 3% e o rácio da dívida para 70% do PIB durante um período de cinco anos desde a pandemia de COVID-19, para que esteja em conformidade com os critérios de convergência da UEMOA (Figura 12). O governo voltou a analisar a possibilidade de permitir a exploração de reservas de bauxita e fosfato do país, o que ajudará a diversificar as exportações e poderá ter um impacto positivo sobre o PIB e as receitas fiscais do país. No entanto, há reticências em iniciar o investimento e a extracção porque não existe um quadro legal para assegurar a proteção ambiental, uma vez que as reservas se encontram na curva de um rio. Apesar disto, existe um projecto de exploração mineira perto de Farim, com um investimento de 200 milhões de dólares. A empresa começou a construir habitações temporárias para os trabalhadores e a deslocalizar os residentes, mas o progresso foi interrompido devido a mudanças no acordo de exploração mineira. Se o projeto for adiante, as estimativas sugerem, embora sejam ainda incertas, que o projecto poderá aumentar o PIB em 8-16% e as receitas fiscais em cerca de 50-80% durante os anos de exploração. O FMI está a apoiar este sector, prestando assistência técnica para desenvolver um registo de direitos de recursos e realizar um diagnóstico do regime fiscal dos recursos naturais. A EAGB e o BIS continuam a representar riscos fiscais significativos, como já foi referido acima. A dívida pública deverá continuar em níveis elevados em 2023, a 78,2% do PIB, e diminuir para 75,4% do PIB em 2024. Apesar do crescimento económico projetado, as necessidades de financiamento permanecerão elevadas a médio prazo, com um défice de financiamento de cerca de 0,7% do PIB em cada ano, devido à grande fatura salarial, ao aumento significativo dos pagamentos de juros e aos investimentos para apoiar a recuperação económica. Espera-se que este défice seja coberto principalmente por subvenções e empréstimos concessionais externos, uma vez que o governo recorre a outras fontes para além do BOAD, cujos empréstimos são quase inteiramente não concessionais19. A médio prazo, o governo está comprometido a cobrir as necessidades de financiamento com credores multilaterais externos em condições concessionais. O reforço da planificação e execução do investimento para assegurar a optimização dos recursos e um maior alinhamento com o processo orçamental também irá contribuir para a redução da dívida pública. 19 A dívida do Banco de Desenvolvimento da África Ocidental constitui 17% da dívida global e é o maior credor do país. 37 Figura 12: Desempenho fiscal (percentagem do PIB) Fonte: Cálculos do Banco Mundial. Figura 13: Desempenho da dívida (percentagem do PIB) Utilizando o último análise da sustentabilidade da dívida (ASD)* Fonte: Banco Mundial Conjunto, ASD do FMI * Esta versão desta ASD reclassifica a dívida do Banco de Desenvolvimento da África Ocidental como dívida externa. 38 As perspectivas de evolução são incertas e estão sujeitas a riscos significativos de diminuição devido à invasão russa da Ucrânia, instabilidade política, e choques climáticos. Um longo período de invasão russa da Ucrânia, ou uma intensificação da dureza da guerra, poderia afetar as perspectivas económicas se continuasse a causar disrupções na cadeia de abastecimento e diminuísse o ritmo da diminuição da inflação. É fundamental que haja estabilidade política para manter o compromisso do governo com um quadro sólido de política macroeconómica, incluindo: (i) a consolidação fiscal; e (ii) a obtenção prudente de empréstimos, para colocar a dívida numa tendência decrescente constante e alcançar a sustentabilidade da dívida a médio prazo. A instabilidade política resultante das eleições parlamentares planeadas para Junho de 2023 poderia também afetar o apoio político à mobilização de receitas e medidas de controlo de despesas, bem como a dissuadir tanto o investimento privado nacional como internacional. Para além dos riscos decorrentes da volatilidade dos preços mundiais dos alimentos e do petróleo, as fracas exportações de caju e a diminuição do apoio dos doadores poderia afetar estas perspectivas. As tensões financeiras nas empresas estatais, tais como o EAGB (Caixa 2), e as fragilidades no sector bancário podem gerar passivos contingentes que aumentariam as pressões fiscais. No caso de se concretizarem os riscos de diminuição, as tensões sociais poderiam aumentar, dificultando o ajustamento fiscal, a implementação de reformas e aumentando a vulnerabilidade da dívida. Existem também riscos negativos relacionados com eventos climáticos, em particular secas ou inundações, que têm um impacto significativo no sector agrícola. 39 INVESTIR EM CAPITAL HUMANO PARA REDUZIR A DESIGUALDADE DE GÉNERO CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 40 Alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e meninas é o quinto objetivo de desenvolvimento sustentável e uma das principais prioridades para os governos. A redução da desigualdade de género na Guiné- Bissau faz sentido do ponto de vista económico, para além de ser o caminho certo a seguir. O país pode avançar na consecução deste objetivo com políticas apropriadas. Este relatório fornece (1) um diagnóstico de alguns dos aspetos da desigualdade de género na Guiné-Bissau e do seu potencial custo económico, bem como (2) uma análise aprofundada sobre três aspetos principais: (i) a melhoria das leis e do quadro regulador; (ii) a educação das meninas e a eliminação do casamento infantil e da gravidez precoce; e (iii) o fim da violência baseada no género. Indicam-se opções políticas baseado em evidências internacionais. 41 INTRODUÇÃO A desigualdade de género é generalizada na Guiné-Bissau, com enormes repercussões na educação das meninas e no casamento infantil, nas capacidades de participação das mulheres no mercado de trabalho e no bem-estar dos seus filhos. O nível de educação das meninas nos níveis secundário e pós-secundário continua a ser inferior ao dos meninos e as mulheres adultas têm um nível de alfabetização inferior ao dos homens. Para além das diferenças de género no nível de escolaridade e alfabetização, a discriminação e as normas sociais determinam os termos da participação das mulheres no mercado de trabalho. É menos provável que as mulheres entrem no mercado laboral e trabalhem por salário do que os homens. Quando isso acontece, elas tendem a trabalhar a tempo parcial, no sector informal, ou em profissões com salários mais baixos. Estas desvantagens traduzem-se em diferenças substanciais de género nos rendimentos, que diminuem o poder de negociação e a voz das mulheres. Muitas meninas são casadas ou têm filhos antes dos 18 anos, antes de poderem estar física e emocionalmente preparadas para se tornarem esposas e mães. As mulheres e meninas também correm maiores riscos de ser vítimas de violência baseada no género nas suas casas, no trabalho e em espaços públicos. A sua voz e capacidade de intervenção são frequentemente inferiores às dos homens, quer seja no agregado familiar, na comunidade, no trabalho, ou nas instituições nacionais. As mulheres estão sub-representadas nos organismos públicos e a coexistência de sistemas de justiça formais e tradicionais estabelece níveis diferentes de proteção dos direitos das mulheres e das crianças. A desigualdade de género afeta também as crianças. Por exemplo, as crianças de mães jovens e insuficientemente escolarizadas correm geralmente um risco mais elevado de morrer aos cinco anos, de estarem malnutridas e de terem um desempenho deficiente na escola. Além disso, a falta de capacidade de intervenção das mulheres contribui para as elevadas taxas de fertilidade e crescimento populacional, atrasando a transição demográfica e os benefícios do dividendo demográfico. Esta secção apresenta um diagnóstico de determinados aspetos da desigualdade de género, com algumas análises profundas. A primeira parte da análise aborda uma medida simples do custo económico potencial da desigualdade de género em termos de perda de riqueza. São consideradas tanto as perdas de rendimentos das mulheres como as implicações das elevadas taxas de crescimento populacional devido em parte à relação entre a desigualdade de género e as taxas de fertilidade. Posteriormente, a análise centra- 42 se em quatro temas específicos: (i) melhorar as leis e o quadro regulamentar; (ii) eliminar o casamento infantil e a gravidez precoce; (iii) manter as meninas na escola e melhorar a aprendizagem; e (iv) eliminar a violência baseada no género. Para cada uma destas áreas, sugerem-se possíveis opções de programas e políticas, baseado em evidências internacionais. 1. Custo económico potencial da desigualdade de género. Desigualdade de género nos rendimentos As mulheres desempenham um papel crucial na economia, com taxas de participação na força de trabalho e de emprego apenas ligeiramente inferiores às dos homens. Contudo, as mulheres têm muitoas menos probabilidades de receberem um salário. Estão disponíveis dados do inquérito EHCVM de 2018-191 sobre a participação da força de trabalho, emprego (atualmente a trabalhar), emprego assalariado (trabalhador assalariado), e desemprego por género e por faixa etária. A probabilidade de as mulheres trabalharem é praticamente igual à dos homens. Para as principais faixas etárias em idade de trabalhar, mais de quatro em cada cinco mulheres integram a força de trabalho, contra nove em cada dez homens. Se as tarefas domésticas fossem contabilizadas, o total de horas de trabalho das mulheres seria provavelmente maior do que o dos homens, resultando em níveis mais elevados de pobreza de tempo/privação de tempo. No entanto, as mulheres têm muitoas menos probabilidades de ganhar um salário e a maioria delas são trabalhadoras independentes em atividades que têm rendimentos limitados. Como mostra o Quadro 1, as mulheres têm mais probabilidades do que os homens de serem trabalhadoras independentes na agricultura — um tipo de ocupação estreitamente associada a uma elevada probabilidade de serem pobres.2 Mesmo quando trabalham por um salário, a tendência é concentrarem-se em atividades informais como a venda de peixe, a preparação de alimentos em pequenos restaurantes, ou o comércio de frutas e outros alimentos através de redes informais.3 1 O nome completo do inquérito é Enquête harmonisée sur les conditions de vie des ménages. 2 As projeções sugerem que um quarto da população pode ser pobre, com poucas mudanças ao longo da última década. 3 PNUD (2020). 43 Quadro 1: Categoria Sócio-Profissional de Atividade por Género e Acesso ao Crédito, 2018–19 (%) Homens Mulheres Trabalho por conta própria na agricultura 46 56,1 Trabalho por conta própria noutra ocupação 21 27,3 Trabalho assalariado público 8,2 3,0 Trabalho assalariado privado 23,9 12,6 Trabalho de serviço doméstico 1,0 0,9 Total 100 100 Fonte: Os autores utilizaram o inquérito EHCVM 2018–19. A análise de regressão sugere que, mesmo quando são assalariadas, as mulheres ganham muito menos do que os homens, mesmo que tenham o mesmo nível de educação e experiência. Em geral, de acordo com dados do inquérito EHCVM 2018–19, as mulheres representam apenas 21,2% dos rendimentos salariais totais na Guiné-Bissau, contra 79,8% dos homens. Esta diferença resulta, em parte, do facto de as mulheres terem menos probabilidades de ter rendimentos salariais do que os homens. Mas, além disso, as mulheres são desfavorecidas mesmo quando ganham salário e têm o mesmo nível de experiência e nível de educação que os homens. Entre as mulheres que recebem salários, a maior desvantagem em comparação com os homens vem principalmente de um número mais baixo de horas de trabalho e não de salários mais baixos por hora trabalhada. Este facto pode ser observado a partir de resultados de regressão selecionados apresentados no Quadro 2, onde as trabalhadoras assalariadas não ganham menos do que os homens quando a análise é realizada em termos de rendimentos por hora (o coeficiente de 0,046 não é estatisticamente significativo). No entanto, quando a análise é realizada em termos de rendimentos anuais, verifica-se que as mulheres têm rendimentos 31,2% inferiores aos dos homens, em parte porque quando elas ganham um salário, têm tendência a trabalhar menos horas do que os homens, possivelmente devido às responsabilidades domésticas. É importante notar, e este é um tema que será discutido posteriormente, que a remuneração de que beneficiam os trabalhadores com educação primária não tem um valor estatisticamente significativo relativamente aos trabalhadores sem qualquer educação. Isto deve-se provavelmente, em parte, ao baixo nível de aprendizagem nas escolas. Quanto a remuneração para o ensino secundário, trata-se de um valor pequeno. 44 Quadro 2: Resultados de Regressão Selecionados para rendimentos, 2018–19 Riqueza total Riqueza per capita Estimativas para a Guiné-Bissau (milhões de dolares) (USD) Riqueza total 23,201 12,379 Capital produzido 3,149 1,680 Capital humano 8,836(*) 4,714(*) Capital natural 11,604 6,191 Ativos externos líquidos -388 -207 População (milhões) 1.87 - Custo potencial da desigualdade de género 2,801to 5,602 1,495to 2,989 Fonte: Os autores utilizaram o inquérito EHCVM 2018–19 Note: the regressions include a number of additional controls not shown in the Table. A desigualdade de género ao nível dos rendimentos implica grandes custos económicos para o país. Esta falta de oportunidades económicas para as mulheres acarreta grandes custos económicos não só para elas, mas também para os seus agregados familiares e para o país. A riqueza de um país consiste principalmente em três tipos de capital: O capital produzido provém de investimentos em ativos como fábricas, equipamento, ou infra-estruturas. O capital natural consiste em terras agrícolas e recursos naturais renováveis e não renováveis. Os ativos estrangeiros líquidos, um componente adicional da riqueza de um país, representam normalmente uma parte muito menor da riqueza total. Em termos gerais, o maior fator da riqueza nacional é habitualmente a população de um país. O capital humano medido como o valor presente dos ganhos futuros da força de trabalho representa dois terços da riqueza mundial.4 À medida que os países se desenvolvem, a quota do capital natural diminui, abrindo caminho para uma maior quota do capital humano na riqueza total. A desigualdade de género pode ocasionar grandes perdas na riqueza nacional, pelo menos de duas formas diferentes. Primeiro, como a desigualdade de género reduz os rendimentos das mulheres, reduz as previsões de riqueza do capital humano.5 Segundo, a desigualdade de género contribui para ter elevadas taxas de fertilidade. Em contrapartida, as elevadas taxas de crescimento demográfico dificultam a melhoria dos padrões de vida e a obtenção de benefícios derivados dos dividendos demográficos. 4 Lange etWW al. (2018). 5 Wodon et al. (2020) 45 Na Guiné-Bissau, o custo direto da desigualdade de género nos rendimentos em termos de perda de riqueza de capital humano poderia atingir até 5,6 mil milhões de dólares. Outros cenários implicariam custos inferiores, mas ainda muito elevados. O Quadro 3 fornece estimativas da riqueza da Guiné-Bissau em 2018. As estimativas para o capital natural e produzido provêm dos últimos dados do Banco Mundial sobre a evolução da riqueza das nações,6 enquanto as estimativas para o capital humano foram obtidas por simples projeções entre países e são, portanto, apenas ordens de grandeza.7 Em valores absolutos, a riqueza da Guiné-Bissau em 2018 situava-se em cerca de 23,2 mil milhões de dólares, incluindo uma estimativa provisória sobre a riqueza do capital humano de 8,8 mil milhões de dólares. Este valor representa uma riqueza média de apenas 12 370 dólares por pessoa. Com base nas projeções para o capital humano, a riqueza do capital humano representa apenas 38,1% da riqueza total do país. Uma das razões que explica a reduzida proporção da riqueza do capital humano na riqueza total pode ser o facto de a Guiné-Bissau possuir uma riqueza natural substancial — especialmente em termos do valor das suas florestas (madeira e serviços do ecossistema). Mas outra razão reside nos baixos níveis de rendimentos do trabalho para as mulheres, especialmente em termos de rendimentos salariais. Enquanto a população de mulheres adultas entre os 15–64 anos é ligeiramente superior à dos homens, as mulheres representam, como mencionado acima, apenas 21,2% de todos os rendimentos salariais. Se considerarmos a diferença de rendimentos salariais entre homens e mulheres como potencialmente representativa do nível mais amplo de desigualdade de rendimentos, e se assumirmos, paraor simplificar, que sem desigualdade de género, as mulheres poderiam ganhar tanto como os homens, o custo potencial da desigualdade de género na riqueza do capital humano para o país poderia ser estimado em até 5,6 mil milhões de dólares. Isto será provavelmente um limite superior, por várias razões.8 Para fornecer um intervalo muito aproximado do custo da desigualdade de género, reconhecendo que estas não são, em absoluto, estimativas precisas e assumindo que até metade dos benefícios dos ganhos mais elevados para as mulheres podem ser compensados por efeitos de equilíbrio geral, o Quadro 3 sugere que o custo da desigualdade de género poderia variar entre 2,8 mil milhões de dólares a 5,6 mil milhões de dólares. Embora outras hipóteses levem a uma estimativa menor ou maior do possível custo da desigualdade de género nos rendimentos ao longo da vida, este custo é provavelmente enorme, dificultando o desenvolvimento do país. 6 Banco Mundial (2021) 7 Os últimos dados sobre a evolução da riqueza das nações não incluem dados sobre o capital humano na Guiné-Bissau, mas tendo em conta a forte correlação entre o PIB per capita e a riqueza do capital humano, pode-se fazer projeções para sugerir algumas estimativas 8 Em primeiro lugar, é provável que a desigualdade nos ganhos globais e na produtividade entre homens e mulheres seja menor do que a desigualdade nos ganhos salariais. Em segundo lugar, os efeitos de equilíbrio geral podem reduzir os benefícios obti- dos pelas mulheres com rendimentos elevados. Por exemplo, os estudos indicam que quando as mulheres exercem profissões que anteriormente eram segregadas em benefício dos homens, os ganhos dos homens poderiam efetivamente diminuir. 46 Quadro 3: Estimativas da perda de riqueza em capital humano devido à desigualdade de género nos rendimentos, 2018 Riqueza total Riqueza per capita Estimativas para a Guiné-Bissau (milhões de dolares) (USD) Riqueza total 23,201 12,379 Capital produzido 3,149 1,680 Capital humano 8,836(*) 4,714(*) Capital natural 11,604 6,191 Ativos externos líquidos -388 -207 População (milhões) 1.87 - Custo potencial da desigualdade de género 2,801 a 5,602 1,495 a 2,989 Fonte: Banco Mundial (2021) e estimativas dos autores utilizando projeções simples para a riqueza do capital humano. Nota: (*) As estimativas para a riqueza do capital humano baseiam-se em projeções. Uma comparação entre o Rendimento Nacional Bruto Líquido e a Ajuda Pública ao Desenvolvimento pode ser muito útil para ilustrar a magnitude dos benefícios potenciais da redução da desigualdade de género. Em termos gerais, a perda de riqueza do capital humano devido à desigualdade de género nos rendimentos tem sido estimada em cerca do dobro do Rendimento Nacional Bruto global dos países. Na Guiné-Bissau, devido a níveis particularmente elevados de desigualdade de género, é provável que o rácio seja ainda maior, uma vez que o Rendimento Nacional Bruto do país se situava em cerca de 1,5 mil milhões de dólares em 2020. Outra comparação interessante diz respeito à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) líquida, que consiste em desembolsos de empréstimos feitos em condições concessionais (líquido do reembolso do capital) e subvenções de organismos oficiais. Os organismos incluídos são os membros do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD), instituições multilaterais, e países não CAD. A APD líquida inclui empréstimos, dos quais pelo menos um quarto é composto por elementos de subvenção. Na Guiné-Bissau, a APD líquida totalizou entre 8% e 16% do Rendimento 47 Nacional Bruto durante a última década, dependendo do ano. Os benefícios de pôr fim à desigualdade de género seriam assim uma ordem de grandeza maior do que a APD líquida. A pandemia da COVID-19 pode ter agravado a desigualdade de género nos rendimentos. Como mencionado anteriormente, as mulheres trabalham normalmente em atividades informais relacionadas com a agricultura e o pequeno comércio. Como estas atividades foram restringidas durante os encerramentos, e como o encerramento de escolas trouxe a uma maior carga de cuidados domésticos, é provável que a pandemia tenha afetado os rendimentos das mulheres desmesuradamente. As restrições de mobilidade e o encerramento de mercados terão provavelmente reduzido os seus rendimentos devido ao apodrecimento de frutas, vegetais, batatas-doces, e outros produtos cultivados por mulheres. A pandemia teve também um efeito negativo nas exportações e colheitas de caju, impedindo as mulheres das zonas urbanas de participarem na colheita.9 Nos cuidados de saúde, enquanto os homens realizam a maioria do trabalho administrativo, a maioria das enfermeiras, parteiras, e agentes de saúde comunitários são de sexo feminino, pelo que as mulheres que trabalham no sector dos cuidados de saúde fazem face a um risco acrescido de exposição à COVID-19.10 Embora o pais tenha uma baixa taxa de vacinação contra a COVID,11 as taxas de vacinação têm sido mais elevadas para os homens do que para as mulheres. Vários fatores poderiam ter levado a esta diferença - incluindo padrões generalizados de desigualdade de género, menor taxa de alfabetização das mulheres, e falta de tempo devido à grande carga de trabalho, nomeadamente em casa, bem como a falta de autonomia, que limita o poder de decisão das mulheres. No final de 2021, foram lançadas campanhas de vacinação dirigidas às mulheres para reduzir o fosso. É também provável que as medidas de confinamento e os elevados níveis de estresse aumentem a violência baseada no género, o que pode ter afetado a capacidade das mulheres de participarem na força de trabalho e ganharem um salário. Os dados ao nível internacional sugerem que as estratégias destinadas a melhorar as oportunidades de emprego para as mulheres podem concentrar-se em três áreas principais: (1) reduzir o tempo que as mulheres passam em trabalhos não remunerados e redistribuir as responsabilidades de cuidados para aumentar o tempo que podem destinar ao mercado de trabalho; (2) dar às mulheres mais acesso e controlo sobre os bens produtivos, incluindo a terra e o crédito; e (3) abordar as falhas do mercado e institucionais, incluindo a reforma das leis e quadros reguladores que restringem as 9 PNUD (2021). 10 PNUD (2020). 11 Mathieu et al. (2021). 48 atividades económicas das mulheres.12 Como exemplo de desigualdade no acesso aos ativos produtivos, o inquérito EHCVM 2018-19 sugere que as mulheres têm quatro vezes menos probabilidades do que os homens de pedir empréstimos, embora a taxa de sucesso na obtenção de empréstimos quando se candidatam seja semelhante. É possível que a menor propensão das mulheres para pedir empréstimos se deva em parte às taxas elevadas de participação em mecanismos informais de poupança, tais como tontinas,13 mas outros fatores não podem ser excluídos. De facto, quando as mulheres solicitam empréstimos, são muitas vezes rejeitadas devido à falta de fiador ou à percepção de que a sua capacidade de reembolso é fraca. Porém, para os homens a principal razão para não obterem um empréstimo é um processo incompleto. Leis e quadros regulamentares desfavoráveis contribuem para as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na obtenção de empréstimos. Como outro exemplo de diferenças no acesso a bens produtivos, os dados do inquérito mostram que a propriedade do telefone, o uso do telefone e o acesso à Internet através de um telefone são todos mais baixos para as mulheres do que para os homens. Crescimento da População, Saúde e Nutrição Para além do menor rendimento das mulheres, a desigualdade de género contribui para elevadas taxas de fertilidade e, consequentemente, elevadas taxas anuais de crescimento da população. A desigualdade de género contribui para elevadas taxas de fertilidade (o número de filhos que as mulheres têm ao longo da sua vida). Devido em parte à falta de acesso ao planeamento familiar e a métodos contraceptivos modernos, muitas mulheres têm mais filhos do que gostariam. O casamento infantil e a gravidez precoce também desempenham um papel. Quando as meninas casam cedo ou têm filhos cedo, isto leva-as a ter mais filhos ao longo da sua vida. As elevadas taxas de fertilidade contribuem para elevadas taxas de crescimento da população. Mesmo quando as taxas de fertilidade estão em declínio, porque há um grande e crescente número de mulheres nesta faixa etária que dão à luz, leva tempo para que o declínio da fertilidade se traduza em taxas de crescimento da populacional decrescentes. Como indicado na Figura 1, embora a taxa de fertilidade tenha diminuído nos últimos anos na Guiné-Bissau, este declínio ainda se não traduziu num menor crescimento da população. A taxa de crescimento da população do país é ligeiramente inferior à média da África Subsaariana, mas ainda assim 12 Wodon e de la Briere (2018) 13 As tontinas são geralmente grupos de mulheres pertencentes a uma comunidade que agrupam suas poupanças como um mecanismo de poupança que permite ao grupo conceder empréstimos aos seus membros ou realizar investimentos como grupo. 49 é elevada, limitando a possibilidade de usufruir dos benefícios do dividendo demográfico. A certa altura, a diminuição das taxas de fertilidade resultará em taxas de crescimento da população mais baixas, mas para que o crescimento da população registe um decréscimo mais rápido, as taxas de fertilidade teriam de diminuir cada vez mais rapidamente. Figura 14: Taxa de Fertilidade e Crescimento Anual da População ( %) 8 3 2,5 6 2 4 1,5 1 2 0,5 0 0 1963 1973 1983 1993 2003 2013 1961 1965 1967 1969 1971 1975 1977 1979 1981 1985 1987 1989 1991 1995 1997 1999 2001 2005 2007 2009 2011 2015 2017 2019 Taxa de fertilidade, total (nascimentos por mulher) Crescimento da população (% anual) Fonte: Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial As elevadas taxas de crescimento da população dificultam o aumento da riqueza per capita e, consequentemente, o aumento do nível de vida. A riqueza de um país é a base de ativos que lhe permite gerar rendimentos futuros (Rendimento Nacional Bruto). Se a riqueza de um país não acompanhar o ritmo do seu crescimento demográfico, a longo prazo o nível de vida pode diminuir. Este risco manifesta-se significativamente na Guiné-Bissau. Como se mostra no Quadro 4, a evolução ao longo do tempo das medidas de capital natural e produzido do país, disponíveis no Banco Mundial, revela um declínio nos níveis de riqueza per capita. Todas as estimativas correspondem a valores reais (valor constante em 2018 de dólares americanos). Houve um pequeno aumento da riqueza nacional proveniente do capital produzido e natural nos últimos 23 anos, mas a riqueza per capita diminuiu significativamente (-28% para o capital produzido, e -37% para o capital natural) pelos elevados níveis de crescimento da população, que como mencionado são devidos a taxas de fertilidade relativamente elevadas e ao grande número de mulheres em idade fértil. A nível mundial, a Guiné-Bissau é um dos poucos países onde a riqueza per capita tem diminuído drasticamente ao longo do tempo. 50 Quadro 4: Estimativas da Riqueza Produzida e Natural da Guiné-Bissau ao Longo do Tempo, 1995-2018 1995 2000 2005 2010 2015 2018 Mudança 1995-2018 Riqueza nacional (Milhões, constante 2018 USD) Capital produzido 2,539 2,625 2,719 2,818 2,940 3,149 +24% Capital natural 10,640 12,282 8,547 10,190 11,682 11,604 +9% Riqueza per capita (constante 2018 USD) Capital produzido 2,332 2,185 2,022 1,851 1,692 1,680 -28% Capital natural 9,772 10,224 6,355 6,692 6,725 6,191 -37% Fonte: Banco Mundial (2021). Melhorar o nível de escolaridade das meninas e reduzir o casamento infantil e a gravidez precoce reduziria as taxas de fertilidade e diminuiria o crescimento da população. Quanto mais cedo as mulheres casarem, maior será a probabilidade de terem filhos precocemente, levando-as a ter mais filhos ao longo da sua vida.14 Em função da idade no momento do casamento, o casamento infantil aumenta a média de filhos que as mulheres têm ao longo da sua vida (fertilidade total) de 11% a 32%. As simulações apontam que o fim do casamento infantil poderia reduzir a taxa nacional de fertilidade em 0.35 filhos a nível nacional, ou cerca de 7% do valor de base. Para as meninas, a conclusão universal do ensino secundário poderia ter um impacto ainda maior, reduzindo a taxa de fertilidade em 1,35 crianças a nível nacional ou 28% do valor base. Uma vez que o ensino secundário universal para meninas pode ajudar a eliminar o casamento infantil, os efeitos combinados do ensino secundário universal (incluindo a eliminação do casamento infantil) poderiam levar a uma redução nas taxas de fertilidade em mais de um terço, o que, por sua vez, resultaria em taxas de crescimento anual da população mais baixas e, portanto, a uma transição mais rápida para um dividendo demográfico. Melhorar o acesso à contracepção moderna também poderia ajudar as mulheres a conseguir reduzir as taxas de fertilidade. Os determinantes imediatos da fertilidade incluem a taxa de casamento nacional, o nível de uso de contraceptivos, a taxa de aborto 14 Onagoruwa e Wodon (2018). 51 e a duração média do tempo de infecundidade pós-parto (modelo Bongaarts). No MICS 2018-19, a percentagem de mulheres adultas da Guiné-Bissau que utilizavam métodos contraceptivos era de 22,1%. Mais de metade das mulheres adultas não têm condições de cobrir as suas necessidades de contracepção. Os fatores de procura que limitam o uso de contraceptivos incluem tanto a falta de informação sobre a saúde sexual e reprodutiva como as normas de género que dissuadem as mulheres de usar contraceptivos. Os fatores do lado da oferta incluem a inexistência de métodos contraceptivos modernos, falta de estoque e escassez de pessoal de saúde qualificado, tais como parteiras, para aconselhar as mulheres sobre, por exemplo, a utilização de métodos contraceptivos a longo prazo. Uma solução tanto para as restrições da oferta como da procura contribuiria para atenuar as necessidades não satisfeitas de contracepção, o que, de certa forma, contribuiria para diminuir a fertilidade. Trasar o casamento e a gravidez e melhorar o nível de educação das meninas produziria numerosos benefícios para além da simples redução das taxas de fertilidade e crescimento da população. As meninas que casam ou abandonam prematuramente a escola têm mais probabilidades de ter problemas de saúde e receber salários mais baixos, aumentando a probabilidade de as suas famílias serem pobres. Elas também correm o risco de serem vítimas de violência por parte do parceiro íntimo e não têm capacidade de decisão no seio do agregado familiar. Fundamentalmente, as meninas que casam, têm filhos ou abandonam prematuramente a escola são privadas dos seus direitos básicos, o que afeta não só a elas mas também aos seus filhos. Por exemplo, os filhos de mães jovens correm frequentemente um risco mais elevado de morrer antes dos 5 anos, de sofrerem malnutrição e de terem um fraco desempenho escolar. Uma análise detalhada destes impactos foi realizada para uma série de países em África e a nível mundial15 e é provável que os efeitos na Guiné-Bissau sejam similares. Os investimentos no desenvolvimento da primeira infância (DPI) são particularmente importantes, especialmente para crianças em risco devido a uma gravidez precoce. As elevadas taxas de mortalidade neonatal e de atraso no crescimento na Guiné-Bissau são o resultado da falta de investimentos suficientes nas crianças mais pequenas. Contudo, o investimento em crianças pequenas é um dos melhores investimentos que os países podem fazer porque os primeiros anos de vida de uma criança abrem uma janela de oportunidade única para abordar a desigualdade, quebrar o ciclo da pobreza e melhorar vários resultados do ciclo de vida.16 Os investimentos em DPI registam geralmente elevadas taxas de retorno económico, particularmente quando comparados com os 15 Wodon et al. (2017, 2018a, 2018b). 16 Black et al. (2017) 52 investimentos efetuados em fases posteriores da vida. A implementação de programas que abordam múltiplos fatores de desnutrição simultaneamente e combinam serviços entre sectores tais como a saúde e nutrição, psicossocial/estimulação precoce, bem como a melhoria do abastecimento de água e saneamento, que abrangem as comunidades seria especialmente benéfico. Deve-se também ter em conta que existem barreiras sociais que impedem melhorar os resultados de DPI, uma vez que os pais - e especialmente as mães jovens, muitas vezes não estão cientes do que podem fazer – como, por exemplo, assegurar uma estimulação precoce suficiente - para melhorar a situação dos seus filhos. Por conseguinte, a melhoria dos resultados do DPI requer mecanismos de informação aos pais, Vnomeadamente às mães que têm filhos precocemente, para além de outras intervenções. Outra área chave para a intervenção na primeira infância é a redução do atraso de crescimento. Para além da sensibilização das futuras mães, são necessárias intervenções específicas e orientadas à nutrição.17 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 17 As intervenções específicas de nutrição incluem a promoção de amamentação exclusiva durante seis meses, suplementos de micronutrientes, e acesso a água limpa e práticas adequadas de saneamento e higiene, alimentação e cuidados - que são fornecidas principalmente através do sector da saúde. As intervenções sensíveis à nutrição incluem a biofortificação para au- mentar o teor de micronutrientes dos alimentos básicos. Do mesmo modo, a educação pode ser sensitiva à nutrição através da distribuição, quando necessário, de comprimidos de desparasitação para crianças em idade escolar. Podem-se criar programas de protecção social para condicionar as transferências monetárias à aceitação dos serviços básicos de saúde e nutrição, ajudan- do assim a desmantelar as barreiras ligadas à procura destes serviços. A simples lavagem das mãos com sabão também pode reduzir substancialmente o risco de diarreia e infecções respiratórias agudas para as crianças, o que reduziria a mortalidade infantil. 53 CAIXA 03 Caixa 3: Potenciais 1. Emprego de adultos Controlando para outras características implicações de género individuais e a localização do agregado fa- miliar, o facto de ter sofrido choques cli- das Mudanças e máticos está associado a uma diminuição choques climáticos da empregabilidade (por exemplo, qual- quer tipo de trabalho) para os homens e a um aumento da probabilidade de par- ticipação no mercado de trabalho e de Como muitos outros países da África Oci- emprego para as mulheres. Considerando dental, a Guiné-Bissau tem o risco de sofrer sectores específicos de atividade, ter so- mais choques climáticos adversos no futu- frido o impacto de choques climáticos é ro devido às alterações climáticas. Segun- associado, tanto para homens como para do a análise do inquérito EHCVM de 2018- mulheres, a uma maior probabilidade de 19, cerca de um quinto das famílias (19,8%) estarem envolvidos na agricultura (isto declara ter sofrido os efeitos dos choques poderia ser simplesmente porque os agre- climáticos nos últimos anos. Os choques gados familiares rurais tendem a ser mais mais frequentes são as secas (que afetam vulneráveis). Tanto para homens como 10,5% dos agregados familiares), seguidas para mulheres, existem efeitos negativos das inundações (6,9%), incêndios (4,7%), e quanto à probabilidade de emprego nou- deslizamentos de terras (0,5%). Em termos tros sectores, mas os efeitos tendem a de aspetos individuais, tanto para homens ser geralmente maiores para os homens. como para mulheres, as pessoas do meio Estes grandes impactos para os homens rural têm maior probabilidade de sofrer os noutros sectores podem ser interpreta- choques climáticos, que não é de estranhar, dos como choques climáticos que causam dado que a sua subsistência depende mui- um impacto negativo na atividade econó- tas vezes da agricultura. Os indivíduos com mica nas comunidades e, consequente- menos educação (que normalmente perten- mente, no emprego, tendo um resultado cem a agregados familiares mais pobres) líquido no qual as mulheres, apesar do seu são também mais susceptíveis de sofrerem maior envolvimento no trabalho domés- as consequências dos choques climáticos. tico, assumem tarefas adicionais para ajudar o agregado familiar a lidar com es- Em relação ao controlo de outras caracterís- ses choques. As mulheres representariam ticas individuais e de localização, a análise de uma fonte de “trabalho de reserva” nesta regressão aponta para uma série de ligações hipótese, o que poderia significar-lhes ní- entre ter sofrido choques climáticos nos úl- veis mais elevados de “pobreza de tem- timos anos e os resultados relacionados po” (ou seja, trabalhar mais horas do que com o desenvolvimento humano, especial- o limite de pobreza de tempo), uma vez mente no que diz respeito à educação e ao que é sabido que as mulheres trabalham emprego (estas associações não são neces- mais horas quando se inclui tanto o tra- sariamente efeitos causais). Em particular: balho doméstico como outro trabalho. 54 2. Educação das crianças e ca- ra ligeiramente maior para os meninos. samento infantil 4. Escolha da escola (matrícula Os choques climáticos estão associados por tipo de escola) a um aumento do casamento infantil para as meninas (não há praticamente Escolha da escola (matrícula por tipo de efeitos para os meninos), e a uma dimi- escola): As perdas de rendimento dos nuição da matrícula escolar para meninos agregados familiares podem ter um im- e meninas (embora os efeitos tendam pacto negativo na decisão de matri- a ser maiores para as meninas adoles- cular as crianças na escola, mas tam- centes). Por exemplo, para crianças dos bém podem afetar a escolha da escola. 15 aos 19 anos, os choques climáticos estão associados a um aumento na pro- Para meninas dos 6 aos 11 anos, estar babilidade de casamento infantil de 3,3 num agregado familiar atingido por crises pontos percentuais para meninas, en- climáticas implica uma menor probabi- quanto o efeito é ligeiramente negativo, lidade de serem matriculadas numa es- mas muito pequeno para meninos. Além cola pública ou religiosa, e um aumento disso, para as meninas adolescentes, a na probabilidade de serem matriculadas probabilidade de serem matriculadas na numa escola comunitária. Para os me- escola diminui 5,2 pontos percentuais, ninos dessa idade, os efeitos não são, enquanto o impacto não é estatistica- em geral, estatisticamente significati- mente significativo para os meninos. vos. Para meninos dos 12 aos 21 anos, Claramente, as meninas adolescentes observam-se efeitos semelhantes, com são mais vulneráveis aos efeitos negati- uma menor probabilidade de matricu- vos dos choques climáticos (casamen- lar as meninas na escola pública e sem to infantil mais elevado, educação mais efeito para os meninos (embora tan- baixa) do que os meninos adolescentes. to para meninas como para meninos), a probabilidade de serem matriculados 3. Trabalho infantil numa escola comunitária seja maior. Para crianças dos 6 aos 11 anos, os cho- Estes efeitos sugerem uma ampla gama ques climáticos estão associados a um de efeitos negativos para os agrega- aumento do trabalho infantil das meni- dos familiares causados pelos choques nas (aumento da probabilidade de rea- climáticos, e habitualmente maiores lizar trabalho doméstico de 4,1 pontos efeitos negativos para meninas e mul- percentuais), enquanto o efeito não é heres do que para meninos e homens. estatisticamente significativo para os meninos. Para as crianças dos 12 aos 21 anos, o aumento é positivo tanto para meninos como para meninas, embo- 55 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 2. Três caminhos para a igualdade de género 2.1. Melhoria das leis e do quadro regulamentar O acesso das mulheres às oportunidades económicas está ligado a muitos fatores, incluindo leis e regulamentos insuficientes. Uma maior igualdade de género na lei melhora os resultados económicos das mulheres, incluindo a participação das mulheres na força de trabalho, a propriedade das empresas e os salários, e o crescimento do PIB. 18 A igualdade de oportunidades permite às mulheres fazerem as melhores escolhas para si próprias, para as suas famílias e comunidades. No entanto, a igualdade de oportunidades para participar na economia não existe quando as leis e regulamentos não conferem a homens e mulheres o mesmo estatuto. Ao longo do tempo foram feitos esforços para reforçar o quadro legal na Guiné-Bissau no sentido de reduzir a desigualdade de género e proteger os direitos das mulheres.19 Na última década, a Guiné-Bissau tomou medidas significativas para adoptar leis que protegem as mulheres e meninas de diferentes formas de violência baseada no género (ver Caixa 2 para mais detalhes). Os principais textos legislativos incluem a Lei contra a Violência Doméstica de 2014, que criminaliza todas as formas de violência, incluindo física, sexual, psicológica e patrimonial; a Lei de 2011 para prevenir, combater e reprimir a excisão feminina na Guiné-Bissau; Lei da Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas, em Particular Mulheres e Crianças. Existem outros instrumentos legais que mostram o compromisso do Estado em promover a igualdade no acesso das mulheres aos serviços de saúde, incluindo a Lei 5/2007 sobre HIV/SIDA e a Lei 11/2010 sobre Saúde Reprodutiva e Planeamento Familiar. O Governo também finaliza atualmente o processo de adopção de um Código de Proteção da Criança, que inclui importantes avanços na proteção dos direitos da criança do sexo feminino (ver novamente a Caixa 2 para mais detalhes). intervenções específicas e orientadas à nutrição 18 Hyland, Djankov, e Goldberg 2021; Gonzales et al., 2015. 19 O país ratificou a maioria dos instrumentos internacionais e regionais relevantes relacionados com os direitos das mulheres e a igualdade de género, o que demonstra um compromisso nacional para alcançar estes objectivos. Os principais acordos in- cluem a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW) - 1979 (ratificada em 1985) e o seu Protocolo Opcional, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos - 1981 (ratificada em 1985). inclui também a Convenção sobre os Direitos da Criança - 1989 (ratificada em 1990), o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África - 2003 (ratificada em 2007), entre outros. O país também fez alguns progressos na adopção de reformas para melhorar as oportunidades socioeconómicas das mulheres. A realização mais recente foi a adopção da Lei da Paridade (Lei 4/2018), que estabelece quotas mínimas para as mulheres na representação política. 56 CAIXA 04 combater todas as formas de violência e tráfico contra mulheres e meninas; (6) Política Nacional Promover a participação das mulheres sobre Género e na vida pública, política e tomada de decisões; e (7) Melhorar o conhecimento, Igualdade (PNIEG) sistema de informação, monitorização e produção de dados no campo da igualdade e projeto de Código de género e do estatuto da mulher no país. Integral de Proteção Quanto ao projeto do Código para a Proteção Integral da Criança aprovado pelo Conselho da Criança de Ministros em outubro de 2021, está atualmente em processo de aprovação pelo Parlamento. O projeto contém alterações O PNIEG é o instrumento condutor da importantes no reforço do sistema de integração do género e do empoderamento proteção da criança e um quadro legal das mulheres elaborado pelas instituições moderno relativo às crianças em contacto com e parceiros. O PNIEG - I (2012-2015) nunca a lei. Os principais avanços relevantes para a foi totalmente implementado, mas teve igualdade de género na Guiné-Bissau incluem influência na aprovação de leis importantes, disposições sobre formação em violência incluindo sobre violência doméstica, tráfico baseada no género como um requisito para de pessoas e a lei da paridade. O PNIEG-II todo o pessoal que trabalha no sistema (2016-2025) visa alcançar uma sociedade de proteção da criança; proibição clara de igualitária e “reforçar os mecanismos de práticas prejudiciais, incluindo o casamento coordenação e apoio ao governo no sentido de infantil, tradições discriminatórias e mutilação integrar sistematicamente o género em todas genital feminina (MGF); obrigação do Estado as leis, políticas e programas”. Os principais de proteger a maternidade, incluindo no objetivos são (1) Melhorar o quadro legal do trabalho e na prisão, e encorajar o aleitamento país visando alcançar a igualdade e equidade materno; direito da criança em ter acesso à de género e garantir os direitos humanos das informação e educação sexual e reprodutiva mulheres; (2) Promover a adopção de uma (independentemente do consentimento agenda de igualdade de género nos sectores parental); dever dos hospitais e centros de sociais (saúde, educação, justiça, segurança, saúde de prestar serviços de saúde prioritários providência, habitação, água); (3) Reforçar e gratuitos às vítimas de violência (sexual ou os mecanismos nacionais para a igualdade física) contra crianças; obrigação do Estado de e equidade de género e o empoderamento desenvolver programas de apoio às mães ou das mulheres na administração pública; mulheres grávidas ou crianças para poderem (4) Promover oportunidades económicas e continuar a frequentar a escola e proibição produtivas iguais para mulheres e homens, clara de qualquer tipo de punição disciplinar como estratégia para o empoderamento por motivos de gravidez ou maternidade das mulheres e para a redução da pobreza em escolas e centros de acolhimento. e das desigualdades; (5) Prevenir e 57 No entanto, apesar de tais esforços, persiste uma desigualdade de género significativa na legislação que limita o potencial económico das mulheres. Segundo o Índice Mulheres, Empresas e o Direito do Banco Mundial que avalia as barreiras legais à participação económica das mulheres, na Guiné-Bissau, as mulheres beneficiam de menos de metade dos direitos legais dos homens. Isto dificulta a sua participação na economia através da força de trabalho e do empreendedorismo. Numa escala de zero a 100, a Guiné-Bissau tem uma pontuação global de Mulheres, Empresas e o Direito de 42,5 pontos, o desempenho mais baixo entre os países da África Ocidental e Central. Também regista um atraso na implementação de reformas nos últimos 50 anos para melhorar a igualdade legal de género na participação económica das mulheres, em comparação com outros países da sub-região. De 1970 a 2020, como indicado no Quadro 5, o índice de direitos das mulheres na Guiné-Bissau melhorou apenas 14 pontos de 28,1 para 42,5. Em contrapartida, a média da região aumentou 28 pontos, de 39,7 para 67,8. Quadro 5: Estimativas dos Direitos Económicos das Mulheres na África Ocidental e Central, 1970 e 2020 1995 2000 2005 2010 2015 2018 Mudança 1995-2018 Riqueza nacional (Milhões, constante 2018 USD) Capital produzido 2,539 2,625 2,719 2,818 2,940 3,149 +24% Capital natural 10,640 12,282 8,547 10,190 11,682 11,604 +9% Riqueza per capita (constante 2018 USD) Capital produzido 2,332 2,185 2,022 1,851 1,692 1,680 -28% Capital natural 9,772 10,224 6,355 6,692 6,725 6,191 -37% Fonte: Dados do índice Mulheres, Empresas e o Direito. Nota: índice de direitos de 0 a 100. As leis discriminatórias limitam a autonomia económica das mulheres, o seu acesso ao emprego, e as suas oportunidades de rendimento. Apesar das disposições constitucionais que defendem a proteção dos direitos fundamentais, as antigas leis coloniais ainda em vigor refletem um sistema patriarcal com papéis desiguais de género e direitos discriminatórios para as mulheres no seio da família. O Código Civil continua a conferir formalmente a responsabilidade e o poder sobre a família apenas aos homens, incluindo o direito de escolher a residência familiar e de ser legalmente chefe de família. 58 Isto limita a capacidade das mulheres para possuir e administrar bens, e determina que a autonomia da mulher casada para trabalhar fora de casa, abrir uma conta bancária e assinar um contrato está sujeita ao consentimento do marido.20 A lei também determina a idade legal do casamento aos 18 anos, mas autoriza o casamento das meninas aos 14 (enquanto os meninos aos 16) com o consentimento dos pais.21 Da mesma forma, as restrições do mercado de trabalho para as mulheres limitam o seu acesso a oportunidades de emprego e de rendimento. A Lei Geral do Trabalho de 1986 restringe os empregos, indústrias e horários onde as mulheres podem ser empregadas e não as protege contra a discriminação no emprego ou no rendimento, ou contra o assédio sexual. As leis laborais também são insuficientes em termos de proporcionar licenças de maternidade, paternidade ou licença parental adequadas, ou condições de trabalho flexíveis, um dos principais obstáculos para as mulheres após terem filhos.22 Da mesma forma, não há garantia de que as mulheres regressem a condições de trabalho equitativas (qualidade e remuneração) após a maternidade. A consideração de restrições legais em diferentes áreas permite uma revisão das leis civis e penais para melhorar a igualdade de género e a proteção contra a violência baseada no género;23 contudo, a iniciativa está em curso há alguns anos sem quaisquer resultados concretos até agora. Além disso, embora haja uma proteção formal dos direitos das mulheres, o baixo conhecimento das leis e da sua implementação enfraquece ainda mais os esforços do governo para melhorar a proteção legal e a igualdade de condições para as mulheres.24 Existem vários fatores que impedem as mulheres de aceder e beneficiar dos direitos existentes, registar queixas e aceder à justiça, incluindo falta de conhecimento das leis e direitos, estruturas estatais inadequadas e falta de capacidade institucional 20 Segundo o artigo 1678 do Código Civil, o marido é responsável pela gestão de todos os bens do cônjuge, incluindo os bens separados da esposa. Além disso, uma mulher casada só pode gerir uma conta bancária em circunstâncias específicas, tais como no exercício da administração doméstica ou como administradora dos bens do casal (artigo 1680) e, a menos que o casal opte especificamente por casar sob o regime de separação de bens, a esposa não pode gerir um negócio ou exercer uma actividade comercial sem o consentimento do marido (artigos 1676 e 1686). 21 No Código Penal actual, a idade de consentimento sexual é de 12 anos e a ação penal por abuso sexual de crianças só pode começar após a apresentação de uma queixa pela vítima do crime, uma vez que estes crimes têm uma natureza “semi-pública”. No entanto, o Código Penal está actualmente a ser revisto e é provável que estas disposições mudem: a idade de consentimento sexual deverá aumentar e o crime de abuso sexual de crianças terá uma natureza “pública” (e não “semi-pública”). 22 O Parlamento ainda tem de aprovar um novo projecto de Código do Trabalho, que prevê um conjunto de proteções reforçadas para as mães e um aumento da idade mínima para o emprego. O projecto de Código do Trabalho estabelece uma licença de ma- ternidade de 90 dias, bem como a proteção em caso de despedimento de uma mulher grávida ou de uma jovem mãe. 23 O processo civil e criminal estão a ser revistos por uma equipa de juristas sob a iniciativa e supervisão do Ministério da Justiça. A igualdade de género e uma melhor proteção contra crimes sexuais e práticas nefastas são algumas das muitas razões por detrás do processo de revisão. O actual projecto de revisão do Código Civil aumenta a idade mínima do casamento para os 18 anos (tanto para homens como para mulheres) e visa eliminar as diferenças nas responsabilidades parentais entre homens e mulheres. O actual projecto de revisão do Código Penal aumenta a idade do consentimento sexual (ainda não se é para 14 ou 16 anos) e estabelece novos tipos de crimes sexuais destinados a aumentar a proteção das crianças, tais como a criminalização da pornografia infantil e da exploração sexual de crianças. 24 Não existe uma ferramenta de pesquisa on-line que permita realizar uma pesquisa por tópico/tema na Guiné-Bissau, onde as consultas em papel são possíveis, mas caras. Este facto constitui um importante obstáculo ao acesso à legislação e ao conhecimento legal no país. 59 e serviços para incentivar as queixas. Os direitos laborais são pouco respeitados, e as mulheres trabalham muitas vezes sem proteção social, geralmente subordinadas aos homens. Em relação às questões de violência contra as mulheres, a maioria dos casos não são denunciados ou nunca chegam ao sistema judicial. Além disso, a forte presença de normas e crenças religiosas resulta numa elevada prevalência de casos tratados pelo sistema de justiça tradicional, especialmente nas regiões, onde a presença do Estado e estruturas de justiça formal são quase inexistentes. De um modo mais geral, as práticas socioculturais limitam e enfraquecem a aplicação das leis nacionais que visam garantir os direitos das mulheres e as oportunidades económicas. Enquanto a lei formal estipula que as regras consuetudinárias não devem ser aplicáveis em violação das proteções constitucionais e civis, na prática, os sistemas de justiça formal e tradicional coexistem em paralelo, sendo que a maioria dos conflitos são resolvidos por estruturas informais e tradicionais. Do mesmo modo, por exemplo, os direitos formais à pensão alimentar garantidos às mulheres no divórcio podem ser confiscados pela prática, se ela voltar a casar ou se é considerado que cometeu um ato contrário à “moralidade”. Na maioria dos grupos étnicos, as mulheres ficam sem apoio financeiro, devido às regras consuetudinárias e à falta de proteção legal para as mulheres em casamentos polígamos. Em particular, as práticas consuetudinárias e culturais restringem o acesso das mulheres à propriedade e à terra, prejudicando assim a sua igualdade perante a lei. Embora o Código Civil estabeleça a igualdade de direitos sucessórios, as mulheres não são geralmente autorizadas a herdar bens dos seus maridos ou pais. Igualmente, embora a Lei de Terras conceda às mulheres e aos homens direitos iguais no acesso à terra, as disposições consuetudinárias paralelas da maioria dos grupos étnicos, que normalmente regulam a distribuição e os direitos de uso de terras para fins agrícolas nas zonas rurais, não concedem tais direitos às mulheres. As mulheres raramente são proprietárias de terras, apesar de serem responsáveis pela maior parte do trabalho agrícola. Este acesso limitado à terra - como fonte chave de garantia - priva igualmente as mulheres de crédito, e limita a sua produção agrícola, excluindo-as do sector produtivo chave da economia. Há políticas e estratégias nacionais postas em prática para promover a igualdade de género e combater a violência baseada no género, mas a sua implementação efetiva é insuficiente. Estas políticas incluem a Política Nacional de Igualdade e Equidade do Género (2016-2025), o Programa Nacional de Modernização e Reforma da Justiça, e a Mutilação Genital Feminina/Excisão (2018-2022). No entanto, a aplicação também tem sido limitada. As diversas transições governamentais, os recursos orçamentais insuficientes e a falta de uma liderança clara para assegurar um apoio multi-sectorial 60 resultaram numa eficácia reduzida ou nula destas iniciativas. Existe informação sobre os planos do governo para estabelecer um sistema de proteção social que dê prioridade aos mais vulneráveis, particularmente as mulheres, crianças e refugiados, como parte da Estratégia do Governo 2025.25 Contudo, o estatuto desta iniciativa não é definido (ver Caixa 2 acima sobre o PNIEG). A abordagem sistemática das desigualdades de género no quadro legal melhoraria as oportunidades das mulheres, particularmente em casa, no mercado de trabalho e nos mercados financeiros. Na secção de conclusão serão feitas recomendações específicas sobre estas questões. 2.2 Educar as meninas e acabar com o casamento infantil e a gravidez precoce A desigualdade de género manifesta-se no início da vida, mas é especialmente prejudicial na adolescência devido aos riscos do casamento infantil e da gravidez precoce. As meninas que casam ou têm filhos antes dos 18 anos fazem-no frequentemente antes de estarem física e emocionalmente preparadas para se tornarem esposas e mães. A educação das meninas, o fim do casamento infantil e a prevenção da gravidez precoce é essencial para que as meninas tenham poder, não só dentro do seu agregado familiar, mas também no mercado de trabalho e nas suas comunidades. É também essencial para que os países atinjam o seu pleno potencial de desenvolvimento. Baseando-se em parte no trabalho global e regional sobre os benefícios da educação das meninas, esta secção documenta as tendências do casamento infantil, da gravidez precoce e dos baixos níveis de educação das meninas ao longo do tempo na Guiné-Bissau, bem como o seu impacto. Apesar de alguns progressos, os desafios para acabar com o casamento infantil e a gravidez precoce continuam a ser enormes. O Quadro 6 mostra as tendências do casamento infantil e da gravidez precoce das meninas na Guiné-Bissau e em alguns países de comparação.26 O casamento infantil continua a afetar mais de uma em cada cinco meninas (prevalência de 22,4% entre as meninas de 18-22 anos), com a gravidez precoce a afetar também mais de uma em cada cinco meninas (prevalência de 21,3% entre as meninas de 18-22 anos). Alguns progressos têm sido feitos recentemente, registando- se taxas mais elevadas para meninas com idades ligeiramente superiores. No entanto, a longo prazo, o progresso tem sido limitado desde que, especialmente no caso da gravidez precoce, o número de meninas entre os 18-22 anos que têm filhos antes dos 18 anos 25 SITAN, 2015. 26 As tendências baseiam-se em estimativas para diferentes grupos etários geralmente usando os últimos in- quéritos demográficos e de saúde (DHS) para cada país, embora para a Guiné-Bissau as estimativas baseiam-se no MICS mais antigo, de 2018-19, O casamento infantil é definido como a entrada numa união formal ou informal antes dos 18 anos. A gravidez precoce é definida como o nascimento do primeiro filho antes dos 18 anos. 61 é quase igual ao número de mulheres entre os 41-49 anos que tiveram filhos quando eram mais jovens. Como mostra a Figura 2, existem diferenças significativas entre as regiões, sendo que as regiões mais orientais geralmente têm uma maior prevalência de casamento infantil e gravidez precoce. As meninas que se casam antes dos 18 anos entram frequentemente em uniões informais com homens 10 anos mais velhos do que elas. Devido à elevada prevalência da poligamia, muitos homens também se casam como segunda esposa. Uma em cada três mulheres casadas antes dos 19 anos vive com uma ou mais co-esposas. Quadro 6: Tendências na Prevalência do Casamento Infantil e de Gravidez Precoce, Mulheres por faixa etária (%) Casamento infantil Gravidez precoce 18-22 23-30 31-40 41-49 18-22 23-30 31-40 41-9 Benim 29.8 36.0 36.7 35.8 18.7 23.2 25.3 25.9 Burquina 49.8 52.0 53.5 51.0 25.2 30.1 29.1 27.7 Côte d’Ivoire 28.1 29.9 34.6 35.0 26.3 26.4 26.9 32.2 Guiné-Bissau 22.4 30.3 32.4 29.5 21.3 28.4 26.2 23.6 Nigéria 39.8 43.9 40.7 44.4 25.6 29.4 29.2 33.2 Senegal 26.9 29.3 31.6 33.0 14.4 17.0 18.8 16.5 Togo 20.8 29.8 31.2 33.6 15.0 20.8 21.2 24.5 Fonte: Estimativa dos autores com os dados do DHS e do MICS.re 2: Maps of Child Mary Childbearing for Girls, 2018-19 Figura 14: Mapas do Casamento Infantil e de Gravidez Precoce nas Meninas, 2018-19 Fonte: Estimativa doVs autores com os dados do MICS 2018-19. 62 O casamento infantil é a causa provável da maioria dos casos de gravidez precoce. As estimativas baseadas no prazo do casamento e de parto sugerem que, na África Ocidental, cerca de dois terços de todos os casos de gravidez precoce (uma menina que tenha o seu primeiro filho antes dos 18 anos) são devidos ao casamento infantil. A proporção de crianças nascidas de mães menores de 18 anos devido ao casamento infantil é ainda mais elevada. Estas estimativas poderiam ser também aplicáveis para a Guiné-Bissau. Embora o momento dos nascimentos e do casamento seja uma forma imperfeita de identificar a causalidade, a gravidez precoce parece estar ligada, geralmente, ao casamento infantil, com as meninas casadas precocemente a engravidarem como resultado. A gravidez precoce pode levar ao casamento infantil, mas é menos provável. As questões do casamento infantil, de gravidez precoce e do baixo nível de escolaridade das meninas estão intimamente relacionadas. O casamento infantil e a gravidez precoce levam algumas meninas a abandonarem a escola e, por outro lado, o fato de manter as meninas na escola ajuda a reduzir o risco de casamento infantil e de gravidez precoce. Na África Ocidental e Central, as taxas de conclusão do ensino secundário inferior representam 60% da variação na prevalência do casamento infantil entre países, sublinhando o importante papel da escolarização a nível secundário para eliminar o casamento infantil, tal como referido nas fontes de documentação.27 A análise econométrica também sugere que a causalidade entre o casamento infantil e a gravidez precoce, por um lado, e os resultados escolares das meninas, por outro, funciona em ambos os sentidos e é bastante forte.28 A estreita relação entre o casamento infantil e a educação das meninas também pode ser ilustrada através de uma tipologia simples de meninas adolescentes conforme o seu estado matrimonial, o seu estatuto escolar. O Quadro 7 fornece medidas da percentagem de meninas nas várias categorias. Os resultados sugerem que após uma certa idade, muitas meninas tem de escolher entre o casamento e a escolaridade. Além disso, uma vez que uma menina é casada, é muito difícil para ela permanecer na escola: menos de um % de todas as meninas com idades entre os 15-19 anos são casadas e estão na escola. Simplificando, que para muitas meninas as opções sejam ou continuar a estudar, ou casar, mas não ambas, sugere que a causalidade pode ser recíproca: o casamento infantil reduz as perspectivas de escolaridade das meninas, e as melhores oportunidades de educação (e de emprego) para as meninas reduzem a probabilidade de casamento precoce. 27 O número também sugere que à medida que as taxas de escolaridade secundária aumentam, o impacto marginal no casa- mento infantil pode ser menor. A razão disto pode ser porquemuitas vezes é mais difícil alcançar a “última milha” (eliminar, em vez de apenas reduzir o casamento infantil) nesta área como em muitas outras. 28 Sobre o impacto do casamento infantil na educação, ver Field e Ambrus (2008), Nguyen e Wodon (2014), e Wodon et al. (2016). 63 Quadro 7: Relações entre Casamento infantil, Gravidez Precoce e Educação de Meninas, 2018-19 (%) Meninas de 15-19 anos por situação (%) Na escola, não casada, com 15-16 anos 26.34 Na escola, não casada, com 17-19 anos 26.29 Não frequenta a escola, não casada, com 15-16 anos 11.26 Casada, não frequenta a escola, todas as idades 15.49 Não frequenta a escola, não casada, com 17-19 anos 19.94 Casada e na escola, todas as idades 0.67 Total 100.0 Fonte: Estimativas dos autores com os dados do MICS 2018-19. Entre as várias estratégias para adiar o casamento e a gravidez, a concessão de incentivos para manter as meninas na escola é, muitas vezes, a intervenção mais eficaz. Embora as intervenções para educar as meninas e atrasar o casamento e a gravidez deveriam ser específicas a cada país, é possível tirar lições da experiência internacional. Muitos países aprovaram leis para impedir o casamento antes dos 18 anos, mas isto normalmente não é suficiente. São também necessárias intervenções específicas para obter resultados. Estas intervenções podem incluir (1) programas que forneçam competências para a vida e conhecimentos sobre saúde reprodutiva; (2) programas que expandam as oportunidades económicas; e especialmente (3) programas que mantenham as meninas na escola ou que lhes permitam regressar à escola. O enfoque nestes três tipos de intervenções baseia-se numa série de evidências que demonstram a possibilidade de terem impactos positivos. Pressupõe-se que os três tipos de programas podem atrasar o casamento e a gravidez e aumentar o nível de educação de várias maneiras. Estes programas são baseados em diferentes teorias de mudança (ver Botea et al., 2017). A seguir são apresentados os resultados resumidos com base numa avaliação de quase 40 intervenções,29 que sugerem que manter as meninas na escola deve ser uma prioridade. 29 Botea et al. (2017). Botea et al. (2017). Para serem incluídas na revisão, as intervenções deviam cumprir os seguintes critérios de seleção: (1) visando exclusivamente ou como parte de um grupo-alvo mais amplo; (2) fornecendo habilidades de vida e con- hecimentos sobre saúde sexual e reprodutiva, oportunidades económicas, ou oportunidades educacionais; (3) demonstrando resultados em termos de melhorar a saúde das mulheres jovens, especialmente no que diz respeito à saúde sexual e reprodutiva, ou atrasando o casamento ou a gravidez; e (4) ter realizado o teste num país em desenvolvimento, normalmente na África Sub- saariana, mas também noutros contextos de baixos rendimentos, tais como o Bangladesh ou partes da Índia. 64 A primeira categoria de programas incide na capacitação das meninas através de competências para a vida e conhecimentos sobre saúde reprodutiva. Normalmente, a intervenção consiste num ‘clube do espaço seguro’ para meninas adolescentes. Estes clubes são plataformas de prestação de serviços que reúnem as meninas com um mentor adulto de confiança num momento e local específicos. Esta abordagem tem sido iniciada pela Building Resources Across Communities (BRAC) no Sul da Ásia e pelo Population Council em África e na América Latina. Os clubes demonstraram ser eficazes quando são bem implementados. Ao combinar socialização, entretenimento e acesso a mentores, os clubes atraem as meninas. Além disso, existem outros serviços. Os clubes podem ser organizados numa variedade de ambientes, incluindo escolas ou centros comunitários. As meninas encontram-se regularmente e, através dos mentores, podem discutir uma série de questões, incluindo aquelas relacionadas com a saúde sexual e reprodutiva. Eles aprendem competências para a vida, incluindo competências ‘soft’ ou social-emocionais, tais como pensamento crítico e resolução de problemas, comunicação e negociação (por exemplo, dentro das suas casas). Um dos objetivos é, muitas vezes, desenvolver a autoconsciência e a autoestima das meninas de modo que explorem e concretizem as suas próprias aspirações. Com frequência, os clubes de espaços seguros servem também para ensinar competências ‘difíceis’, tais como alfabetização e numeracia ou competências básicas para negócios. Estes programas melhoram os conhecimentos e o comportamento em matéria de saúde sexual e reprodutiva. Estes incluem um aumento do número de meninas a fazer o teste de HIV ou a ser aconselhadas, um aumento no uso de contracepção moderna ou outros métodos de planeamento familiar, e uma diminuição da vontade de realizar a mutilação genital feminina em países onde a prática é predominante. Também significa uma redução do risco de violência por parte do parceiro íntimo quando o programa é também dirigido aos homens, um aumento da autoestima e aumento das competências específicas ensinadas nas sessões do espaço seguro, por exemplo, na literacia financeira ou na literacia e numeracia básica. Contudo, sem intervenções adicionais relacionadas com a escolaridade ou emprego e a subsistência, não parece evidente que os espaços seguros sejam suficientes para atrasar o casamento e a gravidez (podendo não ter sido o objetivo principal destes projetos). Portanto, é importante considerar programas nos quais os espaços seguros são associados a oportunidades de subsistência e incentivos para permanecer na escola, os quais geralmente têm um maior impacto sobre a idade do casamento e da gravidez. A segunda categoria de programas combina um enfoque de capacitação das meninas, muitas vezes através de espaços seguros, com um enfoque adicional de oferta de oportunidades de meios de subsistência. Estes programas são apropriados para meninas que não frequentam a escola. Para elas, o desenvolvimento de competências com vista à geração de rendimentos pode fornecer uma alternativa ao casamento 65 precoce e à gravidez. Destacam-se dois grupos de intervenções: intervenções de meios de subsistência e alfabetização financeira e acesso a serviços financeiros. Distinguem-se dois grupos de intervenções: intervenções de subsistência, e alfabetização financeira e acesso a serviços financeiros. Os impactos na idade do casamento e da gravidez precoce tendem a ser maiores do que com habilidades de vida ou conhecimentos de saúde sexual e reprodutiva apenas, mas não em todos os casos. Dado o seu enfoque nas oportunidades económicas, estes programas têm tido frequentemente algum sucesso no aumento de rendimentos, emprego e poupanças. Vários dos programas também conseguiram aumentar o uso de contraceptivos modernos e melhorar os conhecimentos em saúde sexual e reprodutiva, o que pode ajudar a atrasar a gravidez precoce. Em alguns casos, os programas também conseguem atrasar a idade do casamento e reduzir a gravidez na adolescência. Por exemplo, o programa BRAC Uganda Empowerment and Livelihoods for Adolescent Girls (Empoderamento e Meios de Vida para Meninas Adolescentes) aumentou em 32% a probabilidade de as meninas se envolverem em atividades geradoras de rendimentos, acrescentou em 50% o uso rotineiro de preservativos por parte das pessoas sexualmente ativas, reduziu em 26% as taxas de fertilidade, e diminui em 76% a denúncia de relações sexuais não desejadas. Houve também reduções nas gravidezes adolescentes e no casamento infantil, assim como uma mudança na dinâmica do género na comunidade.30 Incluir uma dimensão de subsistência às habilidades de vida e aos programas de conhecimento de saúde sexual e reprodutiva pode ajudar a atrasar o casamento e a gravidez, mas não em todos os casos. O enfoque nas oportunidades económicas pode também ajudar a assegurar a participação regular das meninas nos programas. Um terceiro conjunto de programas centra-se em manter as meninas na escola, permitindo-lhes regressar se tiverem desistido, ou atrasando diretamente o casamento. Tais intervenções costumam ser as de maior sucesso. Os estudos sugerem que existem várias opções de intervenção para manter as meninas na escola e atrasar o casamento.31 Em alguns casos, as avaliações também mostram que os programas que oferecem incentivos à escolaridade conseguem muitas vezes manter as meninas na escola e, por vezes, atrasar o casamento e a gravidez. Alguns destes programas permitem que as meninas que abandonaram a escola voltem a estudar. As transferências monetárias (condicionais ou incondicionais) para incentivar a educação das meninas, promover a saúde, e apoiar as famílias durante as crises podem ser eficazes para incentivar o desempenho. As transferências estão muitas vezes ligadas à frequência escolar da criança ou a visitas de medicina preventiva. Uma importante investigação indica que a transferência condicionada de fundos consegue eficazmente uma melhoria dos resultados escolares entre as crianças nos países em desenvolvimento e por isso já foram introduzidas em 30 Bandiera et al. (2020). 31 Kalamar et al. (2016). 66 mais de 29 países de baixo rendimento em todo o mundo. As transferência condicionada de fundos e os programas de apoio ao rendimento também têm resultados positivos, tais como a redução do trabalho infantil, o aumento da escolaridade e a melhoria da nutrição infantil.32 Embora nem todos os programas consigam os resultados desejados em todas as áreas, constata-se de forma convincente que, em comparação com os dois tipos de programas anteriormente analisados, os que se concentram na escolarização das meninas ou, em alguns casos, no adiamento do casamento através de incentivos financeiros, tem muitas vezes maior sucesso em atrasar o casamento e a gravidez. Estes três tipos de intervenções não pretendem ser exaustivas, nem são incompatíveis entre si. Por exemplo, para melhorar o desempenho escolar das meninas, são necessárias intervenções adicionais. Os três tipos de intervenções acima listados foram selecionados porque as suas avaliações analisaram as mudanças no conhecimento de saúde sexual e reprodutiva, casamento infantil, e gravidez precoce. Os vários programas e intervenções também não se excluem mutuamente; podem, de facto, ser complementares entre si. Embora alguns programas funcionem melhor do que outros para atrasar o casamento e a gravidez e melhorar os resultados escolares das meninas, as três intervenções apresentam vantagens. Se o alvo são os diferentes grupos de meninas, por exemplo, as que estão na escola ou com potencial para regressar à escola, bem como as que desistiram e podem não conseguir regressar, os três tipos de programas devem ser considerados para melhorar as oportunidades das meninas adolescentes. Para além de atrasar o casamento e a gravidez, melhorar a educação das meninas oferece uma série de outros benefícios, incluindo a obtenção de rendimentos mais elevados na idade adulta. No entanto, os desafios continuam a ser consideráveis. O Quadro 8 mostra as tendências em matéria de educação. São consideradas três medidas: a percentagem de meninas de diferentes idades que completam o ensino primário, secundário inferior ou secundário superior, com as faixas etárias definidas para dar às meninas mais alguns anos do que a idade normal de conclusão (para ter em conta a entrada tardia e a repetição). Graças em parte à Educação para Todos e outras iniciativas, tem havido progressos, especialmente nos níveis primário e secundário inferior. Graças em parte à Educação para Todos e outras iniciativas, registaram-se progressos, especialmente nos níveis primário e secundário inferior. Na Guiné-Bissau, enquanto menos de 15% das mulheres entre os 41-49 anos completaram a sua educação primária, 50% das meninas entre os 15-18 e os 19-21 anos a completaram, segundo o MICS. Para outros países, os ganhos também têm sido elevados. No entanto, as taxas de conclusão continuam a ser baixas. No ensino secundário, também se obtiveram ganhos, mas as taxas de conclusão são ainda inferiores, com pouco mais de uma em cada quatro meninas para o secundário 32 Bastagli et al. (2018). 67 inferior e menos de uma em cada sete meninas para o secundário superior. Apesar de as estimativas do inquérito diferirem das estimativas governamentais reportadas ao Instituto de Estatística da UNESCO (IEU), a taxa de conclusão do secundário inferior do MICS de 27,7% para meninas entre os 18-20 anos em 2018-19 aproxima-se da estimativa do IEU de 28,5% em 2020. Como indicado na Figura 3, existem diferenças crescentes nas taxas de conclusão entre meninos e meninas a nível do ensino superior. As diferenças no ensino primário são baixas, mas aumentam nos níveis de ensino secundário inferior e superior. Quanto ao casamento infantil e à gravidez precoce, verificam-se diferenças entre as regiões. Quadro 8: Tendências de desempenho escolar das meninas - Taxas de conclusão por nível de ensino (%) Primário Secundário inferior Secundário superior 15- 19- 23- 31- 41- 18- 21- 25- 31- 41- 21- 25- 31- 41- 18 22 30 40 49 20 22 30 40 49 24 30 40 49 Benim 46.6 41.2 26.3 12.7 9.9 24.2 25.2 14.2 7.8 4.3 10.3 5.5 3.6 1.5 Burquina 28.6 20.1 14.7 9.7 6.5 11.1 12.5 7.4 5.7 4.0 2.3 2.0 1.5 1.3 Cote d’Ivoire 51.0 40.7 34.7 28.1 26.3 20.8 28.5 17.9 13.4 9.5 13.8 10.8 6.9 4.3 Guiné-Bissau 49.3 50.1 39.4 26.3 14.3 27.7 29.2 24.2 16.8 7.9 13.3 12.8 7.5 3.0 Nigéria 71.3 66.3 63.9 63.0 59.3 54.9 59.2 48.2 45.5 36.2 50.2 42.2 39.6 31.0 Senegal 51.4 56.0 33.7 17.2 16.7 35.8 41.3 22.6 12.0 11.4 25.8 15.8 7.6 5.2 Togo 62.2 59.0 44.5 28.5 24.5 29.3 36.3 20.0 12.8 9.8 10.3 5.6 3.1 2.0 Figura 15: Taxas de Conclusão por Género na Guiné-Bissau (%) 60,0 49,3 51,1 48,6 4 0,0 29,2 23,6 20,0 13,3 0,0 Primary Ensino (ages 15-18) primário Lower secondary (de 15 Ensino secundário 21 a 21-24) (ages inferior (de 24 anos) Ensinosecondary Upper secundário (ages 25-30) superior (de a 18 anos) Meninas Rapazes 25 a 30 anos) Fonte: Estimativa dos autores a partir dos dados do DHS e MICS. Enquanto meninos e meninas partilham certas limitações comuns que os impedem de permanecer na escola, as meninas enfrentam obstáculos que são difíceis de ultrapassar devido aos padrões enraizados de desigualdade de género. Como foi mencionado anteriormente, as meninas podem ser pressionadas a casar cedo e correm 68 o risco de uma gravidez precoce, o que as leva a desistir da escola. As meninas também têm mais responsabilidades do que os meninos em casa, no que diz respeito a cozinhar ou tomar conta dos irmãos, reduzindo o tempo de estudo. O simples facto de ir para a escola pode não ser seguro para as meninas. Será útil estabelecer um enquadramento para identificar as razões pelas quais as meninas (e os meninos) nunca se matricularam na escola ou abandonaram prematuramente a escola. Os cinco passos necessários para as meninas irem à escola e aprenderem enquanto estão lá são: (1) as escolas devem ter a capacidade de acolher meninas e ser acessíveis; (2) ir à escola deve ser seguro para as meninas; (3) as escolas devem ser acessíveis, considerando os gastos extras, as oportunidades e os possíveis custos sociais de enviar as meninas para a escola; (4) as meninas devem conseguir aprender enquanto estão na escola. Este aspeto refere-se não só às disciplinas académicas tradicionais mas também às competências socioemocionais e de vida, e, além disso, as preferências dos pais sobre o que as crianças devem aprender na escola devem também ser tidas em conta; e (5) deve permitir-se que as meninas grávidas e casadas permaneçam na escola, e deveriam estar disponíveis programas de segunda oportunidade para meninas cujas circunstâncias não lhes permitam estar na escola. As questões relacionadas com normas sociais sobre quando a educação é considerada concluída desempenham um papel mais proeminente em fazer com que meninas (e meninos) abandonem prematuramente a escola. Com base nos dados do inquérito EHCVM de 2018-19, o quadro 9 classifica as razões que os pais referem para justificar que os seus filhos nunca se matricularam na escola ou abandonaram a escola. Para as crianças que nunca se matricularam na escola, a análise é realizada entre crianças dos 7 aos 12 anos, pois após os 12 anos é muito pouco provável que as crianças entrem na escola. O inquérito inclui 14 respostas possíveis dos pais sobre os motivos de nunca inscreverem as crianças. As respostas estão agrupadas de acordo com cinco categorias na Quadro 9, conforme o quadro da Figura 7. Quando as crianças que iniciaram o ensino primário abandonam a escola a esse nível ou mais tarde, o inquérito inclui 17 respostas possíveis dos pais sobre os motivos. Estas modalidades são novamente agrupadas, segundo as mesmas cinco grandes categorias. Destacam-se algumas constatações: • Não ter feito a inscrição na escola primária: A falta de acesso às escolas é uma das principais razões que levam algumas crianças a nunca se matricularem, representando mais de um terço de tais casos. A questão de algumas crianças estarem doentes ou serem portadoras de deficiência é uma questão de menor importância neste caso. O custo é também uma das razões principais, contabilizando mais de um quarto das crianças que nunca se matricularam na escola. As normas sociais representam grande parte das outras crianças que nunca se inscreveram na escola. Estas normas representam uma 69 função muito mais importante para as meninas do que para os meninos. É também de salientar que a percentagem de crianças entre os 7-12 anos que nunca se matricularam nas escolas é elevada, sendo uma em cada cinco. As inscrições tardias nas escolas primárias aumentam a probabilidade de abandono escolar na adolescência. • Abandono escolar: A falta de acesso às escolas revela-se menos importante para abandonar a escola enquanto a criança está inscrita. Isto não surpreende, uma vez que a questão sobre o motivo para abandonar a escola é colocada aqui às crianças que já estavam matriculadas. As normas sociais parecem ser muito importantes a todos os níveis, especialmente para as meninas. Isto manifesta-se quando os pais consideram que os seus filhos completaram a sua educação (sugerindo expectativas baixas), e no caso das meninas, pelo facto de algumas famílias não estarem dispostas a que continuem a sua educação. Observa-se também o desejo de casar ou de engravidar como fatores que levam as meninas a deixar a escola, começando com as meninas nas escolas primárias. O custo também é um fator, se bem que é mais relevante para os meninos do que para as meninas. No nível secundário, tanto para meninos como para meninas, a principal razão para abandonar a escola é a percepção de que se considera que as crianças completaram os seus estudos. Esta razão é mais mencionada na Guiné-Bissau do que em outros países da UEMOA que realizaram o inquérito, apontando a expectativas especialmente baixas, ou talvez uma percepção de que não vale a pena prosseguir outros estudos. O facto de muitas crianças começarem a estudar mais tarde do que noutros países também pode ser um fator. Tudo isto se traduz em níveis provavelmente elevados de “pobreza de aprendizagem” - a incapacidade de ler e compreender um texto simples mesmo entre as crianças que frequentaram a escola primária. Quadro 9: Razões para nunca ter feito a inscrição ou abandonar a escola por nível de ensino (%) Abandonar Nunca ter feito a Secundário Secundário Primário Superior inscrição Inferior Razões mencionadas Meninos Meninas Meninos Meninas Meninos Meninas Meninos Meninas Escolas não acessíveis 39.0 34.6 5.3 4.9 2.2 3.7 0.5 0.9 Custo de oportunidade 31.3 25.9 36.6 17.4 28.8 23.4 13.0 16.3 Normas sociais 16.4 28.5 42.1 60.1 62.5 66.3 86.1 82.9 Falta de aprendizagem 3.9 2.4 13.2 12.8 3.4 2.7 0.4 0.0 Outros 9.4 8.5 2.9 4.9 3.1 4.0 0.0 0.0 Todos 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 % nunca fez inscrição/abandonou 21.9 21.8 35.3 32.3 63.1 48.7 70.2 58.5 Fonte: Estimativas dos autores a partir de dados do EHCVM 2018-19. 70 O desempenho do sistema educativo em termos de resultados de aprendizagem também é baixo, facto que pode condicionar a predisposição dos pais para investir na educação de meninas (e meninos). Como referido na atualização económica de 2021 do Banco Mundial,33 as avaliações dos resultados da aprendizagem nas classes 2.ª e 5.ª sugerem que o desempenho, tanto em português como em matemática, é fraco em todos os aspetos. Menos de metade dos alunos da segunda classe conseguiram responder corretamente às perguntas e pontuaram apenas em média 48% e 50% em português e matemática, respetivamente. Na 5.ª classe, a pontuação dos alunos diminuiu ainda mais - apenas um terço conseguiu responder corretamente às perguntas e pontuou em português e matemática com 39% e 31% de média, respetivamente. O fraco desempenho dos alunos está em parte relacionado com a baixa qualidade da equipa docente. Muitos professores não possuem os conhecimentos e competências pedagógicas necessárias para ensinar eficazmente. As respostas dos pais sobre porque não estão satisfeitos com as escolas fornecem esclarecimentos sobre algumas questões. Uma análise das principais razões de insatisfação, baseada nas perguntas do inquérito EHCVM, sugere que estas razões são muito similares para meninos e meninas. Isto não causa surpresa, uma vez que os aspetos que afetam a qualidade da escolaridade são semelhantes para ambos. O absentismo e greves dos professores são os mais mencionados, seguidos pelas várias razões relacionadas com a falta de recursos nas escolas (salas de aula superlotadas, falta de livros/material, falta de professores, falta de mesas/bancos/equipamentos, etc.) A fraca qualidade do ensino não é tão mencionada, mas isto não implica que não seja um problema, porque os pais possivelmente não sabem que muitos professores podem ter uma formação fraca ou a hipótese de adoptar melhores abordagens ao ensino. No entanto, os estudos sugerem a existência de opções para melhorar os resultados escolares. Num plano recentemente elaborado para países de rendimento baixo e médio,34 as prioridades para programas e políticas dividem-se em cinco pilares: (1) os alunos estão preparados e motivados para aprender; (2) os professores são eficazes e valorizados; (3) os recursos de aprendizagem, incluindo currículos, são variados e de alta qualidade; (4) as escolas são espaços seguros e inclusivos; e (5) os sistemas educativos estão bem geridos. Ao nível de intervenções rentáveis, uma análise das evidências35 aponta que as intervenções mais rentáveis incluem informar as famílias sobre os rendimentos/benefícios dos retornos da educação e a sua qualidade. Isto pode ajudar a estimular os pais a enviar as crianças para a escola. Um bom investimento (intervenções de alta rentabilidade) inclui uma pedagogia estruturada combinada com a formação de professores e a utilização de materiais de aprendizagem, programas para ensinar as crianças ao nível adequado de 33 Banco Mundial (2021a). 34 Banco Mundial (2020a). 35 Banco Mundial (2020b). 71 competências, e educação pré-escolar. As intervenções mais prometedoras incluem o estímulo precoce às crianças pequenas e o envolvimento das comunidades na gestão escolar. Por outro lado, as intervenções menos eficazes são investimentos em vários insumos, como equipamento informático sem que haja mudanças adicionais (como formação de professores, ou melhor gestão escolar) para utilizar eficazmente esses insumos. Na Atualização Económica de 2021 do Banco Mundial destacaram-se algumas opções políticas. A Atualização Económica de 2021 para a Guiné-Bissau propôs opçõe a curto prazo e médio prazo para melhorar os resultados escolares para meninos e meninas. Os resultados escolares são fracos tanto para meninos como para meninas na Guiné-Bissau e muitos dos constrangimentos que as meninas têm de enfrentar para ir à escola aprender enquanto estão na escola não são significativamente diferentes dos constrangimentos enfrentados pelos meninos. A fraca aprendizagem escolar, a falta de escolas nas proximidades e os custos de oportunidade da escolarização, levam as meninas a abandonarem a escola, mas isto também se aplica aos meninos. Portanto, muitas das intervenções para melhorar os resultados escolares das meninas podem aplicar-se também aos meninos. O relatório de Atualização Económica do Banco Mundial (2021) indicou que a gestão do sector da educação a todos os níveis, desde o ministério central até às escolas individuais, sofre os efeitos negativos da fraca despesa pública, da fraca capacidade e da governação deficiente. As greves dos professores e uma oferta inadequada de professores formados são também questões importantes. A crise da COVID-19 exacerbou ainda mais os desafios enfrentados pelo sector, criando uma enorme perda de tempo de aprendizagem, com repercussões potenciais para as famílias e crianças nos próximos anos. Além disso, apesar de o Governo ter adotado um ambicioso Plano Estratégico de Educação para 2017-2025, a implementação sofreu atrasos, em parte devido às greves de professores resultantes dos atrasos no pagamento de salários,36 da pandemia e da instabilidade política. O financiamento da estratégia representa também um problema, uma vez que a Guiné-Bissau regista um dos mais baixos níveis de despesa pública em educação em proporção ao PIB na África Subsaariana. O Quadro 10 apresenta um resumo das recomendações feitas. 36 Como referido na actualização económica de 2021, graças aos enormes esforços coordenados do MEF e do MENES, o mon- tante do pagamento em atraso dos salários dos professores diminuiu, registando-se uma diminuição da frequência das greves de professores também em 2019/20. Outras medidas, tais como um maior investimento na formação de professores e a melhora do acesso a materiais de aprendizagem, têm o potencial de transformar a qualidade da educação. As melhorias contínuas na gestão dos recursos humanos e a implementação do recém-adoptado Estatuto da Carreira Docente deverão reduzir o número de greves de professores e melhorar o ensino. A incorporação do uso da tecnologia no ministério aumentaria a probabilidade de obter dados atempados e fiáveis para melhorar a planificação e a tomada de decisões para o uso eficiente de recursos limitados. 72 CAIXA 05 Fatores que levam os professores a não passarem tempo suficiente a ensinar A UNICEF1 concluiu recentemente um estudo intitulado “Tempo para ensinar” para avaliar se os professores estavam ausentes das escolas e quanto tempo dedicavam ao ensino. Pouco mais de um em cada quatro professores reportou que faltava regularmente à escola, ou pelo menos uma vez por semana. Os professores também reportaram o pouco tempo dedicado às tarefas (isto é, ao ensino), a ausência da sala de aula e a chegada tardia ou saída antecipada da escola. As ausências eram prováveis nas zonas rurais do que nas urbanas. As greves de professores foram umas das principais razões de faltas à escola, chegada tardia/ partida prematura e faltas à sala de aula, com greves motivadas pelo pagamento tardio de salários, mas também influenciadas por práticas de liderança escolar. Em termos de recomendações, o estudo sugeria cinco áreas prioritárias: (1) melhorar as condições de emprego no sector público, principalmente reduzindo os atrasos no pagamento de salários; (2) envolver as comunidades, capacitando os comités de gestão escolar (as escolas autogeridas registam um menor absentismo dos professores); (3) melhorar a formação dos professores (os professores que acreditam ter os conhecimentos e competências para ensinar faltam menos); (4) reforçar a liderança escolar (os diretores das escolas podem servir de modelos); e (5) assegurar a continuidade da aprendizagem (especialmente quando as escolas fecham, como tem sido o caso durante a pandemia). 1 UNICEF (2021). 73 Quadro 10: Opções Políticas para o Sector da Educação destacadas na Atualização Económica de 2021 Opções políticas Linha do tempo Tema 1: Transformar a qualidade da educação para melhorar os resultados da aprendizagem CP CP Tema 2: Melhorar a gestão e a utilização eficiente dos recursos disponíveis Implementar o Estatuto da Carreira Docente, incluindo análises de CP, MP desempenho e uma base de dados consolidada de professores para melhorar a sua gestão (ou seja, contratação, pagamento de salários a tempo, etc.) CP, MP Incorporar tecnologia/inquéritos rápidos para produzir estatísticas educativas oportunas e fiáveis para permitirem a planificação. Tema 3: Adotar políticas que abordem a ineficácia interna e otimizem os resultados escolares Ampliar os programas de desenvolvimento infantil para melhorar a MP preparação das crianças para a escola primária. Desenvolver o ensino à distância para a educação corretiva, CP, MP estudantes que não frequentam a escola, e o encerramento de escolas Fonte: Banco Mundial (2021). Nota: CP = curto prazo, MP = médio prazo Reforçar a Voz e a Capacidade de Atuação das Mulheres e Eliminar a Violência de Género As mulheres estão subrepresentadas nos organismos públicos e são vítimas de normas culturais e religiosas que perpetuam práticas prejudiciais e tradicionais de violação dos direitos humanos das mulheres e das meninas. A Política Nacional sobre Género e Igualdade (PNIEG) revela que os homens ocupam dois terços dos cargos governamentais. Nos ministérios que dizem respeito ao empoderamento económico das mulheres, tais como a Agricultura e Educação, as mulheres ocupam ainda menos cargos. A percentagem de mulheres em cargos ministeriais e no Parlamento também é 74 baixa. Esta desigualdade na capacidade de decisão dificulta a capacidade das mulheres de influenciar o desenvolvimento socioeconómico do país e dificulta evitar práticas prejudiciais e tradicionais baseadas em normas culturais e religiosas. As meninas ainda são vítimas de mutilação genital feminina (MGF), particularmente nas zonas rurais. Uma grande parte das mulheres vive em famílias poligâmicas, o que pode reduzir a sua capacidade de intervenção. Um estudo sobre o Direito Consuetudinário37 indica que os seis principais grupos étnicos da população aceitam e praticam a poligamia, o que muitas vezes considera-se como um aumento do risco de violência por parte do parceiro íntimo. 38 Além disso, a coexistência de sistemas de justiça formais e tradicionais estabelece níveis diferenciados de proteção dos direitos das mulheres e das crianças, onde as leis consuetudinárias geralmente não protegem os direitos das mulheres e das crianças. Em alguns grupos étnicos, as leis consuetudinárias não permitem que as mulheres herdem propriedades, transferidas para um herdeiro masculino. Da mesma forma, alguns grupos praticam a herança de viúvas, forçando as mulheres viúvas a casar com um parente masculino do marido falecido. Embora a lei formal estipule que as leis consuetudinárias não devem ser aplicáveis se violarem as proteções constitucionais e civis, na prática, os sistemas de justiça formal e tradicional coexistem em paralelo, sendo a maioria dos conflitos resolvidos por instituições informais e tradicionais a nível local, incluindo os chefes de distrito, os chefes de aldeia e/ou tribais e, mais recentemente, os Centros de Acesso à Justiça (CAJ). Especialmente nas zonas rurais, geralmente ainda se aplicam sistemas e práticas tradicionais de direito consuetudinário, que oferecem poucas proteções às mulheres. 37 Bastos et al. (2011). 38 Klugman et al. (2014). 75 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 76 A violência baseada no género, em particular a violência doméstica, é generalizada e persistente. As estimativas nacionais de violência baseada no género não estão disponíveis porque a Guiné-Bissau é um dos poucos países a nível mundial que não realizou um inquérito sobre a prevalência da violência do parceiro íntimo e da violência sexual, nem no âmbito de um inquérito demográfico e de saúde (DHS), nem como um inquérito autónomo sobre a violência contra as mulheres. No entanto, um recente inquérito realizado a pequena escala indica que 97% das mulheres sofreram violência baseada no género nos últimos oito anos, a maioria dos quais (86%) nas suas casas.39 Nesse inquérito, duas em cada três mulheres que sofreram violência nunca apresentaram queixa, quer formal ou informalmente (incluindo às autoridades tradicionais, líderes religiosos ou à polícia). As barreiras à apresentação de queixas ou à procura de cuidados, especialmente de entidades formais, são diversas, incluindo a vergonha e o estigma, as barreiras financeiras, a percepção de impunidade para os perpetradores, a falta de conhecimento dos serviços disponíveis ou do acesso a tais serviços, as crenças culturais, a ameaça de perder as crianças, o receio de pôr o agressor em perigo, o medo de retaliação, as atitudes discriminatórias e estereotipadas em relação às vítimas nos tribunais e nos locais de aplicação da lei, e a desconfiança dos profissionais da saúde. Por um lado, as normativas em vigor em matéria de género defendem o direito dos homens ao uso da violência para disciplinar mulheres ou crianças que desobedeceram ou tiveram um comportamento diferente do papel socialmente esperado, ou para forçá-los a cumprir a sua vontade. Por outro lado, existe um forte estigma social e vergonha em torno da violência e de género, particularmente no que diz respeito à violência do parceiro íntimo e à violência sexual, desmotivando as mulheres e crianças a revelarem experiências de violência. A violência contra as crianças é também generalizada, em casa e nas escolas, e o assédio sexual afeta sobretudo as meninas. Quatro em cada cinco crianças de 1-14 anos foram vítimas de agressões psicológicas ou castigos físicos, muitos dos quais são considerados ação disciplinar. A disciplina abusiva é uma prática cultural prevalecente e uma forma persistente de violência contra crianças. Isto inclui dois terços das crianças vítimas de pelo menos uma forma de agressão psicológica e uma parte ainda maior exposta a castigos físicos (por vezes violentos).40 De todas as formas de violência contra crianças, a violência sexual, especialmente num ambiente doméstico e contra meninas, é 39 Ver RENLUV-GC/GB (2019). O estudo entrevistou 120 indivíduos de todas as regiões do país para avaliar a situação e fornecer uma tipologia de violência contra as mulheres. O estudo também inclui uma análise comparativa com um inquérito anterior sim- ilar realizado em 2010, bem como dados qualitativos sobre a percepção da violência entre diferentes grupos sociais. De acordo com o estudo, um total de 24.285 casos de violência foram reportados a diferentes instituições entre 2010-2018, nomeada- mente: Violência psicológica (7593 casos); Violência física (7115 casos); Violência sexual (2665 casos); Casamento forçado (1366 casos); Violência social (1311 casos); Violência económica (1217 casos); Mutilação genital feminina (764 casos). Embora o inquérito tenha abrangido todo o país, a maioria (80%) dos casos relatados foram na região autónoma de Bissau (a capital), o que é em grande parte atribuído à falta de serviços e instituições de violência baseada no género em outras regiões, onde as denúncias raramente chegam a qualquer mecanismo formal de denúncia. 40 Dados dos inquéritos MICS. 77 provavelmente a menos denunciada.41 O assédio e abuso sexual nas escolas, como uma forma de sexo transacional, também é generalizado e atinge principalmente as meninas. Embora não existam dados detalhados, as ONGs e parceiros internacionais reportam que o abuso sexual nas escolas é altamente generalizado, com professores e pessoal não docente do sexo masculino a pedir favores sexuais em troca de notas ou documentação exigida. Tais formas de sexo transacional acontecem frequentemente num contexto onde as escolhas são limitadas e o poder de negociação das mulheres e meninas adolescentes é extremamente limitado.42 Na Guiné-Bissau, segundo os parceiros, as meninas nesta situação não sabem a quem reportar o abuso e receiam as possíveis consequências de o fazerem. Entre os professores, a falta de competências pedagógicas, o desconhecimento sobre o desenvolvimento infantil e a resposta centrada na criança, combinados com a falta de um sistema de ação disciplinar e de recurso à violência, criam ambientes inseguros onde o assédio sexual predomina. Além disso, a educação sobre normas de género e sobre saúde sexual e reprodutiva é escassa ou inexistente, contribuindo para uma cultura de silêncio e tabu em torno destas questões. Apesar da legislação sobre violência doméstica, há vários fatores que impedem a proteção e a resposta,43 incluindo a limitada capacidade de aplicação da lei, a falta de estruturas estatais e o desconhecimento da lei. Em particular, os serviços limitados de aplicação da lei, a inexistência de mecanismos e protocolos de recurso à violência doméstica, e a inexistência de serviços de apoio no terreno para os sobreviventes da violência doméstica em todas as áreas relevantes - incluindo a saúde, legal e psicossocial - são algumas das principais barreiras para uma maior proteção. A situação é particularmente preocupante nas áreas rurais e, além disso, não existem recursos, equipamento nem infraestruturas adequadas. Por outro lado, a forte confiança na justiça religiosa e tradicional, combinada com o desconhecimento das leis, impede as mulheres e meninas de terem acesso aos seus direitos. Os incidentes de discriminação de género e violência baseada no género são, na maioria das vezes, resolvidos por líderes do sistema de “justiça comunitária”, baseado em normas religiosas e tradicionais. Este sistema de justiça tradicional é especialmente predominante nas regiões, onde a presença do Estado e as estruturas de justiça formal são quase inexistentes.44 41 Alguns dos obstáculos que as crianças enfrentam em caso de abuso sexual incluem a falta de apoio da família para denunciar o caso às autoridades, a falta de cooperação do pessoal de saúde para tomar as medidas adequadas e denunciar o caso à polícia, cuidados médicos insuficientes, falta de apoio psicossocial e medidas e estruturas de proteção insuficientes (tais como casas de acolhimento) que permitiriam a separação do agressor. 42 Luke e Kurtz 2002. 43 PNIEG-I, p. 46 44 Guerreiro et al. (2011). 78 circuncidadas (46,8%) é apenas marginalmente inferior à percentagem correspondente para as mulheres mais velhas. Existem diferenças importantes na prevalência da MGF entre áreas urbanas e rurais, e entre regiões. Mas as maiores diferenças são por nível de educação, sendo as mulheres com um nível de ensino superior muito menos susceptíveis de serem vítimas de MGF do que as mulheres com um nível de educação inferior. O papel da educação na redução da MGF revelou-se importante também em outros países. 45 As normas culturais e religiosas perpetuam práticas nocivas, sendo frequentemente vistas como um meio de preservar a honra das mulheres, em violação dos direitos humanos das mulheres e das meninas. Segundo dados do último MICS, uma percentagem significativa de homens e mulheres considera a violência doméstica aceitável (37% dos homens e 36,4% das mulheres). Muitas mulheres estão em relações polígamas (39,2% das mulheres, conforme o último inquérito MICS, mas dada a elevada aceitação da prática em todos os grupos étnicos, a prevalência real é provavelmente muito maior46). Além disso, muitas meninas com apenas 3 ou 4 anos são casadas por famílias através de contratos pré-matrimoniais,47 motivados principalmente por práticas habituais e normas sociais, bem como por necessidades económicas. Esta prática é vista como uma proteção das meninas, mesmo contra o risco de gravidez fora do casamento, o que diminuiria as suas hipóteses de se casar. A MGF está também profundamente enraizada nas normas sociais, incluindo o “fanado”, um ritual de iniciação que prepara meninos e meninas para a vida adulta e para perpetuar a tradição comunitária, que envolve a circuncisão de meninos e a mutilação genital feminina de meninas. Continuam a existir barreiras significativas à erradicação da MGF, incluindo a resistência da comunidade. No entanto, a adopção de uma lei contra a prática em 2011 aumentou a consciência sobre a questão e várias comunidades abandonaram publicamente a prática. 45 Onagoruwa e Wodon (2018b). 46 Um Estudo sobre o Direito Consuetudinário indica que os 6 principais grupos étnicos que constituem a maioria da população da Guiné-Bissau (Balanta, Mandinga, Manjaca, Papel, Mancanha e Fulani), aceitam e praticam a poligamia, que é considerada um fator que aumenta o risco de violência do parceiro íntimo 47 Segundo o Plano, 2018, na região de Gabu e nas zonas rurais de Bafatá e Cacheu, o poder de decisão sobre se uma menina se casa depende principalmente dos pais, tias e tios. A pessoa mais influente é o pai. Quando os pais casam cedo as suas filhas, a sua decisão é muitas vezes influenciada pelo início precoce da actividade sexual das meninas, que começa entre os 11 e 14 anos. As meninas raramente têm a capacidade necessária para recusar uma proposta de casamento que tenha sido considerada ad- equada pelos pais. 79 CAIXA 06 Melhorar a aprendizagem na Guiné-Bissau: resultados de um ensaio de controlo aleatório Uma experiência recente1 sugere que se podem alcançar grandes ganhos de aprendizagem com intervenções apropriadas. O estudo avaliou uma intervenção que criou simples estabelecimentos de ensino que ofereciam quatro anos de educação a crianças em idade escolar primária em vez de frequentarem escolas públicas. A intervenção utiliza um currículo personalizado que inclui materiais de formação de professores e materiais de ensino e aprendizagem tanto para professores como para alunos. Também aplicou uma monitorização e avaliação frequente de professores e crianças e uma sensibilização e envolvimento regulares da comunidade. A análise propõe que as crianças que beneficiaram da intervenção obtiveram 58,1 pontos percentuais a mais do que os controlos nos testes de leitura e matemática das séries iniciais. Esta análise demonstra que a intervenção ensinou as crianças a ler e executar a aritmética básica, a partir de uma condição contrafactual de analfabetismo muito elevado. Os resultados demonstram que as crianças de áreas pobres podem beneficiar de intervenções concertadas e com impacto na educação, para além das que são normalmente utilizadas. 1 Fazzio et al. (2021). 80 CAIXA 07 Fatores de risco para a violência baseada no género na Guiné-Bissau Os fatores de risco incluem altos níveis de violência contra crianças desde a infância, baixos níveis de educação e rendimento, exposição e alta prevalência de violência no lar, bem como crenças e atitudes predominantes que condescendem com a violência e desigualdade de género. A Guiné-Bissau é uma sociedade patriarcal que tem sido historicamente indiferente aos direitos e necessidades das mulheres. As dinâmicas familiares estão dominadas pelos homens, e ainda formalmente legitimadas pelo Código Civil. A poligamia é geralmente aceite e generalizado, e o casamento forçado e infantil continua a ser uma prática cultural predominante. As normas sociais dão prioridade à honra da família e à percepção de que a violência é e deve ser tratada como um assunto de ‘família’. Para além do medo e vergonha que os sobreviventes sentem após experimentarem a violência, são muitas vezes culpados por ela, e desmotivados a denunciá-la. As comunidades, especialmente nas zonas rurais, ainda aceitam e se envolvem em práticas prejudiciais que têm sido proibidas e/ou criminalizadas por leis, tais como a MGF, o casamento precoce e forçado e a violência doméstica. Esta situação fundamenta-se em crenças e práticas profundamente tradicionais e religiosas, e muitas vezes invoca-se o medo de castigos sobrenaturais para perpetuar os comportamentos. A inexistência de políticas escolares e de formação adequada, incluindo para os professores, para prevenir e responder à MGF ajuda a perpetuar a violência e a falta de reparação. Os fatores de risco social incluem a debilidade das estruturas legais e da A mutilação genital feminina aplicação (MGF) da lei, a também consciência tem uma limitada elevada das leis e dos prevalência. direitos, os Os EHCVM sobre dados do estudo elevados prevalência a de níveis da MGF impunidade entre mulheres e a escassa de diferentes existência idades de serviços especializados sugerem um progresso para lidar muito limitado com a ao longo doviolência tempo na baseada reduçãono género. desta prática. De facto, no último MICS, a percentagem de meninas entre os 15-18 anos que foram 81 As organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental nas atividades de sensibilização da comunidade e na prestação dos escassos serviços disponíveis para os sobreviventes da violência baseada no género. O Sistema das Nações Unidas financiou projetos a curto prazo para abordar formas de violência baseada no género, como o assédio sexual nas escolas (RENALJEF), e um projeto plurianual financiado pela União Europeia “No na cuida de nô vida, mindjer” (2018-2021) que implicou várias ONG, tais como Mani Tese, A Fundação Fé e Cooperacão (FEC), a Cáritas e o Ente Nazionale Giuseppini del Murialdo (ENGIM) que trabalham em várias componentes, incluindo a sensibilização da população, a promoção da autonomia das mulheres, a melhoria dos sistemas de referência, e a assistência às vítimas de violência baseada no género. Durante a pandemia, estabeleceu-se uma plataforma online “Bioksan” como um projeto conjunto da Fundação Ana Pereira e da RENLUV, assistida pelo Sistema das Nações Unidas e pelo Banco Mundial, com o objetivo de proteger a igualdade de género durante a pandemia da COVID-19. Desde março de 2020, Bioksan chegou a cerca de 90.000 pessoas, incluindo 47.000 mulheres e meninas, informando-as sobre a COVID-19 e a violência baseada no género na Guiné-Bissau, os riscos de aumento de abusos sexuais e outras violações dos direitos humanos de mulheres e meninas devido à pandemia. Ainda, forneceu formação à polícia, bem como a outros profissionais da justiça, saúde e educação sobre a violência baseada no género. A plataforma recebeu e encaminhou mais de cem casos de violência sexual baseada no género, incluindo violência doméstica e casamento forçado. A intensificação dos esforços para combater a violência baseada no género na Guiné-Bissau implica uma série de aspectos. Melhorar a sensibilização e a recolha de dados sobre a violência baseada no género é o primeiro passo fundamental para abordar a questão. São necessárias medidas adicionais para abordar os obstáculos à denúncia e à procura de cuidados, incluindo a ampliação do acesso à informação e aos serviços para os sobreviventes, a criação de mecanismos para melhorar a eficácia do sistema judicial no tratamento dos casos e na aplicação da legislação, e a garantia de financiamento para permitir a existência de infraestruturas e recursos humanos adequados para a prevenção, proteção e resposta. Em particular, é necessário o estabelecimento de vias e protocolos de recurso à violência baseada no género e a criação de capacidades para reduzir a dependência dos mecanismos informais de apoio. A educação em torno das normas de género e da violência baseada no género, particularmente nas escolas, contribuiria para combater a violência contra as mulheres e meninas. 82 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 83 3. Conclusões e recomendações O impacto da desigualdade de género numa vasta gama de resultados de desenvolvimento atinge grandes proporções e os argumentos económicos para investir em meninas e mulheres são sólidos. As perdas na riqueza do capital humano na Guiné-Bissau devido à desigualdade de género nos rendimentos poderiam atingir até 5,6 mil milhões de dólares, de acordo com os dados para 2018. Este valor pode ser uma estimativa sobrestimada, mas não deve haver dúvidas de que o custo económico da desigualdade de género é muito grande. Além disso, considerando o elevado crescimento populacional, em parte devido à desigualdade de género, as estimativas sugerem que, em termos per capita, a riqueza natural e produzida na Guiné-Bissau diminuiu substancialmente nas últimas duas décadas e meia. Tendo em conta que a riqueza de um país é composta pelos bens que lhe permitem produzir rendimentos futuros (rendimento nacional bruto), as tendências são preocupantes. A desigualdade de género tem também grandes impactos noutras áreas, incluindo a fertilidade e o crescimento populacional, o atraso de crescimento dos menores de cinco anos, e a capacidade de decisão das mulheres no seio do agregado familiar. Em muitas dessas áreas, é provável que os custos associados sejam também elevados. É o caso, por exemplo, do impacto na fertilidade e do crescimento da população, que tem um impacto nos padrões de vida (PIB per capita, bem como a riqueza per capita). As elevadas taxas de crescimento anual da população devem-se em parte a elevadas taxas de fertilidade, causadas, pela sua vez, pela desigualdade de género, nomeadamente pela elevada prevalência de casamento infantil e de gravidez precoce, bem como pelos baixos níveis de escolaridade das meninas e mulheres. O casamento infantil e a gravidez precoce contribuem para a diminuição dos resultados escolares das meninas e, por outro lado, manter as meninas na escola é uma das melhores estratégias para acabar com o casamento infantil e reduzir a gravidez precoce. Embora sejam necessárias múltiplas políticas para reduzir a desigualdade de género, o investimento em meninas adolescentes é especialmente importante tendo em conta os benefícios para toda a vida. 84 Mais obstáculos à igualdade de género impedindo a participação económica das mulheres limitam a capacidade do país de alcançar todo o seu potencial de desenvolvimento socioeconómico. Os desafios específicos que as mulheres encontram para aceder ao mercado de trabalho e aos bens, assim como as oportunidades para tomar decisões fora do lar, têm grandes implicações não só para o seu bem-estar económico, mas também para o das suas famílias e das suas comunidades. Enquanto a discriminação e as normas sociais continuarem a configurar as condições de participação da força de trabalho feminina, o seu empreendedorismo e oportunidades financeiras, assim como a sua voz e capacidade de intervenção, o país inteiro continuará a assumir os custos económicos da desigualdade de género. É possível promover uma vasta gama de políticas para reduzir as disparidades de género e melhorar o empoderamento económico das mulheres; nesta secção, o enfoque tem-se centrado em três vias-chave para alcançar uma maior igualdade: (i) melhorar as leis e o quadro regulamentar; (ii) educar as meninas e acabar com o casamento infantil e a gravidez precoce; e (iii) acabar com a violência baseada no género. As principais recomendações que emergem da análise são: (i) é necessário eliminar as barreiras legais para melhorar as oportunidades económicas das mulheres; (ii) é necessário aumentar as oportunidades para as jovens meninas e educá-las para reduzir o casamento infantil e a gravidez precoce; e (iii) é necessário reforçar a voz e a capacidade de intervenção das mulheres, lidando particularmente com as normas de género nocivas e a violência baseada no género. As opções políticas para reduzir a desigualdade de género são fornecidas no Quadro 11. Embora estas opções não incluam uma lista exaustiva dos programas e políticas que poderiam ser implementadas para reduzir a desigualdade de género, contribuirão para o progresso nesta área. 85 Quadro 11: Propostas de políticas para a redução da desigualdade de género na Guiné-Bissau Objectivo Recomendações Melhoria das leis e do quadro regulamentar para a autonomia económica das mulheres, oportunidades de emprego e rendimento Apoiar a igualdade de género na família, no mercado de trabalho e nos mercados financeiros Estabelecer um quadro institucional apropriado em favor da Reforçar a igualdade de género, incluindo o reforço dos mecanismos de implementação e a coordenação e apoio à integração do género nas leis, políticas e aplicação dos programas; e assegurar recursos orçamentais adequados para direitos da mulher melhorar as estruturas estatais e a capacidade institucional para implementar a legislação. 86 Melhorar as oportunidades para as meninas adolescentes Melhorar a educação das meninas e acabar com o casamento infantil e a gravidez precoce Reforçar a voz e a capacidade de intervenção das mulheres e abordar a violência baseada no género Reforçar o Reforçar o quadro institucional e os mecanismos para a igualdade empoderamento de género em todos os sectores sociais e promover iniciativas para das mulheres na reforçar a participação das mulheres na tomada de decisões e em sociedade e posições de liderança na administração pública. promover a (i) Facilitar o acesso das mulheres à justiça, incluindo às vítimas de igualdade no acesso violência doméstica, através de formação sensível ao género para o aos direitos e à pessoal judicial e policial e campanhas de sensibilização de conhecimento dos seus direitos; e (ii) reforçar a proteção e apoio à violência baseada no género, nomeadamente através da criação e reforço de serviços especializados e do estabelecimento de vias de recurso à violência baseada no género, bem como através da ampliação do acesso aos Centros de Justiça. Promover a (i) Desenvolver e implementar campanhas de sensibilização sensibilização e dirigidas a líderes políticos (a nível comunitário, regional e nacional), criar capacidade decisores e líderes religiosos; (ii) reforçar parcerias com a sociedade para acabar com as civil; e (iii) investir na investigação e recolha de dados sobre as normas nocivas e a desigualdades de género e divulgar publicamente os resultados discriminação 87 Referências Bandiera, O., N. Buehren, R. Burgess, M. Goldstein, S. Gulesci, I. Rasul, and M. Sulaiman. (2020). Empowering Adolescent Girls: Evidence from a Randomized Control Trial in Africa, American Economic Journal: Applied Economics, 12(1): 210- 59. Bastagli, F., J. Hagen-Zanker, L. Harman, V. Barca, G. Stuege, and T. Schmidt (2018). The Impact of Cash Transfers: A Review of the Evidence from Low- and Middle- income Countries, Journal of Social Policy, 48(3): 569-94. Bardasi E., Wodon, Q. 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A Guiné-Bissau sofreu uma guerra civil em 1998 e quatro golpes de Estado e 17 tentativas de golpe desde a independência, sendo considerado como um país em SFC. No caso das pessoas, o nível de educação está associado a maior produtividade e rendimentos, taxas de pobreza mais baixas, melhores condições de saúde, e um maior envolvimento cívico. Nos países, a educação contribui para a inovação e o crescimento, para o melhor funcionamento das instituições, para uma maior mobilidade social intergeracional, para oferecer maiores níveis de confiança social, e para diminuir as probabilidades de conflito. As provas também demonstram que o papel da educação na reconstrução pós-conflito é crítico. A educação pode impulsionar o progresso, promovendo o desenvolvimento económico, reforçando a acção humanitária, contribuindo para a segurança e construção do Estado, e mitigando os efeitos das catástrofes. A Guiné-Bissau adoptou em 2017 um ambicioso Plano Setorial de Educação para o período 2017-2025 (PSE), que estabelece as prioridades do governo e orienta os investimentos no sector. O plano dá prioridade: (i) à expansão da cobertura do ensino para atingir o ensino básico universal; (ii) à melhoria da qualidade do ensino a todos os níveis; (iii) ao apoio ao ensino e formação técnica e profissional e ao ensino superior adequado às necessidades do país; e (iv) ao reforço da governação do sector através da melhoria da supervisão, descentralização, e gestão financeira. O sucesso da implementação da PSE depende não só do aumento do investimento, mas também da estabilidade política e institucional. O Ministério da Educação Nacional (MEN) identificou cinco acções prioritárias para o seu primeiro plano trienal (2017-19). Estas incluem a melhoria da gestão financeira e de recursos humanos, o reforço do Sistema de Informação sobre Gestão da Educação (SIGE), e a melhoria da supervisão pedagógica. No entanto, a elevada rotação de pessoal, juntamente com as frequentes greves de professores, tem afetado seriamente os esforços para melhorar o sistema de educação. A implementação do PSE tem demorado devido aos atrasos na organização de programas de formação de professores em serviço, à inspeção escolar e ao sistema de supervisão e avaliação, bem como à fraca capacidade do sector. O primeiro plano trienal foi atualizado em 2020 e actualmente o MEN trabalha em conjunto com os doadores 92 para desenvolver um novo plano trienal para a segunda fase de implementação. A gestão do sector da educação a todos os níveis, desde o ministério central até às escolas individuais sofre os efeitos de uma baixa capacidade, má governação, e despesas insuficientes. O sistema educativo da Guiné-Bissau confronta-se com desafios persistentes relacionados com greves recorrentes de professores, uma oferta inadequada de professores formados, uma baixa despesa pública, e uma fraca governação. Faltam políticas e regulamentos claros para governar o sector da educação, nomeadamente no que diz respeito à contratação, formação e gestão de professores e diretores de escolas. Além disso, a falta de um SIGE operacional impossibilita o acesso a dados atempados e fiáveis, necessários para orientar o desenvolvimento de políticas sectoriais e para acompanhar e avaliar adequadamente a implementação de programas sectoriais. Apesar de ter sido declarado um sector prioritário por quase todos os sucessivos governos desde 2014, os recursos fiscais atribuídos à educação são escassos para satisfazer a sua crescente demanda. O orçamento do sector da educação é limitado e muito dependente do financiamento dos doadores. Mais de 90% do orçamento do sector da educação destina-se ao pagamento dos salários dos professores, limitando os recursos disponíveis para satisfazer outras necessidades do sector. Além disso, no passado, muitos professores não recebiam pagamentos regularmente devido à falta de recursos fiscais e aos atrasos salariais acumulados, resultando em greves frequentes dos professores e na suspensão das aulas. Apesar de ter atingido alguns progressos em termos de acesso à educação, o país ainda enfrenta desafios significativos na realização dos seus objectivos de desenvolvimento humano. Entre os principais obstáculos: (i) uma grande percentagem permanente de crianças não escolarizadas, na sua maioria provenientes das famílias mais pobres e das zonas rurais; (ii) baixo nível de resultados de aprendizagem; (iii) um grande número de jovens sem educação formal, o que constitui uma grande preocupação para o capital humano futuro do país e para os potenciais meios de subsistência dos indivíduos; (iv) défices significativos na despesa pública actual; e (v) acesso limitado ao ensino secundário. Os efeitos adversos da pandemia COVID-19 poderiam ter enfraquecido ainda mais o sistema educativo. A Guiné-Bissau situa-se entre os mais de 150 países que fecharam as suas escolas para reduzir a propagação da COVID-19, o que implicou um elevado custo social e económico para as famílias e os alunos. Todas as instituições educacionais (da 93 uma alternativa possível para praticamente nenhum estudante. Além disso, os programas de refeições escolares, que normalmente funcionam em cerca de 40% das escolas, deixaram de funcionar durante o encerramento das escolas. É provável que o tempo passado fora da escola também tenha aumentado o abandono escolar entre os mais vulneráveis. O capítulo organiza-se em três secções. A primeira secção fornece uma visão geral do sector da educação em termos da sua organização, estratégia nacional e financiamento. A segunda secção analisa o impacto da crise da COVID-19 no sector da educação e nos resultados escolares, enquanto a terceira secção apresenta o desempenho do sistema educativo nas suas diferentes dimensões, incluindo as taxas de conclusão e permanência, resultados escolares e rentabilidade da educação. A quarta secção analisa os principais obstáculos que afectam o desempenho do sector da educação. A quinta secção conclui com uma série de acções prioritárias e prioridades políticas para melhorar o desempenho do sector. 1.Visão 1. geral Overview do sector of the educação daSector Education a) Estrutura organizacional do sector da educação A estrutura organizacional do sector da educação é, em grande parte, centralizada e gerida pelo MEN. As responsabilidades administrativas são assumidas pelas 11 Direções Regionais de Educação (DREs), correspondentes às nove regiões administrativas e às duas sub-regiões educativas responsáveis por questões relacionadas com a gestão e supervisão pedagógica das escolas, com o apoio dos Inspectores Sectoriais. O MEN é responsável: (i) pela formulação da política e estratégia nacional de educação, planificação, monitorização e avaliação; (ii) pelas operações e administração; e (iii) pela supervisão e controlo. Contudo, devido a períodos prolongados de instabilidade, as funções e responsabilidades de cada um dos diferentes níveis têm ficado progressivamente menos claras. O sistema formal de educação básica da Guiné-Bissau articula-se em torno de três ciclos. Inclui três ciclos de ensino básico do primeiro ao nono ano (Quadro 6), que são comuns em toda a África lusófona. Os dois primeiros ciclos, obrigatórios e gratuitos, representam o ciclo completo do ensino elementar, em comparação com os padrões 94 internacionais. O terceiro ciclo é equivalente ao ensino secundário inferior e exige que os alunos paguem uma taxa.1 O ensino básico é seguido de 3 anos de ensino secundário, tanto geral como técnico, e de mais 4 anos de ensino superior e terciário. Quadro 12: Ciclos de Educação Ensino Ensino básico Ensino secundário Ensino terciário pré-escolar EB1 EB2 EB3 (Classe 1-4) (Classe 5-6) (Classe 7-9) (Classe 10-12) Idade 3-5 Idade 6-11 anos Idade 12-14 Idade 15-17 Idade 18-21 Nota: as classes 1-4 (EB1) são o primeiro ciclo, as classes 5-6 (EB2) o segundo ciclo, e as classes 7-9 (EB3) são o terceiro ciclo. O ensino básico é seguido de 3 anos de ensino secundário, tanto geral como técnico, e de mais 4 anos de ensino superior e terciário A baixa qualidade do ensino primário representa um dos principais desafios do sector da educação na Guiné-Bissau. Uma avaliação relativamente recente dos resultados de aprendizagem nas classes 2ª e 5ª em português e matemática revela níveis muito baixos de resultados de aprendizagem. As notas médias dos alunos da segunda classe, tanto em português como em matemática, são baixas em todos os aspectos, quer um aluno viva numa zona urbana ou mais rural, seja rapaz ou rapariga, ou frequente uma escola pública ou uma escola comunitária. Ainda mais preocupantes ainda são as pontuações na 5ª classe. Os resultados demonstram uma queda significativa dos níveis de aprendizagem entre as classes 2ª e 5ª, nomeadamente em matemática. Enquanto os alunos de 2ª classe dominam apenas metade do conteúdo ensinado, na 5ª classe a taxa desce para menos de um terço. b) Estratégia do sector da educação: objectivos e prioridades O governo definiu um plano setorial ambicioso para alcançar a escolarização básica universal. O MEN desenvolveu um Plano Setorial de Educação (PSE) para o período 2017-2025, identificando os desafios do sector e as reformas necessárias. O plano centra-se em: (i) aumentar o acesso ao ensino básico; (ii) melhorar a qualidade do ensino a todos os níveis; (iii) desenvolver a formação (técnica, profissional e superior) adequada às necessidades do país; e (iv) reforçar a governação do sector através da melhoria da monitorização, descentralização, e gestão financeira. 1 As propinas anuais do ensino secundário inferior ( 7ª-9ª classe) estão estimadas em 11.000 CFA (cerca de 20 dólares). Enquanto que as propinas anuais do secundário (10ª-12ª classe) estão estimadas em 17.000 CFA (cerca de 31 dólares americanos). 95 No entanto, o sucesso da implementação depende do aumento do investimento no sector. O modelo de cálculo de custos utilizado para calibrar o plano do sector estimou que, pelo menos, deveriam ser construídas 500 novas salas de aulas entre 2018 e 2025 para atingir um acesso universal ao ensino primário, mantendo ao mesmo tempo a proporção de 1 professor por 50 alunos. O investimento adicional necessário para atingir este objectivo é de 8 milhões de dólares, com salários estimados a aumentar anualmente em 3% de 2018 a 2025. O custo por aluno foi estimado em cerca de 42 dólares por ano. Dados os recentes aumentos salariais,2 é provável que estas estimativas sejam inferiores ao investimento necessário para atingir os objectivos de educação. Serão também necessários recursos adicionais para remediar a escassez de professores qualificados e a falta de recursos públicos nas escolas, o que afecta gravemente a qualidade do sector da educação. c) Financiamento do sector da educação Embora a despesa pública em educação tenha aumentado ao longo de 2010-18, o sector continua insuficientemente financiado. De acordo com a Public Expenditure Review (Avaliação da Despesa Pública) de 2018, as despesas em educação quase duplicaram em termos reais entre 2010 e 2015, passando de 13,3 milhões de dólares para 31,7 milhões de dólares. Contudo, em 2017 e 2018, as despesas em educação continuaram em 2,2% do Produto Interior Bruto (PIB), muito abaixo dos 4-6% recomendados pela Parceria Mundial para a Educação. Mais de 90% da despesa actual em educação pública cobre os salários de professores e outros funcionários. Para os investimentos, o sector depende essencialmente do apoio dos doadores, que financiam quase todas as despesas não recorrentes. A Guiné-Bissau tem a menor despesa em educação em percentagem do PIB quando comparada com os países pares da África Subsaariana (ASS). A despesa em educação na Guiné-Bissau, tanto em percentagem da despesa pública total como em percentagem do PIB, é a mais baixa entre os países da UEMOA e também em relação à média da Africa 2 Os salários dos professores aumentaram nos últimos dois anos devido a reformas específicas do Ministério da Educação e da função pública em geral. Em setembro de 2018, todos os funcionários públicos receberam uma subida salarial com base numa nova tabela salarial, que aumentou inequivocamente os salários de todos os professores e estabeleceu um novo salário mínimo de FCFA 50.000 /mês (cerca de 90 dólares). Em novembro de 2019, o governo começou também a aplicar o novo subsídio de isol- amento e de giz estabelecido do Estatuto da Carreira Docente. Perante a ameaça de mais greves, foi concedido, entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, um novo aumento salarial para os professores com maiores qualificações reconhecidas. 96 Subsaariana (Figura 15). A despesa total em educação representa 2,2% do PIB (ou 16,2% da despesa pública total), enquanto a média da UEMOA é de 4,4% (ou 18,9% da despesa pública total). A despesa pública em educação como proporção da despesa pública total também está abaixo da faixa de 17-25% recomendada pela Parceria Mundial para a Educação. Figura 16: Comparação das despesas públicas em educação (percentagem do PIB e da despesa pública total - %) Fonte: Estimativas dos autores baseadas nos Indicadores Mundiais de Desenvolvimento (IMD), Dezembro 2020. A distribuição dos recursos indica que a escolarização básica universal tem sido priorizada, mas as despesas podem ser regressivas. De acordo com a Public Expenditure Review de 2018, a percentagem do ensino primário nas despesas públicas era de 46% em 2013, enquanto que o ensino secundário e pós-secundário representavam 39% e 14%, respectivamente. A despesa por nível é desproporcional em relação à distribuição das matrículas, sendo que o ensino primário recebe menos de metade dos recursos públicos, embora represente cerca de 70% do total de matrículas nas escolas públicas. 97 Em contraste, o ensino secundário que representa um terço dos alunos recebe 40% dos recursos. Contudo, deve ter-se em conta que não é possível fazer uma declaração definitiva sobre se a despesa é regressiva ou não, sem controlar o custo unitário, que é supostamente mais elevado no ensino pós-primário. O caso do ensino primário baseia-se também em considerações de equidade, pois beneficia todos os grupos de rendimento, enquanto a percentagem de estudantes dos quintis mais baixos diminui à medida que o nível de educação aumenta. Com a maior parte do financiamento do sector destinado principalmente ao pagamento de salários, as despesas em educação na Guiné-Bissau não estão em conformidade com as boas práticas. A maior parte das despesas recorrentes corresponde aos salários do pessoal, enquanto que as despesas não salariais recorrentes representam menos de 10%. O mesmo padrão de despesa aparece no ensino primário. Este baixo investimento em despesas recorrentes não salariais também coloca o país abaixo da referência sugerida pela Parceria Mundial para a Educação. A baixa despesa em insumos e investimentos educacionais essenciais coloca questões sobre a capacidade do sector em responder às necessidades de uma população estudantil em crescimento, ao mesmo tempo que se alcança o ensino primário universal. As despesas em bens e serviços – apoio à compra de livros escolares, formação de professores, desenvolvimento curricular e manutenção escolar - são extremadamente baixas na Guiné-Bissau, sendo inferiores ao 3% das despesas recorrentes. As despesas em bens e serviços têm diminuído em termos reais nos últimos anos. O atraso na construção de escolas e aulas (o tamanho médio das turmas era superior a 100 alunos em 2013) é ainda agravado pela deficiente distribuição geográfica. A maioria dos insumos essenciais, desde livros escolares, material escolar, formação e refeições escolares até à construção de aulas, são financiados por doadores e organizações não governamentais (ONGs). Apoiar-se no financiamento externo para estes contributos não só é pouco sustentável, mas torna o sector vulnerável perante uma redução da ajuda. Por exemplo, em 2020, quase todas as escolas do país careciam de materiais de aprendizagem devido à falta de financiamento dos doadores e a atrasos na conclusão de uma reforma curricular em curso. Se a Guiné-Bissau não mudar a sua actual estrutura de financiamento - ou seja, se o sector da educação continuar a receber apenas 2% do PIB e se 16% dos recursos públicos vierem de recursos internos - e se o país não conseguir melhorar a utilização dos seus recursos, o problema das crianças e jovens que abandonaram a escola só irá aumentar. 98 2. Impacto da Crise da COVID-19 no Sector da Educação Em resposta à pandemia global da COVID-19, a Guiné-Bissau situa-se entre os mais de 150 países que fecharam as suas escolas para reduzir a propagação da COVID-19, com um elevado custo social e económico para as famílias e os alunos. Todas as instituições educacionais (da educação pré-escolar ao ensino superior) fecharam na terceira semana de março de 2020 e permaneceram fechadas até Julho. No entanto, foram autorizadas a reabrir durante três semanas para finalizar os exames de fim de ano. A 29 de Setembro de 2020, o MEN declarou oficialmente o encerramento do ano letivo 2019-2020 e a abertura do novo ano académico 2020-2021. Estima-se que, quando as escolas fecham, 346.700 alunos ficam fora da escola, sem possibilidade de continuar a sua educação. Ao contrário do que acontece em muitos países da ASS, a falta de tecnologias digitais básicas é a razão de a Guiné-Bissau não ter acesso à aprendizagem à distância, o que teria ajudado a reduzir os efeitos da perda de aprendizagem causada pela pandemia. As potenciais perdas de aprendizagem e os custos económicos dos frequentes encerramentos de escolas na Guiné-Bissau, devido às greves de professores ou às medidas de prevenção da COVID-19, são muito elevadas. Uma ferramenta de simulação do Banco Mundial permite aos países onde existem dados sobre os resultados da aprendizagem estimar a potencial quantidade de aprendizagem perdida e o custo económico do encerramento das escolas. Em muitos países, os resultados da aprendizagem já eram baixos antes da pandemia. Em média, nos países da UEMOA, as crianças podiam completar 7,2 anos de escolaridade aos 18 anos de idade. No entanto, quando ajustado à qualidade da aprendizagem, este número cai para apenas 4,3 anos de escolaridade em média. A ferramenta calcula que se as escolas estiverem fechadas por apenas 3 meses, a média de anos de escolaridade ajustada à qualidade é reduzida em mais 0,21. Se as escolas estiverem fechadas por apenas 3 meses, a média de anos de escolaridade ajustada à qualidade é reduzida em mais 0,21. Se as escolas estiverem fechadas durante 5 meses, a perda estimada é de 4,3. Na pior das hipóteses, os anos de escolaridade efectiva das crianças se reduzem a apenas 3,83. Em termos monetários, isto reduz o rendimento anual potencial de um indivíduo em $164. Em termos de valor actual (no PPP de 2017), para esta coorte de estudantes, a perda potencial de rendimento ascenderia a um montante assustador de $34 mil milhões de dólares. A falta de dados sobre os resultados da aprendizagem torna impossível calcular os custos apenas para 99 a Guiné-Bissau. No entanto, é evidente que o frequente encerramento de escolas nos últimos anos, por vezes quase a meio do ano letivo, tem um custo económico muito elevado. Figura 17: Anos de aprendizagem ajustada pré e pós-COVID-19 nos países da UEMOA Fonte: Estimativas dos autores baseadas em dados do Índice de capital humano e da ferramenta de simulação. Em Março de 2020, algumas semanas antes do início do estado de emergência, tomou posse um novo governo, que nomeou novos ministros e também novos cargos de diretor-geral no MEN. A súbita mudança de liderança abrandou a capacidade do ministério para desenvolver um plano de contingência do sistema educativo durante o estado de emergência. O período de encerramento de escolas imposto pelo Estado foi mais uma perturbação do calendário escolar. Mesmo antes do encerramento das escolas, o ano académico de 2020 já tinha começado com a ameaça de greves de professores, localizadas, na sua maioria, na capital. Os encerramentos de escolas tiveram efeitos negativos imediatos causados pela perda de oportunidades de aprendizagem. No entanto, a crise provavelmente teve efeitos negativos ainda mais duradouros sobre o capital humano, uma vez que o abandono escolar provavelmente aumentou, e as perdas de aprendizagem poderão ser mais difíceis de recuperar. 100 O encerramento de escolas devido à COVID-19 foi comparável aos períodos prolongados de encerramento de escolas devido às greves de professores, com as quais as crianças das escolas públicas já lidavam regularmente. No entanto, a subsequente recessão económica e a diminuição da capacidade fiscal reduziram as competências do governo para impulsionar a implementação de reformas no sector da educação, destinadas a aumentar a estabilidade e reduzir as perturbações no sistema. Se não forem feitos todos os esforços necessários para remediar a situação e se não se acelerarem as medidas para melhorar o acesso e a qualidade da educação, os custos a longo prazo da acumulação de capital humano perdido para esta geração serão muito elevados. As simulações entre países realizadas nessa altura mostraram os seguintes resultados educacionais no contexto de um cenário conservador de apenas 5 meses de encerramento de escolas. No entanto, levará anos até que vejamos a exatidão destas simulações:3 • A escolaridade média (ajustada à qualidade) completada por criança em países de baixo rendimento (PBR)/países de rendimento médio (PRM) poderia cair de 7,9 para 7,3 anos - uma queda substancial segundo os padrões históricos. • A pobreza na aprendizagem poderia aumentar de 53% antes da pandemia para 63%. Isto teria um efeito particularmente adverso na África Subsaariana, que inicialmente teve os níveis mais elevados de pobreza de aprendizagem e, portanto, é susceptível de emergir da pandemia com uma crise ainda mais profunda. • A percentagem de jovens actualmente no início do ensino secundário que não conseguem atingir um mínimo de literacia e numeracia funcional poderia aumentar de 40% antes da pandemia para 50%. • Há pelo menos 24 milhões de crianças, desde a educação pré-escolar até ao ensino superior, que talvez nunca mais regressem à escola. • A percentagem de jovens actualmente no início do ensino secundário que não conseguem atingir um mínimo de literacia e numeracia funcional poderia aumentar de 40% antes da pandemia para 50%. • As crianças atingidas por perdas de aprendizagem perderão 10 triliões de dólares em ganhos futuros ao longo da vida (equivalente a 8% do Produto Interno Bruto (PIB) global). Para cada criança, este valor corresponde à perda de um ano de rendimentos do trabalho. 3 Azevedo, J. P., Hasan, A., Goldemberg, D., Iqbal, S. A., & Geven, K. (2020). Simulating the Potential Impacts of COVID-19 School Closures on Schooling and Learning Outcomes. A Taxa Bruta de Matrícula é definida como o número de alunos inscritos num determinado nível de educação, sem distinção de idade, indicado como uma percentagem da população em idade escolar oficial equivalente ao mesmo nívelz de educação. Esta taxa pode ultrapassar 100% devido à inclusão de alunos com idade superior e in- ferior em razão da admissão prematura ou tardia na escola, e da repetição de classes. Neste caso, é necessária uma interpretação rigorosa da Taxa Bruta de Matrícula para avaliar a dimensão da repetição dos alunos que ingressam tardiamente, etc. 101 • A COVID-19 está a representar um risco consideravelmente mais alto no que diz respeito à educação e bem-estar das raparigas. Há maior probabilidade de as raparigas abandonarem a escola: elas são mais vulneráveis à violência, são confrontadas com o casamento infantil e a gravidez na adolescência. 3. Desempenho do sector da educação a) Ponto de situação do acesso no ensino primário e secundário O sector da educação na Guiné-Bissau tem feito progressos relativamente ao acesso ao ensino básico, embora as taxas brutas de admissão nos níveis secundário e terciário continuem a registar níveis baixos.4 Estas taxas aumentaram em todos os níveis de ensino entre 2014 e 2018, registando-se os maiores progressos no primeiro ciclo do nível do ensino básico (EB1), onde as taxas aumentaram de 132% em 2014 para 156% em 2018. O acesso ao nível secundário também aumentou de 45% para 66% durante o mesmo período, mas continua a ser baixo. Isto indica que os progressos no nível primário ainda não chegaram aos níveis secundários. O acesso ao nível terciário registou um aumento de 3% (de 1% para 4%) durante o mesmo período. Figura 18: Tendências da taxa buta de admissão por nível de educação e indice de paridade de género na Guiné-Bissau 156% 2014 2018 132% 97% 91% 90% 84% 77% 7… 59% 100% 97% 66% 85% 83% 82% 76% 57% 45% 4% 1% EB1 EB2 EB3 Second ary Tertiary EB1 EB2 EB3 Second ary Tertiary Gross enrolment rate (GER) Gender Parity Index (GPI) Fonte: Estimativas dos autores baseadas no MICS-2014 e no Inquérito Harmonizado sobre as Condições de vida dos Agregados Familiares 2018. 4 A Taxa Bruta de Matrícula é definida como o número de alunos inscritos num determinado nível de educação, sem distinção de idade, indicado como uma percentagem da população em idade escolar oficial equivalente ao mesmo nívelz de educação. Esta taxa pode ultrapassar 100% devido à inclusão de alunos com idade superior e inferior em razão da admissão prematura ou tardia na escola, e da repetição de classes. Neste caso, é necessária uma interpretação rigorosa da Taxa Bruta de Matrícula para avaliar a dimensão da repetição dos alunos que ingressam tardiamente, etc. 102 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 103 Embora o acesso à educação básica tenha melhorado significativamente ao longo do tempo, em termos de acesso universal, o sector ainda não atingiu nem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODS) nem os mais recentes Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A Taxa de Conclusão do Ensino Primário (TCP) ainda se situava em 64% em 2018 e a diferença de género é significativa em todos os níveis de educação. A frequência escolar das raparigas no terceiro ciclo do ensino básico (EB3) é 16% mais baixa do que a dos rapazes (Figura 17). No ensino secundário, esta diferença é de 10%. Contudo, se compararmos com outros países da ASS, podemos constatar que o TCP na Guiné-Bissau é ligeiramente mais elevado do que a média da ASS (Figura 18). Figure 19: omparação internacional da Taxa de Conclusão do Ensino Primário (TCP)Rate (PCR) Fonte: Estimação dos autores baseada no EHCVM 2018 e estatísticas de educação (EDStats).” Justficar para que esté todo en la misma línea. b) Não frequência na escola, abandono e repetição Cerca de 21% das crianças entre os 6 e 11 anos de idade nunca frequentaram a escola devido a barreiras socioculturais, económicas e geográficas. Um dos desafios para a acumulação de capital humano na Guiné-Bissau é a importante percentagem de crianças que não frequentam a escola. Esta situação aplica-se particularmente às crianças que vivem em zonas rurais e provêm de famílias pobres. Além disso, 26% das crianças entre os 6 e 11 anos de idade não frequentam actualmente a escola. A incidência de crianças que não frequentam a escola atinge de maneira desproporcional as crianças de grupos económicos desfavorecidos e de áreas rurais, onde mais da metade delas não frequentam a escola. Cerca de 43% das crianças de 6-11 anos de idade provenientes de famílias do quintil mais pobre nunca frequentaram a escola, em comparação com apenas 11% das crianças do quintil mais rico. As taxas de abandono escolar são também mais elevadas entre as crianças do quintil mais pobre no caso das crianças dos 6-11 anos de idade e dos 12-14 anos de idade. A diferença observada entre as zonas urbanas e rurais é também 104 grande: 36% das crianças rurais de 6-11 anos de idade nunca frequentaram a escola, em comparação com 11% nas áreas urbanas. Apesar dos esforços do governo, cerca de 43% das crianças de 6 anos de idade nunca frequentaram a escola. Devido a uma série de barreiras socioculturais, económicas, de acesso e outras, quase um terço das crianças entre os 6 e os 11 anos de idade nunca frequentaram a escola (Figura 19). Esta situação é particularmente acentuada para as crianças que vivem em zonas rurais e para as crianças pobres. Figura 20: Taxa de crianças que não frequentam a escola em função do seu estatuto socioeconómico 50% Nunca frequentou a escola Abandonado 40% 3 0% 43% 20% 36% 28% 27% 26% 21% 21% 10% 15% 14% 13% 11% 11% 5% 5% 0% Urban Urban National Rural National Rural Male Female Male Female Poorest Richest Poorest Richest 6-11 y ears 12-14 years Fonte: Estimativas dos autores baseadas no Inquérito Harmonizado sobre as Condições de vida dos Agregados Familiares 2018. Existem importantes factores geradores de ineficiências dentro do sistema que ainda não foram solucionados. A taxa de repetição é especialmente elevada no nível EB1 a 19%, seguida de 11% no nível EB3 e 10% no nível EB2 (Quadro 2). A repetição de classes afecta a capacidade dos estudantes de completarem o seu ciclo de educação atempadamente. Isto aumenta a probabilidade de desistirem, atrasa a sua capacidade de entrar no mercado de trabalho e, portanto, reduz os seus ganhos potenciais ao longo da vida. 105 Estas ineficiências internas acarretam custos substanciais para o governo. De acordo com o Public Expenditure Review 2018, o coeficiente de eficiência interna para a Guiné-Bissau foi estimado em 53,4% em 2010, o que é significativamente inferior ao valor de referência de 80% recomendado pela Parceria Mundial para a Educação (PME).5 Ou seja, perde-se praticamente a metade dos limitados recursos públicos atribuídos ao ensino primário. Esta perda pode ser atribuída principalmente à elevada taxa de abandono escolar. Se não houvesse abandono escolar, o coeficiente de eficiência interna teria sido de 86%. Quadro 13: Taxa de repetição por classe, género e zona de residência Género Área Total Masculino Femenino Rural Urbano Classe 1 34% 32% 41% 24% 33% Classe 2 17% 16% 17% 15% 16% EB1 Clasee 3 14% 13% 17% 10% 14% Clasee 4 11% 11% 12% 9% 11% Classe 5 11% 9% 10% 10% 10% EB1 Clasee 6 9% 9% 9% 9% 9% Classe 7 11% 11% 13% 10% 11% EB1 Classe 8 10% 12% 7% 12% 11% Classe 9 10% 9% 11% 9% 9% Resultados da aprendizagem As dificuldades persistentes de acesso e qualidade da educação refletem-se nos resultados da aprendizagem na Guiné-Bissau. Os dados mostram que as crianças não estão a dominar as competências de literacia e numeracia. Como muitos outros países, a Guiné-Bissau tem atravessado uma grave crise de aprendizagem, mesmo antes da pandemia da COVID-19. Os resultados de uma avaliação baseada no Programa de Análise de Sistemas Educativos (Programme d’Analyse des Systèmes Educatifs de la CONFEMEN (PASEC)) evidenciaram um fraco desempenho em português e em matemática. De facto, 5 O coeficiente de eficiência interna é calculado como o rácio do número ideal de estudantes por ano, necessário para produzir um número de graduados de uma determinada coorte de estudantes no ensino elementar/secundário, em relação ao número real de estudantes por ano para produzir o mesmo número de graduados, indicado como uma percentagem. 106 menos de metade dos alunos da 2ª classe foram capazes de responder correctamente às perguntas e só obtiveram uma média de 48 e 50% em português e matemática, respectivamente. Na 5ª classe, a pontuação dos alunos diminuiu ainda mais - apenas um terço foi capaz de responder correctamente às perguntas e obteve uma pontuação média de 39% e 31% em português e matemática, respectivamente. O baixo desempenho dos alunos deve-se à baixa qualificação do pessoal docente. Apenas uma pequena parte dos professores tem os conhecimentos e as competências pedagógicas necessárias para ensinar eficazmente: apenas 68% dos professores possuem os conhecimentos de conteúdo necessários para ensinar português aos alunos da 2ª classe. Da mesma maneira, apenas 46% dos professores possuem os conhecimentos de conteúdo necessários para ensinar matemática aos alunos da 2ª classe. Esta mesma avaliação revelou que 98% e 94% dos professores da 5ª classe não conseguiram responder correctamente a mais de 95% das perguntas em matemática e em português, respectivamente. c) Disparidades regionais e de género O acesso ao ensino secundário varia significativamente entre regiões, bem como entre áreas urbanas e rurais. Embora as taxas brutas de admissão básicas regionais sejam relativamente elevadas, três regiões (Gabu, Bafata, e Oio) registaram taxas brutas de frequência inferiores ao nível nacional em 2018. Em termos de disparidade no acesso ao ensino secundário, as mesmas três regiões têm taxas brutas de frequência inferiores a 25%, enquanto Bissau registou um rácio de 142%. Além disso, a taxa bruta de frequência básica nas zonas rurais é 46 pontos percentuais mais baixa do que nas zonas urbanas. Esta diferença é ainda maior, chegando aos 88 pontos percentuais no ensino secundário (Figura 20). Existe também uma ligeira disparidade de género no acesso ao ensino básico e secundário. A frequência das raparigas no terceiro ciclo do ensino básico (EB3) é 16% inferior à dos rapazes (Figura 17). No nível secundário do ensino, por exemplo, a taxa bruta de matricula para as raparigas situa-se nos 63%, em comparação com os 70% para os rapazes. A incidência de crianças que não frequentam a escola entre os 12-14 anos é também um pouco mais elevada entre as raparigas, com 18%, em comparação com 16% entre os rapazes. 107 Figura 21: Disparidades regionais e de género nas taxas brutas de Admissão Fonte: Estimativas dos autores baseadas no EHCVM 2018. O capital humano na Guiné-Bissau Um dos maiores constrangimentos ao desenvolvimento económico da Guiné-Bissau tem a ver com sua mão-de-obra pouco qualificada e fraco capital humano. A má qualidade do ensino e a falta de acesso à educação têm conduzido a uma séria escassez de mão-de-obra qualificada. A taxa de alfabetização dos adultos é de cerca de 57%, mas isto varia significativamente dependendo do género e da localização geográfica. Em média, apenas 40% dos adultos que vivem em zonas rurais estão alfabetizados. Para as mulheres destas áreas, a proporção desce para 25%. Embora o acesso ao ensino primário tenha melhorado nas últimas décadas, ainda há uma parte considerável da população que sofre de falta de serviços. Actualmente, cerca de 21% das crianças entre os 6 e 11 anos de idade nunca frequentaram a escola e apenas 42% da população entre os 24-29 anos completaram o ensino primário. A escolarização primária universal ainda está longe de ser uma realidade. 108 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 109 O baixo aproveitamento escolar continua a ser um dos principais obstáculos ao aumento da produtividade laboral e à geração de rendimentos. De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2021 do PNUD, a Guiné-Bissau ocupava o 177º lugar entre 191 países em termos de desenvolvimento humano. As economias que cresceram rapidamente durante um longo período de tempo investiram fortemente na educação dos seus cidadãos. Na Guiné-Bissau, é urgente dar prioridade a este tipo de investimento. O capital humano é um motor chave da produtividade laboral e do crescimento inclusivo e também um pilar importante da coesão social e da confiança nas instituições. Contudo, o insuficiente investimento em capital humano, provocado por sistemas fracos e ineficientes, e a instabilidade política têm resultado em greves frequentes e perturbações nos serviços de educação. Retorno da educação A educação é um investimento positivo e rentável na Guiné-Bissau. A nível nacional, um ano adicional de educação corresponde a um aumento médio (de 7%) nos rendimentos mensais. No entanto, a taxa de retorno associada a um ano adicional de educação é inferior às médias da UEMOA e da ASS. As estimativas da regressão Minceriana (a nota metodológica pormenorizada da estimativa das taxas privadas de retorno à educação, assim como os resultados da regressão são apresentados no Anexo 4), por género, zona de residência, e sector de emprego apresentam-se na Figura 21. Além disso, aponta melhores retornos para as mulheres e para os sectores altamente produtivos. Para o mesmo nível de escolaridade, as mulheres têm uma taxa de retorno mais elevada (8,3%) do que os homens (6,1%), o que indica que há menos mulheres escolarizadas do que homens na mão-de-obra. A taxa de retorno da educação no sector dos serviços é mais elevada do que nos outros sectores, o que sugere que a produtividade no sector dos serviços é mais elevada. Embora existam outros factores que também possam justificar o aumento dos rendimentos, as condições do mercado de trabalho, tais como sinais claros de competências e condições favoráveis de oferta de mão-de-obra, tais como um número adequado de pessoas qualificadas, são elementos importantes para uma fixação de salários competitiva. 110 Figura 22: Média de aumento dos rendimentos associada ao ano adicional de escolaridade nos países da ASS Fonte: Estimativas dos autores baseadas no Inquérito Harmonizado sobre as Condições de vida dos Agregados Familiares e inquéritos semelhantes para os restantes. 4. Constrangimentos que prejudicam o desempenho do sector da educação a) Greves de professores O sistema de educação tem sido enfraquecido devido a uma série de perturbações políticas e sociais. Durante mais de uma década, as greves de professores serviram para reclamar o pagamento de salários em atraso, promover reformas salariais e de benefícios, e melhorar as condições de trabalho, e estão muitas vezes ligadas à política. As greves regulares de professores representam o principal motivo de perturbação do ano letivo e um dos principais factores responsáveis pela má qualidade da educação. Os atrasos salariais afectam mais frequentemente os novos professores que entram no sistema público, cujos primeiros pagamentos de salários chegam frequentemente com meses de atraso. 111 Nos últimos sete anos, com excepção de 2020/21 e 2021/22, pelo menos um terço de cada ano letivo sofreu um impacto negativo devido às greves dos professores. De acordo com os parceiros sectoriais, as greves de professores são um dos factores chave responsáveis pela má qualidade da educação, limitando o número de dias letivos por ano, contribuindo para uma elevada taxa de abandono escolar e para uma percepção pública negativa das escolas públicas (UNICEF, 2018). O carácter recorrente das greves levou os pais e os alunos a mostrarem-se cépticos em relação ao sistema de ensino público. Quando as greves terminam, muitos alunos (nomeadamente nas escolas secundárias) não regressam às aulas e os diretores das escolas recorrem aos meios de comunicação social para que estes regressem6. Como os professores em greve continuavam muitas vezes a ser pagos devido à falta de um seguimento efetivo, até 60% de todos os salários destinados aos professores eram pagos a docentes que não estavam de facto a ensinar, mas que estavam em greve. No entanto, durante os últimos dois anos escolares, foram tomadas medidas que permitiram ao ministério parar os pagamentos aos professores em greve. Isto contribuiu significativamente para evitar mais greves de professores nesses anos. Uma das causas fundamentais das greves recorrentes de professores é a instabilidade política. Algumas das causas das recentes greves de professores estiveram relacionadascom a gestão dos salários (salários em atraso e ajustamentos), condições de trabalho, e a implementação da Reforma da Carreira Docente. No entanto, a raiz das greves reside na instabilidade política que tem afetado o país e na fraca capacidade das instituições envolvidas (MEN, Ministério das Finanças e Ministério da Administração Pública) para definir regras claras e implementá-las eficazmente. Devido às frequentes mudanças de governo, os ministros recém nomeados e, muitas vezes, os funcionários públicos superiores encontram-se em negociações com os sindicatos de professores. As exigências do sindicato são muitas vezes de tal ordem que é improvável que os governos efémeros permaneçam no poder o tempo suficiente para as conseguir; a incapacidade de satisfazer todos os seus pedidos normalmente prolonga-se ou provoca novas greves. Além disso, as greves acontecem geralmente em paralelo aos períodos de instabilidade política. Na última década, os sindicatos de professores têm feito pressão para a revisão e implementação de uma Reforma da Carreira Docente. Numa tentativa de “inculcar mais incentivos à trajetória profissional dos professores”, em 2011 o governo aprovou a Reforma da Carreira Docente (“Estatuto Carreira Docente” nº2 / 2011), que estabelece as principais obrigações e benefícios de todos os professores do sector público na Guiné-Bissau. A 6 Ver, por exemplo, http://angnoticias.blogspot.com/2020/02/ensino-publico_14.html. 112 versão original da lei (2011) incluía vários artigos em aberto/pendentes, que exigiam uma revisão e actualização adicionais, tais como: fornecer apoio contínuo e motivação, através de formação de qualidade no serviço e forte liderança escolar, para permitir aos professores continuarem a melhorar; avaliações do desempenho dos professores e formação de professores no serviço - não apenas aumentos salariais; e completar as reformas planeadas para o sistema de certificação de professores e garantir que todos os professores, incluindo os professores contratados, sejam identificados e tenham as devidas qualificações para o ensino. Entretanto, a instabilidade política não permitiu a realização deste objectivo. Dado que se esperava que as reformas propostas tivessem como resultado aumentos salariais para a maioria dos professores, a impossibilidade de as implementar tornou-se uma das principais fontes de tensão e uma das causas principais de muitas das greves de professores na última década. Em Outubro de 2018 o Parlamento aprovou uma revisão abrangente do Estatuto da Carreira Docente e o governo tem feito esforços para pôr em prática as mudanças incluídas na revisão. A revisão do Estatuto da Carreira Docente estabelece uma estrutura de pagamento nova e mais generosa para os professores do sector público, assim como outras políticas. A nova estrutura de pagamento (i) atribui salários mais elevados aos professores com qualificações mais elevadas (por exemplo, graus universitários ou certificados de docência) e àqueles que passaram mais anos no sector; (ii) novos incentivos monetários com um subsídio de isolamento para motivar os professores a aceitarem posições em zonas rurais e mais remotas do país; e (iii) subsídio para materiais utilizados nas aulas, conhecido como o “subsídio de giz”. Desde Novembro de 2019, os pagamentos e salários dos professores foram ajustados, tendo em conta os novos subsídios de isolamento e de giz. Posteriormente, entre Dezembro de 2019 e Fevereiro de 2020, o ministério compilou todos os elementos necessários para confirmar as diferentes qualificações dos professores e ajustar os seus salários em conformidade. A equipa do Banco Mundial e o ministério trabalham em conjunto para desenvolver uma base de dados abrangente contendo toda a informação necessária sobre os professores para implementar eficazmente a lei. b) Gestão de recursos humanos O MEN conta com funcionários a nível nacional e nas direções regionais, assim como diretores de escolas e professores a nível escolar. De acordo com o revisão das despesas públicas de 2018 havia aproximadamente 10.994 funcionários docentes e 1.052 não docentes (incluindo professores contratados) no sector da educação. Cerca de 8.985 113 funcionários estão na folha de pagamentos do MEN, dos quais 89% são professores. Embora os professores sejam um factor chave na educação e representem o custo mais elevado do orçamento, a distribuição dos professores nas escolas varia muito, sendo motivo de preocupação em termos de equidade e eficiência. Um estudo recente revelou que existe uma grande variação na proporção aluno-professor nas escolas. Um estudo recente mostrou uma grande variação nas proporções aluno-professor nas escolas. A proporção média é de 64,2 alunos por professor, enquanto que 10% das escolas da base registam proporções inferiores a 37 e 10% da parte superior registam proporções superiores a 102. É uma das maiores séries de proporções aluno-professor nas escolas do mundo (Figura 22). A variação nas proporções é também consideravelmente maior dentro das regiões do que entre regiões. Apesar destas grandes variações serem preocupantes de um ponto de vista da equidade, é necessário desenvolver esforços adicionais para compreender até que ponto isto afecta os resultados da educação. Dado que os professores também absorvem a maior parte do orçamento, é fundamental dispor de uma mão-de-obra docente eficiente. Figura 23: Comparação internacional da proporção estudante-professor, ensino primário Fonte: Torsten Figueiredo Walter (2018) para a Guiné-Bissau e Instituto de Estatística da UNESCO (http://uis.unesco.org/). Dados de Fevereiro de 2020. Os principais constrangimentos em termos de gestão de recursos humanos no sector 114 da educação incluem (i) o desempenho dos professores; e (ii) atrasos no processo de contratação. Os baixos níveis de conhecimento da matéria afectam o desempenho dos professores. Uma avaliação da aprendizagem mostrou que 94% dos professores da 5ª classe não conseguiram responder a todas as perguntas em Português . Além disso, os atrasos no processo de contratação afectam a prestação de serviços nas escolas. Com frequência, não há coordenação entre o processo de contratação e o ano letivo, e os professores recém contratados7 chegam frequentemente com vários meses de atraso no ano letivo. Por exemplo, em Abril de 2018 o MENES ainda estava a contratar e a nomear professores para o ano letivo 2017/18. Quando estes professores começaram a trabalhar, o ano letivo já estava quase a terminar. Em 2019, o MENES realizou importantes esforços para implementar uma estratégia desenvolvida com o apoio do Banco Mundial. Em conjunto com o Ministério da Administração Pública e o Ministério das Finanças, o MENES conseguiu contratar quase todos os professores até Novembro, o que representou um progresso considerável em relação aos anos anteriores. c) Materiais didáticos A última vez que o país adoptou um novo currículo escolar foi em 1984, pelo que existe uma importante necessidade de modernizar e renovar o currículo do ensino primário. O novo currículo deveria ser mais simplificado, integrar as disciplinas existentes e incentivar uma pedagogia de ensino mais activa. Embora a actualização do currículo deva ter um impacto positivo na qualidade, existe realmente necessidade de formar professores neste novo currículo e fornecer-lhes apoio adicional durante a sua implementação. Além disso, dada a capacidade limitada dos professores na Guiné-Bissau, os recursos fornecidos aos professores deveriam incluir, para além de livros escolares e guias, ajudas adicionais, tais como lições guiadas. Embora os livros escolares sejam fundamentais para a aprendizagem dos estudantes, é preciso prestar maior atenção ao desenvolvimento de uma política para os livros escolares, planos de aquisição e divulgação, e garantir o armazenamento e a utilização a nível escolar. A falta de materiais didáticos adequados tem afetado a qualidade do ensino e a maior parte das escolas não conseguem fornecer aos estudantes qualquer material didático. Até quando há iniciativas financiadas por doadores para imprimir livros de texto, a disseminação é, muitas vezes, insuficiente. Durante a última distribuição 7 Uma avaliação baseada no Programa de Análise de Sistemas Educativos (Programme d’Analyse des Systèmes Educatifs de la CONFEMEN (PASEC)) II. 115 de livros escolares em 2016 houve vários desafios, como a venda de livros escolares no mercado negro e o elevado número de livros que ficaram em armazéns ao nível central por causa de dados insuficientes sobre a localização das escolas, número de alunos, etc. Estatísticas e planificação da educação A falta de estatísticas sobre educação e de dados a nível escolar continua a ser um obstáculo importante à prestação de serviços na educação. Os últimos dados publicados sobre a educação são de 2014/15. Embora tenham sido desenvolvidos vários métodos de recolha de dados e realizado uma quantidade significativa de formações, o elevado nível de rotatividade dos diretores escolares e diretores regionais dificulta as possibilidades de recolha de dados fiáveis a nível escolar. Como não há formação adequada, mesmo quando os dados chegam ao ministério central, é frequente os questionários apresentarem muitos erros e a introdução/limpeza de dados a nível central constitui um desafio. Devido à falta de estatísticas básicas, a planificação no sector torna-se extremamente fraca; conhecer o número de escolas, locais, número de alunos e professores, etc. é essencial para se poder efectuar uma planificação eficaz. É imprescindível introduzir mais tecnologia, como a recolha de dados através de questionários electrónicos e de tablets ou a realização de inquéritos rápidos via SMS, de modo a garantir a disponibilidade de dados atempados e fiáveis. O inquérito foi realizado como um censo de cada escola pública e comunitária que oferece pelo menos um ano do primeiro ciclo do ensino básico (classes 1-4) em três regiões da Guiné-Bissau. Oio, Bafata e Gabu, abrangendo um total de 746 escolas. O Instituto Nacional de Estatística (INE) foi a agência contratada para supervisionar a recolha de dados. Com o objectivo de agilizar a recolha de dados e reduzir os erros, optou- se pelos tablets como ferramenta para a recolha de dados, utilizando o software Survey Solutions na sua versão em português. Os utilizadores recolheram os dados directamente nos tablets, que, uma vez ligados à Internet, podiam reportar instantaneamente os dados ao servidor central para sua análise. Despesas públicas As despesas da Guiné-Bissau em educação não estão em conformidade com as melhores práticas e padrões de referência internacionais. Em 2018, a despesa em educação continuava a ser de 2,2% do PIB, muito inferior aos 4-6% recomendados pela 116 Parceria Mundial para a Educação. Tendo a despesa mais baixa em educação em proporção do PIB dentro da UEMOA, a Guiné-Bissau não dedica suficientes recursos públicos para atingir o seu objectivo anunciado de alcançar a universalização do ensino primário no país. À medida que a população de estudantes continua a aumentar, é necessário que a despesa em educação aumente significativamente a fim de ter os recursos necessários para formar e contratar o número necessário de professores, comprar livros escolares, construir e manter escolas, etc. A baixa despesa em educação tem feito com que o país dependa do financiamento externo, que ainda é insuficiente para satisfazer a procura actual e não é sustentável. Prioridades políticas O capital humano desempenha um papel fundamental na promoção do crescimento económico, na melhoria dos meios de subsistência e no reforço da coesão social. Se não houver uma rápida aceleração na melhoria do capital humano, o desenvolvimento económico continuará estagnado na Guiné-Bissau. Apesar do progresso no acesso ao ensino, o país continua a confrontar-se com importantes desafios para alcançar os seus objectivos de desenvolvimento humano. A seguir destacam-se algumas acções políticas fundamentais para abordar alguns destes desafios. a) Transformar a qualidade da educação para melhorar os resultados da aprendizagem Melhorar a qualidade do ensino para alcançar a aprendizagem para todos. É preciso envidar esforços para melhorar a qualidade dos programas de formação de professores, tanto de pré-serviço como no serviço. Considerando o elevado número de professores sem formação adequada já integrados no sistema, é primordial atribuir recursos para um desenvolvimento profissional contínuo regular e estruturado. Esta formação deveria incidir não só no conhecimento do conteúdo mas incluir uma importante componente prática a fim de garantir que os professores estejam bem equipados e tenham um desempenho eficaz na sala de aula. É pouco provável que o reforço dos conhecimentos dos professores por si só traga melhorias significativas nos resultados da aprendizagem; os professores também precisam de saber como traduzir esse conhecimento em aprendizagem eficaz nas aulas. 117 Finalizar a reforma curricular e fornecer formação intensiva aos professores e apoio adicional durante a sua aplicação.Tendo em conta a capacidade limitada dos professores e, com base em experiências positivas noutros países, é indispensável prestar um apoio adicional aos professores que vá além dos manuais. As lições de ensino programadas e os programas radiofónicos de ensino interativos podem ajudar os professores a melhorar as suas práticas de ensino e influenciar significativamente a melhoria dos resultados de aprendizagem, particularmente nas primeiras classes. Alguns dos princípios chave para o sucesso das intervenções incluem: (i) fornecer aos professores materiais de apoio, como guias de ensino e lições programadas, que podem facilitar o seu trabalho diário; (ii) fornecer orientação e comentários frequentes aos professores para melhorar as suas práticas de ensino; (iii) assegurar que todas as crianças tenham material de leitura; e (iv) assegurar um currículo simples e eficaz de orientação aos professores. Desenvolver uma política de livros escolares e uma estratégia de divulgação que garanta a todos os estudantes o acesso aos materiais didáticos. Para evitar lacunas na disponibilidade de recursos didáticos, é necessário adoptar uma abordagem mais sustentável e menos dirigida pelos doadores. É necessário analisar vários cenários sobre a frequência, o local e a melhor forma de distribuir os livros escolares para que cheguem às escolas. Com base nestes dados, deve-se adoptar uma política nacional de livros escolares. Posteriormente, juntamente com esta política, devem ser atribuídos recursos orçamentais do orçamento anual da educação nacional para financiar estes custos da forma mais eficiente possível. Melhorar a gestão e a utilização eficiente dos recursos disponíveis Implementar todas as políticas que fazem parte da Reforma da Carreira Docente e não apenas os aumentos nos salários dos professores. As greves dos professores provocam grandes prejuízos nos investimentos na educação. A implementação da Reforma da Carreira Docente ajudará a reduzir as greves, mas também deve ser implementada para melhorar o desempenho dos professores. O governo deve empenhar- se na realização de avaliações transparentes do desempenho, com diretrizes fornecidas e avaliações escritas, tal como referido na recente Reforma da Carreira Docente. Além disso, as avaliações de desempenho pelos inspectores e diretores escolares após o fim do período de prova dos novos professores serão cruciais para que o ingresso na profissão docente adquira um carácter baseado no mérito e possa atrair professores mais efic azes. Uma vez que a Reforma da Carreira Docente introduziu um subsídio de isolamento para motivar os professores a trabalhar em áreas remotas, é importante assegurar que os critérios de redistribuição em escolas de uma região diferente estejam estabelecidos. 118 Obter preferências claras sobre as escolas quando os professores são contratados pela primeira vez e seguir às preferências dos professores tanto quanto possível pode limitar a mobilidade ao longo do ano. É igualmente importante realizar as reformas previstas para o sistema de certificação de professores e assegurar que todos os professores, incluindo os professores contratados, sejam identificados e tenham as qualificações adequadas para o ensino. Melhorar os processos de contratação de professores para que os professores sejam contratados a tempo e estejam prontos a trabalhar no início de cada ano escolar. É necessária uma estreita coordenação entre o MENES, o Ministério da Administração Pública e o Ministério das Finanças para evitar que haja aulas sem professores durante vários meses do ano letivo. Foram definidos processos e procedimentos detalhados para cada ministério a fim de evitar atrasos e constrangimentos, incluindo prazos específicos sobre o envio de pedidos pelas escolas, o momento em que o MENES precisa de partilhar os pedidos com o Ministério da Administração Pública para começar a contratar, etc. O MENES deveria também agilizar a criação de uma base de dados que compile toda a informação sobre os professores (isto é, pagamento de salários, contratos, localização das escolas, etc.) num único lugar, a fim de facilitar a coordenação da contratação de professores, implantação, avaliações de desempenho, etc. Dar prioridade à recolha de estatísticas de educação oportunas e fiáveis. A falta de dados necessários para fundamentar a tomada de decisões e a programação apropriada de vários programas/intervenções dificulta a planificação a todos os níveis. É preciso agilizar soluções incorporando tecnologia para resolver os problemas de controlo de qualidade e de atualidade dos dados. É também necessário simplificar os questionários existentes e dar prioridade aos dados escolares mais básicos para que, pelo menos, seja possível conhecer o número de escolas, professores, alunos e poder utilizar estes dados para divulgar materiais didáticos, planificar actividades de formação e realizar visitas regulares de supervisão e controlo ao nível da escola. Na Guiné-Bissau, os inquéritos rápidos utilizando SMS revelaram-se eficazes, com taxas de resposta relativamente elevadas e um nível razoável de precisão. Este tipo de inquérito é não só rentável como relativamente simples de gerir se o volume de dados recolhidos se limitar a um mínimo. Deve ser utilizada uma combinação de inquéritos rápidos e questionários electrónicos usando tablets para melhorar a disponibilidade de dados utilizáveis para a tomada de decisões. 119 Adoptar políticas que abordem as questões de ineficiência interna para otimizar os resultados educativos Considerando as limitações de recursos financeiros com que trabalha o sector público, existem argumentos sólidos para explorar potenciais economias de eficiência, ou seja, poupanças resultantes de uma utilização mais eficiente dos recursos. As taxas de repetição e abandono, bem como as entradas tardias, constituem um importante factor de ineficiência interna. Para abordar estas questões, deveria existir uma idade de inscrição obrigatória e uma promoção automática, pelo menos ao nível do ensino primário. Em vez de recorrer à repetição para melhorar os resultados educacionais, deveriam ser exploradas medidas alternativas para melhorar o desempenho, tais como a educação corretiva, apoio extraescolar, ou programas especiais para professores. Incentivar programas de desenvolvimento infantil destinados a melhorar a preparação das crianças para a escola primária, promover capacidades de aprendizagem, ajudar a reduzir os factores que afectam a eficiência interna (abandono, repetição e ingresso atrasado), e aumentar a probabilidade de ter vidas produtivas prolongadas no mercado de trabalho. Estes programas têm o potencial de fortalecer os alicerces do sistema educativo, permitindo às crianças transitarem mais facilmente e com maior desenvoltura para a escola primária. Isto, por sua vez, aumenta a probabilidade de entrar na escola primária a tempo e, portanto, reduz a probabilidade de desistir e atrasar a entrada, factores importantes de ineficiência na Guiné-Bissau. Isto também aumenta a probabilidade de entrar mais cedo no mercado de trabalho, o que poderia causar um impacto acumulado significativo no fluxo de rendimento vitalício do indivíduo. O Quadro 8 resume algumas das acções específicas e prioridades políticas que o governo pode adoptar para melhorar o desempenho global do sector da educação, em termos de qualidade, eficiência e equidade. A matriz também sugere uma linha temporal para a adopção destas medidas junto com uma proposta de ordem de prioridade. 120 Quadro 14: Matriz de prioridades políticas em destaque Reforma identificada Linha do tempo Tema 1: Transformar a qualidade da educação para melhorar os resultados da aprendizagem CURTO PRAZO CURTO PRAZO Tema 2: Melhorar a gestão e a utilização eficiente dos recursos disponíveis Implementar o Estatuto da Carreira Docente incluindo análises CURTO E transparentes de desempenho e o desenvolvimento de uma base de MÉDIO PRAZO dados consolidada sobre professores para melhorar a gestão global (contratação, pagamento de salários a tempo, etc.). Incorporar tecnologia e inquéritos rápidos para produzir estatísticas CURTO E educativas atempadas e fiáveis que possam ser utilizadas para a MÉDIO PRAZO planificação e a tomada de decisões. Tema 3: Adoptar políticas que abordem a ineficácia interna e otimizem os resultados educativos Expandir o acesso a programas de desenvolvimento infantil para CURTO PRAZO aumentar a preparação das crianças para a escola primária. Desenvolver programas de ensino à distância, para abordar a educação CURTO E corretiva e o apoio a estudantes sem escolarizar e crianças que MÉDIO PRAZO frequentam a escola quando a escola está fechada. Referências Actualização Adicional. Education Economics 12 (2): 111–134. http://siteresources. worldbank.org/ Azevedo, J. P., Hasan, A., Goldemberg, D., Iqbal, S. A., & Geven, K. (2020). Simulating the Potential Impacts of COVID-19 School Closures on Schooling and Learning Outcomes. Banco Mundial não publicado. “Bridging the Technological Divide: Firm-level Adoption of Technology in the post-COVID World.” Banco Mundial. 2015. “Terra Ranca! A Fresh Start”. Guinea-Bissau Country Economic Memorandum. 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A nova metodologia também incluiu uma revisão da parte da oferta e da demanda do PIB. Da parte da oferta, incluíram-se dados melhorados sobre a produção de eletricidade, bem como a produção de empresas formais e informais não agrícolas. A informação também contabiliza as instituições sem fins lucrativos. Da parte da procura, incluíram-se dados melhorados sobre o consumo final das famílias e das instituições sem fins lucrativos e a formação bruta de capital fixo foi revista em alta. Finalmente, os valores CIF e FOB das importações foram ajustados. A publicação de um novo ano base das Contas Nacionais implicou uma revisão das séries anteriormente publicadas. A informação disponível vai até 2018. A publicação das contas nacionais de 2019-2021 foi adiada. As estimativas de crescimento utilizadas no relatório são estimativas do FMI e do Banco Mundial baseadas em informações do Ministério das Finanças. 126 ANEXO 2 Resposta política à crise da COVID-19 MEDIDAS DE MITIGAÇÃO/SAÚDE Medidas de contenção Quarentena obrigatória para os infectados e suspeitos de COVID-19 de, pelo menos, 14 dias. Encerramento inicial das fronteiras internacionais aéreas, marítimas e terres- tres. Controlos sanitários sistemáticos fronteiras aéreas, marítimas e terrestres. Apresentação de um certificado de teste COVID negativo (RT-PCR) não superior a 72 horas à chegada. Suspensão do transporte inter-regional, excepto em situações de emergência. Medidas de mitigação Utilização obrigatória de máscaras. Limitação da capacidade permitida de clientes nas lojas. Encerramento de escolas e universidades a nível nacional. (março a outubro) Proibição de grandes eventos e reuniões (religiosas). Encerramento de serviços e actividades não essenciais. Toque de recolher inicial em todo o país das 11h às 7h, posteriormente suces- sivamente flexibilizado a partir das 12h,14h,16h ou das 20h em diante. Limitação de 10 participantes em funerais. Inicialmente, suspensão total dos transportes públicos, mais tarde permiti- da com diminuição da capacidade. Campanhas de sensibilização e criação de uma linha direta gratuita para os suspeitos da COVID-19. Reforço das capacidades dos laboratórios nacionais (seis laboratórios de virologia foram abertos em seis meses). Criação do Alto Comissariado para COVID-19 para definir medidas políticas Criação do Centro de Operações de Emergência Sanitária para estabelecer prioridades nas despesas de saúde. Criação de um novo mercado ao ar livre em Bissau que permite o distancia- mento físico entre os vendedores. 127 MEDIDAS SOCIAIS Distribuição de 20.000 sacos de arroz e 10.000 sacos de açúcar por todo o país. Subsídio salarial para os trabalhadores do terreno contra o COVID-19 • Programa de transferência de dinheiro para famílias carenciadas (CFA 0.7bn) Interdição de especulação de preços. Projectos fora do orçamento por parte da comunidade internacional MEDIDAS ECONÓMICAS E FISCAIS Empréstimo de 15 mil milhões de francos CFA de bilhetes do tesouro COVID-19 para fnancei ro para a campanha de o sector bancário a fim de fornecer apoio i comercialização do caju. Redução da base tributária e dos impostos sobre as exportações de caju. Postergação da campanha de comercialização do caju para 25 de Maio, em relação ao seu início habitual no final de março. Isenção de direitos de importação para 50.000 toneladas de arroz e 30.000 toneladas de açúcar. Moratória das declarações e pagamentos de impostos e alfândegas (sem penalização Provisão de 0,6 mil milhões de francos CFA para apoiar a campanha agrícola. Aumento das despesas de medicamentos, alimentação, equipamento médico (0.2 mil milhões francos CFA) e a reabilitação do Hospital Nacional Simão Mendes (0.1 mil milhões de francos CFAF). Pagamento de salários em atraso, especialmente nos sectores da saúde e da educação. Transferências de 1,4 mil milhões de francos CFA para o Alto Comissariado para COVID-19. Medidas monetárias e macroprudenciais do BCEAO: Redução das taxas de refinanciamento primeiro para 2,5 por cento, depois 2 por cento. Flexibilização das exigências de garantias e apoio às empresas com dificuldades de reembolso. Moratórias para o reembolso de empréstimos. Introdução de bilhetes do tesouro COVID-19 em condições concessionais. Taxas reduzidas para transações financeiras digitais. 128 ANEXO 3 Pobreza e impactos distributivos da crise da COVID-19 nos agregados familiares As informações quantitativas dos dados das contas domésticas e nacionais são utilizadas para examinar o impacto da pandemia no bem-estar dos agregados familiares na Guiné-Bissau. O inquérito utilizado no estudo foi realizado em 2018/19, abrangeu 5.351 agregados familiares e inclui dados sobre o consumo doméstico e outros dados demográficos. A análise utiliza níveis de consumo para descrever a distribuição do bem-estar dos agregados familiares. Além disso, as projeções de crescimento foram fornecidas pelo Banco Mundial antes e depois da crise. A análise examina o efeito da pandemia COVID-19 no bem-estar dos agregados familiares através do preço e dos canais macro. Para estimar os impactos através do canal macro, foram concebidos dois cenários para 2020: (i) o cenário sem COVID-19, que corresponde às projeções de crescimento realizadas antes da pandemia e (ii) o cenário com COVID-19, que utiliza a cifra de crescimento final de 2020. A fonte da informação é o Banco Mundial. Com base nestas projeções, atualizamos o consumo familiar per capita usando dados do inquérito aos agregados familiares de 2018/19, através de projeções de crescimento setorial, que estão disponíveis para a agricultura, indústrias e serviços, como segue: Onde C_(i2018/2019) representa o consumo do agregado familiar (i) em 2018/2019, de acordo com o inquérito aos agregados familiares (FCFA). C_i2020 representa o consumo doméstico (i) projectado num inquérito aos agregados familiares em 2020 (FCFA) representa a taxa de crescimento real do consumo da família “i” entre 2019-2020. Utilizando informação sobre o sector do chefe de família (a informação está disponível para 4.719 famílias das 5.351 unidades), calculámos a taxa de pobreza (contagem per capita), bem como o consumo médio em cada cenário.1 A linha de pobreza definida em 2018/2019 (271.071,8 FCFA) foi também atualizada para valores de 2020, aplicando a taxa de inflação nacional de 1,8% em 2020. 1 Nos dados das famílias, um total de 632 chefes de família são considerados “inativos”, e para essas famílias utilizámos as projeções de crescimento nacional para 2020 (ver anexo para detalhes sobre os números utilizados neste exercício). 129 Utilizamos dados do Instituto Nacional de Estatística para determinar a inflação média nos últimos 12 meses para 54 produtos (Quadro A3.1). O preço de 45 destes produtos aumentou em 2020. Combinando esta informação com o inquérito aos agregados familiares, calculamos o nível de bem-estar alcançado com o consumo do cabaz de produtos identificado num cenário anterior ao COVID-19, formulando o valor dos preços do cabaz de produtos 2018/19. O cenário COVID-19 é concebido através da estimativa do nível de bem-estar alcançado pelas famílias quando consomem o mesmo cabaz de produtos a preços de 2020. As diferenças no bem-estar das famílias antes e durante os cenários COVID-19 mostram os recursos adicionais necessários para as famílias manterem seus padrões de vida em níveis anteriores ao COVID-19. A diferença estimada no bem-estar pode ser atribuída razoavelmente a perturbações nos mercados devido à pandemia. Inflação em 2020 para os principais produtos da cesta de compras Produtos Inflação Produtos Inflação Arroz local tipo 1 0.016 Alho 0.03 Arroz local tipo 2 0.016 Folhas locais 1 0.018 Arroz importado 1 0.016 frescos com casca 0.018 Arroz importado 2 0.016 Pasta de amendoim 0.018 Mil. 0.018 Cajus 0.018 Sorgo 0.018 Açúcar -0.024 Farinha de milho 0.068 Mel 0.011 Farinha de milho 0.068 Sal -0.022 Massas | Massas 0.031 Pimenta. 0.018 O pão tradicional 0.033 Sumo 0.016 Bolachas 0.04 Refrigerantes 0.016 Carne bovina 0.001 Vinagre de limão 0.016 Carne de caprino 0.009 Veludo/Foroba 0.016 Carne de porco 0.009 Djagatu -0.01 Frango no casco 0.018 Chabeu 0.125 Carne de frango 0.018 Leite e farinhas para bebés 0 Jogo 0.018 Ovos -0.109 Peixe fresco tipo 1 0.094 Manteiga -0.101 Peixe fresco tipo 2 0.094 Óleo de palma vermelha -0.035 Peixe fresco tipo 3 0.094 Óleo de amendoim -0.035 Peixe fresco tipo 4 0.094 Óleo de palma refinado -0.035 Peixe fumado tipo 1 0.031 Limões 0.018 Peixe fumado tipo 2 0.031 Datas 0.018 Leite coalhado, iogurte 0.002 Pepino 0.03 Leite condensado açuca- Pimenta do sino fresca rado 0.002 0.018 Leite em pó -0.001 Tomate fresco 0.03 Quiabo fresco 0.03 Cebola fresca 0.03 130 ANEXO 4 Estimativa das taxas privadas de retorno da educação Uma definição simples do retorno da educação é o diferencial entre os preços da mão- de-obra qualificada e não qualificada. Um retorno elevado da educação é um indício de que há demanda de determinado tipo de capital humano e de competências e é um sinal para o indivíduo em condições de vender os seus serviços de mão-de-obra ao preço mais elevado, “investindo” no seu capital humano. Uma das fontes mais comuns de estimativas de taxas de retorno são as funções mincerianas de determinação dos rendimentos. Estas funções aplicam uma análise de regressão aos dados sobre rendimentos de uma secção transversal de indivíduos a fim de relacionar os rendimentos das pessoas, seu nível de escolaridade e sua experiência de trabalho. O coeficiente de regressão sobre a variável escolaridade pode, segundo determinados pressupostos, ser interpretado como os retornos privados da educação.1 A análise apresentada nesta secção não reivindica qualquer causalidade, mas apenas puras associações. De facto, só porque uma pessoa com um diploma universitário ganha mais do que uma pessoa sem esse diploma não significa necessariamente que a educação universitária seja a causa da diferença de remuneração. Pelo contrário, a pessoa que frequentou a faculdade pode ter algumas características que a tornam mais produtiva no mercado de trabalho, o que se traduz em rendimentos mais elevados. É possível, por exemplo, que as pessoas com altas capacidades tenham mais probabilidades de frequentar a faculdade e sejam mais produtivas. Por tanto, não fica claro se o suplemento do ensino superior se deve a um maior retorno da educação ou a um maior valor de mercado de competências não observadas. Na tentativa de atenuar este problema de seleção, o modelo de regressão inclui alguns factores demográficos como variáveis de controlo, tais como idade, sexo, localização rural/urbana, sector económico, região, bem como experiência laboral. No entanto, existem muitos outros factores observáveis e não observáveis que podem afetar tanto a probabilidade de trabalhar e de trabalhar num sector e ocupação específicos, como o retorno da educação per se. O método minceriano consiste em estimar equações logarítmicas de rendimento com a seguinte formulação: W 131 onde Ln(w_i ) é o logaritmo natural dos ganhos mensais individuais i; S_i são os anos de escolaridade (como uma variável contínua); X_i é a experiência potencial do mercado de trabalho (estimada como age _i-S_i-6); X_i^2 é uma experiência potencial ao quadrado; e _i é um termo de perturbação aleatória que representa capacidades não observadas. Por conseguinte, é um termo de perturbação, _1 pode ser considerado como a taxa média de retorno dos anos de escolaridade para o emprego remunerado. A lista de variáveis de controlo mantém-se deliberadamente baixa para evitar a sobrecorreção de factores que estão correlacionados com os anos de escolaridade. É de salientar que estimamos a função logarítmica de rendimento mensal como uma função da educação e um vector de variáveis de controlo. O total dos rendimentos mensais calcula-se pela soma de qualquer pagamento, lucro ou ganho das profissões principais e secundárias, independentemente do sector de actividade. A definição do nível de educação baseia-se nos resultados da educação formal e as pessoas com educação informal são codificadas como não tendo qualquer categoria de educação. A amostra inclui a população em idade activa (15-64 anos) com base na definição da OIT. O vector de variáveis de controlo inclui a idade, o sexo (um boneco equivale a 1 se for homem), e os anos de experiência de trabalho (definidos como a diferença entre a idade e os anos de escolaridade). Os valores de p para a significância estatística dos coeficientes estimados não estão indicados nos números, mas são apresentados em O método da função de rendimentos pode ser usado para estimar retornos a diferentes níveis de escolaridade, transformando a variável de anos contínuos de escolaridade (S) numa série de variáveis fictícias, digamos D_b, D_s, D_tv e D_t (onde b é a escolaridade básica, s é a escolaridade secundária, tv é a escolarização e formação técnica e profissional e t é terciária) para assinalar que uma pessoa atingiu esse nível de escolaridade. O nível omitido são as pessoas sem escolaridade e a variável fictícia não está na equação para evitar a singularidade matricial. A equação de estimativa, neste caso, tem a seguinte formulação: 132 Depois de ajustar esta “função de rendimentos prolongados” (utilizando as variáveis fictícias acima referidas em vez de anos de escolaridade na função de rendimentos), a taxa privada de retorno para diferentes níveis de escolaridade pode ser derivada das seguintes fórmulas: onde S_b, S_s ,S_tv e S_t representam o número total de anos de escolaridade para cada nível sucessivo. É preciso prestar atenção aos rendimentos antecipados das crianças em idade escolar primária. Na análise empírica que se segue, atribuímos apenas três anos de rendimentos antecipados a este grupo, seguindo a tradição (Psacharopoulos 2004). 133 Mincerian regression results Variáveis Coef. Variáveis Coef. Educação (anos) 0.069*** Educação básica 0.193*** (0.004) (Ref: Sem educação) (0.061) Experiência 0.060*** Experiência 0.053*** (0.007) (0.008) Experiência*Experiência -0.001*** Experiência*Experiência -0.001*** (0.000) (0.000) Sexo: Feminino -0.253*** Terciário 1.166*** (0.047) (0.079) Alguns secundários 0.418*** (0.069) Ensino e formação técnica e profissional 0.699*** (0.094) Sexo: Femenino -0.296*** (0.046) Constante 9.677*** Constante 9.963*** (0.090) (0.100) Num obs. 2,285 Num obs. 2,285 R-quadrado 0.162 R-quadrado 0.178 Erros padrão entre parênteses *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1 134 CRÉDITO DA FOTO: ELENA TOURIÑO LORENZO 135 Guiné-Bissau 2023 136