Índice Prefácio 9 Agradecimentos 10 Lista de Siglas 11 Sumário Executivo 15 Capítulo 1 - Medindo o Capital Humano 27 Capítulo 2 - A Geografia do Capital Humano no Brasil 40 Capítulo 3 - Formação de Capital Humano nos Anos Pré-Pandemia 50 Capítulo 4 - Desagregação do Índice de Capital Humano 63 Capítulo 5 - Capital Humano no Mercado de Trabalho 92 Capítulo 6 - Acumulação de capital humano em meio à pandemia 113 de COVID-19 Capítulo 7 - Indutores da Formação de Capital Humano 146 Capítulo 8 - Políticas Nacionais para Estimular o Desenvolvimento 168 do Capital Humano no Brasil Capítulo 9 - Políticas Subnacionais de Desenvolvimento Humano 200 Conclusão 230 Referências 238 Lista de Figuras Número Título Página Figura SE.1 O Índice de Capital Humano 16 Figura SE.2 Muitos Brasis 17 Figura SE.3 Melhor, porém Desigual 18 Figura SE.4 A Geografia dos Ganhos de Capital Humano no Brasil 19 Figura SE.5 Uma Vez no Topo, quase Sempre no Topo 20 Figura SE.6 Prosperidade Não-Compartilhada 21 Figura SE.7 (Nem Todo o) Talento no Trabalho 22 Figura SE.8 A Década Perdida 24 Figura 1.1 O Índice de Capital Humano no Mundo 30 Figura 1.2 Lacunas Estaduais nas Taxas de Sobrevivência Infantil 32 Figura 1.3 Perdas após o Ajuste para a Qualidade da Aprendizagem 35 Figura 1.4 Lacunas na Sobrevivência Adulta e Ausência de Déficit de Crescimento 36 Figura 1.5 O Índice de Capital Humano 39 Figura 2.1 A Geografia do Capital Humano no Brasil 42 Figura B 2.1.a Produto Interno Bruto Per Capita 43 Figura B 2.1.b Quão Correlacionados estão o ICH Municipal e o PIB Per Capita? 44 Figura 2.2 Grandes Disparidades Regionais de Capital Humano no Brasil 45 Figura B 2.2.a Cluster Espacial do Índice de Capital Humano 46 Figura 2.3 Municípios com Melhor e Pior Classificação no Brasil 47 Figura 2.4 Dez Pontos de Distância: Capitais com os Melhores e Piores Desempenhos 48 Figura 2.5 Educação como Vantagem 49 Figura 3.1 A Evolução do Capital Humano no Brasil 52 Figura 3.2 Uma Comparação da Desigualdade de ICH em 2007 e em 2019, por Região 53 Figura 3.3 Melhor, mas Desigual 53 Figura B 3.1 O Que Explica o Capital Humano no Brasil? 54 Figura 3.4 Começando Atrasados, mas Melhorando Mais Rápido 56 Número Título Página Figura 3.5 Maiores Ganhos para Capitais Originalmente Atrasadas 58 Figura 3.6 A Geografia do Ganho de Capital Humano no Brasil 59 Figura 3.7 Alguns Estados Estão Se Tornando Mais Iguais do que Outros 61 Figura 3.8 Uma Vez no Topo, Quase Sempre no Topo 62 Figura 4.1 As Mulheres Chegam ao Mercado de Trabalho com Maior Capital Humano que os Homens 66 Figura 4.2 A Evolução das Disparidades de Gênero no Capital Humano 67 Figura 4.3 Por que as Mulheres Têm Maior Índice de Capital Humano do que os Homens? 68 Figura 4.4 Homens Adultos Morrem Sete Vezes Mais que Mulheres por Fatores Externos 69 Figura 4.5 Quando os Meninos Ficam para Trás 70 Figura B.4.1 Proporção de alunos de acordo com a declaração de raça 72 Figura 4.6 Prosperidade Não Compartilhada 74 Figura 4.7 Disparidades de ICH entre População Negra e Branca 75 Figura B.4.2 Indigenous peoples have disadvantages in all HCI components 77 Figura 4.8 Por que os Brancos Têm um ICH Mais Alto do que os Negros? 78 Figura 4.9 A Desigualdade Racial Começa Antes do Nascimento 79 Figura 4.10 The Race and Gender Gap in Homicides 82 Figura 4.11 Um Pouco Melhor mas Ainda Desigual 85 Figura 4.12 Olhando Mais a Fundo: Desagregação por Gênero e Raça 86 Figura 4.13 Diferenças Raciais e de Gênero nas Taxas de Abandono Escolar e Repetência 87 Figura 4.14 Nível Socioeconômico Mais Baixo, ICH Mais Baixo 89 Figura 4.15 Por que as Pessoas com NSE Alto Têm ICH Mais Alto que as Pessoas com NSE Baixo? 89 Figura 5.1 Metodologia do Índice de Capital Humano Utilizado 94 Figura 5.2 Diferenças entre o Índice de Capital Humano Utilizado e o ICH 95 Figura 5.3 A Geografia do Índice de Capital Humano Utilizado no Brasil 96 Figura 5.4 As Taxas de Emprego Reduzem Fortemente a Produtividade Esperada 97 Figura B 5.2 Utilização do Capital Humano no Mercado de Trabalho Formal e Informal 99 Figura 5.5 Maior Capital Humano, Menores Taxas de Utilização entre as Mulheres 100 Figura 5.6 O Preço que o Mercado de Trabalho Cobra das Mulheres 102 Figura 5.7 A Disparidade Salarial de Gênero Não Muda entre Concluintes do Ensino Superior 103 Figura 5.8 As Disparidades entre Negros e Brancos Aumentam após Considerar as Taxas de Utilização 105 Figura 5.9 Disparidades Raciais na Utilização de Capital Humano entre as Regiões 106 Número Título Página Figura 5.10 O Mercado de Trabalho Acentua a Desigualdade Racial 107 Figura 5.11 O Mercado de Trabalho Inverte a Disparidade de Gênero no Capital Humano 109 Figura 5.12 Desigualdades de Gênero e Raça na Taxa de Emprego por Nível de Escolaridade 109 Figura 6.1 Classificação de Países de Renda Média-Alta por Número de Mortes por COVID-19 e por Tempo 114 de Fechamento das Escolas Figura 6.2 Impactos da Pandemia de COVID-19 em todo o Ciclo de Vida 115 Figura 6.3 Ganhos Interrompidos nas Taxas de Sobrevivência Infantil 116 Figura 6.4 Ganhos Interrompidos nas Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento 118 Figura 6.5 Incapazes de Ler ou Escrever 120 Figura 6.6 A Magnitude das Perdas de Aprendizagem em São Paulo 121 Figura 6.7 Menos de Quatro Dias por Semana 122 Figura 6.8 Dias de Suspensão das Atividades Escolares Presenciais 122 Figura 6.9 Uma Parte Considerável dos Ganhos de Aprendizagem de 2017 a 2019 foi Perdida 123 Figura B 6.1 Correlação AEE e RAH 125 Figura 6.10 Um Ano Perdido 125 Figura B 6.2 Fechamento de escolas ao redor do mundo 127 Figura 6.11 Mortes por COVID-19 por Faixa Etária e Gênero 128 Figura 6.12 Uma Enorme Perda nas Taxas de Sobrevivência de Adultos 129 Figura 6.13 Uma Grande Queda 130 Figura B 6.7 Porcentagem da População com Esquema de vacinação completa para COVID-19 131 Figura 6.14 O que explica os impactos da pandemia no ICH? 132 Figura 6.15 A Geografia dos Impactos da COVID-19 no Capital Humano 133 Figura 6.16 Perdas por Estado e Componente de ICH 134 Figura 6.17 Um Longo Caminho para a Recuperação 135 Figura 6.18 Os Efeitos da Pandemia de COVID-19 nas Taxas de Emprego 136 Figura 6.19 Desaceleração na Utilização do Capital Humano 137 Figura 6.20 Negros Sofrem uma Pandemia Pior 138 Figura 6.21 O Trabalho Remoto está Correlacionado com Raça e Renda 139 Figura B 6.8 População Elegível para o Auxílio Emergencial 141 Figura B 6.9 Custos Econômicos dos Impactos da Pandemia de COVID-19 143 Figura 7.1 Possíveis Indutores de ICH ao longo do Ciclo de Vida 147 Número Título Página Figura 7.2 Correlações entre Sobrevivência Infantil e Ausência de Déficit de Crescimento 148 Figura 7.3 Resultados de Aprendizagem Harmonizados e Anos Esperados de Escolaridade 151 Figura 7.4 Taxa de Sobrevivência de Adultos 153 Figura 7.5 Situação Socioeconômica como Indutor das Taxas de Sobrevivência Infantil 154 Figura 7.6 Situação Socioeconômica como Indutor das Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento 155 Figura 7.7 Escola de Tempo Integral e SSE como Indutores de Resultados de Aprendizagem Harmonizados 156 Figura 7.8 Estrutura Escolar e SSE como Indutores de Anos Esperados de Escolaridade 157 Figura 7.9 Homicídios e Estrutura Demográfica como Indutores da Taxa de Sobrevivência de Adultos 160 Figura B 7.5 Efeitos de Causalidade do Bolsa Família 162 Figura 7.10 Efeitos Simulados no ICH 163 Figura 8.1 Gasto Público Social no Brasil entre 2007 e 2020 167 Figura 8.2 Políticas Nacionais ao longo do Ciclo de Vida 171 Figura 8.3 Cobertura da Educação Infantil (0 a 5 anos) 174 Figura B 8.1 Representação Condensada das Etapas do Ciclo de Vida e Indicadores Afetados pelo SUS 183 Figura 8.4 Impactos do PBF 193 Figura 8.5 Cobertura do Bolsa Família, 2004–2020 194 Figura 9.1 Capitais que Participaram da Pesquisa 199 Figura 9.2 Pesquisa Educacional 203 Figura 9.3 Variáveis Monitoradas na Educação 203 FIgura 9.4 Uso de Dados da Rede 204 Figura 9.5 Processo de Seleção de Diretores 205 Figura 9.6 Suporte de Rede 205 Figura 9.7 Adaptação Curricular 206 Figura 9.8 Infraestrutura Escolar 208 Figura 9.9 Plano de Aprendizagem ao Longo da Vida 208 Figura 9.10 Pesquisa de Saúde 209 Figura 9.11 Capacidade do Governo para Gerenciar 209 Figura 9.12 Suporte de Rede 211 Figura 9.13 Adesão aos Programas Federais 212 Figura 9.14 Planos de Aprendizagem ao Longo da Vida 214 Figura 9.15 Pesquisa de Assistência Social 214 Número Título Página Figura 9.16 Diagnóstico Territorial 215 Figura 9.17 Uso de Informações 215 Figura 9.18 Iniciativas para a Primeira Infância 215 Figura 9.19 Alimentação e Nutrição 216 Figura 9.20 Inclusão Produtiva 217 Figura 9.21 Ações Preventivas 218 Figura 9.22 Avaliação Geral do Desempenho dos Setores 225 Lista de Tabelas Número Título Página Tabela SE.1 Áreas de Atenção Especial 25 Tabela 3.1 Aumento da Desigualdade Dentro da Região 57 Tabela B.4.1 Chance de o aluno concluir o ensino superior em relação à educação do pai 81 Tabela 7.1 Resultados Gerais 161 Tabela 8.1 Estrutura do Bolsa Família , 2021 190 Tabela 10.1 Desafios e Recomendações de Política 230 Tabela V.1 Estatísticas descritivas: Variáveis dependentes 284 Tabela V.2 Estatísticas descritivas: Sobrevivência Infantil 285 Tabela V.3 Estatísticas descritivas: Ausência de Déficit de Crescimento 286 Tabela V.4 Estatísticas descritivas: Educação 286 Tabela V.5 Estatísticas descritivas: Taxa de Sobrevivência de Adultos 287 Tabela V.6 Resultados: Regressão de Efeitos Fixos - Resultados de Aprendizagem Harmonizados & Anos 288 Esperados de Escolaridade Tabela V.7 Resultados: Regressão de Efeitos Fixos - Taxa de Sobrevivência de Adultos 289 Tabela V.8 Resultados: Regressão de Efeitos Fixos – Ausência de Déficit de Crescimento e Sobrevivência 290 Infantil Tabela V.9 Resultados: Efeitos Fixos e IV Regressão - Anos Esperados de Escolaridade 291 Tabela V.10 Resultados: Efeitos Fixos e IV Regressão - Ausência de Déficit de Crescimento 292 Lista de Caixa Número Título Página Caixa 1.1 Taxas de sobrevivência infantil 29 Caixa 1.2 Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento (ADC) 31 Caixa 1.3 Anos Esperados de Escolaridade (AEE) 33 Caixa 1.4 Resultados de Aprendizagem Harmonizados (RAH) 34 Caixa 1.5 Componente Educação 34 Caixa 1.6 Taxa de Sobrevivência de Adultos (TSA) 37 Caixa 1.7 Componente Saúde 37 Caixa 2.1 Índice de Capital Humano e Renda Per Capita 43 Caixa 2.2 O Índice de Capital Humano do Brasil Apresenta Correlação Espacial? 45 Caixa 3.1 O que explica a evolução do capital humano? 54 Caixa 4.1 Os Desafios da Desagregação do ICH por Raça e Gênero 72 Caixa 4.2 O Capital Humano dos Povos Indígenas 77 Caixa 4.3 Como Lidar com as Disparidades Raciais no Capital Humano 80 Caixa 4.4 Deficiência e Visibilidade 83 Caixa 5.1 Índice de Capital Humano Utilizado 93 Caixa 5.2 O Mercado de Trabalho Informal e o Índice de Capital Humano Utilizado 98 Caixa 5.3 Quais São as Barreiras que as Mulheres Enfrentam ao Utilizar Seu Capital Humano? 101 Caixa 5.4 Licença Maternidade e Emprego da Mulher no Brasil 103 Caixa 5.5 Raça, Gênero e Trabalho Doméstico 110 Caixa 6.1 Simulações para as taxas de sobrevivência infantil 117 Caixa 6.2 Simulações das Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento 119 Caixa 6.3 Simulações dos Resultados de Aprendizagem Harmonizados 123 Caixa 6.4 Simulações dos Anos Esperados de Escolaridade 124 Caixa 6.5 O Impacto da Pandemia na Acumulação de Capital Humano 126 Caixa 6.6 Simulações da Taxa de Sobrevivência de Adultos 128 Caixa 6.7 Distribuição da Vacinação 130 Caixa 6.8 Auxílio Emergencial 140 Caixa 6.9 O Custo Econômico das Perdas de Aprendizagem 142 Caixa 7.1 Revisão da Literatura: Taxa de Sobrevivência Infantil e Ausência de Déficit de Crescimento 149 Número Título Página Caixa 7.2 Revisão da Literatura: Educação 151 Caixa 7.3 Revisão da Literatura: Taxa de Sobrevivência de Adultos 153 Caixa 7.4 As Condições de Trabalho dos Professores Afetam a Aprendizagem no Brasil? 158 Caixa 7.5 Efeito do Bolsa Família nos Resultados de Saúde e Educação 162 Caixa 8.1 O Novo FUNDEB 168 Caixa 8.2 Criança Feliz: O Programa Brasileiro de Visitação Domiciliar 173 Caixa 8.3 Creches Conveniadas 175 Caixa 8.4 Nem Trabalham e nem Estudam 180 Caixa 8.5 Maior Produtividade Laboral: Será que é Possível 182 sem uma Agenda de Saúde Forte? Caixa 8.6 Cadastro Único, o Cadastro Social Nacional de Famílias de Baixa Renda 191 Caixa 8.7 Auxílio Brasil: O TCR Que Substituiu o PBF 194 Caixa 9.1 O Caso de Sobral 201 Caixa 9.2 Abandono Escolar: Sistema de Alerta Preventivo 204 Caixa 9.3 Teaching at the Right Level 206 Caixa 9.4 Programas de Gravidez na Adolescência 210 Caixa 9.5 Programas de Aleitamento Materno e Banco de Leite 212 Caixa 9.6 Programa Nacional de Alimentação Escolar do Brasil 216 Caixa 9.7 Prevenção da Violência Baseada em Gênero 218 Prefácio A formação de capital humano é uma pauta urgente. Motivos não faltam. O capital humano proporciona benefícios duradouros, abre novos horizontes e estimula o talento e a criatividade na sociedade. Nos últimos dois anos, a pandemia de COVID-19 teve impactos globais negativos na educação e na saúde, que são dois componentes necessários para o acúmulo de capital humano. O Brasil – e principalmente suas populações vulneráveis – foi um dos países mais afetados pela pandemia. Diante dessas consequências, a questão é como reconstruir um país mais forte, acelerar o crescimento inclusivo e aprender com as lições dessa crise. O Relatório de Capital Humano no Brasil (RCHB) defende que mais e melhores investimentos nas pessoas são a melhor forma de responder a essa emergência global. Um grande desafio para o Brasil e para a maioria dos países latino- americanos é melhorar as condições que permitirão às crianças prosperarem e desenvolverem seu potencial. Antes da pandemia, o RCHB estimava que uma criança nascida em 2019 só conseguiria atingir 60 por cento de seu potencial de capital humano. Este relatório analisa mais de perto esse número e mostra onde são necessárias ações Luis Benveniste urgentes ao mapear os diversos níveis de capital humano nos “vários Brasis”; ele identifica quando determinados municípios começaram a ficar para trás em “melhores, mas desiguais”; elucida quem precisa de Diretor Regional, atenção especial ao desagregar as diferenças de capital humano por América Latina gênero, raça, raça-gênero em “muitas desigualdades”; e mostra quanto e Caribe do capital humano é, de fato, absorvido pelo mercado de trabalho em “talento no trabalho.” Banco Mundial Este relatório também documenta os efeitos de uma pandemia com várias camadas e várias crises sobrepostas em todas as etapas de formação de capital humano. Os impactos gerais são consideráveis. Estima-se que, nos últimos dois anos, o Brasil tenha perdido o equivalente a uma década de avanços na acumulação de capital humano. O RCHB mostra a necessidade urgente de contrabalançar esses efeitos e recomenda que o Brasil: (i) reforce políticas existentes que já se provaram bem sucedidas; (ii) aprenda a replicar seus próprios casos de sucesso; (iii) aumente a resiliência nos sistemas de gestão; e (iv) faça da recuperação do aprendizado sua prioridade máxima. Nos próximos anos, o governo deve unificar suas ações com o objetivo de promover a formação de capital humano e garantir o bem-estar a fim de garantir a produtividade da próxima geração de trabalhadores. O caminho para a recuperação pode ser longo, mas também pode ser visto como uma oportunidade para remodelar o futuro. O Relatório de Capital Humano no Brasil visa desenhar uma trajetória para a recuperação e pode ser uma fonte importante de informações não apenas para o Brasil, mas também para outros países da América Latina. O Grupo Banco Mundial está em contato com os governos Federal, estaduais e municipais do Brasil para participar dessa discussão sobre a recuperação e divulgar as principais conclusões deste relatório. Nosso compromisso é, em última análise, fazer com que todas as crianças tenham a oportunidade de atingir seu pleno potencial. Agradecimentos Este documento foi elaborado por uma equipe central das Unidades de Desenvolvimento Humano da Região da América Latina e Caribe. A redação do relatório foi co-liderada por Pablo Ariel Acosta (Líder de Prática, HLCDR), que também prestou orientação geral à equipe, e Ildo Lautharte (Economista, HLCED). Além deles, as principais pessoas que contribuíram para o relatório foram: Giovanna Quintao Pavlovic, Barbara Barros Barbosa, Tamires Cristina da Silva, Carolina Abreu dos Santos, Patrick Hoang-Vu Eozenou e Mariana Kaipper Ceratti. O documento também contou com orientações gerais, conselhos e contribuições de Paloma Anos Casero (Diretora para o País, LCC5C), Alberto Rodriguez (Diretor, Estratégia e Operações, GGHVP), Luis Benveniste (Diretor Regional, HLCDR), Norbert Schady (Economista Chefe, GGHVP), Emanuela Di Gropello (Gerente de Prática, HLCED), Pablo Gottret (Gerente de Prática, HLCSP), Michele Gragnolati (Gerente de Prática, HLCHN), Iffath Sharif (Gerente, HHCDR), Sophie Naudeau (Gerente, Operações, LCC5C), Luis Andres (Líder de Programa, ILCDR), Shireen Mahdi (Economista Líder para o País, ELCDR), Renato Nardello (Líder de Programa, SLCDR), Rafael Muñoz Moreno (Economista Líder para o País, ELCDR) e Maria Elisa Dias Diniz Costa (Oficial Sênior de Relações Externas, ECRLC). Yasuhiko Matsuda (Gerente para o País, EACMA), Shwetlena Sabarwal (Economista Sênior, HSAED), Jeremy Veillard (Especialista Sênior em Saúde, HLCHN) e German Caruso (Economista Sênior, HHCDR) muito enriqueceram este relatório com suas contribuições durante a revisão de pares. Marcelo Becerra, Matteo Morgandi, Daniela Pena de Lima, Roberto Iunes, Asta Zviniene, Edson Araujo, Leandro Costa, Andre Loureiro, Marek Hanush, Gabriel Lara Ibarra, Gabriel Zaourak, Rovane Battaglin Schwengber, Tiago Falcao Silva, Raquel Kimie Tsukada, Fatima Alves, Barbara Segato Monteiro, Renata Aparecida Ferreira, Igor Kheyfets, Michael Weber, Victoria Strokova, Juliana Braga Machado, Bernardo Dantas Pereira Coelho e Arthur Bouchardet também contribuíram com comentários e contribuições de grande valia. Vários outros membros da equipe de Desenvolvimento Humano do Grupo Banco Mundial também deram contribuições específicas e/ou participaram de discussões importantes acerca do relatório, que se baseia em diversos diagnósticos analíticos e políticos especificamente sobre o Brasil. Também gostaríamos de agradecer em especial ao Ministério da Economia, Ministério da Educação, Ministério da Saúde e Ministério da Cidadania do Brasil, bem como aos estados e municípios consultados por gentilmente facilitarem o acesso a insumos dedicados que foram fundamentais para este relatório. Lista de Siglas SIGLAS NOME ACNUR Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados AE Auxílio Emergencial AEAA Anos de Escolaridade Ajustados à Aprendizagem AEE Anos Esperados de Escolaridade ALC América Latina e Caribe APGAR Avaliação de Saúde de Recém-Nascidos APS Atenção Primária à Saúde BNCC Base Nacional Curricular Comum BPC Benefício de Prestação Continuada CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe CIEE Centro de Integração Empresa-Escola CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CONASS Conselho Nacional de Secretários de Saúde COVID19- Doença do Coronavírus de 2019 CRAS Centro de Referência da Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CUS Cobertura Universal de Saúde DATASUS Sistema de Informática do Sistema Único de Saúde DNTs Doenças não transmissíveis DPI Desenvolvimento na Primeira Infância EI Educação Infantil ENEM Exame Nacional do Ensino Médio EnNC Ensino no Nível Certo ENTRE Estrategia Nacional para la Transición Exitosa (Estratégia Nacional para a Transição Exitosa) ESF Estratégia Saúde da Família EUA Estados Unidos FFHI Fraternidade - Federação Humanitária Internacional FGV Fundação Getúlio Vargas FMI Fundo Monetário Internacional FUNDEB Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério GERES Estudo Longitudinal da Geração Escolar HIV/AIDS Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida HPV Papilomavírus humano IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICH Índice de Capital Humano ICHU Índice de Capital Humano Utilizado IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IHAC Iniciativa Hospital Amigo da Criança IHME Institute of Health Metrics and Evaluation (Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde) IMDS Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ISD Índice Sócio-Demográfico IST Infecções sexualmente transmissíveis JME Joint child malnutrition estimates (Estimativas Conjuntas de Desnutrição Infantil) LLECE Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação LMP Lei Maria da Penha MFC Medicina Familiar e Comunitária NEET Not in Education, Employment, or Training (Sem Ensino, Emprego ou Treinamento) NEM Novo Ensino Médio OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OIT Organização Internacional do Trabalho OMS Organização Mundial da Saúde ONG Organização Não-Governamental ONU Mulheres Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres PAA Programa de Aquisição de Alimentos PADIN Programa de Apoio ao Desenvolvimento Infantil PAEFI Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PAIC Pacto pela Alfabetização na Idade Certa PAIF Programa de Atenção Integral à Família PASEC Programa de Análise dos Sistemas Educativos PBF Programa Bolsa Família PCDs Pessoas com Deficiências PCF Programa Criança Feliz PCSVDF Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola PIB Produto Interno Bruto Pacific Island Learning and Numeracy Assessment (Avaliação de Aprendizagem e Numeração das Ilhas PILNA do Pacífico) PIM Primeira Infância Melhor PIRLS Estudo Internacional de Progresso em Leitura PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNADC Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAS Plano Nacional de Assistência Social PNLD Programa Nacional do Livro Didático PNPM Plano Nacional de Políticas para Mulheres PPC Paridade de Poder de Compra ProBNCC Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular PSC Prestação de Serviços à Comunidade RAH Resultados de Aprendizagem Harmonizados RAIS Relação Anual de Informações Sociais RBLH Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano RCHB Relatório de Capital Humano no Brasil RSE Relationship and Sex Education (Relacionamentos e Educação Sexual) Southern and Eastern Africa Consortium for Monitoring Educational Quality (Consórcio da África Austral SACMEQ e Oriental para Monitoramento da Qualidade Educacional) SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica SEPPIR Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SIM Sistema de Informação sobre Mortalidade SINASC Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos SNAS Secretaria Nacional de Assistência Social SNPM Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres SRAG Severe Acute Respiratory Syndrome Surveillance (Vigilância da Síndrome Respiratória Aguda Grave) SSE Situação Socioeconômica STEM Science, Technology, Engineering, and Mathematics (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) SUAS Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde TCR Programa de Transferência Condicionada de Renda TCU Tribunal de Contas da União TIC Tecnologias de Informação e Comunicação TIC Domicílios Tecnologia da Informação e Comunicação Trends in International Mathematics and Science Study (Tendências no Internacional de Matemática e TIMSS Ciência) TJDFT Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNICEF Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime UTI Unidade de Tratamento Intensivo VBG Violência Baseada em Gênero VPI Violência por Parceiro Íntimo WG-SS Washington Group Short Set on Functioning WHO World Health Organization Sumário Executivo Investindo nas Pessoas João vive nas ruas desde quando consegue recordar. Durante toda sua infância, nunca foi à escola, nunca teve moradia decente ou alguém para chamar de família: “A rua é a minha sala de aula, meu abrigo e meu conforto.” A generosidade de estranhos alivia a fome, mata a sede e afasta a solidão, mas somente exporadicamente. Na maioria das vezes, João tem que recorrer ao seu talento para poder sobreviver. Munido de materiais improvisados em seu ponto estratégico usual, sua obra tem que ficar perfeita: o retrato precisa estar pronto exatamente quando o modelo distraído estiver se aproximando; alguns segundos a mais e tudo estará perdido. Alerta, curioso e resiliente, João nunca deixou escapar nenhum detalhe. “Ficou a minha cara!” exclama um pedestre ao lado do seu mais novo retrato. “De onde vem todo esse talento?” é a pergunta que João mais ouve. “De uma barriga vazia,” é a sua típica e sugestiva resposta. “Imagine se você tivesse a chance de desenvolver todo esse talento, menino…” Não muito longe dali, Bela Quanto talento sai frustrada de sua quarta entrevista de emprego. O é desperdiçado sentimento é sempre o mesmo: no Brasil? “Eu poderia contribuir tanto!” A primeira da sua família a cursar uma faculdade, a última a deixar a sala de estudos, Bela foi a aluna mais talentosa da sua turma. Com notas excelentes, referências impecáveis, Bela aprendeu sozinha um novo idioma. “Parece tão fácil para os outros...” Em casa, ela serve de exemplo para seus dois irmãos mais novos. Na escola, mostrou para todos os colegas que uma mulher negra pode se tornar uma engenheira. Mas ao procurar emprego, a resposta é sempre a mesma: “Você não tem o perfil que estamos procurando.” Flexível, Bela não se importa de trabalhar até tarde ou viajar se necessário, mas mesmo assim não tem nenhuma Relatório de Capital Humano Brasileiro oportunidade. Às vezes ela se pergunta se deve dar ouvidos aos conselhos que recebe: “talvez isso não seja para você, Bela.” Mas este argumento ela não pode aceitar – “e se todos vocês estiverem errados?” O Relatório de Capital Humano Brasileiro (RCHB) conta uma história sobre talentos perdidos no Brasil. Discute as anedotas materializadas nas vidas de João e Bela analisando as circunstâncias sob as quais crianças são impedidas de alcançar seu pleno potencial. A seguinte pergunta é feita: o 15 que aconteceria com a produtividade do trabalho se o Brasil oferecesse educação e saúde de qualidade a todas as crianças, em todas as partes do país? Como reduzir a lacuna entre as circunstâncias ideais e o que de fato ocorre? O RCHB é parte do Human Capital Project, uma iniciativa global do Banco Mundial que visa alertar os governos sobre a importância de investir nas pessoas. As evidências justificam essa abordagem. Por exemplo, choques no capital humano decorrentes de políticas de assentamento adotadas há um século ainda têm impactos consideráveis no desenvolvimento atual do Brasil. Analizar as tendências de acumulação de capital humano ajuda a explicar por que a desigualdade de renda tem permanecido em patamares tão elevados ao longo dos anos e sugere também por que em média os brasileiros tendem a permanecer na pobreza por várias gerações.1 O ICH estima a Medir como primeiro passo. A história do talento desperdiçado começa com uma proposta de indicador para monitorar os avanços produtividade da na acumulação de capital humano no Brasil: o Índice de Capital próxima geração de Humano (ICH). O ICH estima a produtividade esperada de uma criança nascida hoje aos 18 anos de idade, em um contexto onde trabalhadores. as condições de educação e saúde permanecem inalteradas. Essa proposta traz contribuições fundamentais para o diálogo sobre políticas públicas. Em primeiro lugar, o ICH é uma medida prospectiva. O índice calcula a produtividade esperada da próxima geração de trabalhadores caso as circunstâncias se mantenham como estão. ICHs mais altos hoje significam maior produtividade do trabalho no futuro. Figura ES.1 O Índice de Capital Humano Em segundo lugar, o ICH é simples: considera apenas os principais aspectos que influenciam na formação de habilidades. Terceiro, o ICH proporciona uma narrativa clara com base no ciclo de vida: ao nascer, as crianças precisam sobreviver; na infância, precisam estar bem nutridas; em idade escolar, devem concluir todos os níveis de ensino e receber aprendizagem adequada; e na idade adulta, precisam de boa saúde. Quarto, o ICH é orientado para resultados. Ele combina taxas de mortalidade e déficit de crescimento infantil, anos esperados de escolaridade (AEE), resultados de aprendizagem harmonizados (RAH)2 e taxas de sobrevivência de adultos em um único indicador para enfatizar resultados ao invés de insumos. Relatório de Capital Humano Brasileiro Quinto, o ICH tem um objetivo claro. O indicador não se propõe a medir o bem-estar social ou concatenar valores intrínsecos à vida humana; em vez disso, o ICH propõe uma estimativa da produtividade futura se as condições atuais persistirem. 1 Rocha et al., 2017; Souza, 2018; Hanushek, Ludger e Woessmann, 2012; OECD, 2018. 2 Anos esperados de escolaridade (AEE) é o número esperado de anos de escolaridade de uma criança até os 18 anos de vida se as taxas de repetência e evasão permanecerem as mesmas ao longo da educação básica. Os resultados de aprendizagem harmo- nizados (RAH) calculam a média da parcela de alunos com pontuação acima de limiares avançados em matemática e português, usando dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). 16 As estimativas levam a um resultado final simples: Uma criança brasileira nascida o ICH varia de 0 a 1. Um município onde uma criança típica não corre o risco de sofrer de déficit em 2019 atinge apenas 60% de de crescimento ou morrer antes dos cinco anos de todo o seu potencial. idade, recebe educação de alta qualidade e se torna um adulto saudável, terá um ICH próximo de 1. Por outro lado, quando o risco de má nutrição ou morte prematura é alto, o acesso à educação é limitado e a qualidade da aprendizagem é baixa, o ICH se aproxima de zero. Medir como primeiro passo. A primeira mensagem-chave deste relatório é que um brasileiro nascido em 2019 alcança em média 60 por cento (ICH de 0,60) de seu capital humano potencial aos 18 anos de idade. Quarenta por cento de todo o talento brasileiro premanece retido, invisível para a sociedade. Muitos Brasis. No entanto, a média nacional nos conta apenas uma pequena parcela de toda a história. Um ICH de 60 por cento esconde desigualdades locais e diferenças regionais na acumulação de capital humano. Com isso, a desagregação do ICH em nível municipal revela a segunda mensagem-chave deste relatório: muitos “Brasis” coexistem dentro do Brasil. O mapeamento dos ICHs produz um retrato claro da desigualdade regional no Brasil: as crianças nascidas em municípios do Norte e Nordeste, por exemplo, desenvolvem aproximadamente metade de todo o seu potencial talento – ou 10 pontos percentuais (0,1 ponto do ICH) a menos que uma criança típica do Sudeste.3 Relatório de Capital Humano Brasileiro Figura ES.2 Muitos Brasis 3 Em 2007, os anos esperados de escolaridade foram o principal fator explicativo da variação do ICH, perdendo importância para os resultados de aprendizagem harmonizados nos anos seguintes (2013-2019). 17 Um exemplo dos “muitos Brasis” pode ser observado no Rio Grande do Sul (Região Sul). Neste estado, 250 quilômetros e 0,3 ponto no ICH separam os municípios de Santa Tereza (ICH de 0,767) e Engenho Velho (ICH de 0,472). Relativamente próximos geograficamente, mas distantes em termos de formação de capital humano. No Nordeste, a cidade de Ibirataia na Bahia apresentava um ICH 2019 equivalente ao do Gabão, enquanto Cocal dos Alves (ICH de 0,74), no Piauí, liderava o ranking nacional em 2019 com um ICH comparável ao da Itália. O componente da educação explica dois terços dessa variação nos ICHs municipais, 77,3 por cento apenas no Nordeste. Melhor, porém Desigual. Embora a ideia de “muitos Brasis” capte as disparidades de produtividade futura em um determinado momento, uma outra parte dessa história ainda deve ser contada: a formação de capital humano no Brasil ao longo do tempo. A investigação desse aspecto nos leva à terceira mensagem-chave do RCHB: se o ICH manter a trajetória observada entre 2007 e 2019, o Brasil levará aproximadamente 60 anos para atingir os patamares de capital humano alcançados pelos países desenvolvidos já em 2019. Não há tempo a perder. Fica a pergunta: o mapa dos “muitos Brasis” representa então uma melhoria ou deterioração do capital humano nos últimos anos? Os dados brasileiros mostram que os avanços têm sido lentos, desequilibrados e desiguais. Três questões a seguir procuram aprofundar este tema mapeando as principais características do crescimento do ICH no Brasil antes da pandemia. As regiões de baixo desempenho estão conseguindo O Brasil precisaria de 60 alcançar as regiões com ICHs mais altos? De modo geral, anos para alcançar o nível não. Os ganhos têm sido limitados e a desigualdade regional persiste. Por exemplo, o ICH médio das regiões Norte e atual de capital humano Nordeste em 2019 é semelhante ao ICH médio das regiões dos países desenvolvidos. Sul, Sudeste e Centro-Oeste em 2007 - ou seja, uma lacuna regional de 12 anos. Melhor, porém desigual. No nível municipal, a situação melhora. Os municípios que estavam inicialmente atrasados em 2007 tenderam a crescer mais rapidamente. Mais precisamente, um ICH um por cento menor em 2007 se correlaciona a um ganho 0,5 por cento maior no ICH entre 2007 e 2019. O mesmo padrão foi observado nas capitais dos estados. As capitais na parte inferior do ranking do ICH em 2007 tenderam a apresentar ganhos superiores nos 12 anos seguintes em comparação àquelas já habitando o topo. Iniciando atrás mas crescendo mais rápido. Relatório de Capital Humano Brasileiro Figura ES.3 Melhor, porém Desigual 18 Os ganhos de ICH ilustrados na Figura ES.3 estão concentrados geograficamente? O crescimento mais notável do ICH concentrou-se nos municípios do Nordeste, principalmente nos estados de Pernambuco (aumento de 25,6 por cento), Alagoas (aumento de 20,9 por cento) e Ceará (aumento de 20,9 por cento). Poucas áreas do Sul e Sudeste apresentaram crescimentos semelhantes. A região Norte foi a que teve o pior desempenho, e os municípios localizados no Amapá, Roraima e Tocantins destacam-se com os menores ganhos de ICH entre 2007 e 2019. As crianças da Região Norte não estão apenas atrás, elas também acumulam capital humano em um ritmo mais lento. Figura ES.4 A Geografia dos Ganhos de Capital Humano no Brasil Os municípios bem classificados continuam no topo 12 anos depois? Essa última pergunta investiga a mobilidade no ICH municipal. Os dados mostram que pelo menos 40 por cento de todos os 5.570 municípios do Brasil permaneceram no mesmo quintil de ICH entre 2007 e 2019. Além disso, menos de 0,5 por cento dos municípios subiram da base para o topo ou caíram do topo para os quintis inferiores. Relatório de Capital Humano Brasileiro Uma vez no topo, quase sempre no topo. De todos os municípios, 11,3 por cento (de um máximo de 20 por cento) que ocupavam o quintil superior em 2007 também permaneciam no topo em 2019. Da mesma forma, 10,9 por cento dos municípios (de um máximo de 20 por cento) que figuravam no quintil mais baixo em 2007 permaneciam na parte inferior em 2019. Esses resultados indicam que a maior parte da mobilidade do capital humano no Brasil ocorre entre os municípios no meio da distribuição do ICH. 19 Uma Vez no Topo, quase Sempre no Topo 100 x (Número de Municípios em cada Quintil / Número Total de Municípios) 5 0,3 % 0,7 % 2,5 % 5,1 % 11,3 % Índice de Capital Humano 2007 (quintil) 4 0,6 % 2,8 % 4,9 % 6,8 % 5,1 % 3 2,0 % 4,7 % 6,0 % 4,9 % 2,3 % 2 6,2 % 6,0 % 4,2 % 2,4 % 1,1 % 1 10,9 % 5,7 % 2,4 % 0,9 % 0,1 % 1 2 3 4 5 Índice de Capital Humano 2019 (quintil) Figura ES.5 Uma Vez no Topo, quase Sempre no Topo Muitas Desigualdades. Até agora, a geografia e o tempo traçaram um esboço da face dos “muitos Brasis.” No entanto, compreender as barreiras subjacentes à formação de capital humano no Brasil requer uma investigação mais profunda, sob diferentes perspectivas. Deste modo, a próxima etapa do RCHB analisa desigualdades de gênero, de raça e de raça-gênero. Muitas Desigualdades. A trajetória positiva de acumulação de ICH ao longo dos anos na pré-pandemia perde relevância quando as oportunidades de prosperidade são distintas entre grupos de pessoas e quando as desigualdades tendem a aumentar com o passar do tempo. A primeira desigualdade examinada é de gênero. Aqui, a As mulheres chegam ao mensagem-chave é de que as mulheres acumulam mais capital humano que os homens aos 18 anos de idade. Em mercado de trabalho com média, o ICH das mulheres é 7 pontos percentuais superior mais capital humano do ao dos homens (0,60 vs. 0,53). Ao passo que a produtividade esperada dos homens aos 18 anos em 2017 era de 54 por que os homens. cento de todo o seu potencial, o ICH das mulheres já havia atingido 56 por cento dez anos antes (2007). As mulheres estão pelo menos uma década à frente dos homens. Essa não é uma constatação isolada: as mulheres apresentam ICHs superiores aos dos homens Relatório de Capital Humano Brasileiro em praticamente todos os municípios do Brasil. Não apenas melhores, mas melhores em toda parte. 20 Prosperidade Não-Compartilhada ICH por Raça, 2007 a 2019 0,64 Brancos 0,60 Índice de Capital Humano Afrodescendentes 0,56 0,52 Indígenas 0,48   2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019   Ano Figura ES.6 Prosperidade Não-Compartilhada A segunda desigualdade analizada é de raça. Neste ponto, a narrativa se divide em três partes distintas que relatam a prosperidade não-compartilhada em matéria de ICH. A Parte 1 mede as diferenças raciais nos ICHs entre 2007 e 2019. Constatou-se que a produtividade esperada de uma criança Afrodescendente nascida em 2019 era de 56 por cento de todo o seu potencial, ou 7 pontos percentuais a menos que uma criança branca (63 por cento), em média. Em 2019, o ICH da população indígena era ainda menor: 52 por cento. A Parte 2 refere-se aos avanços no ICH. A quarta constatação-chave do RCHB é de que o Índice de Capital Humano das pessoas brancas aumentou em um ritmo mais acelerado do que qualquer outro grupo racial no Brasil. Prosperidade Não-Compartilhada. O aumento médio do ICH das pessoas brancas entre 2007 e 2019 foi de 14,6 por cento. Já os ganhos entre Afrodescendentes e indígenas, por outro lado, foram bem menos promissores. O ICH entre Afrodescendentes aumentou 10,2 por cento e o de indígenas permaneceu praticamente inalterado, com uma taxa de crescimento de apenas 0,97 por cento no mesmo período. Enquanto as pessoas brancas prosperam, negros e indígenas ficam cada vez mais para trás. Diferenças no nível e divergências na taxa de crescimento conduzem a narrativa à Parte 3: o aumento geral da desigualdade A desigualdade de ICH racial no ICH. A diferença de ICH entre pessoas brancas e negras, entre pessoas brancas que era de 0,04 ponto em 2007, quase dobrou de tamanho em 12 anos. Lacunas, que já eram grandes, estão se ampliando cada e negras dobrou entre vez mais. Esta, no entanto, não é a constatação mais crítica. 2007 e 2019. A diferença de ICH entre pessoas brancas e indígenas quase Relatório de Capital Humano Brasileiro triplicou no mesmo período, representando um aumento de 0,06 ponto de ICH por ano. A prosperidade não-compartilhada deve se transformar em uma narrativa sobre inclusão bem-sucedida. Talento ao Trabalho. A história do capital humano no Brasil inicia uma nova fase quando encontra o mercado de trabalho. Esta etapa é onde ele é utilizado, colocado em ação, absorvido. O Índice de Capital Humano Utilizado (ICHU) é um indicador ajustado que pondera o ICH pelas taxas de emprego nos mercados de trabalho formal e informal. O objetivo é observar quanto capital humano é, de fato, utilizado no mercado de trabalho. Talento ao Trabalho. Considerando estes aspectos, o ICHU no Brasil foi estimado em 38 por cento em 2019. Em outras palavras: o Brasil perde 22 pontos percentuais da produtividade alcançada quando o capital humano chega ao mercado de trabalho. 21 (Nem Todo o) Talento ao Trabalho ICHU por Gênero, 2017 Ajuste de acordo com as Taxas de Emprego 0,60 0,60 0,53 -25,5% -46,5% Índice de Capital Humano 0,40 0,40 0,32 0,20 0,00 Homens Mulheres Índice de Capital Humano Índice de Capital Humano Utilizado Figura ES.7 (Nem Todo o) Talento no Trabalho O mercado de trabalho aprofunda as desigualdades observadas no ICH. Disparidades geográficas se ampliam, Considerando-se as muitos Brasis se intensificam. Nas regiões Norte e Nordeste, taxas de emprego, dois terços de todo o potencial acumulado é inutilizado após o ICH ser ponderado pelas taxas de emprego. Desigualdade os brasileiros atingem de gênero se alastra, muitas desigualdades se amplificam. A apenas 38% de seu quinta constatação-chave do RCHB diz respeito às diferenças de gênero: a vantagem de sete pontos das mulheres no ICH se capital humano transforma em uma vantagem de oito pontos para os homens no potencial. ICHU. O mercado de trabalho reverte a vantagem das mulheres sobre os homens na formação e utilização de capital humano no Brasil. Neste contexto, as mulheres Afrodescendentes são penalizadas duas vezes: uma devido ao gênero e outra devido a raça. As mulheres Afrodescendentes pontuam 15,7 pontos percentuais abaixo dos homens brancos no ICHU. O mercado de trabalho gera um grande impacto negativo na utilização do capital humano, especialmente para as mulheres Afrodescendentes. “Hoje, 26 de fevereiro de 2020, o Brasil confirma seu primeiro caso de COVID-19…” João esgueirou-se na loja de TVs para ouvir mais informações sobre o novo vírus que todos estavam comentando. “Um vírus desconhecido chegou no Brasil…” Entre inquietas reflexões, compreendeu a fatídica notícia apenas quando os efeitos do virus se tornaram visíveis: “não tem ninguém nas ruas,” concluiu consigo mesmo. Mas foi somente quando viu seu local de retratos completamente deserto que João realmente sentiu, Relatório de Capital Humano Brasileiro pela primeira vez em sua vida, toda a esperança se desfazer. “Ao menos agora não estou sozinho.” João conheceu Raoni sentado em um semáforo abraçando uma placa que dizia “Fome.” Desde então, João abraça a sua: “Eu também.” Inseguro, desmotivado e desesperançoso, Raoni quase não fala. João sabe apenas que a mãe e o irmão mais velho de Raoni saíram de casa tossindo e nunca mais voltaram. “Eu me sinto invisível, como o vírus”, Raoni disse certa vez. Sempre juntos, os dois elaboraram um plano perfeito para resolver todos os seus problemas: quando o semáforo fica vermelho, João exibe sua obra mais impactante “Use-a!”, grifada em vermelho, enquanto Raoni distribui máscaras para todos os motoristas, gratuitamente. 22 Quando as escolas fecharam, Bela tomou uma decisão irredutível: ela não iria deixar a pandemia interromper a educação de seus irmãos mais novos. “Estudar é a única opção que eles têm para uma vida melhor”, pensou ela. Bela é uma irmã dedicada: usou todos os materiais didáticos que encontrou, preparou aulas por conta própria e buscou exercícios complementares. Determinada, Bela também criou novos brinquedos, doou seu próprio (e único) telefone para as aulas online e sempre procurou formas inovadoras de engajar seus irmãos com os estudos. “Mas as escolas estão fechadas há tanto tempo…” pensou antes de pegar no sono. Um de seus irmãos não quer mais voltar para a escola e o outro está desinteressado, nunca toma a iniciativa de abrir seus livros. Mês passado, ele completou 10 anos e ainda não consegue ler um simples parágrafo adaptado a sua idade sem a ajuda da irmã. “Se nada for feito, essa pandemia terá consequências Se nada for feito, duradouras nas vidas dos meninos.” a pandemia terá Uma História Interrompida. A história da acumulação de capital humano no Brasil se interrompe abruptamente em 2020. A atual impactos de longo pandemia de COVID-19 teve impactos devastadores em todas as prazo na acumulação etapas da formação de habilidades. As perspectivas futuras são as mais alarmantes. Em termos de saúde infantil, por exemplo, mais de capital humano. 3,5 em cada 10.000 crianças não sobreviveram até os cinco anos de idade em 2021 em comparação a 2019 no Sudeste do Brasil. As taxas de sobrevivência infantil no Nordeste estão estagnadas, sendo que, antes da pandemia, a Região era a que mais crescia. Além disso, cerca de 80.000 crianças podem sofrer déficit de crescimento no Brasil devido à pandemia. Em termos de ensino, as escolas ficaram fechadas por 78 semanas, um dos fechamentos mais longos do mundo. Consequentemente, a parcela de crianças que não sabem ler e escrever saltou 15 pontos percentuais entre 2019 e 2021. Estima-se que quase um milhão de crianças não desenvolveram as competências básicas de alfabetização no Brasil. O desempenho em avaliações estaduais também caíu. No estado de São Paulo, as notas dos alunos da quinta série em português e matemática em 2021 foram equivalentes às notas de 10 e 14 anos atrás, respectivamente. O abandono escolar é outra grande preocupação, com um aumento estimado em 365 por cento (Lichand, 2020). Impactos significativos em toda uma geração. A Década Perdida. Em dois anos, a pandemia de COVID-19 reverteu o equivalente a uma década de avanços do ICH no Brasil. Segundo simulações, o índice de capital humano brasileiro caiu de 60 por cento para 54 por cento entre 2019 e 2021. Ou seja: o nível de capital humano equivalente a 2009. A Década Perdida. Os dois fatores que mais contribuíram para esse revés foram: (i) a educação, com 50 por cento da redução ligada aos anos esperados de escolaridade; e (ii) a saúde dos adultos, quando 30 por cento se deve à queda nas taxas de sobrevivência dos adultos. Naturalmente, esses impactos variam entre regiões. As piores quedas foram estimadas em Roraima, Goiás, São Paulo e Pernambuco, onde o ICH diminuiu 11 por cento; em 13 Unidades da Federação (de um total de 27), o ICH regrediu aos patamares de 2007. Os choques nas taxas de emprego impostos pela pandemia somente agravaram esta situação. O ICHU nacional recuou de 0,38 em 2019 para 0,32 em 2021, uma queda de mais de 17 por cento. Esses efeitos foram ainda Considerando-se a taxa mais intensos entre os Afrodescendentes e as mulheres. de crescimento antes da Muitas desigualdades, muitas pandemias. pandemia, o ICH levaria de O caminho para a recuperação será longo. Considerando- se a taxa de crescimento antes da pandemia, o ICH levará 10 a 13 anos para retornar ao de 10 a 13 anos para retornar ao patamar de 2019 no patamar de 2019 no Brasil. Brasil. Ou seja, o Brasil chegaria novamente ao ICH de 2019 somente em 2035. Agora, mais do que nunca, as ações não podem esperar. No curto prazo, as Relatório de Capital Humano Brasileiro políticas atuais de capital humano devem ser revisitadas, adaptadas e fortalecidas. O Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, deve proteger crianças e adolescentes das consequências sanitárias e socioemocionais da pandemia. Como desigualdades preexistentes tendem a se agravar, o programa brasileiro de transferência condicionada de renda, conhecido como um dos mais bem-sucedidos do mundo, deve ser fortalecido para apoiar grupos de pessoas mais afetados pela pandemia de COVID- 23 A Década Perdida Impactos Estimados da Pandemia de COVID-19 sobre o ICH no Brasil 0,62 0,601 0,60 Índice de Capital Humano 0,58 0,56 Retrocesso a níveis 0,541 anteriores a 2009 0,54 0,540 0,537 0,52   2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021   Anos Calculado Otimista Realista Pessimista Figura ES.8 A Década Perdida 19.4 As recentes reformas nacionais5 de flexibilização do currículo e a promoção de um financiamento mais equitativo na educação6 também devem ser mantidas e reforçadas. Políticas de sucesso são uma alavanca. Visto que os impactos da COVID-19 na formação de capital humano no Brasil se materializaram, em grande parte, na educação, a recuperação e aceleração do aprendizado devem ser prioridades nos próximos anos. Em primeiro lugar - e acima de tudo - todos os alunos devem voltar à escola. Portanto, o Brasil deve utilizar a riqueza dos dados administrativos à disposição para: (i) monitorar os alunos que desistiram dos estudos durante a pandemia; (ii) oferecer bolsas de estudo para atrair os alunos de volta à escola; e (iii) ampliar os programas de busca ativa para reconduzir os alunos à escola. Já que crianças vulneráveis têm maior probabilidade de abandonar/evadir a escola novamente, as escolas podem implementar sistemas de alerta preventivo para A recuperação identificar alunos de alto risco e tomar medidas preventivas enquanto e aceleração do estes alunos ainda estão dentro da escola. aprendizado devem Uma vez de volta à escola, os alunos precisam, efetivamente, (re)aprender. A recuperação e aceleração do aprendizado devem ser ser prioridade nos a prioridade número 1. Segundo as evidências, tutorias personalizadas próximos anos. e plataformas adaptativas de aprendizagem são estratégias que Relatório de Capital Humano Brasileiro tendem a produzir recuperação sólida já no curto prazo. O legado da pandemia de COVID-19, no entanto, inclui mais um elemento: a saúde mental dos alunos e professores. Alunos desmotivados não costumam aprender bem ou ficar na escola por muito tempo. Por isso, estratégias socioemocionais devem ser articuladas no nível da rede escolar, pois produzem benefícios transversais para os alunos, famílias e 4 O RCHB mostra que os programas de transferência condicionada de renda podem ter um papel importante na melhoria dos anos esperados de escolaridade e nas taxas de crescimento saudável. 5 Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) 6 Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e Novo Ensino Médio. 24 Tabela ES.1 Áreas de Atenção Especial Busca ativa por alunos: Programas de tutoria Creches: Busca ativa por alunos ausentes, personalizada: Ampliação e Recuperação infrequentes Recuperação e aceleração fortalecimento da de Curto Sistemas de alerta preventivo: das aprendizagens educação infantil Prazo Identificação de alunos com Programas emocionais: alto risco de evasão/abandono Redução dos choques combinada com ações emocionais causados pela preventivas. pandemia Programas de transferência condicionada de renda: Alívio imediato da pobreza FUNDEB: Financiamento da Reforma dos últimos Reformas da BNCC: educação com foco na anos do Ensino Currículos de ensino Recuperação equidade Fundamental e Ensino de Longo Médio: Flexibilidade e apoio Prazo a regiões vulneráveis Estratégia de saúde da família: Prestação de Transferência condicionada de renda: serviços de atenção primária na saúde Foco adicional nos grupos fortemente afetados Recuperação Foco geográfico: Áreas ou regiões mais vulneráveis Equitativa Foco grupos: Mulheres Afrodescendentes, pessoas com deficiências Educação Inclusiva: Acesso à internet e dispositivos Mercado de trabalho: Acesso para mulheres, afrodescendentes Planejamento colaborativo O estado do Ceará e o Monitoramento e Replicação de casos de município de Sobral são acompanhamento sucesso exemplos de casos de sucesso Engajamento do governo e da equipe Programas federais: Pró-Infância e PDDE professores. Por fim, fortalecer a aprendizagem híbrida, ampliar a conectividade à Internet, fornecer dispositivos computacionais para alunos vulneráveis e aprimorar as competências digitais são ações que devem figurar na mesma lista de prioridades. Algumas intervenções têm potencial de melhorar o Para emergir capital humano a médio e longo prazo. Para identificar as motivações das políticas associadas à acumulação de capital fortalecido, o Brasil humano ao longo dos anos, o RCHB analisou os ICHs municipais precisa aprender em relação às políticas e características locais. Políticas que ampliam a escola de tempo integral e reduzem os casos de consigo mesmo. gravidez na adolescência estão associadas a ICHs mais altos no componente de educação. Da mesma forma, as políticas contra a violência - principalmente aquelas Relatório de Capital Humano Brasileiro que visam reduzir as taxas de homicídio - são um meio de influenciar o componente saúde adulta. Além disso, este mesmo exercício mostrou que o nível educacional dos adultos está ligado a melhorias nos indicadores de saúde infantil e nos resultados de aprendizagem das crianças. Para sair mais forte desta crise de capital humano, o Brasil precisa, antes de tudo, aprender consigo mesmo. Uma recuperação sólida e de longo prazo exige a replicação de boas práticas. O fato de existirem “muitos Brasis” pode ser visto como uma oportunidade, visto que os municípios têm autonomia para buscar suas próprias soluções. Compreender por que alguns municípios vêm melhorando consistentemente o capital humano e tentar replicar seu sucesso será vital nos próximos anos. 25 O estado do Ceará7 e o município de Sobral8 são dois exemplos conhecidos no ensino fundamental. Pernambuco e Cocal dos Alves são outros dois modelos de políticas voltadas para o ensino médio. O Brasil deve se valer das diversas políticas estaduais e municipais que surtiram resultados positivos. A recuperação e aceleração sustentáveis exigem sistemas públicos resilientes. Os governos devem estar preparados para superar desafios inesperados ou enfrentar as próximas crises climáticas e de saúde pública. Sistemas públicos resilientes conseguem adaptar rapidamente seus programas, elaborar políticas baseadas em evidências e tomar decisões mais bem informadas. Nesse sentido, o RCHB fez um levantamento dos municípios brasileiros com desempenho positivo “fora da curva” para identificar intervenções custo-efetivas. Essa pesquisa identificou cinco boas práticas comuns em nível local. Primeiro, todos esses municípios fizeram uso de planejamento colaborativo, com grupos de trabalho ou conselhos temáticos reunidos para resolver problemas específicos. Segundo, houve consultas públicas para monitorar e acompanhar as atividades planejadas ao longo de vários anos. Terceiro, foram contratados funcionários responsáveis pela inserção e monitoramento de dados. Quarto, os governos definiram metas claras sobre saúde, educação (entre outras) e todas foram amplamente divulgadas para sociedade. Quinto, houve profunda implementação de programas federais que contribuíram para monitorar a prestação dos serviços. O capital humano é a força motriz por trás de grandes mudanças. É a chave para prosperidade mais equitativa e inclusiva. O RCHB é uma história que coloca as crianças como protagonistas. João e Raoni nas ruas, Bela e seus irmãos em casa, exemplificam o enorme talento que o Brasil historicamente pouco desenvolve. Muitos Brasis, prosperidade não-compartilhada, muitas desigualdades e talento ao trabalho são capítulos dessa história que o Brasil não pode mais ignorar. A mitigação dos efeitos da década perdida deve ser prioritária na agenda política e vista como uma oportunidade de tornar o Brasil um país mais igualitário e próspero. Este será o grande projeto que governos e sociedade devem estar alinhados para que os avanços sejam imediatos and sustentáveis. O futuro começa hoje. Relatório de Capital Humano Brasileiro 7 Um breve panorama está disponível em: https://blogs.worldbank.org/education/there-no-magic-formula-brazils-ceara-and-so- bral-success-reduce-learning-poverty. Veja aqui uma discussão mais técnica e detalhada: https://documents1.worldbank.org/curated/en/200981594196175640/pdf/The-State-of-Ceara-in-Brazil-is-a-Role-Model-for- Reducing-Learning-Poverty.pdf. 8 Loureiro, Andre; Cruz, Louisee. 2020. Achieving World-Class Education in Adverse Socioeconomic Conditions: The Case of Sobral in Brazil. World Bank, Washington, DC.,World Bank. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/34150. 26 Capítulo 1 Medindo o Capital Humano Medição como primeiro passo para agir Mensagens Principais  O índice de capital humano é o produto de três componentes: sobrevivência infantil, saúde e educação.  A taxa de sobrevivência infantil refere-se à probabilidade de uma criança nascida hoje não morrer antes dos cinco anos de idade, se mantidas as atuais taxas de mortalidade específicas por idade.  Saúde abrange a “taxa de ausência de déficit de crescimento” (a parcela de crianças menores de cinco anos cuja altura é pelo menos dois desvios-padrão abaixo da mediana de referência) e a “taxa de sobrevivência de adultos” (a parcela de pessoas que atingem a idade  de 15 anos e que sobreviverão até os 60 anos). Educação ajusta o número médio de anos de escolaridade (anos esperados de escolaridade, AEE) pela qualidade da aprendizagem  (resultados de aprendizagem harmonizados, RAH). Um brasileiro médio nascido em 2019 atingirá 60 por cento de todo o seu potencial aos 18 anos. Essa taxa é semelhante às da Argentina (0,602) e do Uruguai (0,599). O Projeto Capital Humano é uma iniciativa global do Grupo Banco Mundial que defende a importância de investir na formação de habilidades. Um conceito central dessa iniciativa é o índice de capital humano (ICH), uma medida proposta para estimar a produtividade do trabalho da próxima geração de trabalhadores.9 Medição como o primeiro passo para agir. O ICH é um índice generalizável, baseado em resultados, que considera as fases da vida em que a formação de conhecimentos e habilidades é mais crítica. O ICH representa a produtividade esperada de uma criança nascida hoje aos 18 anos, se mantidas as atuais condições de educação e saúde. Dito de outra forma, o ICH é uma medida prospectiva do nível de capital humano que as crianças nascidas hoje trazem para o mercado de trabalho no futuro. A primeira conclusão deste relatório é que um brasileiro Em 2019, o índice de médio nascido em 2019 alcançará 60 por cento de todo o seu potencial aos 18 anos. Este capítulo discute capital humano no Brasil esse resultado e explica como o índice de capital humano é foi de 60 por cento. calculado para o Brasil. A Figura 1.1 apresenta as estimativas globais de ICH para 2020 (World Bank, 2020d) e coloca o Brasil em perspectiva internacional. Como pode ser visto, o ICH brasileiro em 2019 (0,601) é semelhante aos da Argentina (0,602) e do Uruguai (0,599), mas está 10 pontos abaixo dos Estados Unidos da América (0,702). O objetivo do índice de capital humano é refletir as condições de formação de habilidades durante o ciclo de vida. Como as crianças pequenas que morrem antes de atingir a idade escolar não conseguem desenvolver as competências mais fundamentais, o ponto de partida do ICH é a infância. Aqui, a taxa de sobrevivência infantil é definida como a probabilidade de uma criança nascida hoje não morrer antes dos cinco anos de idade, se as taxas atuais de mortalidade específicas por idade (veja os detalhes na Caixa 1.1) permanecerem inalteradas. A taxa de mortalidade nos primeiros anos de vida é amplamente utilizada como representativa do capital humano futuro e o ICH se vale dessa evidência (Case & Paxson, 2009). Caixa 1.1 Taxas de sobrevivência infantil A sobrevivência infantil é a probabilidade de uma criança sobreviver até os cinco anos de idade em relação ao valor de referência de todas as crianças que sobrevivem. A fórmula de sobrevivência infantil é igual a um menos a taxa de mortalidade de menores de cinco anos dividida por 1 (quando 100 por cento das crianças sobrevivem). Fórmula: A taxa de sobrevivência infantil para a cidade c é medida por: , onde U5 Taxa de Mortalidadec representa a taxa de mortalidade infantil de menores de 5 anos para a cidade c e é calculada a partir da tábua de mortalidade do Brasil. Fonte: Para informações de mortalidade, os microdados são do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Brasil. Para a população da cidade, as projeções específicas por idade no nível municipal vêm do DATASUS e são estimadas por ano. Os dados de nascimento são do Sistema de Informações sobre Relatório de Capital Humano no Brasil Nascidos Vivos (SINASC). As crianças devem ser bem nutridas durante a infância. Um grande número de pesquisas já demonstrou que a desnutrição em períodos críticos da vida prejudica mais profundamente a acumulação de competências (Adair et al., 2013; Case & Paxson, 2008, 2010). Usando essa lógica, o próximo componente de ICH considera a porcentagem de crianças menores de cinco anos que não apresentam déficit de crescimento para sua idade (consulte mais detalhes na Caixa 1.2). 9 Este relatório utilizou o índice definido por Kraay (2018) para calcular o “ICH global” em 170 países. 29 Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 1.1 O Índice de Capital Humano no Mundo 30 Caixa 1.2 Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento (ADC) Déficit de crescimento refere-se à fração de crianças menores de cinco anos cuja altura está dois desvios-padrão ou mais abaixo da mediana de referência na curva de crescimento para sua idade. Fórmula: A taxa de déficit de crescimento da cidade c é medida por: , onde Taxa de Déficit de Crescimentoc é a taxa de déficit de crescimento da cidade c. Fonte: Os dados subnacionais sobre as taxas de déficit de crescimento foram obtidos do Institute of Health Metrics and Evaluation (IHME), conforme publicados por Kinyoki et al. (2020). Nota: As estimativas em nível subnacional foram obtidas do IHME anualmente entre 2007 e 2017. Estimativas nacionais para cada país estão disponíveis nas estimativas conjuntas de desnutrição infantil (joint child malnutrition estimates - JME) publicadas anualmente entre 2007 e 2020 pelas organizações UNICEF/OMS/Grupo Banco Mundial. Para o Brasil, o último ponto de dados de pesquisa de desnutrição disponível é de 2006. De acordo com essas estimativas, o déficit de crescimento foi de cerca de 6,1 por cento entre 2014-2020. Por conta disso, e como as estimativas de déficit de crescimento da JME e do IHME estão amplamente correlacionadas entre os países (correlação de 0,957), este relatório usou as mesmas estimativas de déficit de crescimento para 2017 e 2019. O Brasil apresenta um desempenho relativamente bom em sobrevivência infantil e déficit de crescimento. Em 2019, por exemplo, mais de 98 em cada 100 crianças sobreviveram até os cinco anos de idade, o que é superior à média da América Latina e do Caribe (UNICEF et al., 2021). Surpreendentemente, há pequenas diferenças entre os estados, como mostra a Figura 1.2. Enquanto em algumas áreas apenas 80 a 90 crianças sobrevivem de cada 100, a grande maioria dos municípios (4.181 de 5.570) tiveram taxas de sobrevivência infantil maiores que 98 por cento em 2019, incluindo 1.230 cidades onde todas as crianças sobreviveram.10 Para as taxas de déficit de crescimento, as variações dentro dos estados e entre eles são igualmente pequenas. O ICH foca na Se as crianças sobrevivem e desfrutam de boa saúde quantidade e durante a infância, elas estão prontas para ir à escola. Consequentemente, a segunda etapa do ICH diz respeito à escolaridade, ou na qualidade da seja, anos de escolaridade ajustados à aprendizagem (AEAA). “Ajustados” educação. refere-se a quanto os alunos realmente aprendem em relação ao número de anos de escolaridade. A quantidade e a qualidade da educação devem ser o foco da formação de capital humano. Assim, o indicador AEAA é dividido em duas partes: quantidade de educação - os anos esperados de escolaridade (AEE) que uma criança atinge aos 18 anos - e qualidade de educação (refletida em resultados de aprendizagem harmonizados, ou RAH). Existem diferenças importantes entre as estratégias de medição de AEAA no Brasil e internacionalmente. Primeiro, abordaremos a quantidade de educação. O ICH global define os anos esperados de escolaridade (AEE) somando as taxas de matrícula dos 4 aos 17 anos, considerando-se a disponibilidade de dados. No Brasil, no entanto, a escolaridade obrigatória começa aos 6 anos de idade e o sistema escolar tem 12 séries: cinco anos de ensino fundamental I, quatro anos de ensino fundamental Relatório de Capital Humano no Brasil II e três anos de ensino médio.11 Uma diferença adicional mostrada na Caixa 1.3 é que os AEE para o Brasil descontam as taxas de repetência e abandono escolar específicas para cada série da educação básica. 12 A taxa de mortalidade de menores de cinco anos diminuiu 67,6 por cento entre 1990 e 2015 como resultado do declínio da pre- 10 maturidade e das doenças diarreicas, que diminuíram 72 e 95 por cento, respectivamente. Essas reduções podem ser atribuídas a melhorias de saneamento, nutrição, acesso à saúde e campanhas de vacinação (França et al., 2017). 11 Comparando municípios de uma mesma região, a diferença de AEE pode chegar a até 5 anos de escolaridade. Isso significa que enquanto todas as crianças em algumas áreas completam o ensino médio, em outros municípios a média das crianças não termina o ensino médio. 12 O ICH brasileiro utiliza as taxas de repetência e abandono por dois motivos principais: i) as taxas de repetência e abandono estão disponíveis para todos os municípios do Brasil, o que permite o cálculo do ICH em nível municipal (ver Capítulo 2); e ii) as taxas de repetência e abandono estão disponíveis de 2007 a 2019, o que permite estimar o ICH ao longo de 12 anos em nível municipal. 31 Lacunas Estaduais nas Taxas de Sobrevivência Infantil Taxas de Sobrevivência Infantil Mínimas e Máximas por Estado, 2019 Espírito Santo Rio de Janeiro Amapá Pernambuco Rondônia Sergipe Maranhão Pará Alagoas Rio Grande do Norte Mato Grosso do Sul Acre Tocantins Piauí Bahia Santa Catarina Paraná Amazonas Roraima Paraíba Mato Grosso Goiás Ceará Minas Gerais São Paulo Rio Grande do Sul 0,80 0,85 0,90 0,95 1,00 Sobrevivência Infantil, 2019 Mínima Máxima Figura 1.2 Lacunas Estaduais nas Taxas de Sobrevivência Infantil No entanto, a quantidade de educação conta apenas metade da história. Estar na escola dificilmente se traduz com precisão em qualidade de ensino (Filmer et al., 2020). Como a qualidade Relatório de Capital Humano no Brasil do aprendizado é heterogênea e geralmente baixa, um ano a mais de escolaridade no Brasil gera ganhos de produtividade distintos.13 A razão é simples: um ano na escola promove muito mais aprendizagem em determinados ambientes escolares do que em outros, mesmo após o controle de variáveis demográficas. Assim, embora dois grupos de indivíduos possam ter a mesma quantidade de educação, eles podem apresentar capital humano diferente se sua qualidade de aprendizagem variar significativamente. 13 Tais diferenças tornam-se mais significativas quando se consideram os retornos salariais por escolaridade. Estimativas sugerem que o retorno salarial médio de um ano de escolaridade no Brasil é de 12 a 15 por cento (Griffin & Edwards, 1993) – o maior retorno em todos os países analisados pela OCDE (OCDE, 2020). Essa taxa de retorno se traduz em ganhos acumulados de 60 a 75 por cento em salários futuros. 32 Caixa 1.3 Anos Esperados de Escolaridade (AEE) Anos esperados de escolaridade (AEE) refere-se ao número esperado de anos na escola que uma criança atinge aos 18 anos se as taxas de repetência e evasão permanecerem inalteradas ao longo da educação básica. Fórmula: Os AEE das crianças que vivem na cidade c são medidos por: = , onde AEEc é a expectativa de anos de escolaridade na cidade c; é a taxa de repetência na série g na cidade c; é a taxa de abandono na série g na cidade c. Fonte: Situação do Aluno, 2007-2019 (INEP). Nota: A definição utilizada neste relatório é a de abandono escolar (abandono de curto prazo), que é quando os alunos deixam de frequentar as aulas durante o ano letivo. Note-se que esse conceito é diferente da evasão (abandono de longo prazo), quando o aluno deixa de ir à escola em um determinado ano letivo e não se matricula no ano seguinte. Por não ser possível desagregar a evasão e por não haver dados disponíveis entre 2007 e 2019, este relatório utilizou apenas os dados de abandono escolar. Com base nessa lógica, o ICH ajusta a quantidade de ensino pela qualidade de aprendizado. Para isso, em vez de usar avaliações internacionais14 como principal fonte de dados, o ICH brasileiro utiliza o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), uma avaliação nacional que mede a qualidade de aprendizado. Existem várias vantagens associadas a essa escolha. Primeiro, o SAEB abrange todos os municípios do Brasil. Essa é uma vantagem importante visto que um dos principais objetivos deste relatório é desagregar o ICH ao nível municipal.15 Em segundo lugar, o SAEB vem coletando dados nos últimos 12 anos. Essa característica permite investigar em profundidade a formação de capital humano na última década. Terceiro, o SAEB é aplicado O SAEB oferece várias ao final de cada ciclo de ensino e abrange alunos de 5o, 9o e 12o oportunidades para ano de escolas particulares e públicas a cada dois anos. Quarto, o SAEB permite a desagregação dos dados por raça (incluindo desagregar o ICH. povos indígenas), gênero, raça-gênero e status socioeconômico. Segundo o SAEB, a qualidade da aprendizagem é medida pela parcela de alunos com níveis adequados de aprendizagem em matemática e português. Os limites que definem o que é aprendizagem adequada são estabelecidos pelo Ministério da Educação para cada série e disciplina. Por exemplo, para o 12º ano os limiares são 450 (matemática) e 400 (português) na escala de proficiência do SAEB. O PISA e o SAEB possuem escalas de proficiência compatíveis, apesar das limitações de comparabilidade (INEP, 2008).16 Para ser congruente com a Relatório Global de Capital Humano (Global Human Capital Review), essa medida de qualidade da aprendizagem é chamada de ‘resultados de 14 O conjunto de dados do índice global harmoniza as pontuações de três importantes avaliações internacionais: Estudo Internacional Relatório de Capital Humano no Brasil de Tendências em Matemática e Ciências (TIMSS), o Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS) e o Programa Internacio- nal de Avaliação de Estudantes (PISA). Também inclui quatro programas regionais de testes: o Consórcio da África Austral e Oriental para Monitoramento da Qualidade Educacional (SACMEQ), o Programa de Análise de Sistemas Educacionais (PASEC), o Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLECE) e a Avaliação de Aprendizagem e Numeracia das Ilhas do Pacífico (PILNA). Para uma explicação de como o PISA se relaciona ao SAEB, consulte o Apêndice II. 15 No SAEB, a amostra de examinandos é representativa em nível municipal (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2018). Isso reflete uma vantagem sobre as avaliações internacionais que são apenas nacionalmente representativas, obscurecendo as discrepâncias de aprendizagem entre os municípios. 16 Por exemplo, apenas 3,08 por cento dos brasileiros pontuam acima de 549,43 em matemática na escala PISA (2003). Na escala SAEB (2003), 3,08 por cento dos alunos do 12º ano têm pontuação acima de 402,89 em matemática. Assim, 549,43 na escala PISA corresponde a 402,89 na escala SAEB (em referência a 2003) (INEP, 2008). 33 Caixa 1.4 Resultados de Aprendizagem Harmonizados (RAH) Os resultados de aprendizagem harmonizados calculam a média da fração de alunos com pontuação acima dos limiares avançados em matemática e português usando dados do SAEB. Fórmula: Os RAH para o 12º ano na cidade c são calculados da seguinte forma: onde é a média do SAEB para matemática e é a média do SAEB para português. Os limites são estabelecidos pela escala de proficiência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, INEP. Fonte: SAEB e Prova Brasil, 2007 a 2019. Considerar a qualidade aprendizagem harmonizados’ (RAH). A Caixa 1.4 apresenta detalhes de como o RAH é calculado usando essas definições. da aprendizagem reduz os anos de escolaridade A Figura 1.3 destaca a importância de ponderar os anos esperados de escolaridade pela qualidade da aprendizagem. em quatro anos. Quanto maior a diferença entre AEE e AEAA, pior o desempenho de aprendizagem. Observe que, no caso ideal, quando o aprendizado de todos os alunos está acima dos limites avançados as duas barras se sobrepõem perfeitamente (ou seja, AEE = AEAA). Longe de ser o caso, a Figura 1.3 revela diferenças significativas na qualidade da aprendizagem entre os estados brasileiros. Os estados do Espírito Santo e Maranhão, por exemplo, possuem o mesmo valor de AEE, mas apresentam uma diferença de um ano após o ajuste pela qualidade da aprendizagem. Em média, os estados perdem cerca de três a quatro anos de escolaridade quando se leva em conta a qualidade da aprendizagem.17 Caixa 1.5 Componente Educação Fórmula: O componente educação combina RAH e AEE: onde Escolac assume =0.08, o que significa que um ano adicional de educação resulta em um aumento de 8 por cento nos ganhos futuros. Veja Kraay (2018) para mais detalhes. Relatório de Capital Humano no Brasil Os níveis reais de quantidade e qualidade da educação não são informativos sem uma referência confiável. O componente de educação tem como referência a educação completa e de qualidade para todos - ou seja, todo aluno passa por todos os anos escolares e aprende o que deve aprender. No Brasil, essa referência é de 12 anos de escolaridade ajustados à aprendizagem (ou AEE = 12 e RAH = 1). Essa lógica é ilustrada pela fórmula , o componente de educação na fórmula do ICH. A média global de anos esperados de escolaridade é de 11,2. Quando ajustado para aprendizagem, se torna 7,8 anos, representando 17 uma perda de 3,4 anos (World Bank, 2020d). 34 Perdas após o Ajuste para a Qualidade da Aprendizagem AEAA e EAA em 2019 Máx Goiás 7,7 11,5 São Paulo 7,7 11,5 Espírito Santo 7,6 11,0 Paraná 7,6 11,2 Ceará 7,5 11,5 Santa Catarina 7,4 10,9 Distrito Federal 7,4 11,1 Pernambuco 7,4 11,2 Minas Gerais 7,3 11,0 Mato Grosso do Sul 7,3 10,7 Rondônia 7,3 11,0 Rio Grande do Sul 7,3 10,5 Acre 7,1 10,9 Tocantins 7,1 11,1 Mato Grosso 7,0 10,9 Rio de Janeiro 6,9 10,7 Piauí 6,9 10,9 Alagoas 6,8 11,1 Paraíba 6,8 10,6 Amazonas 6,8 10,8 Roraima 6,7 10,8 Rio Grande do Norte 6,6 10,3 Maranhão 6,6 11,0 Sergipe 6,4 10,3 Bahia 6,4 10,3 Amapá 6,2 10,4 Pará 6,2 10,3 0 AEAA AEE 12 Figura 1.3 Perdas após o Ajuste para a Qualidade da Aprendizagem O parâmetro é o retorno médio de um ano adicional de educação em termos de produtividade. Aqui, o ICH brasileiro mantém = 0,08 para seguir o ICH global e o relativo consenso na literatura, estimando que um ano de escola aumenta os rendimentos em 8 por cento.18 A intenção do uso dessa taxa é evitar pesos arbitrários (Caselli, 2005). Depois de terminar a escola, uma pessoa precisa ser capaz de permanecer saudável. Para Relatório de Capital Humano no Brasil refletir esse estágio, o terceiro componente do ICH é a sobrevivência adulta. Semelhante ao indicador de sobrevivência infantil, a taxa de sobrevivência adulta mede a probabilidade de que uma criança nascida hoje sobreviva até os 60 anos de idade se as atuais taxas de mortalidade específicas por idade permanecerem inalteradas (ver Caixa 1.6). Sua contribuição para o ICH é expressa em relação ao referencial de 100% de sobrevivência adulta durante esses anos. 18 No Brasil, a literatura microeconômica estima retornos ligeiramente maiores para a educação. Alguns estudos apontam para um aumento de 12 por cento na produtividade para cada ano de educação, em média (Griffin & Edwards, 1993). Outros argumentam que há retornos ainda maiores (Psacharopoulos, 1989). 35 Lacunas na Sobrevivência de Adultos e Ausência de Déficit de Crescimento Valores Mínimos e Máximos por Estado, 2019 (a) Taxa de Sobrevivência de Adultos (b) Ausência de Déficit de Crescimento Distrito Federal Distrito Federal Lacunas na Sobrevivência Adulta e Ausência de Déficit de Crescimento Amapá Rio Grande do Sul Rondônia Rio de Janeiro Amazonas Espírito Santo Ceará Santa Catarina Acre São Paulo Espírito Santo Paraná Roraima Mato Grosso do Sul Maranhão Minas Gerais Pernambuco Roraima Tocantins Sergipe Santa Catarina Goiás Figura 1.4 Paraíba Amapá Mato Grosso do Sul Rondônia Alagoas Mato Grosso Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Mato Grosso Paraíba Bahia Bahia São Paulo Alagoas Piauí Ceará Pará Pernambuco Rio Grande do Norte Tocantins Goiás Amazonas Sergipe Piauí Minas Gerais Pará Paraná Maranhão Rio Grande do Sul Acre 0,50 0,60 0,70 0,80 0,90 1,00 0,75 0,80 0,85 0,90 0,95 Sobrevivência de Adultos, 2019 Ausência de Déficit de Crescimento, 2019 Mínimo Máximo 36 Relatório de Capital Humano no Brasil Caixa 1.6 Taxa de Sobrevivência de Adultos (TSA) A taxa de sobrevivência de adultos é a fração de pessoas que chegam aos 15 anos e sobrevivem até os 60 anos, se mantidas as atuais taxas de mortalidade específicas por idade. Essa taxa é representativa da probabilidade de uma criança nascida hoje morrer antes dos 60 anos se as condições de saúde atuais forem mantidas. Fórmula: onde qx é a probabilidade de morrer em cada idade entre 15 e 60 anos. Fonte: As informações de mortalidade são do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e as estimativas populacionais por idade são do DATASUS. Assim como os indicadores de educação, as variáveis de saúde apresentam discrepâncias geográficas significativas. A Figura 1.4 apresenta as taxas mínimas e máximas de sobrevivência de adultos e a taxa de ausência de déficit de crescimento de 2019 em nível municipal para cada estado do Brasil. Pelo menos três conclusões podem ser tiradas. Em primeiro lugar, as lacunas nas taxas de sobrevivência de adultos são significativamente maiores do que nas taxas de ausência de déficit de crescimento em todos os estados. Em segundo lugar, as lacunas de ausência de déficit de crescimento são três vezes menores nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste em comparação às regiões Norte e Nordeste. Em terceiro lugar, a região Sudeste apresenta as maiores lacunas na sobrevivência de adultos, seguida pela região Sul. O Capítulo 2 analisa essa evidência com mais detalhes. Caixa 1.7 Componente Saúde O componente saúde combina as taxas de sobrevivência de adultos e de ausência de déficit de crescimento usando a seguinte fórmula: O ICH considera: e Relatório de Capital Humano no Brasil 37 Sobrevivência Ausência de Sobrevivência Escolaridade Infantil Déficit de de Adultos Ajustados à Em média, 98,6 por cento das crianças sobrevivem até os Crescimento 87,4 por cento dos adultos de 15 anos sobrevivem até os Aprendizagem cinco anos de idade no Brasil. 91,1 por cento das crianças 60 anos no Brasil. Essa taxa Em média, o brasileiro estuda Essa taxa é a mesma que no menores de cinco está abaixo de muitos outros por 7,2 anos após o ajuste para Peru . anos no Brasil não países de renda média-alta na a qualidade da educação. Essa apresentam déficit região da ALC: Peru (88,6 por taxa é próxima da Índia (7,10) e A taxa de de crescimento. cento), Colômbia da Jamaica (7,06). sobrevivência Essa taxa é (88,7 por cento) infantil brasileira semelhante à da e Argentina (88,8 Mais de 60 por está acima dos Argentina (92,1 por cento). cento dos países valores da ALC, por cento) e acima da ALC têm taxas como República da maioria dos A taxa de de AEAA mais Dominicana e Guatemala. países da ALC. sobrevivência de altas do que o Essa taxa é semelhante à da adultos no Brasil Brasil, incluindo No entanto, o Brasil está atrás China (91,9 por cento). é semelhante às Chile (9,41), Peru da maioria dos países europeus do Equador e da (8,63), Colômbia (8,62) e Uruguai e da Ásia Central. Nessas A taxa de ausência de déficit de Tailândia. Está (8,55). regiões, 90 por cento dos países crescimento no Brasil é maior distante da taxa têm taxas de sobrevivência do que os países do sul da Ásia. dos países de alta renda: Itália A aprendizagem ajustada no infantil mais altas do que o Na Índia, esta taxa é de 65,3 (95,3 por cento), Suíça (95,4 Brasil é superior à da África do Brasil (por exemplo, Espanha, por cento e no Paquistão é de por cento), Islândia (95,5 por Sul (5,60) e à do Líbano (6,33). Portugal, Itália). 62,4 por cento. cento). As taxas internacionais são do Índice Global de Capi- tal Humano, 2020, e as taxas brasileiras são do Índice de Capital Humano do Brasil, 2019. 38 Relatório de Capital Humano no Brasil Medição Como Primeiro Passo para Agir Como qualquer ferramenta de medição, o índice de capital humano tem limitações. Em primeiro lugar, os componentes de saúde do ICH abrangem apenas a medida da mortalidade infantil e o déficit de crescimento. Nesse sentido, a morbidade, que também afeta a acumulação de capital humano, só é captada pelo desfecho final de mortalidade. Pode-se argumentar, no entanto, que a morbidade pode ter efeitos de curto prazo na produtividade – por exemplo, ao impedir que as pessoas trabalhem. Em segundo lugar, o componente educação engloba apenas a aprendizagem e não capta as competências socioemocionais, que são fundamentais para acumular capital humano. Apesar dessas limitações, o ICH possui várias características desejáveis. Primeiro, tem uma interpretação direta. Ele estima a média da produtividade futura do trabalho. O ICH é um retrato que mostra aos formuladores de políticas o que aconteceria com a produtividade do trabalho se nenhuma ação fosse tomada. Em segundo lugar, é simples: o ICH evita fórmulas intrincadas e suposições desnecessárias, buscando ser o mais direto possível. Em vez disso, usa três componentes, resumidos na Figura 1.5. ÍNDICE DE CAPITAL HUMANO SAÚDE INFANTIL SAÚDE EDUCAÇÃO (ICH) Produtividade de uma Taxa de Anos de escolaridade Taxa de pessoa nascida hoje sobrevivência de ajustados à sobrevivência de quando tiver 18 anos crianças abaixo de 5 aprendizagem adultos de idade anos e ausência de déficit de crescimento Figura 1.5 O Índice de Capital Humano Terceiro, o ICH produz um resultado simples, pois seu intervalo vai de 0 a 1. Um município onde uma criança média: não tem risco de déficit de crescimento ou de morrer antes dos cinco anos de idade; recebe 12 anos de educação de alta qualidade; e torna-se um adulto saudável teria um ICH próximo de 1. O ICH se aproxima de zero quando: o risco de desnutrição ou morte prematura é alto; o acesso à educação é limitado; e a qualidade da aprendizagem é baixa. Quarto, o ICH é orientado para resultados. A ênfase nos resultados incentiva os governos não apenas a investir mais, mas também a investir bem em políticas baseadas em evidências confiáveis. Isso nos leva ao quinto ponto: o ICH tem um propósito claro. O ICH não Relatório de Capital Humano no Brasil pretende medir o nível de bem-estar de uma sociedade ou resumir quaisquer valores intrínsecos de saúde e educação na vida humana (World Bank, 2020d), mas simplesmente estimar a produtividade esperada da próxima geração de trabalhadores. 39 Capítulo 2 A Geografia do Capital Humano no Brasil “Muitos Brasis” Mensagens Principais  Muitos “Brasis” coexistem no Brasil.  Das 16 capitais de estados nas regiões Norte e Nordeste, 12 têm ICHs abaixo da média nacional.  Ceará (Nordeste) e Cocal dos Alves (Piauí) são, respectivamente, exemplos de estado e município com resultados positivos e fora da curva em matéria de ICH. Em ambos os casos isso é explicado pelo excelente desempenho no componente educação.  Dois terços da variação no ICH municipal de 2019 se deve à educação.  Grande parte da variação do ICH é explicada por outros fatores além da renda.  O maior desempenho de ICH foi encontrado em cidades com população pequena. O índice de capital humano mapeia como as crianças desenvolvem seus talentos, dadas suas condições educacionais e de saúde. Nesse contexto, o principal resultado é que um brasileiro nascido em 2019 só atingirá 60 por cento de seu potencial aos 18 anos - ou seja, em média, 40 por cento de todo o capital humano em potencial do Brasil permanecerá desaproveitado. Há muito talento inexplorado, não descoberto pela sociedade. O talento é essencial para promover o crescimento inclusivo, construir uma economia competitiva e gerar desenvolvimento humano a longo prazo (Rocha et al., 2017; Valencia Caicedo, 2019). No entanto, o ICH nacional de 60 por cento apenas descreve, de forma geral, o quadro do Brasil – um retrato incompleto de um país marcado por desigualdades. Como a desigualdade de renda tem sido historicamente alta e os brasileiros tendem a permanecer na pobreza por muitas gerações, em média (Souza, 2018; Narayan et al., 2018), não há razão para acreditar que com a formação de capital humano o nível de desigualdade será diferente.19 Este capítulo, portanto, investiga como o ICH varia no Brasil. Concentra-se no aspecto geográfico da formação de capital humano ao: mapear o ICH por município; apresentar desigualdades intrarregionais; e identificar os municípios com melhor e pior classificação no ICH. O capítulo encerra com uma comparação do ICH entre as capitais brasileiras.20 Muitos Brasis coexistem dentro do mesmo Brasil. A Figura Muitos “Brasis” 2.1 mapeia o ICH 2019 por município. Como esperado, há acentuadas disparidades geográficas na formação de capital coexistem dentro do humano no Brasil. Os municípios em azul indicam ICHs acima da mesmo Brasil. média nacional. As áreas em azul escuro indicam ICHs acima de 0,64 ponto, e as em azul claro referem-se àqueles um pouco acima da média nacional, de 0,60 a 0,64 ponto. Os municípios em vermelho têm ICH abaixo de 60 por cento. Quanto mais escuro o vermelho, menor o ICH municipal em relação à média nacional. O contraste geográfico em termos de ICH é claro. Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 2.1 A Geografia do Capital Humano no Brasil 19 Um relatório intitulado Insights from Disaggregating the Human Capital Index (World Bank, 2020c) apresenta a variação de ICH entre diferentes regiões em uma seleção de países (referido como GEO-ICH). Na Romênia, por exemplo, o ICH da capital é de cerca de 0,80, enquanto alguns condados do país têm um ICH em torno de 0,50. No Peru, há províncias com ICH superior a 0,60 e outras com ICH em torno de 0,50 (World Bank, 2020c). 20 O Brasil possui cinco regiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste). Essas regiões são divididas em 26 estados e o Distrito Federal. Por sua vez, os estados estão subdivididos em 5.570 municípios, que é o nível mais baixo da administração política. 42 Já que o ICH é uma medida prospectiva, a Figura 2.1 também pode ser vista como um mapa da produtividade futura no Brasil. A conclusão mais clara que se pode tirar desse mapa é que os municípios onde o capital humano está abaixo da média nacional estão concentrados nas regiões Norte e Nordeste. Ou seja, uma criança nascida no Norte ou Nordeste só consegue atingir cerca de metade do seu potencial e está 6 pontos percentuais de ICH abaixo das crianças mais ricas do Sudeste. Dois exemplos que ilustram esse ponto são o Pará, onde o ICH é de 54,3 por cento, e a Bahia, onde o ICH é de 55,0 por cento. Esses ICHs são semelhantes aos valores do Quênia (54,7 por cento) e de El Salvador (54,6 por cento). Em contraste, São Paulo, que tem um ICH de 63,4 por cento, é comparável a Montenegro (63,3 por cento) e à Costa Rica (62,9 por cento). A Figura 2.1 também mostra que existem áreas de desempenho excepcionalmente alto em regiões altamente vulneráveis. No Nordeste, o exemplo mais notável é o estado do Ceará, que se destaca claramente dos estados vizinhos com um ICH de 61 por cento. Esse desempenho contrasta com o fato de o Ceará ter uma das menores rendas per capita do Brasil. O Ceará apresentou, notavelmente, o mesmo ICH que o Rio Grande do Sul em 2019, apesar das diferenças significativas na renda per capita (ver Caixa 2.1). Uma educação melhor é a chave para o sucesso do Ceará. Uma razão para o seu sucesso é a redução bem documentada da pobreza de aprendizagem nos últimos anos (Cruz & Loureiro, 2020; Lautharte et al., 2021; Loureiro et al., 2020). As áreas que precisam de Os formuladores de políticas devem aprender com exemplos positivos. A desagregação políticas urgentes e direcionadas do ICH no nível municipal é importante por pelo devem ser identificadas menos duas razões. Primeiro, sinaliza áreas de alto desempenho onde condições econômicas e sociais desfavorecidas podem prejudicar a acumulação de capital humano. Em segundo lugar, o mapeamento do ICH municipal permite identificar áreas onde políticas direcionadas são urgentemente necessárias. De acordo com a Figura 2.1, ganhos de produtividade podem ser atingidos ao se direcionar esforços para o litoral da Bahia, bem como para os estados Maranhão e Pará. Os estados relativamente mais ricos deveriam definir políticas voltadas para suas áreas mais vulneráveis, a saber: sul do Rio Grande do Sul, norte de Minas Gerais e norte do Rio de Janeiro. A ação deve ocorrer onde for mais necessária. Caixa 2.1 Índice de Capital Humano e Renda Per Capita A desigualdade de renda no Brasil pode ser observada ao se mapear o PIB per capita em nível municipal, como visto na Figura B.2.1.a. A comparação com a figura 2.1 mostra que as regiões Sul e Sudeste apresentam os maiores ICHs e o maior número de municípios com PIB per capita elevado. Já as regiões Norte e Nordeste abrigam as cidades com os menores ICHs e os menores PIBs per Relatório de Capital Humano no Brasil capita. Conforme discutido, uma exceção é o Ceará, que é majoritariamente vermelho no mapa do PIB (baixo PIB), mas azul na Figura 2.1 (alto ICH). Figura B.2.1.a Produto Interno Bruto Per Capita 43 Caixa 2.1 (Continuação) O ICH não inclui renda em sua fórmula (ver capítulo 1). É, no entanto, um índice baseado em produto com componentes que se correlacionam à renda. A Figura B.2.1.b mostra a correlação entre ICH e PIB per capita em 2017 (o último ano para o qual há dados disponíveis). Uma variação de um ponto logarítmico no PIB está associada a uma mudança de cerca de um quinto no ICH. Isso indica que grande parte da variação do ICH está associada a outros fatores que não a renda. Figura B.2.1.b Quão Correlacionados estão o ICH Municipal e o PIB Per Capita? A Figura 2.2 reforça a ideia dos “muitos Brasis”. A Figura 2.2 representa o ICH municipal de cada região do Brasil.21 Os pontos representam os municípios e as cores identificam a sua região. As barras verticais mostram o ICH regional médio. As cidades com os ICHs mais altos e mais baixos são nomeadas. Os ICHs extremos aparecem com frequência na mesma região. Nos dois extremos, cerca de 250 km e 30 pontos percentuais de ICH separam Santa Tereza (76,7 por cento) e Engenho Velho (47,2 por cento) no Rio Grande do Sul. Apesar de geograficamente próximos, os municípios estão afastados em termos de formação de capital humano. As disparidades de ICH dentro de uma mesma região também podem ser observadas no Nordeste. A cidade de Ibirataia, na Bahia, tem um dos ICHs mais baixos do Brasil, de 44,9 por cento, semelhante ao de Gana (45 por cento) e ao do Gabão (45,8 por cento). Cocal dos Alves, no Piauí, por outro lado, tem um dos maiores ICHs (74 por cento), semelhante aos da Itália (72,8 por cento) e da Áustria (74,7 por cento) (World Bank, 2020d). Realidades muito diferentes na mesma região. A desigualdade dentro das Relatório de Capital Humano no Brasil Em geral, a Figura 2.2 ilustra a escala da desigualdade dentro das regiões - ao invés regiões é 50 a 70 por cento de entre regiões - em termos de acumulação de capital humano. Ela mostra que, em 2019, a maior do que a desigualdade desigualdade dentro de uma mesma região foi de entre as regiões. 21 Há um problema metodológico relacionado ao tamanho da população de um município. O Censo 2010 estima a população de Jacareacanga (Pará) em aproximadamente 7.000 habitantes. No entanto, as autoridades locais argumentam que o número real é de 41.000. Como as taxas de sobrevivência de adultos utilizam a população censitária, essa questão impacta negativamente o ICH de Jacareacanga. Dada essa ambiguidade, esse município não foi incluído na Figura 2.2 e na Figura 2.3. 44 50 a 70 por cento maior do que a desigualdade entre as regiões do Brasil.22 Isso foi medido por meio do cálculo da lacuna de ICH entre Norte-Nordeste e Sul-Sudeste-Centro-Oeste e comparando-a com as disparidades entre os municípios do percentil superior e inferior da distribuição do ICH dentro de uma mesma região. O Capítulo 3 examinará com mais detalhes essas desigualdades. Existe também uma variabilidade significativa entre os municípios “pequenos” (fora das áreas metropolitanas). O fato de cidades de baixo desempenho como Ibirataia, Luciara e Catuji terem menos de 20.000 habitantes e cidades de alto desempenho como Castanheiras, Cocal dos Alves e Santa Tereza terem menos de 4.000 habitantes mostra que municípios pequenos povoam os dois extremos da distribuição de ICH. Figura 2.2 Grandes Disparidades Regionais de Capital Humano no Brasil HCIs and the lowest GDP per capita. As discussed, an exception is Ceará, which is dominant red in the GDP Caixa map (low 2.2 GDP), but blue in Figure 2.1 (high HCI) O Índice de Capital Humano do Brasil Apresenta Correlação Espacial? Qual é a correlação espacial entre o ICH de um município e o de seus vizinhos mais próximos? Para responder a esta pergunta, a Figura B.2.2.a traça a correlação espacial usando o Índice de Moran. O Índice de Moran Global para o ICH no Brasil é de 0,62, indicando uma forte correlação espacial positiva: municípios com ICHs altos tendem a “atrair” vizinhos com Relatório de Capital Humano no Brasil ICHs altos. O mesmo raciocínio se aplica a cidades com ICHs baixos. 22 Em 2019, as médias ponderadas do ICH no Norte e no Nordeste foram de 56,2 e 57,3 por cento, respectivamente. No Sul, Centro- Oeste e Sudeste, o ICH variou de 61,6 a 62,2 por cento. A diferença entre esses “dois Brasis” é de 4-6 pontos de ICH. Ainda assim, a diferença entre os percentis 90 e 10 no Norte foi de 8,54 pontos de ICH (60,7 - 52,1 por cento). No Nordeste, essa diferença foi de 8,58 pontos de ICH (61,4 - 52,8 por cento); no Sudeste foi de 7,16 pontos de ICH (65,2 - 58,0 por cento); no Sul foi de 7,27 pontos de ICH (65,4 - 58,2 por cento); e no Centro-Oeste foi de 7 pontos de ICH (64,4 - 57,6 por cento). Essas diferenças chegam, em média, a 7 pontos de ICH. Consequentemente, a desigualdade dentro da mesma região é 50 a 70 por cento maior do que a desigualdade entre as regiões. Uma regressão mostrou que 63 por cento de toda a desigualdade em ICH (2019) vem de dentro das regiões. 45 Caixa 2.2 (Continuação) O Mapa B.2.2.a reforça a ideia de forte aglomeração espacial no Brasil e a existência de espaciais fora da curva (outliers), ou seja, municípios com alto ICH localizados em áreas de baixo ICH ou vice-versa. Para investigar essa questão, a Figura B.2.2.a classifica o Índice de Moran Local em quatro categorias: i) alto-alto: um município e seus vizinhos com ICHs altos; ii) alto-baixo: um município com alto ICH e vizinhos com ICHs baixos; iii) baixo-alto: um município com baixo ICH e vizinhos com altos ICHs; e iv) baixo-baixo: um município e seus vizinhos com baixos ICHs. O Mapa B.2.2.a reforça a ideia de forte aglomeração espacial no Brasil e a existência de espaciais fora da curva (outliers), ou seja, municípios com alto Figura B.2.2.a ICH localizados em áreas de baixo ICH Cluster Espacial do Índice de Capital Humano ou vice-versa. Para investigar essa questão, a Figura B.2.2.a classifica o Índice de Moran Local em quatro categorias: i) alto-alto: um município e seus vizinhos com ICHs altos; ii) alto-baixo: um município com alto ICH e vizinhos com ICHs baixos; iii) baixo-alto: um município com baixo ICH e vizinhos com altos ICHs; e iv) baixo-baixo: um município e seus vizinhos com baixos ICHs. Nota: A análise de agrupamento depende do que é definido como “município vizinho” e da matriz de pesos. Por exemplo, se um município é classificado como baixo-alto, não se deve supor que todos os vizinhos tenham ICHs altos. Pontos metodológicos: (i) as estimativas utilizam a matriz de contiguidade “rainha”, que considera os vizinhos como territórios contínuos; (ii) o nível de significância utilizado é de 1 por cento; (iii) Regiões cinzentas são municípios em que a correlação espacial é insignificante ou onde faltam dados. Vários fatores explicam por que os municípios pequenos têm maior dispersão de ICH.23 Municípios pequenos podem ter sistemas escolares e de saúde menos complexos. Com menos alunos e pacientes, cidades menores podem implementar políticas personalizadas com mais facilidade, além de monitoramento mais detalhado. Por isso, tendem a ter maior cobertura de saúde, pelo menos nos serviços básicos de saúde. Outra explicação é que a alta dispersão reflete efeitos de coorte, que são mais pronunciados em pequenas áreas. Para aprofundar esse ponto, a Figura 2.3 localiza geograficamente os municípios com melhor e pior classificação no índice de capital humano em 2019. Os pontos vermelhos representam os cinco municípios Relatório de Capital Humano no Brasil com pior classificação do Brasil, enquanto os pontos azuis indicam a localização dos cinco municípios mais bem classificados. Seus respectivos tamanhos populacionais (em milhares) são apresentados. Todos os municípios com melhor e pior classificação têm população inferior a 20.000 habitantes. Municípios menores ocupam os extremos de distribuição de ICH. 23 Se os municípios são divididos em grupos com populações semelhantes, as lacunas de ICH do grupo são maiores naqueles com menor população. Entre os 270 municípios com menos de 2.500 habitantes, os ICHs variam de 54,6 por cento (percentil 10) a 68,2 por cento (percentil 90), ou uma diferença de 13,6 pontos de ICH. Para municípios entre 2.500 e 10.000 habitantes, a diferença permanece alta, mas um pouco menor, 11,6 pontos de ICH. A disparidade para municípios com população entre 100.000 e 500.000 habitantes diminui para uma diferença de 9,9 pontos de ICH e essa diminuição é ainda maior em municípios com população superior a 500.000 habitantes, que apresentam uma diferença de 7,8 pontos de ICH. 46 Figura 2.3 Municípios com Melhor e Pior Classificação no Brasil Quatro dos cinco municípios mais bem classificados estão localizados nas regiões Sul e Sudeste. Os dois municípios mais bem classificados em 2019 estão no interior do Rio Grande do Sul. São os municípios de Santa Tereza, com ICH de 76,7 por cento, e de Três Arroios, com ICH de 74,3 por cento. Alto Bela Vista (Santa Catarina) e Gabriel Monteiro (São Paulo) também estão entre os cinco municípios mais bem classificados, em quarto e quinto lugar, respectivamente. O desempenho desses municípios rivaliza com o de países como Croácia (71 por cento), Chipre (75,6 por cento), Lituânia (70,6 por cento) e Espanha (72,8 por cento) (World Bank, 2020d). Um caso que merece destaque na lista dos bem classificados é Cocal dos Alves, no Piauí, que possui ICH de 74 por cento e ocupa o terceiro lugar. Ele se destaca na lista dos melhores municípios por estar localizado na região Nordeste. Seu desempenho é especialmente notável pelo fato de o Piauí ser um dos estados mais economicamente vulneráveis do Brasil. O ICH de Cocal dos Alves ficou surpreendentes 11 pontos à frente Cocal dos Alves de São Paulo em 2019. Esse não é um incidente isolado: Cocal dos Alves tem sido consistentemente classificado entre os melhores é destaque de desempenhos e grande parte do motivo é um sistema de ensino desempenho no Brasil. forte. Em 2019, Cocal dos Alves tinha AEAA igual a 9,75 anos, em comparação às médias do estado do Piauí, de 6,88 anos, e do Brasil, de 7,2 anos.24 Nenhum desempenho superior equivalente foi observado em outros componentes de ICH.25 O Capítulo 8 detalha as políticas públicas implementadas por Cocal dos Alves que têm sido tão eficazes na criação de capital humano. Os municípios com piores classificações concentram-se nas regiões Norte e Nordeste, conforme mostra a Figura 2.3. Esses municípios compartilham características importantes. Primeiro, a qualidade da educação é baixa, o que é um impedimento significativo na formação do capital humano. O desempenho nas avaliações nacionais de aprendizagem nos municípios com piores classificações está Relatório de Capital Humano no Brasil significativamente abaixo da média.26 Segundo, enquanto Cocal dos Alves está 2,5 anos acima do valor 24 Ao analisar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), um índice normalizado entre 0 e 10 que combina o desempenho dos alunos em português e matemática e as taxas de repetência escolar, Cocal dos Alves tem um dos melhores resultados do ensino médio do Brasil, com IDEB de 6,5 em 2019, bem acima da média nacional de 4,2. 25 Olhando para outros componentes do ICH, Cocal dos Alves apresentou um componente saúde de 0,925, superior ao da região Nordeste de 0,877. Em termos de sobrevivência infantil, seu desempenho é apenas um pouco melhor que o Nordeste: 0,958 contra 0,984. 26 Em 2019, todos os municípios com piores classificações tiveram IDEB inferior a 3,5 ao final do ensino médio, abaixo da média nacional de 4,9. 47 de AEAA nacional, esses municípios estão todos 2,5 anos abaixo do AEAA nacional. Terceiro, uma parcela significativa de sua população vive abaixo da linha da pobreza. Além de Luciara (no Mato Grosso), pelo menos 60 por cento da população desses municípios recebe transferências condicionadas de renda (Bolsa Família e Cadastro Único No Seu Município, s.d.).27 A discussão sobre os “muitos Brasis” enfatizou, até aqui, a variabilidade no desempenho de ICH entre municípios pequenos. No entanto, essas cidades representam apenas uma pequena parcela da população brasileira. A Figura 2.4 amplia a análise das disparidades de ICH para incluir o ICH das capitais (grandes cidades) em 2019. Os pontos azuis representam cidades com ICHs acima da média nacional, enquanto os pontos vermelhos representam cidades abaixo da média nacional. A linha contínua vertical representa a média nacional (0,601). De acordo com a Figura 2.4, existem dez pontos de ICH separando as capitais com os melhores e piores desempenhos. As capitais com os melhores desempenhos são Vitória, Curitiba e Campo Grande, com ICHs semelhantes aos de países como Chile (0,652 por cento), China (0,653 por cento) e Turquia (0,649 por cento) (World Bank, 2020d). Macapá, Belém, Salvador e Maceió estão entre as cidades com os piores desempenhos. O ICH das capitais reflete as conclusões anteriores: as regiões Norte e Nordeste concentram a maioria das capitais com desempenho abaixo da média nacional. Doze capitais do Norte e do Nordeste apresentam ICH inferiores a 60,1 por cento. As únicas exceções são Fortaleza e Recife no Nordeste e Palmas e Porto Velho no Norte. Outro importante outlier nessa figura é o Rio de Janeiro, a única capital do Sudeste com ICH abaixo da média nacional. Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 2.4 Dez Pontos de Distância: Capitais com os Melhores e Piores Desempenhos 27 Em 2021, 38 por cento da população de Luciara recebia o Bolsa Família (Bolsa Família e Cadastro Único No Seu Município, s.d.). 48 Muitos Brasis Mas qual componente do ICH explica o fenômeno dos A educação explica dois “muitos Brasis”? Uma forma de abordar essa questão é desagregar os dados dos componentes do ICH em nível terços da variação nos municipal. A Figura 2.528 mostra que mais de dois terços de toda ICH municipais. a variação do ICH municipal a partir de 2019 ocorreu por conta da educação. A variação do ICH em diferentes países ao redor do mundo mostra resultados semelhantes: 65 a 85 por cento da diferença entre os ICHs de países de alta e baixa renda é explicada pela educação (World Bank, 2020d). A educação tem a maior participação na variação de ICH e oscila modestamente de região para região (de 61,8 por cento no Sul a 77,3 por cento no Nordeste). A Figura 2.5 também mostra que a saúde dos adultos é mais relevante nas regiões Sudeste e Sul, onde explica aproximadamente 30 por cento de toda a variação do ICH municipal. No Norte e no Nordeste, a influência da saúde dos adultos na variação do ICH cai para 18 por cento. Portanto, o nível de capital humano em determinado município brasileiro é predito, em grande parte, pela qualidade e pela quantidade de educação, seguido pela saúde dos adultos e, por último lugar, pela sobrevivência infantil. Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 2.5 Educação como Vantagem 28 A contribuição de cada desfecho foi calculada usando-se a decomposição Shapley R². Primeiro, o ICH composto foi regredido com componentes de saúde, educação e sobrevivência infantil como regressores (usando a população como peso). Seguiu-se o cálculo de quanto cada regressor contribui para a variação de ICH. Veja mais detalhes em Azevedo et al. (2012). 49 Capítulo 3 Formação de Capital Humano nos Anos Pré-Pandemia “Melhor, mas Desigual” Relatório de Capital Humano no Brasil 50 Mensagens Principais  Embora tenha havido uma grande melhora no ICH, a redução das desigualdades foi discreta entre 2007 e 2019.  Os estados melhoraram seu capital humano à custa de uma maior desigualdade.  As regiões Norte e Nordeste estão aproximadamente 12 anos atrasadas em termos de formação de capital humano em relação às regiões Sul e Sudeste.  O capital humano na região Norte está crescendo a um ritmo mais lento do que em outras regiões do Brasil.  A maior parte das desigualdades observadas entre os municípios em 2019 é causada por diferenças dentro das regiões.  Os municípios com os piores e melhores desempenhos em 2007 tenderam a permanecer na mesma posição em 2019. O capítulo anterior concentrou-se no fato de que 40 por cento do talento no Brasil é inexplorado, não aproveitado pela sociedade. Este capítulo investiga a evolução do ICH do Brasil antes da pandemia de COVID-19. Uma questão central deste capítulo é se as regiões que apresentavam baixo desempenho em 2007 estão alcançando regiões com níveis de ICH relativamente mais altos. Ou seja, os municípios do Brasil estão convergindo em termos de acumulação de capital humano? Para investigar essa questão, este capítulo: (i) analisa as tendências temporais dos ICHs municipais de 2007 a 2019,29 (ii) verifica se há ganhos heterogêneos, (iii) mapeia áreas onde a melhoria está estagnada e (iv) discute as capitais. A análise começa mostrando que, apesar de uma grande perda de talentos e desigualdades persistentes, o Brasil melhorou consideravelmente seu capital humano antes da pandemia. A Figura 3.1 ilustra essa questão mapeando o crescimento do ICH em nível municipal entre 2007 e 2019. Ganhos generalizados, mas geograficamente concentrados. A Figura 3.2 complementa essa evidência mostrando que a desigualdade entre ICHs municipais diminuiu ligeiramente entre 2007 e 2019 no Brasil (seta preta). Entre as regiões, existem dois aglomerados de convergência: (1) Nordeste e Norte (setas vermelhas e verdes), onde a desigualdade aumentou ligeiramente ou não se alterou, e (2) Sul e Sudeste (setas cinza e azul), onde a desigualdade diminuiu. Uma forma alternativa de ilustrar os ganhos recentes de ICH é mostrada na Figura 3.3. Cada índice regional é uma média de ICHs municipais usando seus respectivos tamanhos populacionais como pesos.30 Em geral, três observações podem ser feitas. Primeiro, parece haver dois “Brasis” distintos: um com pontuação acima da média nacional de ICH, que é composto pelas regiões Sul, Sudeste e Centro- Oeste; e outro abaixo da média nacional de ICH, composto pelas regiões Norte e Nordeste. O primeiro grupo de regiões tinha ICHs de aproximadamente 55 por cento em 2007 e atingiu 62 por cento em 2019, o que representa um ganho de sete pontos de ICH. Entre essas regiões, o Centro-Oeste (linha sólida amarela) apresentou a melhora mais notável. A partir de 54 por cento, ou dois pontos de ICH abaixo da média, a região conseguiu alcançar o ICH do Sul e Sudeste em 2017 (62 por cento). Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 3.1 A Evolução do Capital Humano no Brasil 29 Os mesmos dados administrativos sobre educação e saúde estão disponíveis ao longo dos anos. 30 O uso de pesos reflete a ideia de que os municípios populosos são mais representativos das médias nacionais ou regionais. 52 Uma Comparação da Desigualdade de ICH em 2007 e em 2019, por Região 1,25 Redução da desigualdade Razão dos percentis 90 e 10 de ICH 1,20 1,15 Aumento da desigualdade 1,10 1,05 1,00  Igualdade   0,480 0,500 0,520 0,540 0,560 0,580 0,600 0,620 Índice de Capital Humano Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Brasil Figura 3.2 Uma Comparação da Desigualdade de ICH em 2007 e em 2019, por Região Melhor, mas Desigual Índices de Capital Humano por Região de 2007 a 2019 0,64 Sudeste 0,60 Brasil Índice de Capital Humano, ICH Nordeste 0,56 Sul Centro- Oeste 0,52 Relatório de Capital Humano no Brasil Norte 0,48   2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019   Anos Figura 3.3 Melhor, mas Desigual 53 As regiões Norte e Nordeste apresentam cerca de 12 anos de atraso na formação de capital humano em relação ao restante do Brasil. Essa conclusão decorre do fato de que, em 2019, o ICH nessas regiões era de 57 por cento, apenas ligeiramente acima do ICH de 55 por cento das regiões Sul e Sudeste em 2007. A diferença de desempenho é agravada pelo fato de que o progresso tem sido lento nessas regiões: por exemplo, a média de ICH de uma criança nascida no Norte em 2019 era apenas 6 pontos maior, em média, do que a de uma criança nascida na mesma região 12 anos antes. O ritmo do progresso é lento. Para melhorar rapidamente o capital humano das crianças em regiões vulneráveis, os governos devem intensificar as políticas baseadas em evidências nas regiões prioritárias (ver Capítulo 8). O Norte não está apenas atrás; seu capital humano cresce mais lentamente do que em qualquer outra região do Brasil. O capital humano no Há uma discreta indicação de que as lacunas de ICH estão diminuindo. A segunda conclusão da Figura 3.3 Norte está crescendo mais revela que a diferença entre o ICH dos eixos Sul-Sudeste lentamente do que em e Norte-Nordeste era de 6,2 pontos de ICH em 2007 e 4,9 pontos de ICH em 2019. Observar os ganhos regionais qualquer outra região. separadamente deixa claro que essa redução depende das melhorias conquistadas no Nordeste. Enquanto as regiões Sul e Sudeste tiveram um aumento médio anual em torno de 0,53 ponto de ICH, os aumentos observados no Nordeste foram bem maiores, com uma média de 0,68 ponto ao ano. A região Norte, por outro lado, teve um aumento médio anual de 0,50 ponto no ICH, a menor taxa regional do Brasil. Ainda nesse ponto, o Centro-Oeste merece destaque: apresentou a segunda maior taxa de melhoria entre as regiões, com ganho médio de 0,64 ponto de ICH por ano, atrás apenas do Nordeste. As melhorias notáveis de ICH no Centro-Oeste e no Nordeste foram, no entanto, observadas antes da pandemia de COVID-19 (ver Capítulo 6). Caixa 3.1 O que explica a evolução do capital humano? O capítulo 2 explica que a educação é responsável por dois terços da variação do Índice de Capital Humano no Brasil em 2019. Esse resultado não indica, no entanto, se a educação sempre teve esse papel de destaque nos escores de ICH. A Figura B.3.1 usa dados de 2007 a 2019 para examinar em que grau cada componente do ICH explica sua variação. O Que Explica o Capital Humano no Brasil? Decomposição Shapley por Componente do ICH 100% Sobrevivência 75% Saúde Porcentagem Explicada 50% Anos Esperados de Escolaridade (AEE) Relatório de Capital Humano no Brasil 25% Resultados de Aprendizagem Harmonizados (RAH) 0% 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019  Anos Figura B.3.1 O Que Explica o Capital Humano no Brasil? 54 Caixa 3.1 (Continuação) Em 2007, o indicador de anos esperados de escolaridade foi o principal fator explicativo da variação do ICH, perdendo importância para resultados harmonizados de aprendizagem nos anos seguintes. Esses dois fatores explicam cerca de 70 por cento de todas as variações de ICH. A sobrevivência infantil foi registrada entre cinco e sete por cento durante esses anos, enquanto a saúde ganhou importância ao longo dos anos, aumentando de 22 para 26 por cento. O Brasil pode levar Visto que a Figura 3.3 mostra a evolução do ICH em um período de 30 anos para atingir mais de uma década, é importante contextualizar esses ganhos. A taxa nacional de crescimento do ICH de 2007 a 2019 foi de 0,861 o ICH dos países por cento, em média, ao ano.31 Supondo que esse ritmo continue, desenvolvidos. seriam necessários aproximadamente 18 anos para o Brasil aumentar seu ICH em 10 pontos. Em relação ao ICH dos países desenvolvidos, o Brasil precisaria de cerca de 10 anos para atingir o nível do Chile, cujo ICH é de 65,2 por cento, 30 anos para atingir o ICH de Portugal (76,9 por cento) e mais de 35 anos para atingir o do Japão (80,5 por cento). Além de projetar quanto tempo o Brasil levaria para atingir o ICH dos países desenvolvidos, uma discussão igualmente crítica diz respeito à dinâmica de acumulação de capital humano. A questão é: O que caracteriza a dinâmica de acumulação de capital humano no Brasil? Ainda não está claro se a modesta taxa de crescimento observada em cada região entre 2007 e 2019 foi liderada por municípios que estavam originalmente atrasados (significando que estariam alcançando os demais), se o aumento está concentrado em regiões específicas (intensificando as disparidades geográficas) ou se houve alguma mobilidade entre os municípios na distribuição de ICH (aprofundando a ideia dos “muitos Brasis”). Este capítulo investiga cada ponto separadamente. A Figura 3.4 traça os ganhos de ICH em nível municipal para investigar o primeiro ponto – se municípios com ICH menores em 2007 apresentam maiores taxas de crescimento. O eixo vertical é o ganho percentual no ICH entre 2007 e 2019. O eixo horizontal é o ICH em 2007, período da linha de base. Cada ponto representa um município, enquanto as cores ilustram diferentes regiões do Brasil. A linha horizontal preta e sólida indica o ganho percentual nacional no ICH como referência. Ganhos maiores ocorreram principalmente em municípios com níveis mais baixos de ICH em 2007. A Figura 3.4 Municípios originalmente mostra que os municípios que começaram em níveis mais atrasados tiveram maiores baixos em 2007 melhoraram mais rapidamente do que os municípios que começaram com níveis mais altos de aumentos de ICH entre ICH. Essa evidência indica que os municípios brasileiros 2007 e 2019. vinham convergindo em termos de capital humano entre 2007 e 2019. De fato, ICHs municipais que eram um por cento menores em 2007 se correlacionaram com um aumento médio de 0,535 por cento entre 2007 e 2019. Ou seja, quanto menor o ICH de linha de base, Relatório de Capital Humano no Brasil maiores foram os ganhos médios ao longo de 12 anos. 31 O Nordeste apresentou a maior taxa de crescimento entre todas as regiões, com 1,1 por cento em média ao ano. A região com a segunda maior taxa de crescimento foi o Centro-Oeste, com aumento de 0,98 por cento ao ano entre 2007 e 2019. Em seguida, as regiões Sudeste e Norte apresentaram taxas semelhantes, de 0,762 e 0,769 por cento ao ano, respectivamente. O Sul teve a taxa mais baixa, de 0,687 por cento. As taxas de crescimento foram calculadas usando regressões ponderadas de ICHs municipais (em logs) em relação a uma variável de tempo (bianualmente) e com um conjunto de controles em nível municipal (efeitos fixos por estado e dummies para capitais e áreas rurais). 55 Começando Atrasados, mas Melhorando Mais Rápido % de Ganhos Relativos em ICHs Municipais entre 2007 e 2009 Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 60% Cidades crescendo relativamente mais rápido % de Mudança do ICH entre 2007 e 2019 45% 30% 15% 13,2% % Mudança média no Brasil 0% -15% Cidades crescendo relativamente mais devagar -30% 0,30 0,40 0,50 0,60 0,70 0,80  Índice de Capital Humano, 2007 Figura 3.4 Começando Atrasados, mas Melhorando Mais Rápido Essa evidência de que os municípios “alcançam” outros é reforçada por um padrão regional definido. Os municípios do Nordeste (em verde) apresentam os maiores ganhos e os menores níveis de linha de base do país. No extremo oposto estão os municípios das regiões Sudeste (em azul claro) e Sul (em bege) que apresentam ICHs maiores em 2007, mas menores variações de ICH ao longo dos anos. Enquanto a Figura 3.4 revela essa convergência entre municípios, a Figura 3.3 não sugere que o mesmo esteja ocorrendo entre as regiões. Portanto, a ligeira melhora geral nas desigualdades entre 2007 e 2019 foi impulsionada, principalmente, pelos municípios dentro das regiões. A maior parte da desigualdade observada entre os municípios em 2019 vem de diferenças dentro das regiões. A Tabela 3.1 resume as medidas de decomposição das desigualdades entre as regiões brasileiras e dentro delas entre 2007 e 2019. A parcela das desigualdades totais resultantes das diferenças entre as regiões diminuiu de 53,5 por cento em 2007 para 37,3 por cento em 2019, enquanto as diferenças dentro da região representaram menos de 50 por cento em 2007 e aumentaram para mais de 62 por cento em 2019. Relatório de Capital Humano no Brasil 56 TABELA 3.1 Aumento da Desigualdade Dentro da Região 2007 2013 2019 Índices de desigualdade de ICH Gini32 0.043 0.038 0.036 Theil33 0.003 0.002 0.002 Decomposição da desigualdade de ICH % entre regiões 53.5 50.0 37.3 % dentro das regiões 46.5 50.0 62.7 Embora tenha sido constatado que os municípios que estavam atrasados estão melhorando mais rapidamente, vale a pena investigar se essa conclusão vale também para as capitais. A Figura 3.5 traça o ICH para as capitais em 2007 (marrom), 2013 (amarelo) e 2019 (verde). As capitais são classificadas do menor para o maior ICH em 2007. A variação percentual entre 2007 e 2019 é apresentada. A resposta para a pergunta acima está na parte inferior: as capitais com os menores ICHs em 2007 tenderam a apresentar maiores ganhos ao longo dos 12 anos quando comparadas àquelas com os maiores ICHs iniciais. O ICH dos cinco municípios mais abaixo na Figura 3.5, por exemplo, aumentou 18,9 por cento, enquanto os cinco de cima aumentaram 11,4 por cento no mesmo período. Ganhos mais baixos para capitais no topo. Isso mostra que, assim como os municípios menores, as capitais originalmente atrasadas melhoraram seu ICH mais rapidamente nos 12 anos anteriores à pandemia de COVID-19. Dois casos notáveis que podem ser interpretados da Figura 3.5 merecem ser mencionados. O primeiro é o Rio de Janeiro, que registrou as mais baixas taxas de melhoria na acumulação de capital humano entre 2013 e 2019. O ICH do Rio de Janeiro em 2019 foi apenas 1,16 por cento superior ao de 2013. Além disso, o ganho de ICH do Rio de Janeiro foi um terço do ganho de Belo Horizonte, que registrou o segundo menor ganho de ICH. Apesar de apresentar um desempenho relativamente bom entre as capitais em 2007, o Rio de Janeiro também apresentou o terceiro menor ganho percentual no período de 2007 a 2019 (7,89 por cento) – à frente apenas de Boa Vista e Macapá, da região Norte. Depois de comparar com congêneres, os números ficam ainda mais gritantes: o ganho percentual no Rio de Janeiro é cerca de metade das melhorias registradas em Salvador e Porto Alegre. O segundo caso diz respeito a duas cidades da Região Rio de Janeiro, Macapá Norte: Macapá (no Amapá) e Boa Vista (em Roraima). Em 2007, apenas cinco das 15 capitais do Norte e Nordeste e Boa Vista tiveram os apresentavam ICHs superiores ao de Macapá. Da mesma menores ganhos entre forma, apenas Palmas estava à frente de Boa Vista. Contudo, o desempenho comparativamente bom em ambas as cidades 2007 e 2012. praticamente não melhorou entre 2007 e 2013. O ICH de Boa Vista foi semelhante ao de Vitória em 2007, mas enquanto Boa Vista melhorou 6,75 por cento até 2019, os avanços em Vitória foram quase três vezes superiores (18,8). Tanto Macapá quanto Boa Vista tiveram níveis de capital humano de linha de base mais baixos em 2007, com ganhos 2,5 vezes menores que a média nacional de 13,2 por cento. O pior dos dois mundos. Relatório de Capital Humano no Brasil 32 O índice de Gini calcula até que ponto a distribuição de renda entre indivíduos, domicílios ou municípios se desvia de uma distribuição perfeitamente igualitária. O índice de Gini é a área entre a curva de Lorenz e uma linha hipotética de igualdade absoluta, expressa em porcentagem da área máxima sob a linha. Um índice de Gini de 0 representa igualdade perfeita, enquanto um índice de 100 implica desigualdade perfeita. 33 O índice de Theil mede a distância que uma população está de uma distribuição igualitária. Diferentemente do Índice de Gini, ele é aditivo em diferentes regiões, mas não tem uma interpretação direta como o coeficiente de Gini. 57 Maiores Ganhos para Capitais Originalmente Atrasadas Aumentos no Índice de Capital Humano por Capital, de 2007 a 2019 Florianópolis 9,55% 2007 Curitiba 12,4% 2013 Campo Grande 13,8% 2019 Palmas 10,1% % Mudança São Paulo 11,3% (2007-2019) Brasília 13,5% Belo Horizonte 12,0% Vitória 18,8% Boa Vista 6,75% Rio de Janeiro 7,89% Goiânia 18,9% Porto Alegre 17,0% Cuiabá 13,0% São Luís 12,4% Rio Branco 14,8% Natal 12,9% Macapá 6,31% Fortaleza 19,9% Porto Velho 18,6% Aracaju 14,6% Teresina 17,5% Manaus 14,6% João Pessoa 17,7% Belém 13,8% Recife 27,3% Salvador 16,7% Relatório de Capital Humano no Brasil Maceió 19,2% 0,45 0,50 0,55 0,60 0,65 Índice de Capital Humano Figura 3.5 Maiores Ganhos para Capitais Originalmente Atrasadas 58 Figura 3.6 A Geografia do Ganho de Capital Humano no Brasil O fato de as capitais com ICH inicialmente baixo terem apresentado melhora mais rápida levanta outra questão: o aumento do ICH entre 2007 e 2019 está geograficamente concentrado? Isso é relevante porque os dados apresentados nas figuras 3.1 a 3.3 não mostram se as melhorias nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste resultaram do desempenho superior de uma área específica, ou de alguns municípios, ou se é proveniente exclusivamente das capitais dos estados. A Figura 3.6 considera essa questão ao mapear a variação percentual do ICH no nível municipal entre 2007 e 2019. Quanto mais verde o município, maiores seus ganhos percentuais entre 2007 e 2019. A principal conclusão a partir da Figura 3.6 é que os ganhos de ICH no Brasil antes da pandemia estavam geograficamente concentrados. Enquanto a Figura 3.3 mostra que algumas regiões melhoraram mais rapidamente do que outras, a Figura 3.6 qualifica essa discussão, mostrando que o interior de Pernambuco (ganho de 25,3 por cento), Alagoas (ganho de 20,9 por cento), Ceará (ganho Relatório de Capital Humano no Brasil de 17,9 por cento) e, com menor intensidade, Paraíba (ganho de 16,3 por cento) são, em grande parte, responsáveis pelo aumento do índice de capital humano nacional. Destaca-se que esses estados tinham ICHs relativamente mais baixos em 2007, ou seja, atrás dos outros estados no início, mas com melhora mais rápida. Outros estados do Nordeste, como Maranhão, Bahia, Rio Grande do Norte e Piauí, não registraram ganhos semelhantes.34 A geografia dos ganhos de capital humano é mais verde na região Nordeste do Brasil. 34 Na Bahia e no Piauí, houve uma variação de 14 por cento entre 2007 e 2019. No Maranhão, Sergipe e Rio Grande do Norte, o ganho foi de aproximadamente 12 por cento. 59 A Figura 3.6 também revela as áreas em que ocorreram avanços no ICH do Centro-Oeste. Dentro dessa região, o interior de Goiás (ganho de 17 por cento), principalmente nas áreas mais próximas à divisa do estado, foi o grande responsável pela melhoria do ICH na região desde 2013. Goiás é o único estado fora do Nordeste incluído na lista dos estados com aumento do ICH mais rápido. Mato Grosso do Sul, que também fica no Centro-Oeste, foi outro estado que apresentou ganhos expressivos entre 2007 e 2019, comparáveis à média nacional (ganho de 13,6 por cento). Três estados do Norte estão entre os cinco estados de Estados do Norte melhoria mais lenta no Brasil entre 2007 e 2019. Enquanto o apresentaram avanço Nordeste é mais verde, a cor predominante dos municípios do Norte é o amarelo ou amarelo claro, que representa os menores ganhos. mais lento do ICH. Os municípios do Amapá tiveram melhora de seu ICH de apenas 6,2 por cento, em média. Roraima teve melhora de 6,9 por cento e o crescimento do ICH do Tocantins foi de apenas 10,3 por cento. Começar atrás não resultou em avanços mais rápidos para os municípios do Norte.35 Os estados melhoraram seu capital humano às custas de uma maior desigualdade? Este próximo exercício investiga esse ponto dividindo a distribuição do ICH em percentis. Foram usados dois pontos no tempo: 2007 e 2019, o primeiro e o último ano para os quais os dados estavam disponíveis. Com essas informações, a Figura 3.7 traça as diferenças de ICH entre os municípios mais baixos (10º percentil, cores mais escuras) e mais altos (90º percentil, cores mais claras) em cada estado. As barras em vermelho referem-se a estados onde a desigualdade aumentou de 2007 a 2019. As barras de cor laranja referem-se a estados em que a desigualdade permaneceu relativamente inalterada, enquanto as barras de cor verde indicam estados onde a desigualdade diminuiu. As barras azuis representam o Brasil.36 As regiões Norte e Nordeste têm o maior número de estados onde a desigualdade no ICH aumentou dentro dos estados. A Figura 3.7 expande isso de duas maneiras. Primeiro, relaciona a concentração geográfica de estados onde as diferenças de ICH se ampliaram entre 2007 e 2019. A figura mostra que seis em cada nove estados na categoria “desigualdade aumentou” (barras vermelhas) estão localizados no Nordeste e dois estão no Norte. O Nordeste abriga o estado do Rio Grande do Norte, que apresentou os maiores aumentos da disparidade de ICH, com 3,1 pontos, e o Piauí, que apresentou o segundo maior aumento (2,7 pontos de ICH). Nesses dois estados, enquanto em 2007 os municípios com ICH mais baixo estavam 12 anos atrasados em relação aos municípios no topo do ranking, em 2019 eles estavam 16 anos atrasados. Nenhum estado do Nordeste reduziu sua disparidade de ICH entre 2007 e 2019. Por fim, a desigualdade no ICH aumentou nos estados A desigualdade no ICH que avançaram mais rapidamente entre 2007 e 2019. O segundo ponto que surge a partir da Figura 3.7 é que tende a ser maior nos os estados que já foram identificados como aqueles que estados que apresentam avançam mais rapidamente (Pernambuco, Ceará, Alagoas e Paraíba) tendem a apresentar maiores disparidades de ICH melhora mais rápida. em 2019. Em Pernambuco, por exemplo, a disparidade de ICH entre os estados do 90º percentil e os do 10º percentil aumentou em um ponto do ICH. No Ceará, aumentou 0,87 ponto de ICH e na Paraíba, 0,77 ponto. Isso se traduz em uma desigualdade de 10 a 12 por cento maior em comparação à diferença de linha de base no Nordeste. Quanto maiores os ganhos de ICH, maior a desigualdade. Relatório de Capital Humano no Brasil O terceiro e último ponto diz respeito à mobilidade no ICH. A maior parte da mobilidade no ICH entre os municípios brasileiros ocorre no meio da distribuição do ICH. Os municípios nos dois extremos da 35 Como um dos estados mais ricos em renda per capita e com o melhor ICH em 2007, Santa Catarina é o único estado das regiões Sul e Sudeste na lista dos estados que apresentam avanço lento. Este caso reflete que, para quem está no topo, manter o ritmo de ganho é cada vez mais difícil. Além disso, Mato Grosso, com aumento de 10,1 por cento entre 2007 e 2019, reforça o argumento de que as melhorias do ICH na região Centro-Oeste estão concentradas em Goiás. Melhor, mas desigual. 36 O Distrito Federal não foi incluído na análise por se tratar de uma única unidade em nossa amostra. 60 Disparidade no ICH Disparidade no ICH Disparidade no ICH (in HCI percentage points) (em pontos percentuais do ICH) (em pontos percentuais do ICH) 0,00 4,00 8,00 12,00 16,00 0,00 4,00 8,00 12,00 16,00 0,00 4,00 8,00 12,00 16,00 Rio Grande do Sul Alagoas Rio Grande do Norte Mato Brasil Grosso Piauí Rondônia Roraima Amazonas Desigualdade diminuiu Desigualdade aumentou Amapá Sergipe Mato Grosso do Sul Figura 3.7 São Paulo Maranhão Acre Minas Gerais Goiás Pernambuco Santa Rio de Catarina Janeiro Ceará Alguns Estados Estão Se Tornando Mais Iguais do que Outros Mudanças relativamente pequenas na desigualdade 2007 2007 2007 Espírito Santo Tocantins Paraíba Disparidades no ICH entre municípios no 10º e 90º percentil, 2007 e 2019 Alguns Estados Estão Se Tornando Mais Iguais do que Outros Paraná Pará Bahia 2019 2019 2019 61 Relatório de Capital Humano no Brasil distribuição em 2007 (com pior e melhor desempenho) têm maior probabilidade de permanecer na mesma posição em 2019. Uma vez no topo, sempre no topo. Uma matriz de transição foi elaborada para ilustrar este ponto (Figura 3.8). A figura mostra o percentual de municípios em cada quintil de ICH em 2007 e em 2019. Dos municípios que estavam no quintil superior em 2007, 11,3 por cento (de um máximo de 20 por cento) permaneciam no topo em 2019. Da mesma forma, 10,9 por cento dos municípios que estavam no quintil mais baixo em 2007 permaneciam na parte inferior em 2019. No geral, cerca de 41 por cento de todos os municípios permaneciam na mesma posição relativa em 2019 em comparação a 2007 (diagonal secundária), mas 59 por cento melhoraram ou diminuíram sua classificação relativa. A mobilidade ascendente e descendente no ICH entre os municípios brasileiros foi relativamente uniforme, com cerca de 30 por cento de todos os municípios subindo (direita da diagonal secundária) e 29 por cento descendo (esquerda da diagonal secundária). Uma Vez no Topo, Quase Sempre no Topo 100 x (Número de municípios em cada quintil/Total de municípios) 5 0,3 % 0,7 % 2,5 % 5,1 % 11,3 % Índice de Capital Humano 2007 (quintil) 4 0,6 % 2,8 % 4,9 % 6,8 % 5,1 % 2,0 % 4,7 % 6,0 % 4,9 % 2,3 % 3 2 6,2 % 6,0 % 4,2 % 2,4 % 1,1 % 1 10,9 % 5,7 % 2,4 % 0,9 % 0,1 % 1 2 3 4 5 Índice de Capital Humano 2019 (quintil) Figura 3.8 Uma Vez no Topo, Quase Sempre no Topo Melhor, mas Desigual Relatório de Capital Humano no Brasil Este capítulo mostra que, apesar do avanço do ICH entre 2007 e 2019, houve uma redução pequena na desigualdade. Além disso, a maioria dessas desigualdades resulta de diferenças dentro das regiões, sugerindo que as políticas destinadas a reduzir as desigualdades de capital humano devem ter como alvo os municípios. 62 Capítulo 4 Desagregação do Índice de Capital Humano “Muitas Desigualdades” Mensagens Principais  “Muitos Brasis” reflete não apenas a desigualdade geográfica, mas também as desigualdades de gênero e raça.  As mulheres acumulam 7 pontos percentuais a mais de capital humano do que os homens.  As mulheres têm um índice de capital humano melhor do que os homens, principalmente como resultado de melhores taxas de sobrevivência de adultos.  Em média, uma criança branca nascida em 2019 no Brasil consegue atingir 63 por cento de seu capital humano potencial aos 18 anos, enquanto uma criança negra nascida no mesmo ano consegue atingir 56 por cento em 2019.  Enquanto os brancos prosperam, os negros e indígenas são, em grande parte, deixados para trás.  Tanto homens negros como mulheres negras ficam atrás de homens brancos e mulheres brancas em resultados de aprendizagem harmonizados e sobrevivência infantil. Os homens negros estão criticamente atrasados no ICH, que está cerca de 25 pontos percentuais abaixo do ICH das mulheres brancas.  A produtividade esperada de uma criança nascida em uma família de nível socioeconômico alto é de 69,5 por cento aos 18 anos, ao passo que é de 58,1 por cento para uma criança nascida em uma família de nível socioeconômico baixo. As evidências apresentadas até agora mostram que os municípios com alta ou baixa produtividade do trabalho, estagnados ou prósperos em termos de índice de capital humano, estão agrupados no Brasil. O Capítulo 2 contextualiza o debate mapeando as disparidades geográficas: o Brasil tem áreas com ICH próximo ao da Itália ou França coexistindo com áreas equivalentes ao Gabão ou Quênia. Longe em termos de ICH, mas perto geograficamente. Por sua vez, o Capítulo 3 descreve avanços generalizados, mas diferentes, entre 2007 e 2019; generalizados, já que todos os estados melhoraram até certo ponto; e diferentes, dado que os municípios relativamente atrasados em 2007 progrediram, em média, mais rapidamente. No entanto, ganhos maiores não trouxeram uma redução generalizada da desigualdade. Geografia e tempo definem a face dos muitos Brasis. O Capítulo 4 expande essa discussão ao examinar as “muitas desigualdades” que existem no Brasil, desagregando o ICH por gênero, raça, raça-gênero e situação socioeconômica para identificar o nível de produtividade desses grupos. Muitas desigualdades dentro de muitos Brasis. Desagregar o ICH é fundamental para revelar as barreiras que os diferentes grupos enfrentam no desenvolvimento de habilidades. Vastas evidências apontam para disparidades de gênero significativas nas matrículas e na aprendizagem escolar37, graves disparidades raciais38 e diferenças nos resultados de aprendizagem e saúde de acordo com a situação socioeconômica.39 A desagregação do ICH também pode ser útil na elaboração de políticas focadas em uma agenda de capital humano mais inclusiva. Primeira Desigualdade: Índice de Capital Humano por Gênero A primeira desigualdade analisada neste capítulo calcula as disparidades de gênero no ICH. A conclusão principal é que aos 18 anos as mulheres atingem uma produtividade laboral esperada mais alta do que a dos homens. Os resultados do ICH de 2017 mostram que, em média, uma menina brasileira nascida naquele ano chegará ao mercado de trabalho com 60 por cento de sua produtividade potencial total, ao passo que um menino atingirá apenas 53 por cento de seu potencial total.40 A Figura 4.1 mostra a evolução do ICH para mulheres (vermelho) e homens (verde) de 2007 a 2017.41 Nesse período, as mulheres alcançaram um ICH que foi, em média, 7 pontos percentuais superior ao dos homens no Brasil. As mulheres chegam ao Seis fatos descrevem essa diferença de 7 pontos. Primeiro, ela se traduz em um ICH das mercado de trabalho com maior mulheres 12 por cento maior do que o ICH dos produtividade que os homens. homens. Em segundo lugar, em nível nacional, não há indicação de que os homens estejam alcançando as mulheres. Terceiro, os dados mostram uma desaceleração no ICH das mulheres após ganhos consistentes entre 2007 e 2011. Quarto, desde então, o ICH das mulheres está estagnado. Por causa dessa estabilidade, o ICH das mulheres em 2017 é praticamente o mesmo de 2011. Quinto, a produtividade esperada dos homens em 2017 (53 por cento) está abaixo da produtividade esperada das mulheres em 2007 (56 por cento), 10 anos antes; as mulheres estão pelo menos uma década à frente em termos de produtividade. Sexto, essa evidência é semelhante em outros países.42 37 Niederle & Vesterlund, 2010; Almås et al., 2016; Fryer & Levitt, 2010; Nollenberger et al., 2016; Barcellos et al., 2014; Jayachandran & Pande, 2017. 38 Botelho et al., 2015; Card & Rothstein, 2007; Nyarko et al., 2013. 39 Ferreira et al., 2022; Yahmed, 2018. Brazil Human Capital Review 40 Existem algumas limitações importantes na desagregação do ICH por gênero e raça. As taxas de ausência de déficit de crescimento não podem ser desagregadas por sexo ou raça, por exemplo. Por esse motivo, o componente de saúde incluiu apenas a sobrevivência de adultos ao computar ICHs por gênero e raça. 41 É impossível desagregar o ICH por gênero em 2019 porque o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que foi utilizado para calcular o RAH, não incluiu a questão sobre o gênero dos alunos. Por esse motivo, os últimos dados de ICH por gênero disponíveis são de 2017. 42 De acordo com estimativas globais, em 2020 o índice de capital humano para as mulheres foi de 59 por cento, enquanto para os homens foi de 56 por cento (World Bank, 2020b). 65 É importante notar que um ICH mais alto para as mulheres não sugere que elas tenham vantagens no mercado de trabalho brasileiro. Muito pelo contrário. Por definição, o ICH estima a produtividade esperada de uma pessoa média aos 18 anos se as condições de saúde e educação permanecerem as mesmas – ou seja, sua produtividade esperada antes de entrar no mercado de trabalho. Portanto, os resultados do índice mostram que as mulheres no Brasil proporcionam, em média, mais capital humano do que os homens para o mercado de trabalho. O Capítulo 5 mostra que, depois de calcular quanto dessa produtividade é realmente utilizada, a produtividade das mulheres é desproporcionalmente prejudicada no mercado de trabalho em relação à dos homens. Também é importante esclarecer que o ICH maior entre as mulheres não ocorre devido a uma agregação de pontuações desiguais em nível nacional. As mulheres acumulam mais capital humano do que os homens em praticamente todos os municípios do Brasil. Não apenas melhores, mas melhores em todos os lugares. Embora a discussão sobre a relação entre geografia e a evolução da formação do capital humano no Brasil nos capítulos 2 e 3 tenha mostrado que o uso de um ICH agregado pode ser enganoso, esse não foi o caso das diferenças de ICH por gênero. Em 2017, as mulheres tinham ICHs melhores que os homens em 95 por cento dos municípios brasileiros. Figura 4.1 As Mulheres Chegam ao Mercado de Trabalho com Maior Capital Humano que os Homens Embora a liderança das mulheres em termos de ICH seja indiscutível, ela vem diminuindo ao longo do tempo. A Figura 4.2 traça as diferenças de gênero no ICH das capitais estaduais em três pontos temporais: 2007, 2013 e 2017. A produtividade esperada das mulheres foi de 6 a 9 pontos de ICH maior do que a dos homens ao longo desses anos. Sem exceção, as mulheres tiveram melhor desempenho em Brazil Human Capital Review todas as capitais. O melhor desempenho registrado foi em Belo Horizonte (região Sudeste), seguido por Maceió (região Nordeste) e Curitiba (região Sul). Nas três cidades, o ICH das mulheres foi aproximadamente 9 pontos superior ao dos homens. Embora não haja muita concentração regional entre as capitais com as maiores disparidades de gênero, as menores disparidades parecem ocorrer nas capitais dos estados das regiões Norte ou Nordeste. 66 A Evolução das Disparidades de Gênero no Capital Humano Disparidades de gênero no ICH por Capital Estadual em 2007, 2013 e 2017 2007 2013 2017 Belo Horizonte Maceió Curitiba Recife Cuiabá Porto Alegre Aracaju São Paulo João Pessoa Rio de Janeiro Porto Velho Florianópolis Boa Vista Goiânia Vitória Natal Campo Grande Fortaleza Teresina Salvador Rio Branco Macapá Brasília São Luís Belém Manaus Palmas 0,04 0,06 0,08 0,10 0,12 Índice de Capital Humano Figura 4.2 A Evolução das Disparidades de Gênero no Capital Humano Observar a dinâmica das disparidades entre homens e mulheres revela que enquanto as disparidades de gênero no ICH diminuíram de modo geral nas capitais entre 2007 e 2017, cinco capitais se destacam por apresentarem desigualdade crescente. Porto Alegre, capital do Rio Brazil Human Capital Review Grande do Sul (região Sul), teve um aumento de 2 pontos na disparidade de gênero, o maior aumento de todas as capitais estaduais. Nenhuma outra capital aumentou tanto ou apresentou uma disparidade tão grande em 2017.43 O segundo aumento mais marcante ocorreu em Belém (região Norte), mas foi de 43 Porto Alegre foi considerada uma das cidades mais violentas em 2016, segundo o Atlas da Violência 2018, com uma taxa de homicídios de 55,6 por 100.000 habitantes (Cerqueira et al., 2018). Embora essa taxa tenha diminuído desde então, ela esclarece como as taxas de mortalidade podem estar influenciando a disparidade de gênero no ICH. 67 A disparidade de gênero apenas uma fração do observado em Porto Alegre. São Luís (região Nordeste), Macapá (região Norte) e Fortaleza (região aumentou em cinco capitais Nordeste) são as outras três capitais onde as disparidades entre 2007 e 2017. de gênero aumentaram entre 2007 e 2017. Mas por que o Índice de Capital Humano das mulheres é melhor que o dos homens? O que explica o fato de que em praticamente todos os municípios do Brasil as mulheres acumulam mais ICH, ou produtividade esperada do trabalho, do que os homens aos 18 anos? A Figura 4.3 visa responder a essas perguntas traçando separadamente cada um dos componentes do ICH (usando sua respectiva escala) para homens e mulheres em 2017. Os pontos referem-se às médias estaduais e as linhas diagonais tracejadas delineiam a igualdade entre mulheres e homens. Acima dessa linha, as mulheres têm melhor desempenho; abaixo dela, os homens estão à frente. Por que as Mulheres Têm Maior Índice de Capital Humano do que os Homens? Componentes do ICH por gênero, médias estaduais em 2017 (A) - Taxa de Sobrevivência de Adultos (B) - Sobrevivência Infantil Sobrevivência de Adultos, Mulheres Sobrevivência Infantil, Mulheres 0,95 Sem Disparidade 1,00 Sem Disparidade de Gênero de Gênero 0,88 0,99 0,81 0,98 0,81                    0,88                    0,95 0,98 0,99 1,00 Sobrevivência de Adultos, Homens Sobrevivência Infantil, Homens (C) - Resultados de Aprendizagem Harmonizados (RAH)  (D) - Anos Esperados de Escolaridade (AEE) 0,68 12 RAH, Mulheres AEE, Mulheres Sem Disparidade Sem Disparidade de Gênero 0,64 de Gênero 11 0,60 10 0,60 0,64 0,68 9 10 11 12 RAH, Homens AEE, Homens Figura 4.3 Por que as Mulheres Têm Maior Índice de Capital Humano do que os Homens? Sobrevivência de adultos e Uma comparação dos gráficos da Figura 4.3 mostra que as taxas de sobrevivência de adultos AEE explicam a maior parte da e AEE explicam grande parte da liderança das maior produtividade esperada mulheres sobre os homens no ICH. Três conclusões podem ser extraídas da Figura 4.3. A primeira (e das mulheres. mais marcante) é que as maiores diferenças entre homens e mulheres são observadas nas taxas de sobrevivência de adultos. Todos os pontos ficam acima da linha tracejada. Especificamente, onde a disparidade de gênero neste componente atinge, em média, 9 pontos percentuais (Figura 4.3.A). Nenhum Brazil Human Capital Review outro componente do ICH apresenta uma disparidade de gênero tão significativa no Brasil quanto essa. 44 44 Vários pontos podem explicar esse achado. As mulheres vêm melhorando seus indicadores de saúde de forma mais consistente do que os homens nas últimas décadas no Brasil. Na década de 1950, por exemplo, as mulheres tinham uma expectativa de vida três anos maior do que a dos homens ao nascer. Em 2018, era aproximadamente sete anos maior (Yahmed, 2018). Uma segunda razão diz respeito às causas de morte. Segundo o DATASUS (2019), existem três principais causas de morte entre pessoas de 15 a 59 anos: fatores externos (28 por cento), doenças do sistema circulatório (19 por cento) e câncer tumoral (18 por cento). Os homens estão super-representados nas mortes ocorridas por fatores externos. 68 Os homens morreram sete vezes mais por fatores externos do que as mulheres em 2019. A Figura 4.4 mostra a taxa de mortes por 100.000 pessoas considerando seis fatores externos (levando-se em conta a disponibilidade de dados). As barras verdes referem-se aos homens e as barras vermelhas, às mulheres. As mortes por agressão e acidentes de trânsito ocorrem desproporcionalmente entre os homens (Moura et al., 2016; Souza et al., 2012; Bacchieri & Barros, 2011; INEP, 2020a). A agressão foi a causa da morte de 54,9 em cada 100.000 homens que morreram em 2019. Entre as mulheres, essa taxa foi de 4,6 em 100.000. No caso dos acidentes de trânsito, as estatísticas mostram que as mulheres morreram quase 6 vezes menos em acidentes de trânsito do que os homens em 2019. Para “outros acidentes”, “lesões autoinfligidas voluntárias”, “evento com intenção indeterminada” e “outras causas externas”, a taxa de mortalidade entre os homens diminui, mas permanece duas a três vezes maior do que entre as mulheres. Muito talento masculino é perdido devido a mortes causadas por fatores externos. A segunda razão pela qual as mulheres têm ICH mais alto do que os homens é o componente de anos esperados de escolaridade (AEE). As mulheres têm, em média, meio ano a mais de AEE do que os homens (Figura 4.3.D). O acesso à educação não explica essa diferença. De acordo com o Censo Escolar de 2019, as taxas de matrícula de meninos e meninas no ensino fundamental foram estatisticamente iguais: cerca de 96 por cento. A pesquisa também mostra pequenas diferenças de gênero nas taxas de frequência escolar (Cardoso & Souza, 2004; Emerson & Souza, 2008). No entanto, as taxas de abandono escolar são diferentes entre os meninos e meninas. No início do ensino fundamental, a taxa de meninos e meninas matriculados é de 48,6 por cento e 51,4 por cento, respectivamente. No final do ensino médio, a relação se inverte: 53,9 por cento das meninas matriculadas contra 48,3 por cento dos meninos. Essa disparidade de gênero se torna mais evidente no nível universitário, onde 60,5 por cento de todos os alunos que se formam são mulheres (INEP, 2020a).45 Homens Adultos Morrem Sete Vezes mais que Mulheres por Fatores Externos Taxas de mortalidade por fatores externos de brasileiros entre 15 e 59 anos de idade (por 100,000 habitantes), 2019 60 54,9 Taxa de mortalidade por fatores externos 45 (mortes por 100 mil) 32,1 30 15,6 13,4 15 12,6 4,6 5,6 2,3 3,4 2,7 1,7 0,4 0 Agressão Acidentes de Outros Lesões Indeterminado Outras transporte acidentes auto- causas infligidas externas voluntariamente Homens Mulheres Brazil Human Capital Review Figura 4.4 Homens Adultos Morrem Sete Vezes Mais que Mulheres por Fatores Externos 45 De acordo com a OCDE (2019), as mulheres brasileiras são 34 por cento mais propensas do que os homens a concluir o ensino superior, representando a maior disparidade de gênero entre os países da OCDE. 69 Os meninos começam a Mais um fator que contribui para a disparidade de gênero no ICH é que os meninos começam a ficar atrás das meninas ficar atrás das meninas ainda no ensino fundamental. A Figura 4.5 apresenta a fração já na terceira série. de alunos com pelo menos dois anos a mais do que a idade correta para a sua série (ou seja, com distorção idade-série). As informações são apresentadas por série e gênero, onde as barras verdes referem-se aos meninos e as barras vermelhas, às meninas. As barras mais escuras mostram alunos na faixa etária certa; as barras mais claras representam alunos com distorção idade-série. Isso mostra que a taxa de distorção idade-série nos primeiros anos do ensino fundamental é semelhante entre meninos e meninas. Nos primeiros anos do ensino fundamental, praticamente todos os meninos e meninas estão na idade certa para sua série. No entanto, a disparidade de gênero surge na terceira série, onde 15 por cento dos meninos já têm pelo menos dois anos a mais do que a idade Quando os Meninos Ficam para Trás Defasagem idade-série e Pontuações no SAEB por gênero, 2017 100% Porcentagem de alunos do Sexo Masculino 15% 19% 22% 30% 30% 28% 25% 36% 30% 24% 96% 94% 80% 85% 81% 78% 75% 76% 70% 70% 72% 70% 60% 64% 40% 20% Sem defasagem idade-série Com defasagem idade-série 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Séries 100% Porcentagem de alunas do Sexo Feminino 9% 12% 13% 18% 19% 19% 18% 26% 23% 19% 97% 96% 91% 80% 88% 87% 82% 81% 81% 82% 81% 74% 77% 60% 40% 20% Sem defasagem idade-série Com defasagem idade-série 0% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Séries 300 300 270 250 260 258 268 257 260 250 247 248 Pontuação SAEB 200 218 222 221 206 200 150 150 100 100 50 50 Brazil Human Capital Review 0 0 os as os as os as os as os as os as in in in in in in in in in in in in en en en en en en en en en en en en M M M M M M M M M M M M 5º ano 9º ano 3º ano EM 5º ano 9º ano 3º ano EM Português Matemática Figura 4.5 Quando os Meninos Ficam para Trás 70 esperada, em comparação a 9 por cento das meninas. Essa diferença aumenta à medida que os anos escolares avançam, atingindo seu pico de 12 pontos percentuais na sexta série. Entre a terceira série e o último ano do ensino médio, a disparidade de gênero na distorção idade-série nunca é inferior a 5 pontos percentuais. Os meninos começam a ficar para trás já na terceira série do ensino fundamental. Os papéis de gênero podem ser uma explicação para essa evidência. Os dados da PNAD Contínua 2019 para homens e mulheres entre 14 e 29 anos corroboram esse argumento, mostrando que 50 por cento dos homens que não concluíram o ensino médio abandonaram a escola porque precisavam trabalhar. Apenas 23,8 por cento das mulheres selecionaram “ter que trabalhar” como motivo para desistir de estudar. Na mesma pesquisa, 23,8 por cento das mulheres desistiram por causa de gravidez e 11,5 por cento, devido ao trabalho doméstico. Em relação aos homens, essas categorias não apresentaram números significativos. Os resultados de aprendizagem harmonizados, a terceira razão que explica a liderança das mulheres no ICH, desempenham um papel relativamente menor na criação de disparidades de gênero. Embora em termos de quantidade de educação as meninas estejam significativamente à frente, a disparidade de gênero é de apenas 0,4 ponto percentual em termos de qualidade. Nesse contexto, a Figura 4.5 reflete as descobertas internacionais de que as meninas superam os meninos em Leitura, mas os meninos se saem melhor em Matemática.46 De acordo com a Figura 4.5, as meninas no Brasil alcançam pelo menos 10 pontos a mais no SAEB (equivalente a 4 meses de escolaridade) do que os meninos em português. Em matemática, as pontuações de aprendizagem são, em média, semelhantes no 5º ano do ensino fundamental, mas a diferença aumenta no 9º ano do fundamental e final do ensino médio, com os meninos alcançando os mesmos 10 pontos a mais no SAEB que as meninas. As diferenças de pontuação em testes entre meninos e meninas no Brasil refletem os achados internacionais.47 Há um grande número de pesquisas que descrevem os mecanismos subjacentes a essas diferenças de aprendizagem entre meninos e meninas. Um fator que contribui é a cultura. Em linhas gerais, essa literatura afirma que meninas cujos pais vêm de países onde as mulheres são mais emancipadas tendem a ter melhor desempenho do que os meninos em testes padronizados.48 Crenças sobre o papel da mulher na sociedade afetam o desempenho das meninas nos testes. Além disso, outros estudos argumentam que meninas criadas em famílias onde os pais demonstram uma preferência por meninos obtêm pontuação mais baixa em comparação a meninas de famílias “sem preconceito de gênero” (Dossi et al., 2021). Um outro conjunto de evidências enfatiza a importância do ambiente escolar no que diz respeito à competitividade,49 estereótipos que os professores têm contra as meninas (Carlana, 2019) e o efeito dos colegas (Lavy & Schlosser, 2011). Alguns estudos também argumentam que as meninas gostam mais de ler do que os meninos (Muriel & Vesterlund, 2011).50 No PISA (2018), as meninas superam os meninos em Leitura por 26 pontos, mas os meninos têm um desempenho melhor em 46 Matemática, alcançando 9 pontos a mais (OCDE, 2018). 47 Guiso et al., 2008; Pope & Sydnor, 2010; Bedard & Cho, 2010; Fryer & Levitt, 2010. 48 Guiso et al., 2008; Giuliano, 2020; Rodríguez-Planas & Nollenberger, 2018. Brazil Human Capital Review 49 Niederle & Vesterlund, 2010; Muriel & Vesterlund, 2011. 50 O fato de as mulheres serem mais escolarizadas e terem melhor saúde não é coincidência. Sabe-se que educação e saúde estão fortemente associadas. O debate é sobre causalidade: a educação melhora a saúde ou a saúde melhora a educação? De um lado, pesquisadores afirmam que um ano adicional de educação afeta as taxas de mortalidade, argumentando que a educação provoca mudanças de comportamento em relação à saúde (Lleras-Muney, 2005; Cutler & Lleras-Muney, 2010; Oreopoulos & Salvanes, 2011; McCrary & Royer, 2011). No entanto, outros não encontram efeitos da educação na saúde, apesar dos grandes aumentos (exógenos) nos níveis de educação (Albouy & Lequien, 2009; Clark & Royer, 2013). 71 Caixa 4.1 Os Desafios da Desagregação do ICH por Raça e Gênero Esta caixa discute ressalvas e desafios na desagregação do ICH por raça e gênero. 1. Raça O Brasil tem cinco categorias raciais oficiais: Pretos, Pardos, Brancos, Indígenas e Amarelos. Os dois primeiros são geralmente reunidos em um grupo denominado Negros. Esse agrupamento ocorre por suas características socioeconômicas comuns, bem como por seu histórico de segregação (Osório, 2003). O relatório original em inglês emprega o termo Afro- descendants para Negros. A categoria de Amarelos representa 1,5 por cento da população brasileira (Censo, 2010) e compreende a população asiática (Osório, 2013). Embora o Brasil tenha uma riqueza de dados administrativos, os conjuntos de dados que abrangem raça apresentam inconsistências. Há dois problemas em particular. Primeiro, alguns bancos de dados não têm informações raciais. Em segundo lugar, em outros casos, a raça é autodeclarada e/ou informada por uma terceira pessoa. Educação: Os dados utilizados para avaliar a quantidade de educação são fornecidos pelo Censo Escolar, um banco de dados organizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Para os alunos maiores de 16 anos, a raça é autodeclarada neste censo, enquanto para os alunos mais jovens é informada pelos pais. Devido à grande quantidade de dados ausentes sobre raça, o INEP lançou uma campanha em 2015 não apenas para conscientizar sobre a importância de declarar a raça, mas para incentivar os funcionários da escola a coletar e fornecer dados melhores (INEP, 2015). Conforme mostra a figura B.4.1 abaixo, os esforços têm sido eficazes, com a proporção de alunos não declarados diminuindo ao longo do tempo. No Censo Escolar, o percentual de alunos não declarados diminuiu de 64 por cento para 26 por cento entre 2007 e 2019. Enquanto isso, a proporção de negros declarados aumentou de 17 por cento para 33 por cento. Proporção de Alunos de Acordo com a Declaração de Raça Censo Escolar, 1º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, 2007-2019 100 18 27 33 36 80 38 40 40 17 60 23 27 29 31 32 40 33 64 50 20 40 34 29 27 26 0 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 Brazil Human Capital Review Não Declarados Brancos Negros (Pretos e Pardos) Outros (Indígenas ou Amarelos) Figura B.4.1 Proporção de alunos de acordo com a declaração de raça 72 Caixa 4.1 (Continuação) Os dados sobre a qualidade da educação são fornecidos pelo Sistema Brasileiro de Avaliação da Educação Básica (SAEB), onde a raça também é autodeclarada. A falta de informação sobre raça é semelhante à do Censo Escolar de 2013, faltando informações de 24 por cento e 28 por cento dos alunos do quinto e nono ano, e 42 por cento dos alunos do último ano do ensino médio (Senkevics et al., 2016). Saúde e sobrevivência infantil: Os dados referentes a esses componentes são provenientes do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e das projeções populacionais por município. O SIM possui um banco de dados relativamente completo em termos de raça. Mais de 90 por cento dos casos incluem informações sobre raça (Da Cunha, 2012). No entanto, os médicos preenchem a raça da pessoa falecida no registro do SIM (Senna, 2009), o que é inconsistente com as bases de educação, onde a raça é autodeclarada. As projeções populacionais para cada município não são racialmente específicas. Para fazer previsões, este relatório usa a participação de cada raça na população de acordo com o Censo Nacional de 2010 (onde a raça é autodeclarada). Presumimos que o tamanho relativo da população de cada grupo racial permaneça constante ao longo de todos os anos. 2. Gênero e Sexo Por muito tempo, as discussões sobre desenvolvimento e políticas generalizaram os impactos da questão tanto para homens quanto para mulheres. No entanto, uma perspectiva de gênero permite uma compreensão mais aprofundada sobre as diferentes maneiras pelas quais as questões de gênero permeiam instituições, estruturas, relações interpessoais e a cultura - ou, mais simplesmente, as vidas e oportunidades disponíveis para os homens e mulheres. Com as análises de gênero se tornando mais comuns, as estatísticas de gênero geralmente se baseiam em dados desagregados por sexo para chamar a atenção para as diferenças sociais e econômicas entre homens e mulheres. Mas gênero e sexo são dois conceitos diferentes. O sexo é entendido como uma categorização biológica baseada em características físicas e fisiológicas relacionadas a genes e cromossomos determinados ao nascer. Por outro lado, gênero diz respeito às identidades de pessoas femininas, masculinas e de gênero diverso e, como tal, pode ser entendido como um espectro de identidades de gênero que descreve como os indivíduos se identificam, agem e se expressam (Heidari et al., 2016). Dessa forma, dados desagregados por gênero podem envolver outras informações, como orientação sexual e identidade de gênero, sendo um termo amplo e abrangente que este relatório, infelizmente, não é capaz de captar. A razão para isso é que há uma grande dificuldade em gerar dados que incluam todas as dimensões de gênero. No caso do Brasil, os conjuntos de dados administrativos (Censo Escolar, SAEB, SIM e SINASC) incluem informações apenas sobre sexo, muitas vezes fazendo a pergunta “Qual é o seu sexo? e fornecendo apenas duas opções de respostas: “Masculino” e “Feminino”. Assim, neste trabalho, gênero se referirá estritamente aos atributos sociais, comportamentais e culturais, expectativas e normas associadas a ser mulher ou homem, e procurará abordar Brazil Human Capital Review como mulheres e homens se relacionam, bem como os desequilíbrios de poder entre eles (World Development Report, 2012). Da mesma forma, em termos de estatísticas, os dados sobre gênero incluirão apenas dados desagregados por sexo. Apesar dessa limitação, este trabalho espera fornecer ao menos um vislumbre da desigualdade de gênero e das perdas e ganhos de capital humano relacionados a gênero no Brasil. 73 Segunda Desigualdade: Índice de Capital Humano por Raça A segunda desigualdade no ICH considerada neste capítulo é definida por raça. No Brasil, a raça tem um papel mais proeminente na explicação da desigualdade de renda do que em muitos outros países da América Latina.51 De fato, a desigualdade racial começa a se manifestar cedo na vida. Dados nacionais do Sinasc (2019) mostram que uma mulher negra tem 6 pontos percentuais a mais de chance de ser mãe na adolescência do que uma mulher branca. Além disso, as gestantes negras têm 13,8 pontos percentuais a mais de probabilidade de passar por menos de seis consultas pré-natais.52 A raça importa. Na escola, os alunos não brancos enfrentam desvantagens significativas: (i) taxas de analfabetismo três vezes maiores, (ii) a taxa de conclusão da educação básica é 15 pontos percentuais menor (IBGE, 2019a), e (iii) há evidências consideráveis de discriminação racial nas avaliações dos alunos (Botelho et al., 2015). Esta subseção conta uma história sobre a prosperidade não compartilhada. Começa na Figura 4.6. Especificamente, analisa a evolução do índice de capital humano de pessoas brancas (em azul), negras (em amarelo) e indígenas (em marrom) entre 2007 e 2019.53 Com o tempo, a desigualdade racial no ICH aumenta. Essa história tem três partes. A parte 1 é a diferença racial nos níveis de ICH. A linha azul da Figura 4.6 demonstra que, em média, a população branca obteve a pontuação mais alta no ICH (63 por cento) em 2019. O ICH dos negros foi de 56 por cento no mesmo ano, ou 7 pontos a menos que os brancos no ICH, enquanto o ICH da população indígena foi ainda menor, de 52 por cento. Prosperidade Não Compartilhada ICH por Raça, 2007 a 2019 0,64 Brancos 0,60 Índice de Capital Humano Negros 0,56 0,52 Indígenas 0,48   2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019   Ano Figura 4.6 Prosperidade Não Compartilhada Brazil Human Capital Review 51 A raça explica de cinco a sete por cento da desigualdade de renda geral no Brasil, o que é maior do que na Colômbia, Panamá, Peru, Equador e Guatemala (World Bank, 2020b). 52 O governo brasileiro recomenda pelo menos seis consultas pré-natais para gestações de baixo risco (Biblioteca Virtual em Saúde, 2022). 53 O ICH racial foi calculado usando as seguintes fontes de dados: SAEB, Censo Escolar, SIM e SINASC. Mais detalhes sobre como a raça foi declarada podem ser encontrados no quadro 4.1. 74 A parte 2 refere-se à taxa de progresso nas pontuações de ICH anteriores à pandemia de COVID-19, que foi racialmente desigual. Aqui, as tendências são claras: o índice de capital humano de pessoas brancas aumentou em um ritmo mais rápido do que em qualquer outro grupo racial no Brasil. Prosperidade não compartilhada. Entre 2007 e 2019, o ICH da população branca aumentou, em geral, cerca de 14,2 por cento. Para os negros, os ganhos de produtividade foram menos observáveis. O ICH para a população preta aumentou 10,2 por cento, refletindo um ganho de cinco pontos no ICH entre 2007 e 2019. Os mesmos cálculos sobre a população indígena mostram um aumento de apenas 0,97 por cento ao longo dos 12 anos anteriores à pandemia. Enquanto os brancos continuam a prosperar, os negros e indígenas ficam para trás. A desigualdade de ICH entre Diferentes níveis de linha de base do ICH e progresso divergente indicam que a desigualdade brancos e negros quase racial no ICH está aumentando. Em 2007, a diferença dobrou de 2007 a 2019. de ICH entre brancos e negros era de quatro pontos. A diferença quase dobrou, alcançando sete pontos 12 anos depois. Esses números indicam que a diferença entre brancos e negros aumentou, em média, 0,25 ponto percentual ao ano. No entanto, há uma descoberta mais grave. Essa diferença foi ainda mais crítica entre brancos e indígenas, quase triplicando ao passar de quatro pontos em 2007 para 11 pontos em 2019, o que equivale a um aumento anual de 0,63 ponto na disparidade de ICH. O que já era grande ficou ainda maior. No que diz respeito às diferenças de renda média, a renda dos trabalhadores brancos em 2019 foi, em média, 73,4 por cento superior ao dos trabalhadores negros. Isso revela uma desigualdade estrutural de renda entre os dois grupos persistente ao longo do tempo, o que impacta a capacidade dos negros brasileiros de alcançar maior produtividade e prosperidade. A prosperidade não compartilhada é a produtividade desigual do trabalho entre grupos raciais, a concentração do crescimento do ICH e o aumento da desigualdade no ICH. Diminuir as disparidades no ICH e no crescimento do ICH deve ser uma prioridade para o Brasil. Considerando- se as disparidades de capital humano já discutidas, é provável que uma disparidade racial ainda maior na formação de capital humano surja a partir dos dados mais recentes, já que a pandemia de COVID-19 afetou mais severamente negros e indígenas. A história da prosperidade não compartilhada deve terminar com um ato inclusivo de sucesso. Tendo estabelecido a desigualdade racial em nível nacional, vale a pena investigar se as disparidades raciais são menores nas capitais estaduais. A Figura 4.7 traça o ICH para brancos (pontos azuis) e negros (pontos amarelos) por capital estadual em 2019. As caixas entre cada ponto destacam a diferença racial em porcentagens, considerando o ICH entre os negros como linha de base. As capitais estaduais são ordenadas por diferenças percentuais. O ICH da população indígena não foi incluído devido à sua distribuição desigual entre as capitais. Não há padrão regional Uma grande parte das capitais estaduais apresentou disparidades raciais no capital humano superiores a 10 por na disparidade entre cento. As capitais com as maiores disparidades raciais no Brasil brancos e negros no ICH. são Florianópolis (Sul, 19,2 por cento), João Pessoa (Nordeste, 17,6 por cento) e Porto Alegre (Sul, 17,2 por cento). Vale destacar que Porto Alegre também consta da lista de capitais estaduais com as maiores disparidades de gênero no ICH em 2017 (ver Figura 4.2). As menores diferenças entre brancos e negros no ICH, por outro lado, são encontradas em Curitiba (Sul, 2,2 por cento), Porto Velho (Norte, 6,5 por cento) e Brasília (Centro-Oeste, 7,9 por cento). Desde cima até embaixo, não há nenhum padrão regional nas disparidades raciais. A Figura 4.7 também mostra que as capitais estaduais onde as disparidades raciais são menores Brazil Human Capital Review tendem a ter um ICH mais alto entre os negros, em vez de um ICH mais baixo entre os brancos. Por exemplo, o ICH entre os brancos é o mesmo em Curitiba e Florianópolis: 65 por cento. No entanto, o ICH dos negros é 10 pontos maior em Curitiba do que em Florianópolis. Esse desempenho explica por que Florianópolis tem maior desigualdade e Curitiba tem menor desigualdade de ICH. Mais igual, mais produtivo. Vitória (Sudeste) é uma exceção dessa tendência. Embora apresente um dos maiores ICHs entre negros, ainda apresenta significativa desigualdade racial. 75 Disparidades de ICH entre População Negra e Branca ICH das capitais estaduais por raça, 2019 Florianópolis 19,2% João Pessoa 17,6% Porto Alegre 17,2% Natal 16,9% Boa Vista 16,2% Recife 16,0% Aracaju 15,7% Belém 15,6% Vitória 15,3% Fortaleza 14,3% Maceió 13,6% Salvador 13,6% Manaus 12,9% Rio de Janeiro 12,8% São Luís 12,7% Macapá 12,2% Campo Grande 11,6% Teresina 11,1% Belo Horizonte 10,5% Rio Branco 10,3% Goiânia 10,2% Cuiabá 9,9% São Paulo 9,0% Palmas 8,0% Brasília 7,9% Porto Velho 6,5% Curitiba   2,2% 0,55 0,60 0,65 0,70 Human Capital Index m Disparidades raciais (%) Negros Brancos Figura 4.7 Disparidades de ICH entre População Negra e Branca Uma observação final a partir da Figura 4.7 refere-se aos níveis de produtividade esperados. Com exceção de Macapá (Norte), o ICH dos brancos em 2019 ficou acima da média nacional (60,1 por cento) em Brazil Human Capital Review todas as capitais. Os maiores ICHs na população branca foram observados em Vitória, Fortaleza e Recife; os mais baixos, em Macapá, Rio de Janeiro e Belém. Entre os negros, os menores ICHs foram observados em Macapá, Belém e Natal. Tanto para negros quanto para brancos, Macapá tem a menor produtividade do trabalho projetada para a próxima geração de trabalhadores. A comparação entre o maior e o menor ICH entre brancos revela uma diferença de 11 pontos de ICH - Macapá (ICH = 59 por cento) vs. Vitória (ICH = 71 por cento) -, ligeiramente abaixo das pessoas negras (12 pontos de ICH). 76 Caixa 4.2 O Capital Humano dos Povos Indígenas De acordo com o Censo Nacional de 2010, existem 896.000 pessoas autodeclaradas indígenas, representando 0,5 por cento da população total do Brasil. Mais da metade delas (58 por cento) vive em terras indígenas e quase um quinto (18 por cento) não fala português como língua materna. Ao todo, são cerca de 305 etnias indígenas diferentes, que falam cerca de 274 idiomas (IBGE, n.d.b.). Educação: No Brasil, existem 3.345 escolas indígenas. Sua infraestrutura é precária: 59 por cento não têm água filtrada, 32 por cento não têm eletricidade e 49 por cento não têm esgoto. Quase nenhuma tem biblioteca ou internet de alta largura de banda (92 por cento) e quase a metade não possui livros didáticos inclusivos que incorporem a educação indígena (Ministério da Educação, 2019). Há também dificuldades de acesso às escolas, principalmente no ensino médio, e muitos alunos precisam se deslocar para comunidades vizinhas para ter acesso à educação. Sobrevivência infantil: A inexistência de saneamento básico, água potável e coleta de lixo em muitas aldeias indígenas (Coimbra et al., 2013) resulta em piores condições para o desenvolvimento infantil. Na população indígena, há alta prevalência de anemia e baixa estatura para a idade. Também é comum que crianças indígenas sejam hospitalizadas por diarreia, expondo outra disparidade: embora o Brasil tenha tido avanços consideráveis nos sistemas de saneamento na década de 1990, que reduziram significativamente as hospitalizações por diarreia, as comunidades indígenas continuam a sofrer com este problema (Coimbra et al., 2013). Sobrevivência adulta: Vários estudos apontam para uma prevalência maior de doenças infecciosas e parasitárias entre os indígenas - como malária, tuberculose, diarreia e pneumonia - do que na população brasileira geral. As taxas de obesidade, hipertensão e diabetes também estão crescendo nas comunidades indígenas (Coimbra et al., 2013). Essas condições pioram a saúde dos adultos. Os Povos Indígenas Têm Desvantagens em Todos os Componentes do ICH Componentes do ICH em estados com as maiores populações indígenas, 2019 1. Resultados de Aprendizagem Harmonizados (RAH), 0 (min) 1 (max) 2. Anos Esperados de Escolaridade (AEE), 0 (min) – 12 (max) 0,699 11,0 Mato Grosso do Sul 0,584 Mato Grosso do Sul 9,6 0,661 11,2 Acre 0,613 Acre 9,6 0,639 11,2 Roraima 0,558 Roraima 10,6 0,636 11,2 Amazonas 0,536 Amazonas 10,0 3.Taxa de Sobrevivência de Adultos, 0 (min) 1 (max) 4.Taxa de Sobrevivência Infantil, 0 (min) 1 (max) 0,901 0,987 Mato Grosso do Sul 0,710 Mato Grosso do Sul 0,975 0,915 0,987 Acre 0,809 Acre 0,920 0,917 0,990 Roraima 0,837 Roraima 0,952 Brazil Human Capital Review 0,923 0,988 Amazonas 0,864 Amazonas 0,955 Brancos Indígenas Figura B.4.2 Os povos indígenas têm desvantagens em todos os componentes do ICH 77 Fica claro que as capitais brasileiras apresentam disparidades raciais substanciais no desempenho do ICH. Por exemplo, uma pergunta recorrente é o que explica esse fato. No entanto, não está claro por que algumas capitais apresentam menor disparidade do que outras. Por que, por exemplo, Florianópolis e Curitiba, ambas na região Sul e com indicadores socioeconômicos equivalentes, ocupam posições opostas nos rankings de disparidades raciais no ICH, conforme visto na Figura 4.7? A Figura 4.8 tenta responder a essa pergunta desagregando os dados e comparando os componentes do ICH de brancos e negros por capital estadual em 2019. Todos os pontos da Figura 4.8 ficam acima da linha tracejada, indicando que para cada componente do ICH a população branca supera, em média, os negros. Esta vantagem aparece, em alguns casos, por uma grande margem, como nas taxas de sobrevivência de adultos, ou por uma pequena margem, como nos resultados de aprendizagem harmonizados. Independentemente de sua magnitude, o fato permanece: a disparidade racial no capital humano se reflete em todos os componentes do ICH e está presente em todos os estados. As desvantagens entre os negros surgem ainda na infância e persistem ao longo de seu ciclo de vida. Os sinais dessas desvantagens aparecem já no estágio de sobrevivência infantil (Figura 4.8.B). Estatísticas nacionais e a literatura especializada (Caldas et al., 2017; Cardoso et al., 2005) apontam para a mesma conclusão: de que crianças negras são mais propensas do que crianças brancas a morrer até os cinco anos de idade. A desigualdade racial começa muito mais cedo. Por que os Brancos Têm um ICH Mais Alto do que os Negros? Pontuações de Componentes de ICH Estaduais por raça, 2019 Sobrevivência de Adultos, Brancos (A) -Taxa de Sobrevivência de Adultos (B) - Sobrevivência Infantil Sobrevivência Infantil, Brancos 0,95 1,00 0,88 0,99 0,82 0,98  0,82                    0,88                    0,95 0,98 0,99 1,00 Sobrevivência de Adultos, Negros Sobrevivência Infantil, Negros (C) - Resultados de Aprendizagem Harmonizados (RAH)  (D) - Anos Esperados de Escolaridade (AEE) 0,72 12 RAH, Brancos AEE, Brancos 0,67 11,2 0,61 10,3 0,61 0,67 0,72 10,3 11,2 12 RAH, Negros AEE, Negros Nota:  Os estados com menos de 50% de população negra - de acordo com o Censo 2010 - foram excluídos da análise devido às limitações dos dados  (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul) Figura 4.8 Brazil Human Capital Review Por que os Brancos Têm um ICH Mais Alto do que os Negros?54 54 A razão para excluir os estados com população negra inferior a 50 por cento desta análise é porque o componente de sobrevivência infantil é suscetível ao tamanho da população. Isso significa que as estimativas referentes a uma população relativamente pequena (em comparação à população branca) podem gerar conclusões errôneas. 78 A Figura 4.9 ilustra as diferenças raciais na atenção pré-natal no Nordeste do Brasil. A Figura 4.9.A mapeia a diferença de pontos percentuais entre gestantes brancas e negras que iniciam o pré-natal (até o segundo mês de gestação). A Figura 4.9.B. refere-se à disparidade racial nas gestações com menos de seis consultas pré-natais. As áreas azuis indicam onde as mães brancas superam as mães negras. As áreas amarelas referem-se a onde as mães pretas têm taxas mais altas do que as mães brancas. Os dados de gestação são extraídos do SINASC 2019. A Figura 4.9 mostra que as gestantes negras iniciam o pré-natal mais tarde e têm menos consultas pré-natais do que as gestantes brancas. O fato de a Figura 4.9 (A) ser majoritariamente azul revela que as gestantes brancas, apesar de residirem no mesmo município, iniciam o pré-natal mais cedo. A Figura 4.9 (B) é predominantemente amarela, indicando que as gestantes brancas têm maior probabilidade de ter mais consultas pré-natais. Desigual no útero. Uma desigualdade leva a outra. A próxima etapa do ciclo de vida é quando as crianças vão para a escola. Essa desigualdade racial em termos de quantidade e qualidade da educação está bem documentada. Dados nacionais de 2019 indicam que os alunos negros atingem 8,6 anos de escolaridade, em média, enquanto os alunos brancos atingem 10,4 anos. Em 2019, mais de 70 por cento das crianças que não concluíram a educação básica no Brasil eram negras, representando 7,2 milhões de 10,1 milhões de crianças fora da escola (PNAD, 2019). A raça importa. Vale a pena notar que essas disparidades persistem mesmo controlando para a educação dos pais (Almås et al., 2016) ou comparando gêmeos de famílias mestiças (Marteleto & Dondero, 2016). De acordo com esta pesquisa, um gêmeo não-branco tem 0,308 ano a menos de escolaridade em relação ao seu gêmeo branco. Ou seja, mesmo considerando a estrutura familiar, a vizinhança e as características da escola, as disparidades raciais na conclusão da educação não se alteram. O problema da conclusão da educação básica concorre com o desafio da aprendizagem de baixa qualidade. Os dados da avaliação de aprendizagem (SAEB) de 2019 sugerem que as disparidades entre brancos e negros nas pontuações de proficiência no 5º ano do ensino fundamental são de 14,4 pontos em português e 12,9 pontos em matemática. Isso marca o início de disparidades de aprendizagem muito mais amplas. No último ano do ensino médio, os alunos brancos têm 21,5 pontos a mais em matemática e 25,7 pontos a mais em português do que os alunos negros1. Existem muitas explicações para essa disparidade de aprendizagem (ver a Caixa 4.3). A pesquisa em São Paulo, por exemplo, sugere que os professores atribuem notas de matemática enviesadas aos alunos negros (Botelho, Madeira, Rangel, 2015). Outra pesquisa argumenta que as expectativas e a representatividade dos professores afetam o desempenho dos alunos (Gershenson et al., 2016; Dee, 2004; Egalite et al., 2015; Dee, 2005), ou que a influência negativa dos colegas é um obstáculo para os alunos pertencentes a grupos minoritários (Austen-Smith & Fryer Jr, 2005; Fryer Jr & Torelli, 2009). Além dos resultados escolares, a desigualdade racial afeta as taxas de sobrevivência de adultos. Conforme discutido anteriormente, a sobrevivência de adultos relaciona-se significativamente às taxas de violência e homicídio. A Figura 4.10 apresenta o número de homicídios por 100.000 habitantes por raça e gênero, de 2007 a 2019. Duas grandes conclusões podem ser tiradas desta figura. Primeiro, há uma grande diferença na taxa de homicídios entre homens (cores escuras) e mulheres (cores claras). Em segundo lugar, a violência racial é prevalente no Brasil, especialmente nas regiões Norte e Nordeste (Truzzi et al., 2021; Cerqueira & Coelho, 2017). Brazil Human Capital Review 79 Mulheres negras iniciam a atenção pré-natal mais tarde A prevalência de áreas azuis na Figura (A) indica que as A Desigualdade Racial Começa Antes do Nascimento gestantes brancas tendem a iniciar o pré-natal mais cedo (primeira consulta antes do segundo mês de gestação) do que as gestantes negras (primeira consulta após o segundo mês de gestação ou mais tarde). Para as áreas em azul escuro, essa diferença chega a mais de 20 pontos percentuais. Figura 4.9 Gestantes negras têm menos consultas pré-natais A Figura (B) indica que as gestantes negras são mais propensas a ter menos de seis consultas de pré-natal que as gestantes brancas na região Nordeste do Brasil. Nesse caso, a predominância de municípios marcados em amarelo no mapa sugere uma desvantagem geral para as gestantes brancas em termos de acesso e número de consultas de pré-natal. 80 Brazil Human Capital Review Caixa 4.3 Como Lidar com as Disparidades Raciais no Capital Humano Sérgio Firpo e Michael França Núcleo de Estudos Raciais do Insper Para avançar na agenda da igualdade racial, é fundamental avançar no combate à discriminação e criar condições para melhorar a mobilidade social. Esta não é uma tarefa trivial; requer uma ampla gama de iniciativas e políticas públicas direcionadas. Um pressuposto central do debate racial é que a fisionomia afeta a percepção das pessoas de diferentes maneiras, levando a um tratamento discriminatório (Adams et al., 2016; Sergio & França, 2021). A discriminação contra negros surgiu por meio de um processo histórico que desvalorizou a cor de pele preta (Gomes, 2019; Telles, 2004). Há uma construção social que faz as pessoas acreditarem, conscientemente ou não, que a pele branca tem maior valor intrínseco (Adams et al., 2016; França, 2020). Assim, as pessoas pretas, além de viverem em um contexto socioeconômico pior, também enfrentam discriminação ao longo de suas vidas, afetando diretamente o processo de acumulação de capital humano (Firpo et al., 2021; Firpo et al., 2020). Para lidar com essa situação, as famílias podem, por exemplo, ter uma expectativa de discriminação racial no mercado de trabalho e investir mais em seus filhos de pele clara, esperando maiores retornos no futuro. Rangel (2015) constata que pais negros no Brasil investem mais em seus filhos de pele clara do que em seus filhos de pele escura. As crianças de pele clara têm 0,6 ponto percentual mais chance de serem matriculadas na escola ou pré-escola e 2,1 pontos percentuais mais chance de frequentarem uma escola particular. Além disso, o diferencial de conclusão do ensino fundamental é de 5,7 por cento a favor das crianças brancas. Os pais podem ser considerados os primeiros professores de seus filhos. Eles têm uma forte influência no processo de aprendizagem. Devido ao processo histórico de exclusão social, pais negros tendem a ter baixa escolaridade e, portanto, conhecimento formal limitado para transmitir a seus filhos. Estudos mostram, por exemplo, um efeito negativo na aquisição de vocabulário. Além disso, famílias de baixa renda tendem a incentivar menos seus filhos no processo de aprendizagem (Heckman & Mosso, 2014). Na escola, o impacto do racismo, que impede o progresso das crianças pretas, ajuda a explicar as disparidades no desempenho escolar. Botelho, Madeira e Rangel (2015) descobriram que os alunos negros recebem do professor notas de matemática mais baixas, mesmo com a mesma nota de proficiência em testes cegos. Os alunos brancos, por outro lado, são menos propensos a ter notas abaixo do que é exigido para passar de ano. Além do efeito potencial da discriminação racial, as condições sociais também desempenham um papel importante na acumulação de capital humano. Estudos mostram que ambientes desfavorecidos terão um impacto negativo no desenvolvimento das crianças e, consequentemente, terão profundas repercussões no desempenho escolar (Heckman & Mosso, 2014). Isso ocorre porque o ambiente na primeira infância ajuda a moldar a base de habilidades que será importante para toda a vida. Na ausência de intervenção, em determinados contextos de vulnerabilidade o círculo social das crianças pretas pode ter uma alta proporção de pessoas Brazil Human Capital Review com baixa escolaridade. As escolas podem ser uma solução para esse problema. No entanto, as escolas também são uma fonte de segregação. As crianças mais desfavorecidas frequentam escolas públicas, que tendem a ser de pior qualidade, enquanto as mais ricas frequentam escolas particulares. 81 Caixa 4.3 (continuação) Esse cenário traz consequências significativas para a mobilidade social dos grupos raciais. Como se vê na Tabela 1, que utiliza dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1996 e 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a probabilidade de uma criança preta cursar o ensino superior é cerca de metade da de uma criança branca, independentemente do nível de escolaridade do pai. Depois que o Brasil adotou políticas de ação afirmativa no início dos anos 2000, houve um aumento significativo no acesso ao ensino superior para a população negra. No entanto, a metodologia do índice de equilíbrio racial de Firpo et al. (2021) estimou que serão necessários 27 anos para alcançar a equidade racial no ensino superior se a atual tendência de convergência for mantida. Apesar desse avanço na acumulação de capital humano, o estudo sugere que não há convergência em termos de equidade racial no topo da distribuição de renda (Firpo et al., 2021). Essas desigualdades raciais demonstram a importância dos estudos raciais. A pesquisa empírica tem o potencial de orientar iniciativas que promoverão o progresso em direção a uma maior equidade racial. Nos Estados Unidos, algumas pesquisas mostram que melhorar o desempenho educacional de estudantes negros tem um potencial significativo de reduzir várias disparidades raciais. Reconhecendo esse desafio, os americanos criaram diversas intervenções nas últimas décadas para reduzir as disparidades educacionais (Fryer, 2010). No Brasil, a ampliação da discussão sobre a desigualdade racial é relativamente recente, e há muitas oportunidades de uso de dados e de trabalho empírico sobre questões raciais. TABELA B.4.1 Chance de o aluno concluir o ensino superior em relação à educação do pai % CRIANÇAS COM ENSINO SUPERIOR 1996 2014 Sem escolaridade Branco Negro Branco Negro Fundamental incompleto 1,80% 0,5% 6,2% 3,7% Fundamental completo 9,10% 3,4% 17,9% 11,2% Ensino médio incompleto 28,4% 13,0% 31,6% 17,8% Ensino médio completo ou ensino superior incompleto 36,5% 20,7% 34,5% 24,1% Ensino superior completo ou mais 40,5% 19,3% 49,7% 28,3% Complete higher education or more 59,8% 39,2% 71,7% 58,8% Brazil Human Capital Review Fonte: Elaboração dos autores com base em dados fornecidos pelo Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) 82 Conforme mostra a Figura 4.10, os negros, especialmente os homens negros, são muito mais propensos a serem vitimizados do que os outros grupos ilustrados. O Brasil observou uma redução de 20,3 por cento nas taxas de homicídios entre 2009 e 2019 (Cerqueira et al., 2021). No entanto, enquanto a queda nos homicídios foi de 30,5 por cento na população não negra, foi de apenas 15,5 por cento, ou 50 por cento menor, na população preta. Vale destacar também que os homicídios de negros são subnotificados no Brasil. Acredita-se que as estatísticas oficiais subestimaram os assassinatos de jovens negros em 50 por cento e que as subestimações podem ter sido mais comuns em cidades menores e áreas rurais. Além disso, muitas das mortes podem ter sido notificadas incorretamente como suicídios ou acidentes de trânsito (Isfeld, n.d.). A Disparidade Racial e de Gênero nos Homicídios Taxa de homicídios no Brasil por 100.000 habitantes 80 (por 100.000 habitantes) 60 Número de Homicídios 40 20 0 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019  Anos Homens não negros Homens negros Mulheres não negras Mulheres negras Figure 4.10 The Race and Gender Gap in Homicides Brazil Human Capital Review 83 O homicídio de homens negros, especificamente, está intrinsecamente ligado ao racismo e ao perfil racial na aplicação da lei. Dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança mostram que os negros representam 78,9 por cento de todas as vítimas que morrem em intervenções policiais. Estigmas e estereótipos também reforçam esse comportamento (Willis, 2015) e levam a níveis desiguais de prisões e encarceramento e, ainda mais drasticamente, a encontros fatais com a polícia (Rinaldi in Zaluar & Alvito, 1998; Instituto Alemão de Estudos Globais e de Área, 2020). A raça importa. Esses fatos tendem a ser agravados porque os negros vivem em áreas vulneráveis como as favelas, onde muitas vezes falta acesso a necessidades e serviços básicos e não há integração com a cidade (Penglase, 2014). Isso foi corroborado por extensas evidências quantitativas e qualitativas (Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 2021; Magaloni et al., 2019; Instituto Alemão de Estudos Globais e de Área, 2020). Uma imensa quantidade de talento é prematuramente perdida devido à violência racial. Caixa 4.4 Deficiência e Visibilidade Cerca de 85 milhões de pessoas com deficiência (PCDs) vivem na América Latina e no Caribe, o que equivale a uma em cada três famílias. No Brasil, 24 por cento da população tem algum tipo de deficiência (IBGE, n.d.). Na última década, a região fez esforços significativos para melhorar a visibilidade estatística das PCDs, embora os dados oficiais ainda não sejam totalmente representativos de todos os tipos de deficiência. O Brasil, por exemplo, adotou apenas parcialmente um questionário internacional padrão que oferece uma definição abrangente e inclusiva de deficiência em seu censo nacional e pesquisas domiciliares (Garcia Mora et al., 2021). Os dados disponíveis mostram que a pobreza e a deficiência se reforçam mutuamente. Na América Latina, cerca de 1 em cada 5 pessoas que vivem em extrema pobreza tem alguma deficiência, e quase 7 em cada 10 famílias com uma PCD são vulneráveis à pobreza. A pobreza persiste, em grande parte, devido a restrições que impedem que as PCDs tenham acesso à boa educação, emprego, moradia e vida pública. Em termos de educação, por exemplo, 12,6 por cento das crianças com deficiência de 6 a 12 anos não frequentam a escola no Brasil. Além disso, crianças com deficiência têm uma probabilidade 24 por cento menor de concluir o ensino fundamental I quando comparadas a seus pares. No ensino médio, a probabilidade é 23 por cento menor, enquanto no ensino superior é 11 por cento menor. Para as PCDs que se declaram indígenas ou negras no Brasil, as chances de abandonar a escola são ainda maiores (cerca de 35 por cento) (Garcia Mora et al., 2021). As PCDs também se saem pior no mercado de trabalho. Na América Latina, um em cada dois chefes de família com deficiência é inativo (não trabalha nem busca emprego). Em 1991, o Brasil implementou a “Lei de Cotas”, exigindo que empresas privadas com mais de cem funcionários alocassem entre 2 e 5 por cento das vagas de emprego para PCDs. No entanto, dados recentes da RAIS mostram que apenas 1 por cento de todas as vagas no setor formal (496.000 mil empregos) foram preenchidas por PCDs em 2020. Além disso, a renda média de cinco das seis categorias de deficiência consideradas no estudo estava 19 por cento abaixo da renda média anual (Ministério do Trabalho e Previdência, 2020). A discriminação também é um desafio, de acordo com um estudo de 2020 encomendado pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo, que constatou que 69 por cento das PCDs já Brazil Human Capital Review sofreram discriminação em seu local de trabalho (IBOPE, 2020). A deficiência afeta particularmente os grupos vulneráveis. Os negros apresentam maior prevalência de deficiência, pois sofrem mais frequentemente de doenças crônicas e não 84 Caixa 4.4 (continuação) transmissíveis. Enquanto 71,4 por cento dos negros relataram ter alguma deficiência, apenas 65,1 por cento dos não negros o fizeram (IBGE, n.d.). Como os negros estão super-representados nos empregos informais (47,4 por cento) e nas favelas (72 por cento), eles também são mais propensos a viver em condições insalubres e serem vítimas de violência armada e lesões relacionadas ao trabalho (IBGE, 2020b; Meirelles & Athayde, 2016). Da mesma forma, as mulheres apresentam maior prevalência de deficiência em relação aos homens. Como elas também têm uma expectativa de vida mais longa, correm maior risco de acumular problemas de saúde e lesões ao longo do tempo (Garcia Mora et al., 2021). As últimas décadas trouxeram mudanças progressivas e institucionais para as PCDs, como o Programa de Benefício de Prestação Continuada (BPC), que está em vigor desde 1993. O BPC é um programa de transferência incondicional de renda para pessoas idosas ou extremamente pobres com deficiência cuja renda familiar per capita é inferior a um quarto do salário mínimo. Outro exemplo é a aprovação da Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146) em 2015, que visa assegurar e promover, em igualdade de condições, os direitos e liberdades fundamentais das PCD. No futuro, é importante reverter a invisibilidade estatística das PCD e investir em estratégias que promovam sua acumulação de capital humano. Em termos de educação, projetar ambientes de aprendizagem inclusivos pode ajudar a manter os alunos com deficiência matriculados e maximizar seu potencial. A participação no mercado de trabalho também pode ser estimulada abordando as taxas de inatividade, promovendo locais de trabalho inclusivos e transformando as condições do setor informal onde os trabalhadores com deficiência estão concentrados. Desnecessário dizer que as políticas também devem levar em conta os riscos que certos subgrupos de PCD enfrentam, especialmente aqueles que historicamente sofreram exclusão e discriminação. Terceira Desigualdade: O Índice de Capital Humano por Gênero e Raça A terceira desigualdade tratada neste capítulo examina as duas primeiras desigualdades, de gênero e de raça, em conjunto. Mediante uma desagregação cruzada por raça e gênero, o capítulo estima a produtividade esperada da próxima geração de trabalhadores. A despeito da limitação de dados discutida anteriormente neste trabalho (veja a Caixa 4.1), esta seção constrói ICHs para quatro grupos: mulheres brancas, homens brancos, mulheres negras e homens negros, traçando a sua evolução. A discussão começa mostrando a evolução do ICH por raça e gênero entre 2007 e 2017 (Figura 4.11).55 As linhas azuis denotam o ICH de pessoas brancas, e as linhas amarelas referem-se a pessoas negras. As cores mais escuras referem-se a homens e as mais claras, a mulheres. Brazil Human Capital Review A Figura 4.11 reforça as evidências de gênero e raça já fornecidas. Em média, o ICH das mulheres brancas é consistentemente o mais alto e o dos homens negros, o mais baixo, e que as desigualdades persistentes na produtividade do trabalho por gênero e raça não parecem diminuir com o tempo. Um pouco melhor mas ainda desigual. 55 Observa-se que não há dados disponíveis por gênero para 2019. 85 Um Pouco Melhor mas Ainda Desigual Índices de Capital Humano por Raça e por Gênero, de 2007 a 2017 0,65 0,60 Índice de Capital Humano 0,55 0,50 0,45 2007 2009 2011 2013 2015 2017  Anos Homens Negros Mulheres Negras Homens Brancos Mulheres Brancas Figura 4.11 Um Pouco Melhor mas Ainda Desigual O padrão das linhas da Figura 4.11 também chama Mulheres brancas têm o atenção. Por um lado, a Figura 4.11 mostra claramente que o desempenho das mulheres tende a ser melhor que maior ICH e os homens o dos homens independentemente da raça. Cores claras negros, o menor. sempre no topo. Também é possível observar que, embora a evolução do capital humano desses quatro grupos tenha sido relativamente semelhante nos 10 anos analisados, o ICH dos homens brancos aumentou mais, com ganho de quase 5 pontos no ICH em 10 anos. Nos outros subgrupos não foram observados ganhos semelhantes. O ganho aumentou ainda mais a disparidade entre homens brancos e mulheres negras, que ganharam 4 pontos de ICH no mesmo período. Algumas desigualdades nos componentes de ICH são mais pronunciadas entre raças e outras, entre gêneros. Por exemplo, a Figura 4.12 mostra uma disparidade considerável entre os resultados de aprendizagem harmonizados (RAH) de pessoas brancas e negras. A explicação para as disparidades na qualidade do aprendizado residem, em boa parte, na raça. O papel da raça fica claro se consideramos que o RAH das mulheres é apenas um pouco maior que o dos homens da mesma raça, mas o RAH das mulheres brancas é bastante maior que o das pessoas negras (tanto homens quanto mulheres). Mulheres brancas Quanto aos anos esperados de escolaridade (AEE), a Figura 4.12.B Brazil Human Capital Review mostra um quadro diferente. Em relação ao componente de anos completam um esperados de escolaridade (AEE) do ICH, a desigualdade de gênero é ano a mais de mais significativa que a desigualdade racial. Mulheres brancas também superam os outros grupos em relação aos AEE, tendo em média um ano escolaridade que a mais de escolaridade que homens negros. A figura também mostra homens negros. que as mulheres negras atingem o AEE equivalente ao dos homens brancos (10,8 anos de escolaridade). Para analisar melhor essa aparente 86 desigualdade de gênero nos resultados de aprendizagem, a Figura 4.13 apresenta dois gráficos: um mostra as taxas de abandono escolar e o outro a repetência por série, raça e gênero. As disparidades de raça são mais relevantes para as taxas de abandono escolar. A Figura 4.13.A apresenta as taxas de abandono escolar por raça e gênero ao longo dos 12 anos da educação básica no Brasil, mostrando que a probabilidade de abandonar a escola é maior para alunos negros que brancos em todas as séries. Entre as barreiras que contribuem para o aumento das taxas de abandono escolar para negros estão: enfrentar mais barreiras sociais de acesso à educação, sofrer discriminação racial na sala de aula e ser mais suscetível a ingressar no mercado de trabalho (informal). Dois momentos no ciclo educacional tornam essas lacunas mais perceptíveis. O primeiro é quando os alunos passam do ensino fundamental I para o ensino fundamental II, ou seja, do 5º ano para o 6º ano. Nessa transição, a probabilidade de abandonar a escola aumenta mais abruptamente para alunos negros que para alunos brancos. No 6º ano, a disparidade racial aumenta e não retorna mais ao nível anterior. O segundo momento ocorre quando os alunos passam do ensino fundamental II (9º ano) para o ensino médio (10º ano). Nessa etapa, a probabilidade de que um aluno negro abandone a escola é duas vezes maior que a de um aluno branco (ou 4 pontos percentuais a mais). Dados nacionais reforçam essas conclusões: dos 605.000 adolescentes que estavam fora da escola em 2019, 39,5 por cento eram homens negros e 32,6 por cento eram mulheres negras, enquanto apenas 10,6 por cento eram mulheres brancas. 56 As transições entre as etapas empurram os alunos negros para fora da escola. As taxas de repetência são mais perceptíveis entre homens negros. Conforme discutimos anteriormente, para os meninos a repetência começa muito cedo. No entanto, a Figura 4.13.B mostra que o aumento está concentrado em meninos negros. Três etapas corroboram esse argumento. No 3º ano do ensino fundamental, a taxa de repetência dos meninos negros pula de 3 por cento para cerca de 12 por cento. Entre o final do ensino fundamental I (5º ano) e o começo do ensino fundamental II (6º ano) a taxa Olhando Mais a Fundo: Desagregação por Gênero e Raça ICH Brasileiro por Raça e Gênero, 2017 (A) RAH (B) AEE (C) Sobrevivência (D) Sobrevivência Infantil de Adultos 0,65 11,6 0,990 0,950 Resultados de Aprendizagem Harmonizados, RAH Anos Esperados de Escolaridade, em anos 0,64 11,2 Taxas de Sobrevivência de Adultos Taxas de Sobrevivência Infantil 0,988 0,900 0,62 10,8 0,850 0,986 0,61 10,4 0,800 Brazil Human Capital Review 0,60 10,0 0,984 Homens Negros Mulheres Negras Homens Brancos Mulheres Brancas Figura 4.12 Olhando Mais a Fundo: Desagregação por Gênero e Raça 56 Dados do PNADC (2019). A análise incluiu adolescentes entre 15 e 17 anos que não declararam ter concluído o ensino médio. 87 Diferenças Raciais e de Gênero nas Taxas de Abandono Escolar e Repetência Censo Escolar, 2019 (A) Taxas de Abandono Escolar 8,0 Diferenças Raciais e de Gênero nas Taxas de Abandono Escolar e Repetência A taxa de abandono é maior para Taxa de Abandono (%) mulheres e homens negros 6,0 4,0 2,0 Figura 4.13 0,0 (B) Taxas de Repetência Taxa de Repetência (%) 20 Homens brancos têm uma taxa de repetência maior que mulheres negras 15 10 5 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Ano escolar Homens Negros Mulheres Negras Homens Brancos Mulheres Brancas 88 Brazil Human Capital Review salta novamente para mais de 16 por cento. Ao final da transição do ensino fundamental II (9º ano) para o ensino médio (10º ano), as taxas de repetência entre negros atingem um pico de quase 18 por cento. É importante notar que as taxas de repetência dos meninos brancos também aumentam consideravelmente, ultrapassando as mulheres negras e mostrando que, de modo geral, os meninos estão ficando para atrás. Dos 2,1 milhões de alunos que repetiram de ano no Brasil em 2019, 64,2 por cento eram meninos e apenas 35,85 por cento eram meninas (UNICEF et al., 2021). Voltando para a Figura 4.12, o próximo subcomponente de ICH analisado com relação à desigualdade racial e de Mulheres brancas têm gênero é a sobrevivência infantil. A Figura 4.12.C mostra uma probabilidade 17 diferenças mínimas entre grupos raciais e de gênero (menos de 0,05 pontos no ICH). A despeito dessas pequenas lacunas, pontos percentuais maior a mensagem é clara: no que tange as taxas de sobrevivência de viver até os 60 anos de infantil, a população negra fica atrás da branca e os homens ficam atrás das mulheres. Contudo, é o último componente que idade que homens negros. mais agrega informação: as taxas de sobrevivência de adultos. A Figura 4.12.D mostra que o gênero explica a maior parte da variação na sobrevivência de adultos, o último componente de ICH analisado. As maiores disparidades na sobrevivência de adultos são de gênero, e não de raça. Ou seja: mulheres brancas e negras têm um desempenho melhor do que homens brancos e negros por uma margem de pelo menos 6 pontos percentuais. O desempenho de homens negros é criticamente baixo nesse subcomponente, conforme descrevemos nas duas primeiras seções deste capítulo. Também é importante notar que as mulheres brancas têm mais chance de sobreviver do que as mulheres negras. Tal assimetria fica ainda mais evidente quando examinamos os dados. Entre 2009 e 2019, o número de vítimas de homicídios aumentou 2 por cento entre as mulheres negras e diminuiu 26,9 por cento entre as mulheres não negras.57 Em 2020, as mulheres negras representaram 61,8 por cento dos 1.350 casos de feminicídio no país.58 Embora o feminicídio seja definido como um crime “motivado pelo gênero”, o racismo e as disparidades raciais certamente contribuem para isso. Raça e gênero importam. Mulheres negras têm maior probabilidade de viver em contextos de vulnerabilidade social, motivo pelo qual enfrentam barreiras de acesso a recursos jurídicos e institucionais quando sofrem violência, como resultado de processos que normalizam o racismo (Silva e Lima, 2021). Quarta Desigualdade: ICH por Nível Socioeconômico A última desigualdade examinada é baseada no nível socioeconômico. O Brasil é conhecido como um dos países mais desiguais do mundo (World Bank, 2004). Condições socioeconômicas durante a primeira infância estão associadas a muitos fatores que prejudicam a capacidade que uma pessoa tem de acumular capital humano ao longo da vida. Crianças de famílias mais pobres, por exemplo, têm pouco acesso a serviços de saúde (Szwarcwald et al., 2002; Szwarcwald, et al., 2000; Wagstaff, 2002), e a falta de saneamento e insegurança alimentar aumentam a frequência do déficit de crescimento e da mortalidade infantil (Monteiro et al., 2010; Adair, et al., 2013). Crianças mais pobres também costumam receber uma educação de pior qualidade e têm mais chance de abandonar a escola. A desigualdade socioeconômica é uma cicatriz histórica no Brasil. Brazil Human Capital Review Esta seção do relatório investiga a influência do nível socioeconômico (NSE) no ICH utilizando dados desagregados do ICH, o que impõe vários desafios (veja mais detalhes no Apêndice III). Um dos desafios é que as variáveis representativas do nível socioeconômico precisam estar presentes em todas 57 Atlas da violência (Cerqueira et al., 2021). 58 Fórum Brasileiro De Segurança Pública, 2021. 89 Nível Socioeconômico Mais Baixo, ICH Mais Baixo Diferenças no ICH entre NSE Mais Baixo e Mais Alto, por Região, 2019 NSE Baixo  NSE Alto 0,75 0,70 ICH por NSE, 2019 0,65 0,60 0,55   Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste  Figura 4.14 Nível Socioeconômico Mais Baixo, ICH Mais Baixo Por que as pessoas com NSE alto têm ICH mais alto que as pessoas com NSE baixo? Componentes do ICH estadual por NSE, 2019 (A) Taxas de Sobrevivência de Adultos (B) Sobrevivência Infantil  Sobrevivência de Adultos, NSE Alto Sobrevivência Infantil, NSE Alto 1,00 1,00 0,92 0,99 0,84 0,98 0,76 0,97 0,76 0,84 0,92 1,00 0,97 0,98 0,99 1,00  Sobrevivência de Adultos, NSE Baixo Sobrevivência Infantil, NSE Baixo (C) Resultados de Aprendizagem Harmonizados (D) Anos Esperados de Escolaridade 0,77 12 AEE, NSE Alto (em anos) RAH, NSE Alto 0,70 11 0,63 10 Brazil Human Capital Review 0,56 9 0,56 0,63 0,70 0,77 9 10 11 12 RAH, NSE Baixo AEE, NSE Baixo (em anos) Figura 4.15 Por que as Pessoas com NSE Alto Têm ICH Mais Alto que as Pessoas com NSE Baixo? 90 as fontes de dados (i.e., saúde, educação e população). Considerando-se a indisponibilidade de medições diretas da renda familiar, mães ou pessoas que concluíram o ensino superior foram consideradas de nível socioeconômico alto, enquanto mães ou pessoas fora dessa categoria foram consideradas de nível socioeconômico baixo. A Figura 4.14 mostra o resultado da desagregação do ICH por NSE no Brasil e por região. A produtividade esperada de uma criança que nasce em uma família com NSE alto é de 69,5 por cento, enquanto a de uma criança que nasce em uma família com NSE baixo é de 58,1 por cento, uma disparidade de 11,4 pontos no ICH. Essa lacuna entre o NSE baixo e alto no capital humano do Brasil equivale à desigualdade entre Vitória e Macapá (as capitais melhor e pior posicionadas no ranking). Entre as regiões observa-se uma desigualdade semelhante no ICH-NSE, que varia entre 11,7 pontos no Nordeste e 9,93 pontos no Centro-Oeste. O que explica a grande lacuna entre ICH de pessoas com NSE alto e baixo? De acordo com a Figura 4.15, uma das diferenças mais importantes está na sobrevivência de adultos. A probabilidade de que um jovem de 15 anos chegue aos 60 anos é, em média, de 96 por cento se tiver um NSE alto, mas de apenas 86,4 por cento se tiver um NSE baixo. A diferença na sobrevivência infantil (Figura 4.15.B) é pequena, porém significativa: em média, a probabilidade de que uma criança nascida em família rica chegue aos cinco anos de idade é de 99,2 por cento, enquanto a de uma criança pobre é de 98,6 por cento. A lacuna é ainda maior em relação à qualidade da educação (Figura 4.15.C): os resultados de aprendizagem harmonizados são, em média, 6,6 por cento mais altos para o grupo com NSE alto, uma diferença que chega a quase 9 por cento em Pernambuco, Amazonas e Roraima. Por último, a Figura 4.15 (D) mostra que uma criança nascida em uma família de NSE alto estuda quase nove meses mais que uma criança de família de NSE baixo. Essa diferença é maior em Pernambuco e Amazonas, onde chega a quase um ano. Muitas Desigualdades “Muitas Desigualdades” é um capítulo sobre a prosperidade não compartilhada. Discute as muitas facetas da formação de capital humano de acordo com gênero, raça, raça-gênero e nível socioeconômico no Brasil. O capítulo revela a expectativa de que as mulheres acumulem mais capital humano que os homens até os 18 anos de idade, em todos os 12 anos de escolaridade, e na maioria das áreas. Não apenas melhor, mas melhor em quase todos os lugares. Novas análises mostram uma perda considerável de talento masculino devido à violência e ao abandono precoce da escola. Pessoas não brancas têm pior desempenho em termos de produtividade. Enquanto uma criança branca nascida em 2019 no Brasil consegue atingir, em média, 63 por cento do seu capital humano potencial até os 18 anos de idade, para negros e indígenas a expectativa cai para 56 e 52 por cento, respectivamente. Isso representa uma duplicação na disparidade de ICH entre brancos e negros ao longo de 12 anos. Enquanto a população branca prospera, negros e indígenas vão ficando para trás. As perspectivas não melhoram muito quando juntamos raça e gênero. Homens e mulheres negros estão defasados nos resultados de aprendizagem harmonizados e nas taxas de sobrevivência infantil. A defasagem dos homens negros é crítica, com ICH em torno de 25 por cento menor que o das mulheres brancas. Por fim, em termos socioeconômicos, a análise mostra que o ICH de crianças com NSE alto é maior. A produtividade de uma criança nascida em uma família de NSE alto é de 69,5 por cento, enquanto uma criança nascida em uma família de NSE baixo atinge apenas 58,1 por cento da sua produtividade. Brazil Human Capital Review 91 Capítulo 5 Capital Humano no Mercado de Trabalho “Talento no Trabalho” Mensagens Principais  O Índice de Capital Humano Utilizado (ICHU) adapta o ICH incorporando as taxas de emprego.  Se incluirmos o mercado de trabalho na equação do ICH, o Brasil atinge apenas 38,7 por cento do seu potencial.  As desigualdades observadas no ICH são ampliadas no ICHU.  Em se tratando da utilização do capital humano, o mercado de trabalho amplifica a desigualdade racial.  Embora as mulheres tenham uma clara vantagem sobre homens em termos de ICH, os homens têm uma clara vantagem sobre as mulheres em termos do ICHU.  Mulheres negras enfrentam uma dura realidade: ao utilizar o seu capital humano, atingem apenas 28,6 por cento de seu potencial. Quanto capital humano é absorvido pelo mercado de trabalho? Após examinarmos as condições em que os brasileiros acumulam somente 60 por cento do seu potencial total de produtividade desde o nascimento até a idade adulta (Capítulo 2), surge uma nova pergunta: quanto dessa produtividade é utilizada no mercado de trabalho? Essa pergunta torna-se ainda mais importante se considerarmos que em algumas regiões a metade desse talento fica sem uso antes de alcançar o mercado de trabalho. No Brasil, as taxas de desemprego são de 10 a 15 por cento59 e, em alguns casos, o trabalho informal chega a 40 por cento. Além disso, muitas das desigualdades de gênero, raça e nível socioeconômico (Capítulos 3 e 4) podem ser compensadas ou reforçadas pelas taxas de emprego. A inclusão de dados do mercado de trabalho na equação do ICH pode ajudar a responder a essas perguntas. Caixa 5.1 Índice de Capital Humano Utilizado Equação: O ICHU do estado s é medido por: = ∗ onde o ICHs é a média do indice de capital humano do estado. A Taxa de Empregos é medida por: Fonte: Taxa de emprego da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD). O primeiro trimestre do ano foi utilizado como referência. A pessoa foi considerada empregada caso tivesse trabalhado pelo menos uma hora durante a semana de referência ou caso tivesse um emprego que foi removido temporariamente (IBGE, 2014). Quanto capital humano é utilizado Este capítulo parte dos capítulos anteriores para estimar o capital humano utilizado pelo pelo mercado de trabalho? mercado de trabalho e desafia a hipótese de que a partir dos 18 anos de idade a produtividade vai necessariamente assegurar um posto de trabalho. O Índice de Capital Humano Utilizado (ICHU) ajusta o Índice de Capital Humano mediante a incorporação de ponderações com base na participação no mercado de trabalho formal e informal. Este capítulo examina o ICHU ao longo de “muitos Brasis” e “muitas desigualdades”, discutindo as implicações da ponderação do ICH pelas taxas de emprego. O Índice de Capital Humano Utilizado (ICHU) O ICHU mede a produtividade esperada de uma criança nascida hoje até os 18 anos de idade, partindo da premissa que as atuais taxas de emprego, qualidade e quantidade da escolaridade e condições de saúde permanecem iguais. Agora a produtividade chega ao mercado de trabalho. A Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 5.1 ilustra a equação do ICHU: o ICHU simplesmente multiplica o ICH por uma taxa de utilização. A Taxa de Utilização refere-se à taxa de emprego da população em idade de trabalhar dos 18 aos 64 anos (para mais detalhes veja a Caixa 5.1).60 59 A menor taxa de desemprego desde 2012 foi registrada no último trimestre de 2013, em 6,3 por cento. Após o primeiro trimestre de 2016, a taxa de desemprego ficou consistentemente acima de 10 por cento, chegando a 14,9 por cento - o nível mais alto - no terceiro trimestre de 2020, durante a pandemia da COVID-19 (IBGE, 2021). 60 O ICH Global usa a taxa de desemprego para pessoas entre 15 e 64 anos de idade (World Bank, 2020d). No Brasil, a escolaridade obrigatória termina aos 17 anos, mas o trabalho é legalmente permitido para as pessoas de 14 a 18 anos, observadas as devidas restrições legais. Assim, a taxa de desemprego utilizada neste relatório considera as pessoas acima de 18 anos de idade. 94 Podemos considerar o ICHU a partir de duas perspectivas diferentes. Em primeiro lugar, como uma medida da produtividade esperada e perdida quando as pessoas enfrentam barreiras à utilização do seu capital humano no mercado de trabalho. Trata-se da perda de produtividade que depende das taxas de emprego. Por exemplo, a taxa de utilização na ausência de perdas seria igual a um, o que significa que todas as pessoas de 18 e 64 anos de idade estariam empregadas, ou que o ICH é igual ao ICHU. Talento no Trabalho. Em segundo lugar, o ICHU pode ser considerado como uma medida da produtividade esperada em relação a um ponto de referência em que as pessoas gozam de boa saúde, educação e emprego para todos. Este capítulo mostra como a baixa produtividade fragiliza os ganhos de produtividade e amplifica a desigualdade no Brasil. Figura 5.1 Metodologia do Índice de Capital Humano Utilizado De acordo com o ICHU, um brasileiro nascido em 2019 deve atingir somente 38,7 por cento da sua produtividade potencial até os 18 anos idade. Um ICH de 60,1 por cento ponderado pelas taxas de emprego resulta em um ICHU nacional 21,4 pontos mais baixo. Isso significa que 35,6 por cento do talento brasileiro é perdido devido à subutilização no mercado de trabalho. Baixas taxas de emprego deixam marcas profundas. Deixar de promover o talento potencial tem implicações óbvias para a sociedade brasileira, particularmente para a economia. A Figura 5.2 mostra os impactos do ICH subutilizado no PIB. O ICH indica que se todas as crianças tivessem acesso a serviços adequados de educação e saúde o PIB per capita do Brasil aumentaria em 66 por cento. Por outro lado, baixas taxas de utilização geram um choque considerável no PIB per capita.61 A Figura 5.2 mostra que o ganho potencial associado ao pleno capital humano e pleno emprego para toda a população em idade de trabalhar chegaria a 158 por cento - ou seja, 2,5 vezes o PIB per capita de 2019. O mercado de trabalho amplifica a ideia dos “muitos Brasis”. Ao ilustrar-se o mercado de trabalho usando a equação de ICHU, as lacunas regionais apresentadas nos capítulos anteriores ficam maiores. A lacuna Norte-Sul, por exemplo, aumenta de 6 pontos no ICH para 10 pontos no ICHU, um aumento de mais Relatório de Capital Humano no Brasil de 60 por cento. O tamanho do aumento reflete a menor proporção da população em idade de trabalhar que está no mercado de trabalho no Norte e no Nordeste em comparação a outras regiões. A conclusão é preocupante: as regiões Norte e Nordeste desperdiçam dois terços de seu talento potencial devido à ausência de condições ideais para a formação de capital humano e à subutilização da população em idade de trabalhar. Existem duas barreiras: uma na acumulação e outra no uso do capital humano. 61 O ICHU pode ser interpretado como o relação entre o PIB per capita futuro em uma situação em que as políticas públicas ficam como estão, e o PIB per capita futuro em um mundo alternativo com plena utilização do capital humano. Veja a derivação matemática do ICHU e sua relação com o PIB per capita em Pennings (2020). 95 Diferenças entre o ICHU e o ICH ICHU e ICH em nível nacional, 2019 Saúde plena e Saúde plena, educação plena 1,00 educação plena e utilização plena Índice de Capital Humano (Utilizado) 0,80 O PIB per capita poderia ser  66%  maior O PIB per capita poderia ser  158%  maior 0,60 0,601 0,40 0,387 0,20 0,00 Índice de Capital Humano Índice de Capital Humano Utilizado Figura 5.2 Diferenças entre o Índice de Capital Humano Utilizado e o ICH A Figura 5.3 ilustra claramente como o ICHU amplifica as desigualdades geográficas no Brasil traçando o ICHU por estado.62 A Figura 5.3 traça o ICHU por estado no Brasil. As seções em azul indicam estados com ICHU acima da média nacional (38,7 por cento) e as seções em vermelho referem-se a estados com ICHU abaixo da média nacional. As áreas em vermelho escuro e azul escuro mostram áreas onde o ICHU está consideravelmente abaixo ou acima da média nacional, respectivamente. As caixas apresentam o ICHU estimado por estado, e as linhas tracejadas mostram os ICHUs regionais. O contraste geográfico fica ainda mais claro. Dois estados do Nordeste têm os menores ICHUs. A Figura 5.3 mostra Alagoas e que dois estados do Nordeste têm os menores ICHUs. Tanto Alagoas Maranhão têm os quanto Maranhão (ambos em vermelho) são estados economicamente desfavorecidos, com baixos salários, baixo PIB per capita e altas taxas menores ICHUs. de pobreza.63 Seus ICHUs são os mais baixos do Brasil - Alagoas tem 26,3 por cento e Maranhão tem 26,9 por cento, ou cerca de 17 pontos de ICHU menos que o estado de São Paulo. O Capítulo 2 mostra que Alagoas e Maranhão já estavam na parte inferior da classificação do ICH de 2019 (na 24ª e na 22ª posição, respectivamente), mas o que faz a produtividade esperada dos estados cair tão fortemente é a baixa proporção do capital humano que está sendo utilizado no mercado de trabalho (cerca de 47 por cento em 2019). Contrastando com Alagoas e Maranhão, São Paulo e Santa Catarina têm as melhores classificações no ICHU. Todos os estados do Sul e Sudeste do Brasil estão acima do ICHU nacional, bem como Rondônia (Norte), que apresenta um ICHU de 0,392. Isso confirma as desigualdades regionais discutidas nos capítulos anteriores. São Paulo e Santa Catarina já estavam entre os três estados melhor Relatório de Capital Humano no Brasil classificados no ICH e as suas taxas de emprego são relativamente altas (69,3 por cento e 71,9 por cento, respectivamente). 62 Uma maneira de interpretar as evidências é olhando para o coeficiente de variância. Para o ICH, o coeficiente de variância em nível estadual é de 1,5 pontos do ICH. Para o ICHU, chega a 3,8 pontos do ICHU. A variabilidade do ICHU é duas vezes maior que a do ICH em nível estadual. 63 Os rankings estaduais da média salarial (PNAD 2019) mostram que Maranhão e Alagoas ocupam a 26ª e 24ª posição, com média salarial de R$ 1.287 e R$ 1.455, respectivamente. Em 2019, o Maranhão tinha o menor PIB per capita e a posição de Alagoas não era muito melhor: ocupava a 22a posição de 26 estados e o Distrito Federal (IBGE, 2019b). Em Maranhão e Alagoas, em torno de 37,3 por cento e 30,8 por cento da população recebe Bolsa Família (Bolsa Família e Cadastro Único no seu município, n.d.). 96 Figura 5.3 A Geografia do Índice de Capital Humano Utilizado no Brasil O fato de São Paulo e Alagoas ocuparem posições diferentes no ranking do ICHU (Figura 5.4) esconde um detalhe importante: mais da metade do capital humano se perde quando incorporamos as taxas de emprego na equação. A Figura 5.4 ilustra essas perdas apresentando as diferenças entre o ICH (laranja claro) e o ICHU (laranja escuro) por estado no Brasil. O menor ICHU está em Alagoas, onde a redução é de um ICH de 57 por cento para um ICHU de 26 por cento – ou seja, uma queda de 30,4 pontos. Embora o ICH de Alagoas seja semelhante aos de Paraíba e Rio Grande do Norte, seu ICHU é 6 pontos menor. Semelhantemente, estados do Norte como Amapá e Pará tiveram ICH mais baixo, porém após ponderar-se o resultado pela taxa de utilização, superaram o estado de Alagoas. Igualmente talentosos, oportunidades desiguais. No Maranhão o ICHU é comparável, porém com números levemente menos dramáticos (queda de 28,4 pontos no ICHU). O Nordeste em geral é fortemente atingido: dos 10 estados que mais perderam produtividade devido às taxas de utilização, nove estão no Nordeste. A produtividade e Um dos motivos que explicam essa queda substancial de produtividade no Nordeste é a forte associação entre o ICH e as taxas de emprego as oportunidades no Relatório de Capital Humano no Brasil (correlação igual a 0,74). A produtividade e as oportunidades no mercado de trabalho mercado de trabalho estão inerentemente conectadas. Uma explicação para essa associação vem da relação entre escolaridade e estão inerentemente emprego, já que uma escolaridade adequada prepara as pessoas para conectadas. o mercado de trabalho. O Ceará, um caso de sucesso na educação, apresenta o maior ICHU do Nordeste (Figura 5.4). Em lugares onde os alunos abandonam a escola prematuramente ou a qualidade do ensino é deficitária, as pessoas não vão conseguir adquirir as competências necessárias para ingressar no mercado de trabalho, particularmente no setor formal (World Bank, 2021d; De Hoyos et al., 2016). A Caixa 5.2 discute as diferenças entre os mercados de trabalho formal e informal no Brasil, e como elas afetam a utilização do capital humano. 97 ICH vs. ICHU, 2019 ICHs e ICHU dos estados As Taxas de Emprego Reduzem Fortemente a Produtividade Esperada 0,00 0,15 0,30 0,45 0,60 Rondônia 0,39 0,61 Acre 0,31 0,58 Amazonas 0,34 0,57 Roraima 0,36 0,57 Pará 0,33 0,54 Amapá 0,32 0,55 Tocantins 0,36 0,59 Maranhão 0,27 0,55 Piauí 0,33 0,57 Ceará 0,36 0,61 Rio Grande do Norte 0,32 0,57 Paraíba 0,32 0,57 Pernambuco 0,34 0,60 Alagoas 0,26 0,57 Sergipe 0,32 0,56 Bahia 0,32 0,55 Minas Gerais 0,41 0,61 Espírito Santo 0,43 0,62 Rio de Janeiro 0,37 0,58 São Paulo 0,44 0,63 Paraná 0,44 0,63 Santa Catarina 0,45 0,63 Rio Grande do Sul 0,43 0,61 Mato Grosso do Sul 0,43 0,61 ICH Relatório de Capital Humano no Brasil Mato Grosso 0,41 0,59 Goiás 0,43 0,63 ICHU Distrito Federal 0,42 0,63 Figura 5.4 As Taxas de Emprego Reduzem Fortemente a Produtividade Esperada 98 Caixa 5.2 O Mercado de Trabalho Informal e o Índice de Capital Humano Utilizado O que é o mercado de trabalho informal? No Brasil, a informalidade é entendida como uma relação de trabalho não sujeita ao regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), decreto estabelecido em 1943 que rege as relações trabalhistas no Brasil. Naturalmente, estar no mercado de trabalho formal tem vantagens diretas, como por exemplo: (i) jornada máxima de trabalho semanal e horas extras; (ii) salário-mínimo; (iii) férias remuneradas; (iv) licença maternidade; (v) aviso prévio de demissão; e (vi) décimo terceiro salário anual. Trabalhadores informais carecem do vínculo formal de um contrato de trabalho e, portanto, não gozam desses benefícios. Extensas pesquisas mostram que países com níveis elevados de informalidade também têm menores níveis de crescimento e de renda per capita, e maiores taxas de pobreza e desigualdade (Ohnsorge eYu, 2022). Pesquisas também indicam que o rendimento médio de trabalhadores formais no setor privado no segundo trimestre de 2018 era de R$2.148, enquanto trabalhadores informais recebiam R$1.259 - ou 41,4 por cento a menos (Furtado, 2018). Qual é o tamanho do mercado de trabalho informal no Brasil? Em 2019, 41,6 por cento de todos os trabalhadores brasileiros estavam no setor informal. No Brasil, a informalidade oferece uma alternativa rápida de geração de renda para populações vulneráveis que enfrentam dificuldades para entrar no setor formal. Desde 2014 houve um aumento no número de empregos informais em áreas como transporte, armazenagem e correios, hospedagem, indústria de alimentos e construção civil (Etco, 2021). O nível de escolaridade dos trabalhadores informais costuma ser mais baixo e ter um perfil específico: em 2019, quase metade (47,4 por cento) eram negros (IBGE, 2020b). Entre 2015 e 2019, a informalidade aumentou 4,8 pontos percentuais entre pessoas com diploma de ensino superior e 2,7 pontos percentuais na população geral. (IDados, 2020). Devido a seu tamanho, o setor informal tem contribuído muito para a economia do país, com contribuição estimada em 17,1 por cento do PIB do Brasil (IDados, 2020). Quais são os efeitos dos mercados de trabalho formal e informal no ICH? Em países em desenvolvimento como o Brasil, a participação no mercado de trabalho formal é restrita. Em algumas regiões a informalidade é a forma mais comum de trabalho. Diante desse quadro, este capítulo inclui a participação nos mercados de trabalho formal e informal no ICHU. A Figura B.5.2 apresenta as implicações dessa opção comparando o ICHU do mercado de trabalho formal das diversas regiões com o ICHU da combinação do mercado trabalho formal e informal dessas mesmas regiões. Conforme mostra a Figura B.5.2, no Brasil o mercado de trabalho formal (barras em marrom) responde por um ICHU médio de 24 por cento. Esse resultado significa que a ponderação pela participação no mercado formal reduz a produtividade de um brasileiro médio de 60 por cento (ICH) para 24 por cento (ICHU) em relação ao seu potencial pleno. Os outros 76 pontos percentuais ou não são acumulados graças às condições de saúde e educação adequadas (40 pontos percentuais) ou não são aplicados no mercado formal (36 pontos percentuais). Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil a situação é ainda pior: somente 14 por cento do talento Relatório de Capital Humano no Brasil é utilizado no mercado de trabalho formal. Empregos informais sustentam 61,6 por cento dos trabalhadores do Norte e 56,9 por cento dos trabalhadores do Nordeste (IBGE, 2020). Como no Brasil a porcentagem da população em idade de trabalhar empregada no setor informal costuma ser grande, a inclusão da participação no mercado formal e informal aumenta o ICHU em ao menos 60 por cento, ou 15 pontos de ICHU. 99 Caixa 5.2 (Continuação) Utilização do Capital Humano no Mercado de Trabalho Formal e Informal ICHU em nível regional, 2019 Norte 0,14 0,34 0,56 Nordeste 0,14 0,32 0,57 Sudeste 0,28 0,42 0,62 Sul 0,32 0,44 0,62 Centro-Oeste 0,27 0,43 0,62 Brasil 0,24 0,39 0,60 0,00 0,23 0,46 0,69 Índice de Capital Humano Utilizado Índice de Capital Humano Utilizado Índice de Capital Humano Utilizado Índice de Capital Humano (Somente mercado de trabalho formal) (Mercado de trabalho formal e informal)  Figura B.5.2 Utilização do Capital Humano no Mercado de Trabalho Formal e Informal Desagregação do Índice de Capital Humano Utilizado Esta seção investiga as discrepâncias na acumulação de capital humano por gênero e raça no contexto do capital humano utilizado. Começa pela desagregação do ICHU por gênero e, em seguida, apresenta o ICHU por raça, concluindo com uma análise da combinação de raça e gênero. Índice de Capital Humano Utilizado por Gênero Relatório de Capital Humano no Brasil Metade do talento A produtividade das mulheres no mercado de trabalho feminino não é absorvido costuma ser maior que a dos homens. O fato de as mulheres acumularem mais capital humano ao longo do ciclo de vida pode pelo mercado de trabalho ser explicado por mais saúde na idade adulta e, até certo ponto, por mais escolaridade. As perspectivas parecem positivas: a expectativa seria de que o ICH mais alto levasse a uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho. Contudo, a Figura 5.5 mostra que não é isso o que acontece: a ponderação pelas taxas de utilização transforma a vantagem das mulheres no ICH em vantagem dos homens no ICHU. A vantagem de sete pontos no ICH vira uma desvantagem de oito pontos no ICHU devido a taxas de emprego mais baixas. 100 A Figura 5.5 também mostra que, levando-se em conta a participação na força de trabalho, a produtividade esperada de um homem médio é de aproximadamente dois quintos do seu potencial total (ICHU = 0,396). Para as mulheres é de apenas um terço (ICHU = 0,321). Os resultados indicam que pelo menos 60 por cento do capital humano potencial está sendo desperdiçado, tanto dos homens quanto das mulheres. As mulheres enfrentam obstáculos consideráveis para entrar no mercado de trabalho. O primeiro obstáculo diz respeito às responsabilidades domésticas e aos cuidados infantis. O número insuficiente de creches e pré-escolas públicas potencializa os efeitos dessa realidade, particularmente nos primeiros anos após o parto. O segundo obstáculo refere-se a crenças com viés de gênero que desestimulam a participação das mulheres no mercado de trabalho. Por exemplo, quase metade dos brasileiros acredita que ser dona de casa e ter um trabalho remunerado são igualmente gratificantes; mais de um terço das mulheres considera que ganhar mais que os seus maridos é um problema; e um quinto das mulheres acha que os homens são melhores executivos ou líderes políticos que as mulheres (Haerpfer et al., 2020). Maior Capital Humano, Menores Taxas de Utilização entre as Mulheres ICHU por gênero, 2017 Ajustando pelas Taxas de Emprego 0,60 0,60 0,53 -25,5% -46,5% Índice de Capital Humano 0,40 0,40 0,32 0,20 0,00 Homens Mulheres Índice de Capital Humano Índice de Capital Humano Utilizado Figura 5.5 Maior Capital Humano, Menores Taxas de Utilização entre as Mulheres O terceiro obstáculo surge no local de trabalho, quando as mulheres são tratadas desfavoravelmente por causa do seu gênero. Discriminação na gravidez, perseguição, assédio sexual e demissão por licença maternidade (apesar de uma lei que garante o direito à licença maternidade) são Relatório de Capital Humano no Brasil exemplos típicos da desigualdade de gênero no local de trabalho (Oliveira Turatti e Moretti-Pires, 2017; Liguori et al., n.d.). No que tange os empregos formais, homens e mulheres trabalham o mesmo número de horas. Mas apesar de fazer parte da força de trabalho, as mulheres continuam arcando com boa parte das responsabilidades domésticas que não costumam ser contabilizadas (Andrade, 2016).64 A Caixa 5.3 discute as desvantagens no emprego e nos rendimentos das mulheres depois da maternidade. 64 Em 2019, as mulheres ocupadas trabalhavam quase o dobro de horas que os homens ocupados, dedicando 18,4 horas semanais às tarefas domésticas e cuidados com idosos, em comparação às 10,4 horas dos homens (IBGE, 2020a). 101 Caixa 5.3 Quais São as Barreiras que as Mulheres Enfrentam ao Utilizar Seu Capital Humano? Lorena Hakak, PhD Universidade Federal de ABC e GeFam (Laboratório de Gênero e Família) O Brasil tem seguido a tendência dos países desenvolvidos e da América Latina, onde as mulheres frequentam a escola por mais tempo que os homens (Barro e Lee, 2013; Chiappori et al., 2009; Madalozzo, 2010). Em 1982, a escolaridade média dos homens e das mulheres no Brasil era de quatro anos. Em 2015, esse número havia saltado para 9 e 10 anos, respectivamente. Entre 1982 e 2015 houve também um aumento estrondoso na participação feminina no mercado de trabalho, acompanhada de uma redução na disparidade salarial.¹ Entre os fatores que podem explicar essa redução estão a queda na taxa de fertilidade, a postergação da maternidade e a postergação do casamento. A despeito desses avanços, a participação das mulheres no mercado de trabalho ainda é menor que a dos homens, particularmente entre mulheres casadas e com filhos menores de seis anos. O retorno do investimento em educação é positivo tanto para os homens quanto para as mulheres, porém o ganho é maior para as mulheres.² Ocupações em ciências naturais, engenharia e física explicam os salários mais altos, em média, tanto para homens quanto para mulheres, embora esse efeito seja maior para as mulheres. No entanto, o número de homens que trabalha nessas áreas ainda é maior que o de mulheres: em 2015, a proporção da força de trabalho total era de 1,4 por cento e 0,5 por cento, respectivamente. Mulheres casadas ganham, em média, 24 por cento menos que as mulheres não casadas. Os salários menores parecem em boa parte ser fruto das horas dedicadas às tarefas domésticas. O trabalho doméstico e as responsabilidades como cuidadoras reduzem o tempo disponível para o trabalho remunerado. As mulheres gastam, em média, 30 horas mais no trabalho doméstico e ganham 33 por cento menos que as mulheres que não dedicam tempo a tarefas domésticas. Além disso, de acordo com Folbre e Nelson (2000), “esforços para conciliar o trabalho remunerado com as responsabilidades familiares resultam em estresse e sobrecarga.” Em média, em 2015 as mulheres despendiam 28 horas por semana fazendo trabalho doméstico, enquanto os homens casados despendiam 10 horas. As mulheres passam três vezes mais horas que os homens fazendo trabalho não remunerado. As normas de gênero diferem entre os países e, de acordo com Jayachandran (2021), têm impactos importantes na participação e sucesso das mulheres no mercado de trabalho remunerado. Esse resultado sugere que as horas despendidas com trabalho doméstico e cuidados têm efeito negativo para as mulheres no mercado de trabalho. Além disso, é possível que as mulheres casadas e com filhos tenham, em média, menos experiência no mercado de trabalho devido à licença maternidade e por terem ficado mais tempo fora do mercado, o que reduz seus rendimentos médios.³ Esse padrão não se observa entre os homens. Após excluirmos da equação o trabalho em tempo integral, nível de escolaridade, número de Relatório de Capital Humano no Brasil filhos, trabalho doméstico e estado civil, não existe disparidade salarial entre mulheres brancas e não brancas. Para os homens, contudo, a diferença nos rendimentos entre brancos e não brancos persiste, com homens brancos ganhando em média 10 por cento a mais que homens não brancos. Para identificar as principais variáveis que reduzem a probabilidade das mulheres de participar do mercado de trabalho — como ter filhos menores de cinco anos de idade, ser casada e dedicar mais de 15 horas por semana a trabalhos domésticos — foi realizada uma nova análise. Os resultados indicam que a utilização do tempo em trabalho não remunerado afeta a probabilidade de entrar no mercado de trabalho. 102 Caixa 5.3 (Continuação) Apesar de não poderem ser interpretados diretamente como efeitos causais, os resultados chamam a atenção para questões relacionadas às normas sociais. Tentar mudar as normas sociais é difícil, mas é algo que provavelmente poderia mitigar os efeitos negativos que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho. O número excessivo de horas despendidas com trabalho doméstico reduz os salários das mulheres e sua probabilidade de participar do mercado de trabalho. Um dos obstáculos que as mulheres no Brasil enfrentam para acumular capital humano parece ter sido superado com o aumento da escolaridade. Ainda há muito por melhorar, especialmente em relação às disparidades raciais. Existe ainda a possibilidade de desenvolver políticas públicas para aumentar a divisão equitativa do trabalho doméstico entre homens e mulheres e mitigar os efeitos negativos para as mulheres no mercado de trabalho. Também é importante aumentar os esforços para atrair mais meninas para carreiras em ciência e engenharia, que costumam oferecer salários mais altos. 1 Por exemplo, a proporção de mulheres casadas inseridas do mercado era de 34 por cento em 1982 e aumentou para 66 por cento em 2015. Além disso, em 1982 os rendimentos auferidos pelos homens eram, em média, 6,5 vezes maiores que os de suas esposas. Em 2015, a lacuna era de 1,5 vezes (PNAD, 1982 e 2015). O Preço 2 O que o Mercado motivo pode serde Trabalho um viés Cobra das Mulheres de seleção, já que as mulheres mais produtivas estão no mercado de trabalho. O Diferenças Entre o ICH coeficiente e o ICHU pode das estar Mulheres em Todas positivamente as Regiões, devido enviesado 2017 à omissão de uma variável — a capacidade não observada das O Preço que o mulheres noMercado mercado dede Trabalho trabalho.Cobra das Mulheres Brasil -46.6 -46,6%em Todas as Regiões, 2017 Diferenças Entre o ICH e o ICHU das Mulheres 3 Machado e Pinho Neto (2016) constatam uma queda no emprego das mulheres após a licença maternidade. que o Mercado de Trabalho O PreçoBrasil -46.6 Cobra das Mulheres -46,6% Diferenças Entre o ICH e o ICHU das Mulheres em Todas as Regiões, 2017 O Preço que o Mercado de Trabalho Cobra das Mulheres Brasil Diferenças -46.6 em Todas as Regiões, 2017 -46,6% Entre o ICH e o ICHU das Mulheres O que o Mercado de Trabalho PreçoBrasil -46.6 Cobra das Mulheres Centro-Oeste -46,6% -44,1% -44.1 Diferenças Entre o ICH e o ICHU das Mulheres em Todas as Regiões, 2017 Embora as barreiras descritas existam em todo Centro-Oeste -44,1% -44.1 -46.6 -46,6% o Brasil, em algumas regiões a participação das O PreçoBrasil que o Mercado de Trabalho Cobra das Mulheres Diferenças Entre o ICH e o ICHU das Mulheres em Todas as Regiões, 2017 mulheres no mercado de trabalho é afetada Centro-Oeste -44,1% -44.1 mais adversamente. A Figura 5.6 mostra que Brasil -46.6 -46,6% o ICHU das mulheres é consideravelmente mais Centro-Oeste Sul -44,1% -44.1 -38.8 -38,8% reduzido no Norte e Nordeste do Brasil. Nessas Sul Centro-Oeste -38.8 -38,8% -44,1% -44.1 regiões, a taxa de emprego das mulheres é de 46,9 por cento e 44,2 por cento, respectivamente. Essas Sul -38.8 -38,8% taxas são muito inferiores às do Sul (61,2 por cento) Centro-Oeste -44,1% -44.1 Sul -38.8 e Sudeste (57,2 por cento). Não constitui surpresa Sudeste -42.8 -38,8% -42,8% que as taxas sejam também muito inferiores às dos Sudeste Sul -42.8 -42,8% -38.8 homens, que variam de 67,6 por cento a 79,9 por -38,8% cento. Em todos os estados, o ICH das mulheres é Sudeste -42.8 -42,8% maior que o dos homens, mas o seu ICHU é menor. Sul -38.8 -38,8% Sudeste -42.8 Mais talentosas, mas com menos oportunidades. As Nordeste -55.8 -55,8% -42,8% menores disparidades de gênero foram encontradas Nordeste Sudeste -55.8 -55,8% -42.8 no Rio Grande do Sul e em São Paulo. -42,8% Nordeste -55.8 -55,8% Embora o ICHU responda pelas taxas Sudeste -42.8 -42,8% Relatório de Capital Humano no Brasil de emprego, não reflete as diferenças Nordeste Norte -55.8 -55,8% -53.1 -53,1% consideráveis no tipo de trabalho e nos Norte 0,20 0,30 -53.1 -53,1% 0,40 0,50 0,60 rendimentos entre os gêneros. No Brasil, Nordeste -55.8 -55,8% Índice de Capital Humano as mulheres costumam ocupar cargos na 0,20 0,30 0,40 0,50 0,60 Norte -53.1 de Capital Humano -53,1% Índice administração pública ou relacionados ao serviço Nordeste ICHU Mulheres -55.8 -55,8% ICH Mulheres doméstico, mas representam a minoria no setor Norte 0,20 0,30 -53.1 -53,1% ICHU Mulheres 0,40 0,50 ICHHumano Mulheres 0,60 Índice de Capital de indústria e construção (IBGE, 2010). Em 2019, Norte 0,20 0,30 -53.1 0,40 0,50 0,60 as mulheres representavam apenas 37,4 por -53,1% ICHHumano Índice de Capital ICHU Mulheres Mulheres Figura 5.6 cento dos cargos gerenciais e 16 por cento dos 0,20 0,30 0,40 0,50 0,60 cargos eletivos em conselhos (IBGE, 2020a). Além O Preço que Norte o ICHU Mercado -53.1 de Mulheres Índice -53,1% deTrabalho ICHHumano Capital Cobra das Mulheres Mulheres disso, as mulheres estão significativamente sub- 0,20 0,30 ICHU Mulheres 0,40 0,50 ICH Mulheres 0,60 Índice de Capital Humano ICHU Mulheres ICH Mulheres 103 representadas nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês): 11 por cento das mulheres matriculadas no ensino superior estão em cursos de STEM (World Bank, 2021d). Uma sub-representação que prejudica a sociedade por inteiro. Disparidades como essas geram uma persistente desigualdade salarial, conforme mostra a Figura 5.7. A Disparidade Salarial de Gênero Não Muda entre Concluintes do Ensino Superior Salário-Hora por Gênero (Concluintes do Ensino Superior) de 2012 a 2019 45 40 Salário-Hora (Em Reais R$)* Lacuna: 35 -34% Lacuna: -32% 30 25 20 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019   Anos Homens Mulheres Fonte: PNAD. *Valores deflacionados para preços de 2019 Figura 5.7 A Disparidade Salarial de Gênero Não Muda entre Concluintes do Ensino Superior A Figura 5.7 apresenta a disparidade de rendimentos entre os gêneros entre 2012 e 2019 para concluintes do ensino superior. Apesar de terem as mais altas taxas de conclusão do ensino superior do Brasil, em 2019 as mulheres ganhavam, em média, 77 por cento do salário dos homens. Além disso, não houve mudanças significativas na disparidade salarial de gênero ao longo dos anos. Se em 2012 as mulheres com curso superior recebiam R$ 27,10 por hora, ou 34 por cento menos que os homens com a mesma escolaridade (R$ 41,20), sete anos depois a diferença permanecia praticamente inalterada (32 por cento). Disparidade salarial de gênero intacta. A conclusão geral é simples: apesar de acumular mais capital humano, as mulheres são desproporcionalmente prejudicadas pelo mercado de trabalho. Caixa 5.4 Licença Maternidade e Emprego da Mulher no Brasil Relatório de Capital Humano no Brasil Prof. Cecilia Machado Escola Brasileira de Economia e Finanças, FGV No último século, a participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou marcadamente no mundo inteiro. Esse feito tem incentivado empresas e governos a incluir em suas agendas as necessidades das mulheres relacionadas ao trabalho - por exemplo, na forma de políticas de licença maternidade. O desenho dessas políticas varia de um país ao outro, mas algumas constatações se repetem. 104 Caixa 5.4 (Continuação) Até mesmo países conhecidos por suas “generosas políticas familiares” estão deixando de fornecer um ambiente laboral equitativo para as mulheres. Na Dinamarca, os pais recebem 18 semanas de licença maternidade remunerada e 32 semanas de licença parental remunerada, podendo a licença parental ser compartilhada livremente entre a mãe e o pai. Ainda assim, as mulheres dinamarquesas que têm filhos são penalizadas nos seus resultados em comparação aos homens, conforme mostram os rendimentos e as taxas de participação no mercado de trabalho quando elas retornam ao trabalho (Kleven et al., 2019a). Os filhos são o principal fator nas decisões que as mulheres tomam em relação ao trabalho. Penalidades relacionadas aos filhos também foram observadas em outros países além da Dinamarca, como Suécia, Alemanha, Áustria, Reino Unido e Estados Unidos (Kleven et al., 2019b). Enquanto os homens são, em geral, pouco afetados pelo nascimento do primeiro filho, as mulheres enfrentam um caminho perverso de quedas persistentes nos rendimentos do qual não conseguem se recuperar nem mesmo 10 anos depois. Os efeitos de longo prazo das penalidades relacionadas aos filhos são menores em países escandinavos, seguidos dos países de língua inglesa e alemã. Isso indica que outras características — como as normas de gênero — podem estar impulsionando a desigualdade de gênero. No Brasil, as políticas de licença dão às mulheres empregadas o direito a 120 dias de licença com remuneração completa. Dados de empregadores e empregados da Relação Anual Informações Sociais (RAIS) permitem estimar as penalidades impostas a mulheres em empregos com carteira assinada que utilizam a licença. Pesquisas mostram uma queda considerável nas taxas de emprego logo após o período de proteção conferido pela licença, o que indica que muitas mulheres deixam o emprego após o parto (Machado e Pinho Neto, 2016). Contudo, os efeitos sobre o emprego são menores para mulheres com níveis de escolaridade mais altos, o que indica que a licença parental pode melhorar a subutilização do capital humano das mulheres. Os resultados mostram uma queda de 41 por cento no emprego 12 meses após o parto. Além disso, 48 meses após o parto, 50 por cento das mulheres abandonam o setor formal (Machado e Pinho Neto, 2016). A queda é menor, porém ainda considerável, para mulheres que estavam empregadas 24 meses antes do parto (32 por cento e 39 por cento, respectivamente). Em relação aos salários, 48 meses após o parto a penalidade salarial é de R$ 760 a R$ 775, o que corresponde a uma redução de 36 por cento (dos rendimentos auferidos quando a mulher sai de licença, ou R$2.088 em média). Os efeitos no emprego são menores para as mulheres que têm mais que um diploma de ensino médio: somente 27 por cento deixam o setor formal 24 meses após o parto e esse número permanece relativamente estável nos 48 meses seguintes (32 por cento). Quanto a mulheres com baixa escolaridade (diploma de ensino médio ou menos), a penalidade continua bastante elevada, subindo de 53 por cento a 63 por cento nos 48 meses após o parto. Existem muitos motivos por que as políticas de licença funcionam melhor para as mulheres com mais escolaridade. A escolaridade está correlacionada a oportunidades de emprego, características da empresa, benefícios despercebidos do emprego e composição dos pares na força de trabalho — entre muitas outras características que estão incorporadas na relação de Relatório de Capital Humano no Brasil emprego. Todas elas contribuem para que as políticas de licença funcionem melhor para essas mulheres. A pesquisa também investiga o papel das políticas de licença na promoção da permanência da mulher no emprego, explorando a prorrogação da licença em 60 dias (de 120 a 180) (Machado e Pinho Neto, 2021). A política conferia isenções tributárias para empresas no valor aproximado do custo da extensão da licença maternidade (programa Empresa Cidadã). O trabalho mostra que nem mesmo uma ampliação substancial da licença consegue aumentar as taxas de retorno ao trabalho das mães no Brasil. 105 Caixa 5.4 (Continuação) Essa constatação está de acordo com a evidência de que o direito a um certo período de licença é importante para melhorar a continuidade do trabalho, mas que licenças mais longas ou extensões de políticas existentes podem afetar negativamente o avanço profissional das mulheres (Rossin-Slater, 2018). Apesar de não muito longa, a extensão de dois meses ocorre em um mercado de trabalho rígido e fortemente regulado, e quando os custos de ajustes como a substituição de funcionários são elevados, os custos da política aumentam (Ginja et al., 2020). Por outro lado, a situação no Brasil é tal que a utilização da licença ampliada é baixa. Neste caso, o motivo para a baixa adoção da licença ampliada orientada por gênero provavelmente tem a ver com normas culturais e de gênero. Considerando tudo isso, está claro que embora ter direito à licença seja importante para assegurar que as mulheres continuem empregadas, as instituições do mercado de trabalho, regras de políticas públicas e normas de gênero também têm o seu papel. Futuras políticas para aumentar a utilização do capital humano das mulheres precisarão levar em conta a interação entre esses fatores. Considerando as vantagens limitadas da extensão da licença maternidade, o direito à licença parental ou de paternidade parece uma boa opção para promover a igualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro. Índice de Capital Humano Utilizado, por Raça Já se sabe que as pessoas negras acumulam consideravelmente menos capital humano que as pessoas brancas. O Capítulo 4 descreveu várias desigualdades entre negros e brancos, mas omitiu a penalidade racial no mercado de trabalho como fonte de disparidades raciais no capital humano. Esta seção discute esse ponto em mais detalhes, começando pela análise da Figura 5.8, que compara o ICH e ICHU médio da população branca e negra no Brasil. As Disparidades entre Negros e Brancos Aumentam após Considerar as Taxas de Utilização ICHU por raça, 2019 Ajustadas pelas Taxas de Emprego 0,60 Ajustadas pelas 0,63 Taxas de Emprego 0,56 -31,9% Índice de Capital Humano -38,4% 0,40 0,43 0,35 0,20 Relatório de Capital Humano no Brasil 0,00 Negros Brancos Índice de Capital Humano Índice de Capital Humano Utilizado Figura 5.8 As Disparidades entre Negros e Brancos Aumentam após Considerar as Taxas de Utilização 106 Em média, o ajuste pela participação na força de trabalho tem efeitos semelhantes no ICHU de brancos e negros. As evidências que fundamentam essa afirmação vêm da comparação das diferenças entre as barras marrom claro e marrom escuro na Figura 5.8. Enquanto a produtividade esperada de uma pessoa branca típica que ingressou no mercado de trabalho caiu para 43 por cento (20 pontos a menos que o ICH), o ICHU das pessoas negras no Brasil caiu para 35 por cento de seu capital humano potencial total, ou 21 pontos menos que o ICH. Como o ICHU só leva em conta as taxas de utilização e não inclui as características do emprego, as taxas de emprego não parecem ser a causa da disparidade racial no capital humano no Brasil. Inicialmente, a disparidade racial era de 7 pontos no ICH e, após o ajuste, passou para 8 pontos no ICHU. Este aumento de um ponto corresponde a taxas de utilização comparáveis: 68,1 por cento dos brancos de 18 a 64 anos estão empregados; para os negros, essa taxa é de 61,2 por cento. Disparidades raciais no ICHU são mais pronunciadas no Norte e Nordeste do Brasil. A Figura 5.9 detalha as disparidades raciais médias no ICHU por região em 2019. A menor disparidade entre brancos e negros foi encontrada no Sul (10,7 por cento), seguida pelo Centro-Oeste (12,8 por cento) e Sudeste (13,4 por cento). Em contrapartida, é no Nordeste que os negros atingem o menor ICHU no Brasil (aproximadamente 30 por cento) e onde as lacunas raciais (19,3 por cento) são duas vezes maiores do que no Sul. A Figura 5.9 também mostra que os negros do Sul e Centro-Oeste conseguem acumular um ICHU maior que os brancos do Norte e Nordeste do Brasil. Disparidades Raciais na Utilização de Capital Humano entre as Regiões UHCI, 2019 Centro-Oeste -12,8% -12.8 Sul -10,7% -10.7 Sudeste -13,4% -13.4 Nordeste -19,3% -19.3 Norte -17,0% -17.0 0,29 0,34 0,38 0,42 0,46 ICHU = ICH X Taxa de Utilização ICHU Negros ICHU Brancos Figura 5.9 Disparidades Raciais na Utilização de Capital Humano entre as Regiões O mercado de trabalho acentua a desigualdade racial na utilização de capital humano. A Figura 5.10 mostra a mudança nas disparidades raciais para cada estado do Brasil após a incorporação das taxas de emprego no ICH. Conforme discutido no Capítulo 4, em termos do ICH nenhum estado tem igualdade racial, e o mesmo vale para o ICHU. Na verdade, a disparidade racial aumenta no ICHU. Se o ICH e o ICHU fossem equivalentes para negros e brancos, todos os pontos da Figura 5.10 estariam perto da linha vertical Relatório de Capital Humano no Brasil “sem mudança.” No entanto, dado que os pontos aparecem do lado direito da linha vertical podemos ver que existe uma ampla deterioração na disparidade racial. Quanto mais para a direita, maior é o aumento da disparidade racial devido às taxas de utilização. Considerando-se a participação na força de trabalho, nenhum estado conseguiu reduzir a disparidade racial no capital humano. O fato de não existirem pontos do lado esquerdo da linha vertical “sem mudança” na Figura 5.10 mostra que, em se tratando da utilização do capital humano, o mercado de trabalho amplifica a desigualdade racial. Dito isso, só porque os pontos estão na linha “sem mudança” não significa que não existam disparidades raciais, mas sim que as disparidades de ICH e ICHU são iguais. Não há mudanças nas disparidades raciais. Isso quase acontece em Rondônia, onde a taxa de 107 As disparidades raciais no utilização é praticamente igual para populações negras e brancas (64,5 por cento). Na maioria dos estados, ICHU aumentam em todos os contudo, as disparidades raciais pioram por uma boa estados devido à participação margem. Em Piauí, Alagoas e Acre, todos no Norte e no Nordeste, as disparidades raciais no ICHU aumentaram desigual na força de trabalho marcadamente em pelo menos 12 por cento em relação às disparidades raciais no ICH.65 Caso o ICHU tivesse considerado a composição do mercado de trabalho, as disparidades raciais mostradas na Figura 5.10 provavelmente teriam sido maiores. Dados das 117 maiores empresas do Brasil66 revelaram que apesar dos negros serem maioria nos programas de trainee (58,2 por cento), somente 6,3 por cento ocupam cargos administrativos e 4,7, cargos executivos. Quando os gestores foram questionados sobre o motivo, 41,4 por cento alegaram falta de conhecimentos corporativos para lidar com esse desequilíbrio.67 Desafios sistemáticos impedem os negros de obter empregos estáveis e bem- remunerados. Além disso, existe discriminação racial no local de trabalho que ocorre frequentemente na forma ações comportamentais ou verbais sutis contra as comunidades marginalizadas (Sue et at., 2007). Um estudo mostrou que 76 por cento dos negros já presenciaram casos de discriminação racial em seus locais de trabalho, muitas vezes na forma de “piadas aparentemente inocentes” (Locomotiva e Central Única das Favelas, 2020). O Mercado de Trabalho Acentua a Desigualdade Racial Lacunas raciais no ICHU-ICH (em %), 2019 Piauí ( Nordeste ) Alagoas ( Nordeste ) Acre ( Norte ) Maranhão ( Nordeste ) Roraima ( Norte ) Tocantins ( Norte ) Pernambuco ( Nordeste ) Amapá ( Norte ) Sergipe ( Nordeste ) Rio Grande do Sul ( Sul ) Rio Grande do Norte ( Nordeste ) Ceará ( Nordeste ) Espírito Santo ( Sudeste ) Mato Grosso ( Centro-Oeste ) Pará ( Norte ) Amazonas ( Norte ) Paraíba ( Nordeste ) Paraná ( Sul ) Minas Gerais ( Sudeste ) Santa Catarina ( Sul ) Rio de Janeiro ( Sudeste ) São Paulo ( Sudeste ) Mato Grosso do Sul ( Centro-Oeste ) Bahia ( Nordeste ) Distrito Federal ( Centro-Oeste ) Goiás ( Centro-Oeste ) Rondônia ( Norte )   4% 8% 12% 16%  Sem Mudança Aumento percentual das Lacunas Raciais após Ajustar para as Taxas de Emprego Figura 5.10 Relatório de Capital Humano no Brasil O Mercado de Trabalho Acentua a Desigualdade Racial 65 As disparidades de raça podem ser maiores do que mostra o ICHU, porque a disparidade no ICHU é maior se considerarmos somente o emprego formal no ICHU. Considerando-se apenas o mercado formal de trabalho, o ICHU da população branca é 55 por cento maior que o da população negra. Ao incluir-se tanto o mercado formal quanto o informal, a diferença cai para 24 por cento. 66 A coleta de dados foi realizada em 2015 e analisou 117 das 500 maiores empresas do Brasil. 67 Na mesma pesquisa, 48,3 por cento afirmaram que a qualificação dos candidatos negros não era suficiente e 10,3 por cento afirmaram que os funcionários negros não estavam tão interessados assim nesses cargos (Ethos e Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2016). 108 Outra barreira é a disparidade racial-salarial: os trabalhadores negros ainda ganham menos que os seus homólogos brancos. Em 2019, a renda média dos trabalhadores brancos era 73,4 por cento maior que a renda média dos negros (IBGE, 2020b). A disparidade salarial entre as raças resulta, em boa medida, da diferença no tipo de ocupações entre brancos e negros. Em primeiro lugar, trabalhadores negros têm taxas menores de participação nas ocupações que costumam pagar os maiores salários. Em segundo lugar, mesmo quando os negros têm trabalho formal, este costuma estar concentrado em setores que pagam pouco - por exemplo: agricultura (62,7 por cento), construção civil (65,2 por cento) e trabalho doméstico (66,8 por cento) (IBGE, 2020b). Por outro lado, os trabalhadores brancos ocupam a maioria dos cargos nas áreas de administração pública, educação, saúde e serviços sociais, que oferecem salários mais altos (IBGE, 2020b). Esse fenômeno segrega automaticamente os trabalhadores negros e indígenas68 em empregos mal remunerados, mesmo quando são igualmente qualificados. Índice de Capital Humano Utilizado por Raça e Gênero O mercado de trabalho inverte as disparidades de gênero e aumenta a desigualdade racial na acumulação de capital humano. As principais mensagens desta subseção foram resumidas na Figura 5.11, que classifica o ICH e o ICHU de homens negros, mulheres negras, homens brancos e mulheres brancas em 2017, o último ano para o qual há dados desagregados por gênero disponíveis. Pessoas negras estão em amarelo e pessoas brancas, em azul. As cores mais escuras indicam homens e as mais claras, mulheres. Aqui vemos mais claramente os impactos combinados das taxas de emprego por gênero e raça na utilização do capital humano. Mulheres negras são penalizadas duas vezes no ICHU devido ao seu gênero e raça. Quanto ao gênero, as mulheres negras perdem 15,7 pontos devido à participação na força do trabalho na comparação com os homens negros. Quanto à raça, a disparidade no ICH entre mulheres brancas e negras aumentou em 3,3 pontos, de 4,6 pontos no ICH para 7,9 pontos no ICHU. A posição das mulheres e homens brancos se inverte quando consideramos o ICH utilizado. A Figura 5.11 mostra um nítido movimento. Embora a diferença calculada entre o ICH de homens brancos e negros chegue a 8 pontos, a disparidade no ICHU permanece praticamente estável (8,4 pontos), representando um aumento pequeno e relativamente insignificante de 0,4 ponto. Contudo, a situação muda quando calculamos a diferença entre mulheres e homens brancos. Estimativas do ICH mostram uma disparidade média de 6 pontos, o que significa que as mulheres se saem melhor na acumulação de capital humano. Apesar disso, o ICHU revela uma disparidade de 7,3 pontos a favor dos homens. A consequência do movimento positivo nos resultados no ICHU para os homens brancos e do movimento negativo para as mulheres negras é que os homens brancos acabam com uma produtividade esperada 50 por cento maior do que as mulheres negras. As disparidades de gênero e raça no índice de capital humano utilizado tendem a diminuir em níveis de escolaridade mais elevados. A Figura 5.12 reforça um argumento apresentado anteriormente e torna evidentes duas disparidades persistentes. A primeira corrobora o argumento de que a educação poderia reduzir as disparidades de gênero e raça na formação de capital humano. A título de exemplo, a disparidade entre homens brancos e mulheres negras cai de 49,5 por cento entre pessoas com nível de escolaridade inferior ao ensino médio para 25,2 por cento para pessoas com escolaridade superior ao ensino médio. Apesar desse aumento, duas desigualdades persistem: (i) o capital humano utilizado dos homens é maior que o das mulheres para ambas as raças e para todos os níveis de escolaridade; e (ii) a população branca tem um desempenho melhor que todos os seus homólogos. Diante dessas disparidades, esta seção termina com a Caixa 5.5, que discute o trabalho doméstico, predominantemente relegado às Relatório de Capital Humano no Brasil mulheres negras. 68 A pesquisa realizada em Roraima, o estado com a maior proporção de população indígena, mostrou que quase metade das pessoas maiores de 16 anos estava ocupada, embora a grande maioria (86 por cento) desse grupo de trabalhadores não estivesse no mercado formal (UNHCR e FIHF, 2021). 109 O Mercado de Trabalho Inverte a Disparidade de Gênero no Capital Humano Índice de Capital Humano Utilizado em Nível Nacional, 2017 (A) Índice de Capital Humano (B) Índice de Capital Humano Utilizado 0,65 0,45 0,60 0,40 ICHU ICH 0,55 0,35 0,50 0,30 0,45 0,25 Homens Negros Mulheres Negras Homens Brancos Mulheres Brancas Figura 5.11 O Mercado de Trabalho Inverte a Disparidade de Gênero no Capital Humano Desigualdades de Gênero e Raça na Taxa de Emprego por Nível de Escolaridade Taxa de Emprego Entre Pessoas de 18 a 64 Anos, por Raça, Gênero e Nível de Escolaridade, 2017 (a) Menos que Ensino Médio (b) Ensino Médio Completo (c) Mais que Ensino Médio 0,85 0,75 Lacuna Max-Min -25,2% Taxa de Emprego  0,65 Lacuna Max-Min -40,8% 0,55 Lacuna Max-Min -49,5% 0,45 Relatório de Capital Humano no Brasil 0,35 Homens Negros Mulheres Negras Homens Brancos Mulheres Brancas Figura 5.12 Desigualdades de Gênero e Raça na Taxa de Emprego por Nível de Escolaridade 110 Caixa 5.5 Raça, Gênero e Trabalho Doméstico Ao longo da história do Brasil, o trabalho doméstico remunerado tem se mostrado uma forma de trabalho com forte viés de gênero e raça, caracterizado pela super-representação de mulheres negras. Em 2018, havia 6,2 milhões de pessoas fazendo trabalho doméstico no Brasil, trabalhando como faxineiros, babás, cuidadores e jardineiros; desse total, 92 por cento eram mulheres e 68 por cento, mulheres negras. Apesar do número de trabalhadores domésticos ter caído desde 1995, as mulheres negras ainda são a maior proporção da força de trabalho em comparação a outros grupos de raça e gênero (Agência Brasil, 2019). A literatura sobre o assunto com frequência considera o trabalho doméstico como uma forma de trabalho vinculada à história colonial do Brasil e à sua divisão racial do trabalho. Durante o período colonial, as mulheres negras muitas vezes eram forçadas a trabalhar como escravas domésticas e a promulgação da república não trouxe novas oportunidades para as pessoas que tinham sido escravizadas. Assim, não houve nenhuma tentativa de subverter os lugares previamente destinados aos negros na sociedade. Pelo contrário, as condições do passado permanecem, porém com roupagem diferente, conforme vemos na indústria moderna do serviço doméstico. O trabalho doméstico costuma ser caracterizado como atividade econômica informal. Em 1995, somente dois em cada de dez trabalhadores domésticos tinham carteira assinada. Em 2018 o número tinha chegado a 28,6 por cento (Pinheiro et al., 2019). Não ter carteira assinada significa que os trabalhadores domésticos não contam com as mesmas condições de trabalho que os trabalhadores com emprego formal, o que os deixa desprotegidos. Com efeito, o setor é a única categoria profissional excluída do Código do Trabalho (Lei nº 150/2015, Artigo 1) (Acciari, 2019) e até 2015 não havia nenhuma legislação para proteger os direitos dos trabalhadores domésticos. Aprovada em 2015, a Lei Complementar nº 150 finalmente concedeu direitos aos trabalhadores domésticos, entre os quais o direito a contrato formal de trabalho, salário-mínimo e um número máximo de horas de trabalho. Apesar da adoção dessa regulamentação, a maioria dos trabalhadores domésticos continua trabalhando na informalidade e as mulheres negras continuam representando a maioria dos trabalhadores do setor. Talento no Trabalho O mercado de trabalho absorve cerca de dois terços do capital humano do Brasil. Após ajustar pelas taxas de emprego, o Brasil alcança 38,7 por cento de sua produtividade potencial total. Este capítulo foi construído com base na ideia de que a produtividade futura depende não somente das condições de formação de capital humano, como também de sua utilização no mercado de trabalho. Nesse sentido, o capítulo propõe uma análise do Índice de Capital Humano Utilizado. As taxas de emprego estão inerentemente vinculadas ao ICH. Em comparação a outras regiões, Relatório de Capital Humano no Brasil o Nordeste é duramente afetado pelas baixas taxas de utilização. O mercado de trabalho aprofunda a divisão em “muitos Brasis”. A taxa de utilização acentua não apenas as desigualdades geográficas, como também as desigualdades raciais. Pessoas negras têm um ICH 10,9 por cento e ICHU 19,4 por cento mais baixo que pessoas brancas. Em relação ao gênero, há uma inversão na questão do capital humano. As mulheres acumulam mais capital humano do que os homens, mas não são igualmente reconhecidas no mercado de trabalho, e é por isso que há tanta disparidade entre o ICH observado e o ICH utilizado. Por causa das taxas de emprego, os sete pontos de vantagem no ICH viram uma desvantagem de oito pontos no ICHU. 111 Um exame cuidadoso do ICHU - em termos de raça e gênero - e a sua comparação ao ICHU mostram uma nítida mudança. Homens brancos, antes atrás das mulheres negras, agora sobem para o topo do ranking, enquanto as mulheres negras são, em boa medida, penalizadas e deixadas para trás. Mulheres negras ainda enfrentam uma dura realidade quando tentam capitalizar a sua produtividade: em virtude da segregação e marginalização enfrentada pelas mulheres negras ao longo da história, quando utilizam o seu capital humano atingem apenas 28,6 por cento de seu potencial. Em geral, os efeitos do mercado de trabalho são maiores para mulheres e negros. Esses grupos são prejudicados não só em termos das taxas de emprego, como também em relação aos salários e condições de trabalho.  Este capítulo descreve a utilização do capital humano antes da pandemia da COVID-19. Partindo da premissa que a pandemia teve impactos mais graves nos grupos vulneráveis e marginalizados, é provável que vejamos uma disparidade ainda maior em termos de geografia, gênero e raça na formação e utilização do capital humano. O Capítulo 6 examinará as consequências da pandemia da COVID-19 no capital humano do Brasil em mais detalhes. Relatório de Capital Humano no Brasil 112 Capítulo 6 Acumulação de capital humano em meio à pandemia de COVID-19 A Década Perdida Mensagens Principais  A COVID-19 provocou um retrocesso no ICH brasileiro para níveis anteriores a 2009. As estimativas mostram uma queda de 0,601 em 2019 para 0,540 em 2021 (cenário realista).  Os efeitos da pandemia de COVID-19 estão sendo sentidos por pessoas de todas as idades, principalmente as crianças pequenas.  Metade da perda de ICH resulta de reduções nos anos esperados de escolaridade.  Trinta por cento da perda de ICH se deve a quedas nas taxas de sobrevivência de adultos.  Há muitas pandemias dentro desta pandemia. Houve maiores impactos no ICH e ICHU de negros e mulheres, por exemplo.  Mantida a taxa de crescimento de ICH de 2007 a 2019, o Brasil precisaria de 10 a 13 anos para retornar aos níveis de capital humano anteriores à pandemia. O Relatório de Capital Humano do Brasil até agora contou uma história sobre a acumulação de talentos no Brasil durante a década anterior à pandemia de COVID-19. Discutiu as múltiplas facetas – muitos Brasis e muitas desigualdades -, o progresso – melhor, mas desigual – e a utilização – talento no trabalho – do capital humano no Brasil. Agora, a pandemia de COVID-19 interrompe essa narrativa. A pergunta passa a ser: qual é o legado da COVID-19 em termos da acumulação de capital humano no Brasil? Em que medida a pandemia está mudando o rumo? Este capítulo responde a essa pergunta em três partes interligadas. A primeira parte, A História Interrompida, apresenta a ideia de que os ganhos recentes de ICH foram, de fato, comprometidos. A segunda parte, A Década Perdida, simula os impactos da COVID-19 no ICH para medir o grau de comprometimento desses ganhos. A terceira e última parte, Muitas Pandemias, demonstra as consequências da pandemia, que variam entre diferentes grupos de pessoas. A pandemia está deixando uma marca profunda no cenário de acumulação de capital humano no Brasil. O primeiro caso A pandemia está de COVID-19 no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020. O vírus se espalhou rapidamente: até o final de maio de 2022, deixando uma marca haviam ocorrido cerca de 665 mil mortes no Brasil. Em termos de profunda no cenário de mortes per capita, o Brasil ocupa a 7ª posição entre os países de renda média-alta e a 14ª posição global (ver a Figura 6.1).  O Brasil acumulação de capital também tem o segundo maior número de mortes per capita entre humano no Brasil. os países da América Latina (atrás apenas do Peru). A pandemia também afetou diretamente a educação. Muitas escolas fecharam como resultado da escalada de casos de COVID-19 no Brasil. O plano inicial - de apenas algumas poucas semanas de ensino à distância - tornou-se um dos fechamentos escolares mais prolongados do mundo (Figura 6.1). Enquanto as escolas em países como França e Espanha ficaram fechadas por menos de 15 semanas, no Brasil o período de fechamento das escolas foi mais de cinco vezes maior, com duração média de 78 semanas. A Figura 6.2, Três impactos interligados: na saúde, na educação e também no mercado de trabalho, ilustra como a COVID-19 pode impactar todas as fases da vida na formação do capital humano. (A) Número de mortes por COVID-19 (B) Duração do fechamento das escolas (por milhão de habitantes) (em semanas) 15 países de renda média-alta no topo da classificação 15 países de renda média-alta no topo da classificação Fonte:  Our World in Data (Dez 2021) Fonte : UNESCO  (1) Peru 6.076 (1) Panamá 81 (2) Bulgária 4.488 (2) Argentina 79 (3) Bósnia e Herzegovina 4.119 (3) Costa Rica 79 (4) Montenegro 3.839 (4) Equador 79 (5) República da Macedônia 3.822 (5) Brasil 78 (6) Romênia 3.072 (6) Chile 77 (7) Colômbia 77 (7) Brasil 2.894 (8) Peru 75 (8) Lituânia 2.746 (9) México 71 (9) Argentina 2.569 (10) Venezuela 71 (10) Colômbia 2.535 (11) Granada 69 (11) Letônia 2.448 (12) Antígua e Barbuda 65 Relatório de Capital Humano no Brasil (12) México 2.299 (13) Santa Lúcia 65 (13) Tunísia 2.142 (14) Cuba 62 (14) Rússia 2.074 (15) Irã 62 (15) Chile 2.036 Data de referência: 30 nov 2021 Referente a fechamentos totais e parciais Figura 6.1 Classificação de Países de Renda Média-Alta por Número de Mortes por COVID-19 e por Tempo de Fechamento das Escolas 115 Sobre vivênc ia Infa ntil e D Cresc é imento ficit de Educa ção Taxa de S obre vivê ncia de A dult os Redução da Fechamento de atenção pré - creches e pré - Retrocesso na natal escolas alfabetização Perda de rendimento escolar Abandono escolar Desemprego Desnutrição e insegurança alimentar Redução da participação na força de trabalho Crianças Redução da saúde mental (todas as Sistema de saúde Estresse dos pais sobrecarregado idades) Orfandade Perda de Capital Humano Figura 6.2 Impactos da Pandemia de COVID-19 em todo o Ciclo de Vida A História Interrompida O legado da pandemia no Brasil começa com a interrupção da história de acumulação de capital humano observada nos últimos 12 anos. Isso pode ser observado em cada subcomponente do ICH separadamente. Esta seção analisa como a pandemia pode ter impactado cada componente do ICH e simula a magnitude desses impactos. As simulações foram feitas usando métodos específicos para três cenários diferentes: pessimista, realista e otimista (ver as Caixas 6.1, 6.2, 6.3, 6.4 e 6.6). As conclusões das simulações convergem: Todas as fases do ciclo de vida foram afetadas pela COVID-19. Crianças Menores de Cinco Anos O mapeamento dos efeitos da pandemia de COVID-19 começa antes mesmo do nascimento. As evidências mostram reduções drásticas no número de consultas pré-natais no Brasil desde o início da pandemia. Em maio de 2020, pouco mais de dois meses após o primeiro caso registrado de COVID-19 no Brasil, a queda já era de pelo menos 65 por cento (Chisini et al., 2021). Este parece ser um achado recorrente durante as pandemias. Em Serra Leoa, por exemplo, a cobertura de atenção pré-natal diminuiu 22 pontos percentuais durante a epidemia de Ebola de 2013-2016 (Sochas et al., 2017). Uma atenção pré-natal adequada, no entanto, é indispensável para a acumulação de capital humano. Estudos mostram que poucas consultas pré-natais se correlacionam com baixo peso ao nascer, prematuridade, Relatório de Capital Humano no Brasil natimortos e mortes neonatais e infantis, todos os quais têm efeito sobre as futuras gerações de trabalhadores (Gortmaker, 1979; Partridge et al., 2012). Desde o nascimento, um passo atrás. Estar bem nutrido nos primeiros anos de vida também é crucial para o desenvolvimento humano. As estimativas indicam que mais 2,6 milhões de crianças menores de cinco anos sofrerão déficit de crescimento em países de renda baixa e média em 2022 (Osendarp et al., 2021). Crianças com desnutrição aguda. Este aumento nas taxas de déficit de crescimento pode ser explicado, em parte, pelo choque negativo na renda das famílias causado pela pandemia de COVID: 43 por cento dos brasileiros de famílias de baixa 116 renda informaram não ter comida e não ter dinheiro para comprar comida (UNICEF, 2020). Sem comida no prato. Ao todo, 116,8 milhões de brasileiros (55,2 por cento) enfrentaram algum grau de insegurança alimentar durante a pandemia de Cerca de 55 por COVID-19 (PENSSAN, 2021). Embora a insegurança alimentar afete cento dos brasileiros pessoas de todas as idades, as crianças menores de cinco anos a vivenciam mais intensamente (Campbell et al., 2009). enfrentaram algum A pandemia também pode afetar a mortalidade de menores de grau de insegurança cinco anos por meio da redução do acesso à atenção à saúde. alimentar durante a Segundo estimativas, haverá um aumento de 1.157.00069 mortes de menores de cinco anos em países de renda média baixa devido à pandemia. pandemia. A falta de atenção pré-natal adequada, a insegurança alimentar e a redução do acesso à saúde são algumas das maneiras pelas quais a pandemia pode interromper os recentes aumentos na probabilidade de uma criança sobreviver até os cinco anos (também conhecida como taxa de sobrevivência infantil). A Figura 6.3 mostra as taxas de sobrevivência infantil medidas, bem como o impacto simulado da COVID-19 nas taxas de sobrevivência infantil. As simulações (veja a metodologia na Caixa 6.1) indicam que as taxas de sobrevivência infantil em todas as regiões diminuíram ou permaneceram praticamente as mesmas entre 2019 e 2021. Ganhos Interrompidos nas Taxas de Sobrevivência Infantil Taxas de sobrevivência infantil por região, de 2007 a 2021 0,990 0,987 Taxa de Sobrevivência Infantil 0,984 0,981 0,978   Simulações da Pandemia 0,975 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021   Ano Norte Nordeste Sudeste Calculado Centro-Oeste Brasil Sul Simulada (Realista) Figura 6.3 Ganhos Interrompidos nas Taxas de Sobrevivência Infantil Relatório de Capital Humano no Brasil É importante destacar alguns achados adicionais dessas simulações. Por exemplo, no Sudeste, uma região onde as taxas de sobrevivência infantil são tipicamente mais altas do que em outras partes do país, 3,5 em cada 10.000 crianças não sobreviveram até os cinco anos de idade em 2021 em comparação a 2019. Além disso, no Nordeste a melhoria sustentada das taxas de sobrevivência infantil entre 2007 e 2019 foi 69 O número reflete os resultados da simulação do cenário grave, com pandemia tendo duração superior a seis meses. (Osendarp et al., 2021). 117 interrompida. Melhorias consistentes foram interrompidas. Em vez de refletir as mortes causadas pela COVID-19, essas diminuições nas taxas de sobrevivência infantil também refletem as reduções no acesso à atenção à saúde e a sobrecarga do sistema de saúde. A COVID-19 também prejudicou as melhorias nas taxas de ausência de déficit de crescimento. As taxas de ausência de déficit de crescimento desde 2007 mostram a existência de duas realidades distintas no Brasil: uma, que existe nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde as taxas de ausência de déficit de crescimento são altas, e outra, que existe nas regiões Norte e Nordeste, onde as taxas são oito pontos percentuais mais baixas. Essa história interrompida também é observada no caso das taxas de ausência de déficit de crescimento. A Figura No Brasil, 80.000 6.4 mostra os impactos da COVID-19 no déficit de crescimento crianças menores por região no Brasil. As simulações sugerem que quase 60 em cada 10.000 crianças sofreram déficit de crescimento por causa de cinco anos da pandemia (ver Caixa 6.2). Isso se traduz em mais 80.000 tiveram déficit de crianças menores de cinco anos com déficit de crescimento.70 Vale lembrar que uma limitação dessas simulações é que os crescimento por efeitos relativos da ausência de déficit de crescimento não são, causa da pandemia. necessariamente, os mesmos para todas as regiões. Caixa 6.1 Simulações para as taxas de sobrevivência infantil As taxas de sobrevivência infantil foram simuladas usando as três etapas a seguir: Passo 1: Cálculo das taxas de mortalidade para crianças de 0 a 1 ano e crianças de 1 a 4 anos, por meio de: a. Projeção do número de óbitos em 2021 em um cenário sem COVID-19 em cada faixa etária. Esta projeção utiliza dados históricos de mortalidade do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (ver Anexo IV). b. Simulação do número de óbitos por COVID-19 em cada faixa etária. Dois tipos de mortes relacionadas à COVID foram levados em consideração: » Mortes causadas diretamente pelo vírus. Nessas simulações foram utilizados dados da Vigilância de Síndrome Respiratória Aguda Grave do Ministério da Saúde. » Mortes causadas indiretamente por outras complicações no sistema de saúde. Uma proxy da taxa de mortalidade indireta foi calculada com base nas estimativas de excesso de mortalidade do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) (ver Apêndice IV). c. Cálculo de óbitos “naturais” relacionados à COVID. Entre as pessoas que morreram Relatório de Capital Humano no Brasil de COVID-19 em 2021, algumas teriam morrido de outras causas semelhantes, mas naturais. Por essa razão, foi necessário descontar as mortes que teriam ocorrido naturalmente no mesmo ano (ver Anexo IV). 70 O IBGE estima que a população de 0 a 4 anos no Brasil era de 13.684.541 em 2021. O uso do aumento da taxa de déficit de crescimento (0,59 por cento) como cenário de referência nas simulações resulta em 80.739 crianças com déficit de crescimento. 118 Caixa 6.1 (Continuação) As faixas etárias foram divididas de acordo com a disponibilidade de dados. Em suma, o número de mortes em cada faixa etária é dado por: Número de óbitos em 2021 em cenário sem COVID-19 (a) + Número de óbitos por COVID-19 (diretas e indiretas) (b) - Número de óbitos naturais relacionados à COVID-19 (c) Passo 2: As taxas de mortalidade são calculadas para cada faixa etária e depois divididas pelo número de óbitos calculado na etapa 1. Passo 3: As taxas de sobrevivência infantil são calculadas usando a mesma fórmula descrita no capítulo 1, Caixa 1.1. Cenários: Foram construídos três cenários: pessimista, realista e otimista. Todos os três usam estimativas de taxa de mortalidade excessiva do IHME. No cenário pessimista, foi utilizado o limite inferior; no cenário realista, foi utilizada a estimativa da média; e no cenário otimista, foi utilizada a estimativa do limite superior. Ganhos Interrompidos nas Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento por Região, de 2007 a 2021 0,95 Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento 0,93 0,91 0,89 0,87 0,85   Simulações da Pandemia 0,83 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021 Ano Norte Nordeste Sudeste Calculado Centro-Oeste Brasil Sul Simulado (Realista) Figura 6.4 Relatório de Capital Humano no Brasil Ganhos Interrompidos nas Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento Os efeitos da pandemia de COVID-19 tendem a ser particularmente graves entre as crianças pequenas. Em termos de saúde, a pandemia alterou diretamente rotinas diárias cruciais para o desenvolvimento. Por exemplo, um estudo em pré-escolas do Rio de Janeiro constatou uma diminuição na capacidade das crianças de sentar-se e ficar de pé sem ajuda. Isso foi explicado pelo ganho de peso causado por mudanças em sua rotina diária durante a pandemia. Restrições de mobilidade e fechamento de pré-escolas significaram maior tempo na frente de telas e menos atividade física. Quando a falta de atividade prejudica o desenvolvimento. 119 Em termos de educação, a pandemia teve impactos desiguais em matemática e português entre crianças muito pequenas. Em matemática, as crianças de cinco anos que frequentavam escolas mais caras atingiram 75 por cento das expectativas de aprendizagem de períodos não pandêmicos de acordo com o currículo, enquanto apenas 48 por cento dos alunos de escolas de nível socioeconômico mais baixo alcançaram o mesmo padrão (Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 2021). Uma pandemia mais forte para os mais vulneráveis. Embora o ICH não leve em consideração a educação de crianças menores de cinco anos, a pandemia certamente terá impactos de longo prazo na aprendizagem nos próximos anos. Caixa 6.2 Simulações das Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento A simulação das taxas de ausência de déficit de crescimento usa as estimativas nacionais do Goalkeepers Report de 2020 (Bill & Melinda Gates Foundation) referentes ao Brasil, que definem três cenários: a. Pior cenário, em que o déficit de crescimento aumentaria 2,44 por cento em comparação com o cenário sem a COVID-19. b. Cenário de referência, em que o déficit de crescimento aumentaria 0,59 por cento em comparação com o cenário sem a COVID-19. c. Melhor cenário, em que o déficit de crescimento diminuiria 1,20 por cento em comparação com o cenário sem a COVID-19. Nessas projeções, os pesquisadores usaram o índice sociodemográfico (ISD), que considera a renda, a fecundidade e a educação como os principais fatores da desnutrição. Os “melhores” e “piores” cenários foram calculados usando os 85º e 15º percentis na distribuição do ISD e taxas de progresso anteriores. Para simular o componente de ausência de déficit de crescimento no ICH, o cenário sem COVID-19 usou taxas de 2017, pois pesquisas indicam pouca ou nenhuma variação nas taxas de déficit de crescimento entre 2014 e 2020 no Brasil (United Nations Children’s Fund et al., 2021). Cenários: Foram construídos três cenários: pessimista, realista e otimista. O pessimista usa as ‘piores’ estimativas do Goalkeepers Report, o realista usa as estimativas de ‘referência’ e o otimista usa o ‘melhor’ cenário. Crianças em Idade Escolar Resultados de Aprendizagem Harmonizados Um dos impactos mais marcantes da COVID-19 foi na alfabetização. Dados recentes mostram que a proporção de crianças que não sabem ler ou escrever aumentou de 25,1 por cento em 2019 para 40,8 por cento em 2021, gerando mais 1 milhão de Relatório de Capital Humano no Brasil crianças não alfabetizadas (Figura 6.5). Incapazes de ler ou escrever. O aumento relativo foi muito maior no Sul do Brasil, onde as taxas de analfabetismo aumentaram quase 80 por cento. No entanto, em termos absolutos, as taxas de analfabetismo no Norte e Nordeste A pandemia gerou continuam sendo as mais críticas. Esse resultado mais um milhão não surpreende, uma vez que o fechamento das escolas durou em média quase 20 meses no Brasil e foi ainda mais de crianças não longo no Norte e Nordeste (veja a Figura 6.8). alfabetizadas. 120 Incapazes de Ler ou Escrever Porcentagem de crianças de 6 a 7 anos que não sabem ler ou escrever 25,1% Brasil 40,8% 18,8% Sul 33,7% 18,2% Sudeste 36,5% 24,3% Centro-Oeste 36,2% 38,0% Norte 45,9% 32,8% Nordeste 49,7% 2019 2021 Fonte :PNAD-C (3º trimestre) Figura 6.5 Incapazes de Ler ou Escrever A pandemia agravou o problema de aprendizagem: em 2021, quase metade das crianças de seis a sete anos não sabia ler nem escrever no Norte e Nordeste. Um teste realizado com alunos do segundo ano confirmou esse retrocesso: a porcentagem de alunos que não conseguia ler pelo menos dez palavras em um intervalo de um minuto cresceu de 52 por cento em 2019 para 73 por cento em 2021 (Lemann Foundation, 2021). Os resultados de testes padronizados de alunos do quinto e nono anos no estado de São Paulo trazem a evidência mais clara sobre a extensão das perdas de aprendizagem. No início de 2021, o estado de São Paulo elaborou uma avaliação de aprendizagem padronizada para mapear os impactos da pandemia. A aprendizagem foi gravemente afetada em todos os níveis (Figura 6.6). As notas dos alunos do quinto ano em matemática foram as mesmas de 14 anos atrás e, em português, as notas foram as mesmas de 10 anos atrás. Entre os alunos do nono ano o retrocesso foi menor, mas ainda considerável. As notas foram as mesmas de 8 anos atrás em matemática e de 6 anos atrás em português. Ao todo, duas conclusões podem ser tiradas. A primeira é que os alunos mais jovens podem ter sido mais afetados pela pandemia. A segunda é que as perdas foram maiores em matemática do que em português, como foi visto em outras partes do mundo, inclusive em Uganda e no México (World Bank et al., 2021). Diversos fatores podem ser apontados como causas das perdas de aprendizagem em São Paulo: ensino remoto, perda de saúde, fatores socioemocionais, choques de renda familiar e formação de professores, Relatório de Capital Humano no Brasil entre outros. Uma longa lista de possíveis canais. Um estudo em São Paulo estimou os impactos das aulas remotas na aprendizagem durante a pandemia usando uma estrutura causal e concluiu que um aluno médio que frequenta a escola remotamente aprendeu apenas 27,5 por cento do conteúdo presencial no mesmo período. Os dispositivos de informática não substituíram o ambiente escolar. A perda de aprendizagem em condições de ensino remoto também foi de 60 por cento ou mais entre os alunos do sexto ao décimo segundo ano no estado de São Paulo (Lichand et al., 2021). Como esses dados são do estado de São Paulo - onde os alunos tendem a ter melhor acesso à Internet e a dispositivos de informática e, em média, desfrutam de uma melhor estrutura escolar - pode-se supor que a eficácia da aprendizagem remota seja ainda menor no resto do Brasil. A realidade dos alunos é bem diferente nos diversos Brasis. 121 A Magnitude das Perdas de Aprendizagem em São Paulo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar de São Paulo (SARESP), estimativas da Secretaria de Educação de São Paulo (a) 5º ano – Matemática (b) 5º ano – Português 260 260 Pontuação SARESP Pontuação SARESP 243 243 240 240 223 223 220 220 200 200 196 196 194 194 2011 2013 2015 2017 2019 2021 2011 2013 2015 2017 2019 2021 Ano Ano (c) 9º ano – Matemática (d) 9º ano – Português 260 262 260 262 Pontuação SARESP Pontuação SARESP 262 262 250 248 240 248 240 250 220 220 200 200 2011 2013 2015 2017 2019 2021 2011 2013 2015 2017 2019 2021 Ano Ano Pontuação SARESP Amostra SARESP Figura 6.6 A Magnitude das Perdas de Aprendizagem em São Paulo A Figura 6.7 demonstra a diferença entre os vários Brasis ao mostrar a porcentagem de alunos em cada estado que frequentaram a escola remotamente por menos de quatro dias por semana durante o fechamento das escolas. Enquanto um quinto dos alunos de São Paulo se enquadra nessa categoria, a proporção de alunos do Espírito Santo, Roraima, Alagoas e Amazonas chega a um terço - mais de 10 pontos percentuais a mais. O Acre é um claro ponto fora da curva, onde mais de 52,8 por cento dos alunos passaram menos de quatro dias por semana estudando remotamente. Fora da escola, estudando menos. Oito em cada 10 estados com os maiores percentuais de alunos estudando menos de quatro dias por semana estão localizados nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde esses percentuais costumam ser os mais altos. As disparidades regionais na aprendizagem remota também se As regiões refletiram na duração do fechamento das escolas. Enquanto o estado de São Paulo fechou as escolas públicas por 262 dias em média, Bahia e mais pobres Roraima mantiveram as escolas fechadas por cerca de 100 dias a mais (365 mantiveram as e 355 dias, respectivamente). O Amazonas manteve as escolas fechadas por 258 dias. A Figura 6.8 também mostra que as regiões Sul e Sudeste escolas fechadas suspenderam as atividades escolares por menos dias, em média, em por mais tempo. comparação ao restante do país. A pandemia pode ampliar as desigualdades de aprendizagem já existentes. Relatório de Capital Humano no Brasil A história interrompida também se aplica aos resultados de aprendizagem harmonizados. Entre 2007 e 2019, os RAH nacionais passaram de 0,60 para 0,65 em média. No entanto, grande parte dessa melhora foi perdida por causa da COVID-19. Em 2021, as regiões Centro-Oeste e Nordeste perderam mais de 75 por cento dos ganhos em RAH de 2017 a 2019 (Figura 6.9). Uma crise de aprendizagem dentro desta crise. Esse declínio engloba dois tipos de perdas de aprendizagem: perda por não estar em sala de aula, também conhecida como custo de oportunidade, e uma segunda perda por deterioração ou perda de conhecimentos anteriores (Angrist et al., 2021). Muitos estudos constatam que um longo período sem aulas não apenas impede que os alunos adquiram novos conhecimentos, mas também acarreta perda de conhecimento adquirido anteriormente (Atteberry & McEachin, 2021). 122 Menos de Quatro Dias por Semana Porcentagem de alunos que dedicaram menos de quatro dias por semana à aprendizagem remota Goiás 9,6% Distrito Federal 12,3% Ceará 12,4% Paraná 18,6% Maranhão 18,7% Rio de Janeiro 20,1% Sergipe 20,4% Paraíba 20,6% São Paulo 20,7% Santa Catarina 21,6% Piauí 21,9% Pernambuco 22,6% Minas Gerais 23,3% Tocantins 25,5% Mato Grosso do Sul 25,9% Mato Grosso 26,1% Amapá 27,8% Rondônia 28,7% Bahia 29,6% Pará 29,8% Rio Grande do Sul 30,5% Rio Grande do Norte 31,8% Espírito Santo 32,5% Roraima 32,8% Alagoas 33,3% Amazonas 35,5% Acre 52,8% Porcentagem (%) Fonte : PNAD-Covid (Nov/2020) Nota : A pesquisa foi feita com alunos entre 6 e 18 anos e inclui alunos que dedicaram 0 a 3 dias por semana aos estudos. * Considera todos os alunos que receberam atividades escolares no mesmo período e que estavam estudando remotamente Figura 6.7 Menos de Quatro Dias por Semana Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 6.8 Dias de Suspensão das Atividades Escolares Presenciais 123 Uma Parte Considerável dos Ganhos de Aprendizagem de 2017 a 2019 foi Perdida Resultados de Aprendizagem Harmonizados por região, de 2007 a 2021 0,70 Resultados de Aprendizagem Harmonizados, RAH 0,67 0,64 0,61 0,58 0,55   Simulações da Pandemia 0,52 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021  Ano Norte Nordeste Sudeste Calculado Centro-Oeste Brasil Sul Simulado (Realista) Figura 6.9 Uma Parte Considerável dos Ganhos de Aprendizagem de 2017 a 2019 foi Perdida Anos Esperados de Escolaridade Uma das principais preocupações após a reabertura das escolas é se os alunos, especialmente os mais vulneráveis, realmente retornam à escola. A pressão para entrar no mercado de trabalho, as responsabilidades domésticas, as mudanças na estrutura familiar, o baixo engajamento no ensino remoto e os problemas de saúde mental têm sido discutidos como potenciais fatores (UNICEF & Cenpec Educação, 2021). Em termos de saúde mental, o abandono escolar pode ter aumentado como resultado da solidão e do isolamento vividos durante a pandemia, que, por sua vez, geraram ansiedade e depressão entre os alunos (Loades et al., 2020). A deterioração da saúde mental é comumente associada a uma maior probabilidade de abandono escolar (Quiroga et al., 2013). Caixa 6.3 Simulações dos Resultados de Aprendizagem Harmonizados Os resultados de aprendizagem harmonizados de 2021 foram calculados usando estimativas para matemática e a pontuação do SAEB em português. Para estimar essa pontuação, foi aplicada uma taxa de perda de aprendizagem à pontuação do SAEB de 2019. Relatório de Capital Humano no Brasil Essa taxa de perda de aprendizagem foi definida de duas maneiras: a. Onde as taxas de perda de aprendizagem dos alunos do 9º ano do estado de São Paulo foram usadas como linha de base: -5,34 por cento em matemática e -4,58 por cento em português. As taxas de perda de aprendizagem variaram de forma linear, de acordo com o número de dias em que as escolas ficaram fechadas durante a pandemia. Os estados onde as escolas ficaram fechadas por mais tempo tiveram maiores taxas de perda de aprendizagem que foram proporcionais ao número de dias 124 Caixa 6.3 (Continuação) adicionais de fechamento. Cada dia fora da escola corresponde à mesma quantidade de perda de aprendizagem (perdas marginais constantes). b. A taxa de perda de aprendizagem do estado de São Paulo foi usada como linha de base. Cenários: Foram construídos três cenários: otimista, realista e pessimista. • O cenário otimista usa a taxa de perda de aprendizagem (i). O número de dias fechados é o primeiro quartil da distribuição de fechamento das escolas públicas para os anos 1-9. • O cenário realista usa a taxa de perda de aprendizagem (i). O número de dias fechados é igual ao número médio de dias de fechamento das escolas públicas para os anos 1-9. • O cenário pessimista utiliza a taxa de perda de aprendizagem (ii). O número de dias fechados é o número médio de dias de fechamento das escolas públicas para os anos 1-9. O fechamento prolongado das escolas desestimula o retorno dos alunos à escola. Os aumentos nas taxas de abandono escolar O fechamento parecem estar correlacionados com o fechamento das escolas, como prolongado das foi observado em outras emergências de saúde pública. Após a pandemia de Ebola em Serra Leoa, por exemplo, as taxas de matrícula escolas desencoraja caíram 17 pontos percentuais entre as meninas (Bandiera et al., 2020). o retorno dos alunos O problema do abandono escolar reside em suas consequências subsequentes, uma vez que está associado a uma perspectiva de à escola. mercado de trabalho pior, salários mais baixos e maior incidência de crimes (Adelman & Szekely, 2016; Cook & Kang, 2016). Evidências sugerem que o risco de abandono escolar aumentou 365 por cento durante a pandemia de COVID-19 no estado de São Paulo (Lichand et al., 2021). Em áreas mais vulneráveis, é provável que o abandono escolar seja maior. Caixa 6.4 Simulações dos Anos Esperados de Escolaridade A quantidade de educação (AEE) correlaciona-se com a qualidade da educação (RAH). Essa relação pode ser vista na figura à direita. Os AEE foram estimados com base nas simulações de RAH, usando uma abordagem de estrutura de regressão, como segue: = + , + + , Relatório de Capital Humano no Brasil Onde s é o estado e t é dummy para o tempo (2007-2019). Os AEE estimados para cada estado são dados por: � ,2021 125 Caixa 6.4 (Continuação) Os resultados da regressão estão no Apêndice IV. Correlação AEE e RAH Nível estadual, 2007 a 2019 12 Cenários: Foram construídos três cenários. Anos Esperados de Escolaridade 11 • O cenário otimista usa as estimativas otimistas das simulações de RAH (ver 10 Caixa 6.3). • O cenário realista usa as estimativas realistas das 9 simulações de RAH (ver Caixa 6.3). • O cenário pessimista usa 8 0,55 0,60 0,65 0,70  as estimativas pessimistas Resultados de Aprendizagem Harmonizados das simulações de RAH 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 (ver Caixa 6.3). Figura B.6.1 Correlação AEE e RAH Um Ano Perdido Anos Esperados de Escolaridade por região, de 2007 a 2021 11,5 Anos Esperados de Escolaridade, em anos 11,0 10,5 10,0 9,5 9,0   Simulações da Pandemia 8,5 Relatório de Capital Humano no Brasil 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021  Ano Norte Nordeste Sudeste Calculado Centro-Oeste Brasil Sul Simulado (Realista) Figura 6.10 Um Ano Perdido 126 As simulações do impacto da COVID-19 nos anos esperados de escolaridade contam com simulações de RAH. Isso ocorre porque, quando este relatório foi elaborado, não estavam disponíveis os dados de taxas de abandono escolar e repetência referentes a 2021. As simulações mostram que as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul perderam mais de um ano em termos de anos esperados de escolaridade (Figura 6.10). Enquanto o Nordeste teve, em média, 10,8 de AEE em 2019, na simulação do cenário realista para 2021 os AEE caíram As regiões Nordeste, para 9,7. Vale destacar que as quedas de AEE no Centro-Oeste, Sul Centro-Oeste e Sul e Sudeste foram ainda maiores e voltaram aos níveis anteriores a 2007. A pandemia causou um retrocesso de 12 anos nos AEE. Os perderam mais de um AEE do Norte e Nordeste, onde as melhorias haviam sido amplas, AEE. voltaram aos níveis de 2009 e 2011, respectivamente. Caixa 6.5 O Impacto da Pandemia na Acumulação de Capital Humano Prof. Imran Rasul (University College London e Instituto de Estudos Fiscais) O capital humano é acumulado ao longo de muitas idades, e todas as fases da vida foram impactadas pela pandemia de COVID-19 que está em curso. As interrupções na vida familiar, no sistema escolar e nos mercados de trabalho influenciaram a capacidade dos indivíduos de acumular capital humano ao longo da vida. Em cada caso, interrupções temporárias causadas pela pandemia podem resultar em impactos permanentes. É vital que as lições certas em termos de políticas públicas sejam aprendidas e que respostas adequadas sejam postas em prática. As bases do desenvolvimento humano começam no início da vida. Interrupções na vida familiar e profissional fizeram com que muitas famílias sofressem grandes e sustentadas perdas de renda. Tais perdas provavelmente se traduzirão em piores condições econômicas para as crianças, prejudicando seu crescimento físico e retardando o desenvolvimento cognitivo na idade pré-escolar (Josephson et al., 2021; Osendarp et al., 2021; Comissão Científica do Núcleo Ciência Pela Infância, 2020). Sem intervenção, essas crianças estarão menos prontas para a escola em um futuro próximo. Para as crianças que estão no sistema escolar formal, as perdas de capital humano relacionadas à pandemia podem ser graves. As perdas de aprendizagem já foram bem documentadas entre países ricos e pobres (Blundell et al., 2020; Azevedo et al, 2021). Ao mesmo tempo, também se acumulam evidências sobre os tipos de intervenções que foram eficazes em mitigar essas perdas de aprendizagem (UNESCO, 2020; Burgess, 2020). Os impactos mais severos foram sentidos nas partes mais pobres do mundo, onde o fechamento das escolas fez com que as crianças recebessem pouca ou nenhuma escolaridade. Nos contextos em que as escolas podem oferecer um local onde as crianças têm acesso à segurança e à aprendizagem, esses impactos de curto prazo podem facilmente ter impactos de gênero e Relatório de Capital Humano no Brasil levarem a diferenciais de longo prazo. O fechamento das escolas é uma resposta comum de política de curto prazo às epidemias virais. Bandera et al. (2020) estudam os persistentes impactos pós-epidêmicos do fechamento das escolas na vida econômica de mulheres jovens em Serra Leoa, um contexto em que as mulheres frequentemente sofrem violência sexual e enfrentam múltiplas desvantagens econômicas. Eles fazem isso avaliando uma intervenção direcionada a mulheres jovens que foi implementada durante a epidemia de Ebola de 2014-2015 em Serra Leoa. Essa intervenção proporcionou um espaço de proteção onde as mulheres jovens podiam encontrar apoio e receber informações sobre questões de saúde e reprodutivas. Eles documentaram os impactos da intervenção em 127 Caixa 6.5 (Continuação) 4.700 meninas e mulheres entre maio de 2014, às vésperas da crise do ebola, e o período pós- epidemia em 2016. Nas aldeias de controle, o fechamento das escolas levou as meninas a passar muito mais tempo com os homens, a gravidez na adolescência aumentou acentuadamente e a matrícula escolar entre as meninas caiu 17 pontos percentuais no período pós-epidemia, muito depois da reabertura das escolas. Figura B.6.2 Fechamento de escolas ao redor do mundo Os efeitos adversos nas matrículas foram reduzidos pela metade nas aldeias tratadas porque a intervenção quebrou essa cadeia causal: permitiu que as meninas tivessem tempo longe dos homens, reduziu as gestações fora do casamento em 7 pontos percentuais e aumentou as taxas de rematrícula pós-epidemia. Um acompanhamento de longo prazo em 2019-2020 mostra impactos positivos persistentes da intervenção no acúmulo de capital humano das meninas, no tempo que passam com os homens e na qualidade dos parceiros com quem se relacionam. Essa análise tem implicações importantes para o fechamento das escolas em resposta à atual pandemia de COVID-19 em contextos em que mulheres jovens enfrentam violência sexual, e destaca a proteção duradoura que os espaços seguros podem oferecer nesses momentos. A pandemia também teve impactos sobre os envolvidos no ensino superior. Entre os estudantes universitários, a pandemia levou à perda de estágios, atrasos na graduação e aumento da ansiedade dos alunos sobre suas perspectivas futuras (Aucejo et al. 2020, Wang & Zhao, 2020; Browning et al. 2021). Para aqueles que estão no mercado de trabalho, o início da vida laboral continua sendo uma oportunidade crucial para adquirir capital humano que proporcione altos retornos no mercado de trabalho. A pandemia levou à perda de empregos para muitos ou a demissões temporárias que tornam o futuro incerto. A capacidade dos jovens trabalhadores de se reintegrarem à mesma empresa (ou até de encontrarem uma opção melhor) será fundamental para determinar se os impactos de curto prazo da pandemia se traduzirão em perdas econômicas de longo prazo para Relatório de Capital Humano no Brasil esses indivíduos (Alfonsi et al. 2020). Com a implantação de programas de vacinação em muitos países, pelo menos nos países mais desenvolvidos, há a perspectiva de que as medidas de distanciamento social e os fechamentos terminem em 2022. Muito mais apoio é urgentemente necessário para implantar a vacinação nos países mais pobres. Embora essas medidas representem boas notícias, é improvável que as circunstâncias nos mercados de educação e trabalho retornem rapidamente aos tempos pré-pandemia. Não foram perdidos apenas um ano ou dois durante esta pandemia. As lições certas precisam ser aprendidas rapidamente e políticas eficazes precisam ser implementadas. 128 Idade adulta: Taxa de Sobrevivência de Adultos A consequência mais óbvia e direta da pandemia de COVID-19 é o número considerável de mortes. Nesse aspecto, o Brasil está no topo da lista dos países com as maiores taxas de mortalidade do mundo. Com cerca de 665.000 mortes registradas até maio de 2022, o segundo maior número de mortes depois dos Estados Unidos da América, o capital humano do Brasil foi grave e significativamente afetado. Alto número de mortes, longos fechamentos de escolas. Dados de 2021 mostram que 129.644 mortes entre 20 e 59 anos foram por COVID-19 no Brasil (conforme calculado no ICH), o que representa um terço de todas as mortes computadas para essa faixa etária71. A Figura 6.11 detalha as mortes por COVID-19 por idade e sexo. Mortes por COVID-19 por Faixa Etária e Gênero Mortes de janeiro 2021 a dezembro 2021 > 100 90 - 99 12,9 10,3 80 - 89 30,8 33,5 70 - 79 41,4 51,5 Faixa etária 60 - 69 41,0 51,7 50 - 59 27,8 40,1 40 - 49 15,6 24,2 30 - 39 7,0 10,4 20 - 29 10 - 19 <9 0 Número de mortes por COVID (em milhares) Mulheres Homens Fonte : Registro Civil Figura 6.11 Mortes por COVID-19 por Faixa Etária e Gênero Caixa 6.6 Simulações da Taxa de Sobrevivência de Adultos Para calcular a taxa de sobrevivência de adultos, primeiro é necessário calcular a taxa de mortalidade por faixa etária. Passo 1. O primeiro passo é simular o número de mortes em cada faixa etária utilizando o método descrito na Caixa 6.1. Relatório de Capital Humano no Brasil Em suma, o número de mortes em cada faixa etária é calculado por: Número de mortes em 2021 em cenário sem COVID-19 + Número de mortes por COVID-19 (diretas e indiretas) - Número de mortes naturais relacionadas à COVID 71 Como os dados estão disponíveis apenas para faixas etárias de 10 anos, não é possível desagregar para pessoas de 15 a 59 anos. 129 Caixa 6.6 (Continuação) Passo 2. A segunda etapa calcula a taxa de mortalidade de cada faixa etária, dividindo o número de mortes pela população estimada em 2021 (IBGE). Passo 3. A terceira e última etapa calcula a taxa de sobrevivência de adultos usando a mesma fórmula do capítulo 1. Cenários: Ver a Caixa 6.1 Em geral, as condições de saúde subjacentes agravam o risco de casos graves e fatais de COVID-19. Doenças não transmissíveis (DNTs), incluindo doenças cardiovasculares, diabetes e câncer, são frequentemente apontadas como exemplos de tais condições (Organização Mundial da Saúde, 2020). Enquanto as mortes diretas são a parte mais evidente desta história interrompida, ainda há impactos ocultos que não foram contabilizados. A COVID-19 também causou vítimas indiretamente pela sobrecarga do sistema de saúde, que adiou ou interrompeu tratamentos de saúde cruciais. Algumas pessoas evitavam os hospitais porque tinham medo de serem infectadas pelo vírus. Junto com a sobrecarga dos sistemas de saúde, a pandemia forçou a realocação de recursos públicos para tratamento e ação preventiva relacionados à COVID, o que interrompeu outros serviços de saúde. Por essas razões, as simulações de taxa de sobrevivência de adultos para 2021 levam em conta mortes diretas e indiretas. Uma Enorme Perda nas Taxas de Sobrevivência de Adultos Perdas de Taxas de Sobrevivência de Adultos por região, de 2007 a 2021 0,90 0,88 Taxas de Sobrevivência de Adultos 0,86 0,84 0,82   Simulações da Pandemia 0,80 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021  Ano Norte Nordeste Sudeste Calculado Centro-Oeste Brasil Sul Simulado (Realista) Figura 6.12 Uma Enorme Perda nas Taxas de Sobrevivência de Adultos Relatório de Capital Humano no Brasil As simulações indicam uma grande diminuição esperada nas taxas de sobrevivência de adultos. As taxas de todas as regiões recuaram para níveis anteriores a 2007, mas a perda relativa foi maior nas regiões Centro-Oeste (perda de 6,7 por cento), Sul (5,8 por cento) e Sudeste (5,5 por cento). Esse resultado é consistente com o fato de que os estados nessas regiões apresentaram as maiores taxas de mortalidade por COVID-19.72 72 Com base em dados desde o início da pandemia até fevereiro de 2022, calculados pelo CONASS (s.d.). O número de mortes por COVID-19 por 100.000 habitantes é o seguinte: Centro-Oeste, 375,4; Sudeste, 345,9; Sul, 335,9; Norte, 265,1; Nordeste, 217,9. 130 A Década Perdida O legado da pandemia também é uma história sobre a década perdida. Uma década perdida de melhoria do capital humano. Embora a última seção tenha mostrado perdas significativas em cada componente do ICH, principalmente na educação e na sobrevivência de adultos, o foco se volta para os impactos da COVID-19 sobre o ICH como um todo. A Figura 6.13 apresenta o ICH de 2021 simulado para o Brasil.73 Em relação aos níveis de 2019, o índice recuou cerca de 6 pontos percentuais - ou seja, de 60 por cento para 54 por cento. Dez anos de progresso perdidos em apenas dois anos. A magnitude dessa perda equivale a começar em um nível de ICH equivalente ao da Argentina e cair para o da Indonésia.74 Uma Grande Queda Impactos estimados da pandemia de COVID-19 sobre o ICH no Brasil 0,62 0,601 0,60 Índice de Capital Humano 0,58 0,56 Recuo para níveis anteriores a 2009 0,541 0,54 0,540 0,537 0,52   2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021   Anos Calculado Otimista Realista Pessimista Figura 6.13 Uma Grande Queda Caixa 6.7 Distribuição da Vacinação A vacinação tem sido a principal medida para mitigar as infecções por COVID-19 em todo o país. Até 22 de março, 74,7 por cento da população brasileira havia recebido o esquema vacinal completo (duas doses ou vacina de dose única) e 34,8 por cento haviam recebido três doses.1 A taxa de vacinação no Brasil é semelhante à da União Europeia (73 por cento) e superior à dos Relatório de Capital Humano no Brasil Estados Unidos (65,4 por cento), onde as campanhas de vacinação começaram mais cedo.2 73 A pequena variação entre os cenários reflete que muitos parâmetros usados nas simulações são conhecidos (observados). Para as taxas de sobrevivência infantil e adulta, por exemplo, as diferenças estão nas mortes indiretas, ao passo que o número de mortes diretas por COVID-19 é conhecido. Para a educação, o método utiliza as perdas de aprendizagem de São Paulo como referência e o número de dias de fechamento é conhecido. 74 Em 2020, a Argentina tinha um ICH de 0,602 e a Indonésia tinha um ICH de 0,540 (Global ICH in World Bank, 2020d). 131 Caixa 6.7 (Continuação) O Brasil tem uma longa tradição de campanhas de vacinação bem-sucedidas, que ajudaram a alcançar altas taxas de imunização contra a COVID-19. O Programa Nacional de Imunizações, instituído em 1973 e implementado por estados e municípios, vacina 10 milhões de crianças anualmente contra a poliomielite em um único dia (a doença foi erradicada em 1989). O programa também demonstrou sua capacidade de vacinar grandes populações em um curto período de tempo: durante a pandemia de H1N1 de 2010, 80 milhões de pessoas foram vacinadas em três meses. Como resultado do sistema bem-sucedido do Brasil, doenças infecciosas como sarampo, tétano neonatal, formas graves de tuberculose, difteria, tétano acidental e coqueluche estão agora controladas no Brasil (Fiocruz, 2021b). O Brasil adotou uma estratégia diversificada de aquisição de vacinas contra a COVID-19. Dadas as incertezas no mercado internacional de vacinas, a abordagem do Brasil não se limitou a firmar acordos com diferentes fabricantes no exterior, mas também se concentrou em garantir a produção nacional de vacinas. A lenta implementação da vacina em 2021 esteve relacionada principalmente a atrasos no fornecimento de vacinas (atrasos nas negociações de vacinas, na remessa de insumos críticos e na produção doméstica), bem como aos desafios da administração de doses de COVID-19 em um país grande e descentralizado com um sistema de saúde sobrecarregado. Figura B.6.7 Porcentagem da População com Conforme mostrado na Figura Esquema de vacinação completa para COVID-19 B.6.7, apesar do relativo sucesso do programa de imunização, a distribuição da vacinação é desigualmente distribuída pelo país. Os estados do Norte apresentam taxas de vacinação consideravelmente mais baixas do que os estados do Sul e Sudeste. Por exemplo: enquanto em Roraima e Amapá menos da metade da população está completamente vacinada, mais de três quartos da população de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina estão completamente vacinados. 1 https://coronavirusbra1.github.io/vacinacao 2 Our World in Data, s.d. Esses números incluem a porcentagem de pessoas que receberam todas as doses prescritas pelo protocolo de vacinação inicial. Dados acessados em 23 de março de 2022. O ICH simulado para 2021, conforme mostra a Figura 6.13, suscita três perguntas. A primeira Relatório de Capital Humano no Brasil pergunta é: qual componente de ICH foi responsável por essa queda acentuada? A Figura 6.14 visa responder a essa pergunta mostrando o quanto cada componente explica a queda geral de ICH 75. Como se pode ver, a redução de AEE como resultado da pandemia foi um dos principais indutores da queda do ICH (50,9). Fechamentos de escolas longos e prejudiciais. A saúde dos adultos é o próximo fator mais significativo, explicando 30 por cento do declínio geral no índice de capital humano devido à pandemia. Esse alto percentual reflete os impactos diretos e indiretos da COVID-19 no número de mortes. Finalmente, 75 A análise utilizou a decomposição de Shapley, onde a 2 da seguinte regressão é decomposta: .......................................... 2 ∆ + 3 ∆ê ∆ = 0 + 1 ∆ + .............. 2021 − 2019 ∆ 2 ∆ + ........................................................................................................ = representa: ..... 3 ∆ê + 4 ∆ê é 2021 − 2019 ....... + 5 ∆ê onde + 2019 ∆ = 2019 132 O que explica os impactos da pandemia no ICH? as taxas de ausência de déficit de crescimento e de Porcentagem explicada por cada componente do ICH sobrevivência infantil representam menos de 7 por 0% cento do declínio geral. A segunda pergunta é: quais estados sofreram os maiores impactos? A Figura 6.15 mapeia a 12,3% perda no índice de capital humano por estado. O Resultados de vermelho mais escuro representa maiores impactos Aprendizagem Harmonizados da COVID-19 no ICH. O mapa mostra que Roraima, Goiás, São Paulo e Rondônia foram os estados em que o ICH foi mais afetado pela pandemia, com perdas de capital humano superiores a 12 por cento. No geral, a Figura 6.15 mostra que as perdas 20% variaram de 6,5 por cento (Pará) a 14,9 por cento (Roraima). Antes de passar para a terceira questão, é importante entender as razões da variação na perda de capital humano entre os estados, por meio da desagregação do ICH. A Figura 6.16 calcula a contribuição de cada componente de ICH para os impactos da COVID-19 em cada estado. A Harmonized 50,9% educação aparece como o fator mais determinante 40%Learning da perda de capital humano no Brasil. A educação Outcomes foi o canal pelo qual a pandemia teve maior impacto no capital humano em todo o Brasil. Em termos absolutos e relativos, o componente educação compreende a maior fração do impacto geral da COVID-19 no ICH, atingindo seu pico nos estados de Pernambuco (-11 por cento) e Goiás (-10 por cento). A terceira e última pergunta é: quantos anos o Brasil precisará para voltar aos níveis de 2019, Anos Esperados e o que acontecerá se nenhuma ação urgente 60% De for tomada? A Figura 6.17 traça o número estimado Escolaridade de anos necessários para recuperar os níveis de ICH de 2019. O caminho para a recuperação é longo. Se o Brasil mantiver o mesmo ritmo de crescimento observado no período pré-pandemia (2007-2019), o tempo estimado de recuperação varia entre 10 e 13 anos. Ou seja, o Brasil só atingirá os níveis de ICH de 2019 em 2035. Não há tempo a perder. 30,0% 80% A Figura 6.17 mostra que, mesmo em um cenário em que a saúde e a sobrevivência infantil retornam imediatamente aos níveis pré-pandemia, ainda seriam necessários 10 anos para a recuperação do ICH. Esse cenário, que reflete os esforços de Taxa de vacinação e medidas de distanciamento social, pode Relatório de Capital Humano no Brasil Sobrevivência de Adultos ser o mais otimista quando a pandemia Mantida a taxa Taxa de 5,7% passar. Os outros de crescimento Ausência de Déficit de Crescimento cenários simulados, no entanto, são pré-pandemia, o 100% Taxa de Sobrevivência Infantil (0,9%) d e s a n i m a d o r e s Brasil só voltará Figura 6.14 - O que explica os impactos (veja a definição de cada cenário nas aos níveis de ICH da pandemia no ICH? Caixas 6.1 a 6.4). de 2019 em 2035. 133 Figura 6.15 A Geografia dos Impactos da COVID-19 no Capital Humano Conforme argumentado anteriormente, as perdas de aprendizagem tendem a ter um efeito duradouro sobre o ICH no Brasil, pois uma geração inteira foi gravemente afetada por longos fechamentos das escolas76. Vai demorar para os alunos se recuperarem. Metade de todos os impactos da COVID-19 no ICH veio da educação, tornando-a uma prioridade para a recuperação futura que exige atenção imediata. A próxima fase da história da década perdida concentra-se no mercado de trabalho. A pandemia afetou diretamente as taxas de emprego e, consequentemente, o ICHU. Embora as taxas de emprego tenham começado a se recuperar a partir de julho de 2020, o mercado de trabalho conseguiu absorver apenas parcialmente os recém-chegados e o desemprego continuou maior do que nos períodos pré- pandemia (World Bank, no prelo). Uma crise dentro da outra. As perdas de empregos concentraram-se no setor informal e em setores como agricultura, construção e ocupações domésticas. Mulheres, negros e jovens tiveram maior probabilidade de ficar desempregados na pandemia (Costa et al., 2021). A Figura 6.18 mostra um declínio generalizado nas taxas de emprego de indivíduos entre 18 e 64 anos durante a pandemia de COVID-19. As quatro maiores quedas no emprego ocorreram no Nordeste. Os estados do Ceará, Paraíba, Bahia e Pernambuco tiveram quedas de mais de 11 por cento. O Relatório de Capital Humano no Brasil Rio de Janeiro teve a quinta maior queda, de 10,8 por cento. Santa Catarina foi o estado mais resiliente aos choques da pandemia, mantendo as maiores taxas de emprego em 2021, enquanto Alagoas foi o mais vulnerável, registrando as menores taxas de emprego. 76 É possível considerar dois impactos sobrepostos nesta coorte. Um resulta do fato de as crianças dos 6 aos 7 anos terem começado a escola essencialmente no 3o ano. O segundo vem de uma pandemia anterior: alunos nascidos em 2015 sofreram os efeitos do Zika durante a gravidez. Muitos estudos mostraram os grandes impactos nos resultados perinatais dessa geração de recém- nascidos (Lautharte & Rasul, 2020). 134 Relatório de Capital Humano no Brasil 135 Perdas por Estado e Componente de ICH Porcentagem de perda estimada entre 2019 e 2021, cenário realista Roraima -9 % -6 % -1 % Goiás -10 % -4 % -0 % São Paulo -9 % -4 % -0 % Rondônia -8 % -4 % 0% Pernambuco -11 % -1 % -0 % Distrito Federal -9 % -3 % 0% Paraná -7 % -4 % -0 % Perdas por Estado e Componente de ICH Mato Grosso do Sul -7 % -4 % -0 % Mato Grosso -8 % -4 % -0 % Acre -8 % -3 % -0 % Tocantins -8 % -2 % 0% Figura 6.16 Maranhão -9 % -2 % 0% Minas Gerais -8 % -3 % -0 % Amazonas -6 % -4 % 0% Paraíba -7 % -2 % 0% Espírito Santo -8 % -1 % -0 % Ceará -8 % -2 % 0% Rio Grande do Norte -8 % -2 % 0% Amapá -6 % -3 % 0% Alagoas -7 % -1 % -0 % Rio de Janeiro -6 % -3 % -0 % Santa Catarina -6 % -3 % 0% Piauí -6 % -2 % 0% Bahia -6 % -2 % -0 % Rio Grande do Sul -5 % -3 % -0 % Sergipe -6 % -2 % -0 % Pará -5 % -2 % 0% ICH Educação ICH Saúde ICH Sobrevivência Infantil Um Longo Caminho para a Recuperação Anos necessários para voltar aos níveis de 2019 usando a Taxa de Crescimento Médio de 2007-2019 0,62 0,601 0,60 Índice de Capital Humano 0,58 13 anos 0,56 12,5 anos 0,54 12 anos 0,52 10 anos 0,50 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021 2023 2025 2027 2029 2031 2033 Ano Recuperação da Saúde Calculado Otimista Realista Pessimista e Sobrevivência Infantil  Figura 6.17 Um Longo Caminho para a Recuperação Após contabilizar os choques nas taxas de emprego, o ICHU no Brasil caiu O ICHU de de 0,387 em 2019 para 0,321 em 2021 (cenário realista), o que equivale a uma queda de 17,1 por cento. O Índice de Capital Humano Utilizado (ICHU) de 2021 é igual 2021 realista combinou os resultados do ICH simulado com as taxas de emprego a 32,1 por da PNAD 2021 (primeiro trimestre). Mais uma vez, os achados são graves: um brasileiro típico nascido em 2021 utilizará apenas 32,1 por cento de todo o seu cento. potencial. A Figura 6.19 detalha esse declínio por região no Brasil. Muitos Brasis, muitas perdas. Ela mostra que a perda de ICH foi maior nas regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. Essas perdas de ICH se traduzem em perdas econômicas consideráveis: se o Brasil tivesse saúde plena, educação integral e plena utilização de ICH em 2021, seu PIB per capita seria 211 por cento maior.  Relatório de Capital Humano no Brasil 136 Os Efeitos da Pandemia de COVID-19 nas Taxas de Emprego Taxas de emprego na faixa etária de 18 a 64 anos, 2019 e 2021 Santa Catarina -4,00 % Paraná -3,20 % Mato Grosso -4,50 % Rio Grande do Sul -5,90 % Mato Grosso do Sul -4,80 % Espírito Santo -4,80 % Distrito Federal -3,30 % São Paulo -7,90 % Minas Gerais -6,00 % Goiás -9,30 % Rondônia -5,50 % Tocantins -3,40 % Roraima -6,80 % Amazonas -3,20 % Pará -7,20 % Rio de Janeiro -10,80 % Amapá -4,90 % Piauí -7,60 % Sergipe -8,90 % Rio Grande do Norte -8,10 % Acre -2,40 % Bahia -11,50 % Ceará -15,90 % Paraíba -11,70 % Pernambuco -11,30 % Maranhão -3,40 % Alagoas -1,20 % 40% 45% 50% 55% 60% 65% 70% 75% Taxa de emprego (%) Figura 6.18 2021 2019 Relatório de Capital Humano no Brasil Os Efeitos da Pandemia de COVID-19 nas Taxas de Emprego Figura 6.19 137 Desaceleração na Utilização do Capital Humano Índice de Capital Humano Utilizado por região, 2019 e 2021 0,450 Índice de Capital Humano Utilizado -13,3 % 0,400 -17,8 % -18 % 0,350 -17,1 % -13,9 % 0,300 -18,7 % 0,250 Brasil Sudeste Sul Centro-Oeste Nordeste Norte 2019 Realista Pessimista Nota : A porcentagem refere-se à queda relativa entre 2021 (cenário realista) e 2019 Desaceleração na Utilização do Capital Humano Muitas Pandemias Houve muitas experiências divergentes da pandemia para diferentes populações. Se é inquestionável que a pandemia de COVID-19 teve impactos devastadores na acumulação de capital humano no Brasil, pode haver poucas dúvidas de que afetou grupos de pessoas de formas diferentes. Muitas pandemias das quais o país pode levar décadas para se recuperar. Do ponto de vista econômico, essa crise pode empurrar milhões de brasileiros para abaixo (ou mais para abaixo) da linha de pobreza no curto e médio prazo. Em 2019, 4,9 por cento dos brasileiros viviam abaixo do limiar da pobreza77 e, em 2020, esse número havia caído para 1,7 por cento. No entanto, subiu para 3,7 por cento em 2021, quando os benefícios de curto prazo do programa de transferência de renda, o Auxílio Emergencial, foram suspensos (World Bank, 2022; Lara Ibarra & Vale, 2022). Alguns segmentos Dependendo da perspectiva, a pandemia pode assumir novos formatos. Já foi demonstrado anteriormente que houve diferentes da população experiências da pandemia com base na geografia, com alguns estados vivenciaram a sofrendo impactos piores que outros. A história interrompida também pandemia de forma Relatório de Capital Humano no Brasil indicou que a pandemia teve impactos diferentes dependendo da fase de vida. Nesta seção, dois pontos de vista novos e particularmente mais intensa. importantes serão explorados: o de gênero e o de raça. Alguns grupos de pessoas tiveram experiências piores na pandemia. 77 Medido em US$ 1,90 por pessoa por dia em PPC de 2011 (World Bank, 2022; Lara Ibarra & Vale, 2022). 138 Raça Um fator fundamental que influenciou a forma como a pandemia foi vivenciada foi a raça. Os achados das seções anteriores mostraram desigualdades significativas em matéria de ICH entre a população branca e a população negra. Durante a pandemia, essas desigualdades tenderam a se ampliar. Isso se deve ao fato de os negros serem penalizados duas vezes: por sua raça e por sua condição socioeconômica mais baixa. Uma análise da Figura 6.20 pode ajudar a entender os efeitos da situação socioeconômica e da raça no contexto da pandemia. Em geral, as taxas de letalidade da COVID-19 diminuíram quanto maior o nível de escolaridade (uma proxy da renda). Os negros, no entanto, têm uma probabilidade maior de morrer de COVID-19 em comparação aos brancos, independentemente da escolaridade. Por exemplo, os brasileiros negros com ensino fundamental I (ou menos) tiveram uma taxa de letalidade da COVID-19 de 50,6 por cento, enquanto para o mesmo grupo de brancos essa taxa foi de 46,7 por cento. Esse padrão continua até o nível de ensino médio, onde os negros apresentam uma taxa de letalidade da COVID-19 de 30,7 por cento e os brasileiros brancos com o mesmo nível de escolaridade apresentam uma taxa de 28,8 por cento. As “muitas pandemias” são mais intensas para os negros. Negros Sofrem uma Pandemia Pior Taxas de sobrevivência e letalidade da COVID-19 por raça e nível de escolaridade, 2021 Ensino fundamental I Negros 49,4% 50,6% ou menos Brancos 53,3% 46,7% Negros 59,5% 40,5% Ensino Fundamental II Brancos 62,2% 37,8% Negros 69,3% 30,7% Ensino Médio Brancos 71,2% 28,8% Ensino Negros 71,9% 28,1% Superior Brancos 74,7% 25,3% Todos os níveis Negros 60,3% 39,7% de ensino Brancos 64,8% 35,2% Recuperados da COVID-19 Óbito por Covid-19 Nota : Óbitos até 31 de dezembro de 2021.  Fonte : SRAG/MS, 2021. 35% das observações foram excluídas devido à falta de variável de nível de escolaridade ou raça. Figura 6.20 Negros Sofrem uma Pandemia Pior Relatório de Capital Humano no Brasil Independentemente do nível de escolaridade, os negros são menos propensos a se recuperar da COVID-19 em comparação aos brancos. Pelo menos quatro pontos podem explicar por que as populações negras são mais propensas a enfrentar maiores impactos da COVID-19: (i) a natureza de suas ocupações no mercado de trabalho, (ii) acesso à saúde, (iii) insegurança alimentar e (iv) oportunidades de aprendizagem. Esses pontos são discutidos a seguir. Os trabalhadores negros têm menor participação em ocupações com contrato formal em comparação aos trabalhadores brancos no Brasil. Como tal, os trabalhadores negros são, em geral, mais suscetíveis à instabilidade salarial, acesso desigual à previdência social e maior exposição à pandemia. Entre o primeiro e segundo trimestres de 2020, 8,9 milhões de pessoas deixaram o mercado de trabalho 139 porque perderam o emprego ou desistiram de buscar trabalho. Desse número, 6,4 milhões eram negros e 2,5 milhões eram não negros (Dieese, 2021). A pandemia afetou gravemente os trabalhadores negros. Em 2021, os trabalhadores informais representavam 38,6 milhões da força de trabalho ativa, ou quase 40,6 por cento de todos os trabalhadores (Agência Brasil, 2022). Além disso, entre maio e novembro de 2020, apenas 7,3 milhões de pessoas trabalharam remotamente no Brasil. Os trabalhadores remotos de modo geral Apenas 6,1 eram: mulheres (57,8 por cento), brancos (65,3 por cento), com ensino superior por cento completo (76 por cento) e trabalhadores do setor privado (61,1 por cento) (Agência Brasil, 2021). Apenas 34 por cento dos trabalhadores remotos eram dos negros negros (Dieese, 2020). Trabalhar remotamente é incomum entre os negros. A trabalharam Figura 6.21 destaca o fato de que, em todas as faixas de renda, os indivíduos brancos representavam a maioria dos trabalhadores remotos em 2020. Menos remotamente. trabalho remoto provavelmente significa maior exposição à COVID-19. O segundo ponto que explica os impactos desiguais da COVID-19 sobre os negros diz respeito ao acesso à atenção à saúde. As mortes por COVID-19 são frequentemente associadas à falta de acesso à atenção à saúde (Hone et al., 2021; de Azevedo Barros et al., 2016; Silva et al., 2019). Embora o Sistema Universal de Saúde (SUS) brasileiro tenha aumentado significativamente sua cobertura ao longo dos anos, a distribuição da atenção à saúde continua desigual. Dos 150 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente do SUS para receber assistência médica, 80 por cento são negros. Além disso, os negros vivem desproporcionalmente em regiões onde há menos serviços de saúde disponíveis (UNA-SUS, 2021). O Trabalho Remoto está Correlacionado com Raça e Renda Porcentagem de pessoas que trabalham remotamente, por raça e renda Menos de  2,2% 1 salário- mínimo 5,4% 1-2 3,9% salários- mínimos 6,7% 2-3 12,3% salários- mínimos 16,8% 3-4 19,4% salários- mínimos 22,6% 4 ou mais 25,1% salários- mínimos 32,2% Todas as faixas 6,1% salariais 12,8% Negros Brancos Fonte : PNAD COVID, novembro de 2020 Relatório de Capital Humano no Brasil Nota : O salário-mínimo mensal era de R$1.045 em novembro de 2020. As porcentagens no gráfico representam o número de pessoas trabalhando remotamente em relação ao número total de trabalhadores dentro de cada grupo racial. Figura 6.21 O Trabalho Remoto está Correlacionado com Raça e Renda O terceiro ponto é a insegurança alimentar. Para ter-se uma noção de como a pandemia afetou a oferta de alimentos no Brasil, foi realizada uma pesquisa por telefone em 2021. Entre 26 de julho e 1 de outubro de 2021, foram coletados dados de 2.166 pesquisas em todos os estados do Brasil. Os resultados são representativos nacionalmente para adultos (18 anos ou mais) que possuem telefone. Os resultados 140 das pesquisas sugerem disparidades raciais na insegurança alimentar durante a pandemia: 22,91 por cento das famílias negras informaram que ficaram sem alimentos nos 30 dias anteriores à pesquisa, enquanto a mesma taxa para as famílias brancas foi de apenas 11,87 por cento (World Bank, 2021a). A mesma Pesquisa Telefônica da Covid-19 no Brasil de 2021 mostrou que a pandemia interrompeu as oportunidades de aprendizagem dos alunos negros. A Pesquisa Telefônica da Covid-19 no Brasil de 2021 mostrou que 48,52 por cento das famílias negras tiveram problemas com serviços de Internet devido à baixa qualidade de acesso ou à baixa velocidade da Internet. Entre as famílias brancas, essa taxa foi de 39,42 por cento (World Bank, 2021a). Esses resultados são consistentes com a pesquisa atual. De acordo com o TIC Domicílios (2021), 83 por cento (ou aproximadamente 61,8 milhões) de domicílios tinham alguma conexão com a Internet em 2020. Entre os domicílios sem acesso à Internet, os dois principais motivos informados para a falta de acesso foram: (i) o alto custo da conexão (28 por cento); e (ii) não saber usar a Internet (20 por cento). Entre aqueles com conexão à Internet, um estudo revelou que o telefone celular foi o principal dispositivo de acesso à Internet para a população A falta de de 10 anos ou mais (99 por cento). Para mais de metade desta população acesso à saúde (58 por cento), o acesso à Internet é feito exclusivamente através de telefones celulares. O uso exclusivo do telefone celular foi predominante entre aqueles de qualidade que se auto identificam como Pretos (65 por cento) ou Pardos (60 por cento). Os agravou os alunos negros dependiam principalmente de telefones celulares para assistir às aulas online. No entanto, os telefones celulares têm telas e teclados menores, impactos sobre muitas vezes inadequados para a aprendizagem online. os negros. Caixa 6.8 Auxílio Emergencial A maior parte dos recursos federais para o combate à COVID-19 foi utilizada para fortalecer as transferências de renda durante a crise da COVID-19, principalmente por meio do Auxílio Emergencial (AE). Sob a gestão do Ministério da Cidadania, o AE foi criado como medida temporária em abril de 2020, com duração de três meses. O programa, no entanto, foi estendido para três fases (AE1, AE2, AE3), cada uma com parâmetros diferentes. A verificação dos critérios de elegibilidade para o AE diferia dos programas regulares de assistência social como o Bolsa Família e foi inteiramente determinada pelo cruzamento de cadastros administrativos. A elegibilidade para o AE contou com três canais de entrada: a) o Programa Bolsa Família (PBF), em que todos os beneficiários eram elegíveis para receber um montante maior por meio do AE; b) o Cadastro Único, de nível nacional, no qual seriam automaticamente elegíveis as pessoas de baixa renda que não fossem beneficiárias do PBF; e c) a seleção passiva de solicitações submetidas por meio de inscrição online, o que levou à criação de um novo cadastro temporário, o Cadastro Único Extra (Lara de Arruda et al., 2021a). Em 2020, o programa atingiu todos os 5.570 municípios brasileiros, beneficiando diretamente 32 por cento da população. As taxas de cobertura variaram entre os estados (ver a Figura B.6.8), e o Norte e o Nordeste tiveram relativamente mais cobertura do Auxílio Emergencial: 40 por cento no Piauí, 39 por cento na Bahia e 38 por cento no Pará. Relatório de Capital Humano no Brasil Foi estimado que o Auxílio Emergencial atingiu indiretamente até 56 por cento da população no mesmo ano (Lara de Arruda et al., 2021b). No entanto, os beneficiários e benefícios do programa diminuíram ao longo das fases do programa. A primeira fase garantiu cinco pagamentos de R$ 600 (US$ 114,70) para até dois adultos por família (o valor foi dobrado para as mães solteiras). Na segunda fase, o valor do benefício individual foi reduzido em 50 por cento, e o valor dobrado para mães solteiras em domicílios com dois beneficiários foi descontinuado. Foi também introduzida uma regra de permanência baseada na reavaliação mensal da elegibilidade. A terceira fase limitou o benefício a uma 141 Caixa 6.8 (Continuação) pessoa por família e reduziu o valor mensal do benefício para R$ 250 (US$ 47,80), com acréscimo de R$ 125 (US$ 23,90) para mães solteiras e redução de R$ 100 (US$ 19,10) para membros de famílias unipessoais. Além disso, os critérios de renda tornaram- se mais restritivos, exigindo que tanto a renda familiar per capita quanto a renda familiar total estivessem abaixo dos limites de renda do programa, de R$ 522,50 (US$ 99,90) e R$ 3.315,00 (US$ 633,80) por mês, respectivamente (Lara de Arruda et al., 2021b). Embora os dados disponíveis sejam insuficientes para estimar o impacto do programa até o momento, observou-se em 2020 uma redução da taxa de pobreza e da taxa de desigualdade pelo índice de Gini (World Bank, 2022; Lara Ibarra & Vale, 2022b). Estimativas do Banco Mundial1 mostram que a taxa de pobreza para 2020 Figura B.6.8 – População Elegível foi de 1,7 por cento, e que na ausência do 2 para o Auxílio Emergencial AE e sem as expansões do programa Bolsa Família, a taxa de pobreza poderia ter alcançado cerca de 24 por cento (Lara de Arruda et al., 2022b). Apesar dessas políticas, o caminho para a recuperação das perdas de capital humano induzidas pela pandemia será longo. 1 Banco Mundial, 2022; Lara Ibarra & Vale, 2022. 2 US$ 1,90 por pessoa por dia em PPC de 2011. Gênero Os impactos da COVID-19 não são neutros em termos de gênero. A violência As mulheres tiveram sua própria pandemia, que foi ainda mais intensa. Um exemplo que diferencia a experiência das mulheres é o aumento da baseada em violência baseada em gênero (VBG) no Brasil. Em todo o mundo, uma em gênero aumentou cada três mulheres sofre violência física ou sexual durante a vida. Cerca de 40 por cento de todos os feminicídios são cometidos por parceiros na pandemia de (World Health Organization, 2021b). O Brasil segue essa tendência: dados COVID-19. pré-pandemia mostram que entre 2009 e 2019, 50.000 mulheres foram assassinadas no Brasil (Cerqueira et al., 2021; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021). Em 2015, o Brasil ficou em quinto lugar entre os países com as maiores taxas de feminicídio do mundo, segundo a Relatório de Capital Humano no Brasil ONU Mulheres (Waiselfisz, 2015). O isolamento social e o confinamento obrigatório durante a pandemia expuseram as mulheres a níveis crescentes de abuso. Os dados mostram um claro aumento da violência baseada em gênero durante a pandemia. Nos dois primeiros meses da pandemia, o feminicídio aumentou 22,2 por cento no Brasil e as denúncias recebidas por uma linha de atendimento à mulher aumentaram 27 por cento em relação 142 ao mesmo período de 2019 (World Bank, 2020a). A redução simultânea das denúncias presenciais indica que as mulheres enfrentam barreiras para denunciar agressões e abusos enquanto estão confinadas.78 Outro exemplo da experiência diferenciada da pandemia entre as mulheres são as altas taxas de mortalidade materna por COVID-19 (Andreucci & Knobel, 2021; Gonçalves et al., 2021). Entre janeiro e abril de 2021, o Brasil teve o maior número de mortes maternas por COVID-19 e uma taxa de letalidade de 7,2 por cento, quase três vezes a taxa de letalidade anual do país para esse grupo (2,8 por cento). (Fiocruz, 2021a; Pan-American Health Organization, 2021). Da mesma forma, números iniciais de 2021 mostram que as mortes maternas semanais quase quadruplicaram em comparação a 2020.79 A pandemia causou um retrocesso de mais de uma década nas taxas de emprego entre as mulheres. No Brasil, estima-se que 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho no terceiro trimestre de 2020, fazendo com que sua taxa de participação caísse para 45,8 por cento, o que representa uma queda de 14 por cento em relação a 2019 (Folha de São Paulo, 2021). As mulheres foram significativamente afetadas no mercado de trabalho. As mulheres no setor do trabalho doméstico foram particularmente afetadas. No Brasil, o número de pessoas empregadas no setor de serviços domésticos caiu 24,7 por cento no segundo trimestre de 2020 (ECLAC, 2021). As mulheres não estavam apenas fora do mercado de trabalho, mas também não procuravam emprego. No quarto trimestre de 2021, 43 por cento das mulheres inativas informaram que cuidar de crianças, cuidar de idosos e tarefas domésticas eram os principais motivos que as impediam de procurar emprego. Em comparação, apenas 4 por cento dos homens informaram os mesmos motivos para não procurar emprego (PNAD, 2021).80 Dados da ONU Mulheres, que analisou 16 países incluindo o Brasil, revelam que antes da pandemia as mulheres passavam aproximadamente 26 horas por semana cuidando dos filhos. Desde o início da pandemia, esse número aumentou para 31 horas. Os homens, por outro lado, cuidavam dos filhos por 20 horas semanais antes do surto, e 24 horas semanais após o surto. No caso do Brasil, especificamente, as mulheres gastaram 31,6 horas semanais com cuidados infantis durante a pandemia de COVID-19, enquanto os homens gastaram apenas 25,7 horas com cuidados infantis (UN Women, 2020). Como consequência, a pandemia foi rotulada por muitos como “shecession” (recessão das mulheres) ou “momcession” (recessão das mães) (IMF Working Paper, 2021). A pandemia também expôs as diferenças de gênero na educação. Segundo o UNICEF, mais de 5 milhões de meninas e meninos de 6 a 17 anos não tinham acesso à educação em novembro de 2020. Isso corresponde a 13,9 por cento da população dessa faixa etária no Brasil, sendo mais de 40 por cento crianças de 6 a 10 anos, faixa etária para a qual a educação era praticamente universalizada antes da pandemia (UNICEF, 2021). A desagregação por sexo da faixa etária dos 6 aos 17 anos mostra que os meninos apresentam taxas de abandono escolar mais elevadas (14,8 por cento) em comparação às meninas (12,9 por cento). Caixa 6.9 O Custo Econômico das Perdas de Aprendizagem Os anos esperados de escolaridade e as simulações de resultados de aprendizagem harmonizados preveem uma perda equivalente a um ano de anos de escolaridade ajustados à aprendizagem (AEAA).1 Essa perda de aprendizagem pode ser quantificada monetariamente como ganhos não recebidos, pois espera-se que um indivíduo menos instruído seja menos produtivo e receba salários mais baixos no mercado de trabalho. Relatório de Capital Humano no Brasil 78 Ao analisar as denúncias de violência doméstica, 12 estados relataram uma queda geral média de 25,5 por cento no mesmo período. Entre os estados, a maior queda foi no Maranhão, onde as denúncias caíram 97,3 por cento. No Rio de Janeiro e no Pará, as denúncias caíram 48,5 por cento e 47,8 por cento, respectivamente (World Bank, 2020a). O Observatório Brasileiro de Obstetrícia na COVID-19 informou que o número de mortes maternas em 2021 já superou o de 2020. 79 Em 2020, o Brasil registrou um total de 544 mortes maternas (gestantes e puérperas), com média semanal de 12,1 mortes. Note-se que a pandemia durou 45 semanas epidemiológicas naquele ano. 80 Da mesma forma, 50 por cento das mulheres fora da força de trabalho que queriam trabalhar apontaram cuidar de crianças, cuidar de idosos e tarefas domésticas como atividades que as impediam de trabalhar, em comparação a apenas 7 por cento dos homens na mesma categoria. 143 Caixa 6.9 (Continuação) A Figura B.6.9 mostra os custos econômicos usando o cenário realista. As estimativas utilizam a taxa de retorno de um ano de escolaridade, a renda média de um indivíduo que concluiu 12 anos de estudo2 e as perdas de AEAA no cenário realista. Espera-se que um indivíduo em idade escolar em 2021 perca US$ 794 por ano (em dólares, PPC de 2017) como resultado da diminuição dos anos de escolaridade ajustados à aprendizagem. Supondo-se que esse indivíduo permanecerá no mercado de trabalho por 32 anos,3 essa perda equivale a US$ 25.573 (em PPC de 2017) em rendimentos vitalícios e 7,9 por cento dos rendimentos vitalícios projetados. Monetizando Agregando 1 ano de perdas US$ 794 em ganhos US$ 495 bilhões ou de AEAA perdidos por ano e 16 por cento do por indivíduo PIB Figura B.6.9 – Custos Econômicos dos Impactos da Pandemia de COVID-19 Se agregadas para todos os indivíduos afetados da corte,4 as perdas somam US$ 495 bilhões (em dólares, PPC de 2017), o que corresponde a 16 por cento do PIB do país em 2019. As perdas de aprendizagem, portanto, se traduzem em custos não apenas para os indivíduos, mas também para a sociedade em geral. Nesse sentido, recuperar-se das perdas de aprendizagem também implica em restaurar a economia. 1 As perdas de AEAA (comparando as medições de 2019 com as simulações de 2021) foram equivalentes a 0,960, 0,985 e 0,992 anos nos cenários otimista, realista e pessimista, respectivamente. 2 A mesma taxa de retorno de um ano de escolaridade foi usada no componente de educação do ICH (8 por cento). A renda média representa a média da renda de um indivíduo com ensino médio completo (da PNAD trimestral, 2019). 3 Correa (2015) estima que um brasileiro de 15 anos passará 32,2 anos trabalhando no mercado de trabalho. 4 Isso inclui todos os indivíduos que deveriam estar na educação básica (ensino fundamental I e II e ensino médio). As razões pelas quais as crianças abandonam a escola têm relação com gênero. Dados pré- pandemia revelam que 13,9 por cento das meninas de 11 a 14 anos abandonaram a escola devido à gravidez, 1,4 por cento devido a tarefas domésticas e cuidados com idosos/pessoas com deficiências, e 7,7 por cento devido ao trabalho. Por outro lado, nenhum menino relatou abandono escolar devido à gravidez da companheira ou cuidados domésticos e de cuidados com idosos/pessoas com incapacidades, e apenas 4,1 por cento apontaram o trabalho como principal motivo. Em vez disso, a maioria relatou abandonar a escola devido à falta de interesse em estudar (43 por cento) e condições crônicas de Relatório de Capital Humano no Brasil saúde (29,8 por cento) (Lichand et al., 2021). Assim, as meninas são mais propensas a não frequentar a escola por causa de papéis de gênero desiguais. A UNESCO projeta que 11 milhões de meninas em todo o mundo podem nunca mais voltar à escola após a pandemia (UNESCO em World Bank, 2021b). 144 A Década Perdida O ICH geral no Brasil caiu de 0,601 em 2019 para 0,540 em A COVID-19 teve o maior 2021 (cenário realista). Se as medidas adequadas não forem impacto no componente adotadas, levará cerca de 10 a 13 anos para recuperar os níveis de ICH de 2019.  de educação do ICH. A pandemia interrompeu as melhorias de longo prazo na trajetória das taxas de sobrevivência infantil e de ausência de déficit de crescimento devido à diminuição da atenção pré e pós-natal, redução da renda familiar e insegurança alimentar. As simulações mostram uma perda considerável no componente de educação, sobretudo nos anos esperados de escolaridade, onde se verificam perdas que chegam ao equivalente a um ano letivo (de um total de 12). Choques de renda familiar e a falta de envolvimento na aprendizagem remota podem ter pressionado as crianças em idade escolar a deixarem a escola. Além disso, a taxa de sobrevivência de adultos diminuiu para níveis nunca antes observados81 devido a mortes diretas e indiretas por COVID-19. Os estados foram afetados de forma diferente pela pandemia, com Roraima, Goiás, São Paulo e Rondônia sofrendo as maiores perdas de capital humano, superiores a 12 por cento. Em todos os estados, o componente de educação do ICH apresentou queda relativamente maior do que os componentes de saúde e sobrevivência infantil. De fato, 63 por cento da perda de capital humano no Brasil é explicada pelo componente de educação, tanto em termos de AEE quanto de RAH. A redução da taxa de sobrevivência de adultos é responsável por 30 por cento das perdas. A COVID-19 também causou uma queda nas taxas de emprego. De acordo com as simulações, apenas 32,1 por cento do capital humano será adequadamente acumulado e utilizado em 2021. A COVID-19 afetou desproporcionalmente os negros. Condições de saúde e bem-estar aquém do ideal os tornam mais suscetíveis às infecções por COVID-19. Essas populações (i) estão concentradas principalmente em ocupações com maior probabilidade de exposição ao vírus, (ii) muitas vezes vivem em habitações lotadas e sem acesso a serviços de saneamento apropriados e (iii) correm maior risco de complicações da COVID-19 decorrentes de condições de saúde pré-existentes causadas pela desigualdade social. Os impactos da COVID-19 não são neutros em termos de gênero. Considerando-se o mercado de trabalho, as mulheres sofreram as diminuições mais significativas nas taxas de emprego. Sobretudo, a pandemia terá efeitos duradouros. Por exemplo, pesquisas mostram que a COVID-19 aumentou as desigualdades intergeracionais na educação: há uma diminuição projetada na probabilidade de crianças de famílias de baixa renda concluírem o ensino médio na América Latina (Neidhöfer et al., 2021). Nesse sentido, as crianças em idade escolar de hoje podem enfrentar maiores desigualdades na idade adulta. Se o capital humano de uma geração depende do capital humano da geração anterior - ou seja, se há persistência do capital humano intergeracional - o ICH pode ser afetado negativamente nas próximas décadas. Relatório de Capital Humano no Brasil 81 O período de análise foi de 2007 a 2019. 145 Capítulo 7 Indutores da Formação de Capital Humano Contexto Socioeconômico, Infraestrutura e Políticas Mensagens Principais  Este capítulo explora a variação nos municípios ao longo do tempo, controlando inúmeras variáveis para elucidar possíveis variáveis correlacionadas ao ICH.  Medidas socioeconômicas estão estreitamente associadas à acumulação de capital humano.  A educação dos pais está correlacionada ambos os componentes da educação (RAH, AEE) e com taxas de ausência de déficit de crescimento e de sobrevivência infantil.  A redução da gravidez na adolescência e da violência está correlacionada ao aumento dos anos esperados de escolaridade e da sobrevivência de adultos, respectivamente.  O aumento da cobertura de esgoto é um fator crítico para a sobrevivência infantil.  As escolas de tempo integral estão associadas a um melhor desempenho da educação.  O Programa Bolsa Família está associado aos anos esperados de escolaridade e ausência de déficit de crescimento. O que impulsiona a acumulação de capital humano no Brasil? Como mostrado até agora, diferentes regiões, estados e municípios apresentaram uma melhora generalizada, embora heterogênea, entre 2007 e 2019. Enquanto o ICH do Recife (Pernambuco) melhorou mais de 27,3 por cento, Macapá (Amapá) viu seu ICH aumentar em meros 6,3 por cento. Esse grau de diferença nos leva a questionar por que em alguns municípios a melhoria do ICH é mais acentuada do que em outros. Este capítulo investiga essa questão, explorando características municipais associadas ao ICH. O principal objetivo é mapear as variáveis associadas à evolução do ICH no Brasil. Duas cidades que ilustram essa diferença na melhoria do ICH são Cocal Por que o ICH dos Alves (Piauí) e Ibimirim (Pernambuco).82 Cocal dos Alves, uma pequena melhorou mais cidade no Piauí, com menos de sete mil habitantes, ocupa o primeiro lugar entre os municípios brasileiros em termos de resultados de ICH. A cidade é em alguns conhecida por seus resultados excepcionais na educação - que se refletem municípios? nos resultados de aprendizagem locais (IDEB) -, bem como por seu índice elevado de participação em Olimpíadas de matemática e suas altas taxas de ingresso no ensino superior. Por outro lado, Ibimirim, cidade de porte médio83 localizada no Nordeste, ostenta o quarto melhor desempenho em seu estado (Pernambuco). Entre 2007 e 2019, Cocal dos Alves e Ibimirim apresentaram taxas divergentes de melhoria de ICH, de 45 e 30 por cento, respectivamente. Uma história em duas cidades. Esta seção investigará os fatores que podem explicar por que Cocal dos Alves e Ibimirim apresentam taxas de melhoria de ICH tão diferentes. Antes de começar, é importante fazer duas ressalvas. Em primeiro lugar, foram considerados apenas os fatores para os quais havia dados disponíveis em nível municipal. Fatores relevantes que podem explicar o ICH que não foram medidos ou discutidos incluem qualidade dos professores e capacidade de gestão do município, entre outros. Em segundo lugar, os exercícios foram realizados durante um determinado período de tempo (2007 a 2019), e outras variáveis podem ser mais ou menos relevantes fora desse período de estudo. Indutores do Índice de Capital Humano: Correlações Esta seção apresenta uma revisão sucinta da literatura sobre os indutores de cada componente do ICH. A Figura 7.1 descreve alguns deles. O Apêndice V define todas as variáveis usadas na análise. Naturalmente, este capítulo não pretende constituir uma lista exaustiva de fatores e variáveis associados ao capital humano. Em vez disso, seu propósito é motivar discussões. Para uma descrição completa das variáveis, consulte o Apêndice V. Crianças Menores de Cinco Anos: Sobrevivência Infantil e Ausência de Déficit de Crescimento Seis variáveis têm forte correlação com as taxas de sobrevivência infantil e de déficit de crescimento. Como mostra a Figura 7.2, a probabilidade de uma criança sobreviver até os cinco anos de idade está positivamente relacionada à atenção pré-natal e resultados perinatais. Os dois primeiros indutores começam antes mesmo do nascimento. No Brasil, as duas principais causas da mortalidade infantil são a prematuridade (nascimento antes de sete meses de gestação) e complicações neonatais Relatório de Capital Humano no Brasil que estão diretamente relacionadas à atenção pré-natal e resultados perinatais (por exemplo, baixo peso ao nascer). A atenção pré-natal está negativamente associada à sobrevivência infantil. A Figura 7.2.a mostra uma relação negativa em nível de município entre taxas de sobrevivência infantil e porcentagem de nascimentos com atenção pré-natal insuficiente (menos de quatro consultas). 82   Este relatório se refere a esses municípios como pontos fora da curva (outliers) positivos. O Apêndice mostra estatísticas detalhadas de ICH para cada um dos municípios outliers positivos. 83  As estimativas populacionais indicam que Ibimirim tinha 29,3 mil habitantes em 2019. 148 Figura 7.1 Possíveis Indutores de ICH ao longo do Ciclo de Vida Correlações entre Sobrevivência Infantil e Ausência de Déficit de Crescimento Correlações Bivariadas com Variáveis Explicativas, 2019 (a) Atenção Pré-Natal Insuficiente (b) Escolaridade Materna 1,00 1,00 Sobrevivência Infantil Sobrevivência Infantil 0,95 0,95 0,90 0,90 Correlação: Correlação: -0,136 -0,157 0,85 0,85 0 25 50 75 100    " 0 20 40 60 80 Porcentagem de Nascimentos com Atenção Pré-Natal Insuficiente Porcentagem de Mães com Baixa Escolaridade (c) Representação da Pobreza Domiciliar (d) Gasto com Saúde Básica Ausência de Déficit de Crescimento Ausência de Déficit de Crescimento 1,00 1,00 0,90 0,90 0,80 0,80 Correlação: Correlação: -0,737 0,301 0,700 0,70 12.500 25.000 37.500 50.000        " 0 1.250 2.500 3.750 5.000   Famílias do PBF por 100 mil Habitantes Gasto com Saúde Básica per capita Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 7.2 Correlações entre Sobrevivência Infantil e Ausência de Déficit de Crescimento Um segundo indutor em potencial está relacionado à situação Condições sanitárias socioeconômica. O nível socioeconômico está correlacionado não ideais impedem às taxas de sobrevivência infantil e de ausência de déficit de crescimento, visto que famílias de maior renda têm mais acesso a acumulação de à saúde, alimentação e serviços básicos (i.e., saneamento, água). capital humano. 149 A Figura 7.2.b mostra que uma proporção menor de mães com baixos níveis de escolaridade em um município está associada a uma maior proporção de crianças que sobrevivem até os cinco anos de idade. Da mesma forma, a Figura 7.2.c aponta que uma incidência maior de pobreza em um município está positivamente relacionada ao déficit de crescimento (número menor de crianças com ausência de déficit de crescimento). Sabe-se que as condições de saneamento desempenham um papel vital na sobrevivência infantil e são consideradas um terceiro indutor potencial da formação de capital humano. Saneamento precário pode causar várias doenças, como diarreia e doenças transmitidas por vetores ou pela água, que são causas proeminentes da morte de crianças menores de cinco anos. Caixa 7.1 Revisão da Literatura: Taxa de Sobrevivência Infantil e Ausência de Déficit de Crescimento Taxa de sobrevivência infantil A primeira causa da mortalidade infantil no Brasil é a prematuridade, seguida por outras complicações perinatais e neonatais (França et al., 2017). A atenção pré-natal tem um papel vital na garantia da sobrevivência infantil. As evidências também sugerem que o baixo peso ao nascer está positivamente correlacionado à mortalidade infantil (McCormick, 1985; Victora & Barros, 2001). Diarreia e doenças associadas à falta de água, de saneamento e de instalações de higiene adequadas são causas importantes da mortalidade infantil que afetam, em particular, famílias de baixa renda (França et al., 2017). A falta de acesso a infraestrutura hídrica e de saneamento é um dos fatores que aumentam os riscos para a saúde ligados a doenças relacionadas à água (Pimentel et al., 2020; Günther & Fink, 2010). A precariedade do sistema de saneamento leva à disseminação de um grupo de doenças denominadas Doenças Relacionadas com Saneamento Ambiental Inadequado (Pimentel et al., 2020). Um vasto corpo da literatura acadêmica também mostra a forte relação entre escolaridade materna e resultados de saúde infantil (Grépin & Bharadwaj, 2015; Grossman, 2006; Alderman & Headey, 2017; Breierova & Duflo, 2004; Keats, 2018; Currie & Moretti, 2003). O gasto público também parece estar associado à sobrevivência infantil. Um estudo mostrou que um maior gasto público com saúde aumenta as taxas de sobrevivência infantil, especialmente em áreas com boa governança (Rajkumar & Swaroop, 2008). Outro estudo do Canadá mostra que um menor gasto público com saúde está associado a um aumento estatisticamente significativo da mortalidade infantil (Crémieux et al., 1999). Recursos humanos e infraestrutura hospitalar também desempenham um papel vital na redução da probabilidade de uma criança vir a óbito (Aguilera & Marrufo, 2007). Por fim, a Estratégia de Saúde da Família é um programa voltado para a oferta de atenção primária à saúde (ver capítulo 9) e a principal estratégia de expansão do Sistema Único de Saúde (SUS). Pesquisas indicam que o programa reduz hospitalizações desnecessárias, bem como a mortalidade de crianças menores de um ano (Aquino et al., 2009; Pinto Junior et al., 2018) Relatório de Capital Humano no Brasil Ausência de déficit de crescimento Déficit de crescimento infantil se refere ao crescimento mais lento e insuficiente antes e depois do nascimento, devido a deficiências nutricionais e infecções. Fatores socioeconômicos parecem desempenhar um papel fundamental na explicação dessa condição. Famílias em situação de maior pobreza têm menos acesso a alimentação adequada e estão mais expostas a condições 150 Caixa 7.1 (Continuação) precárias de saneamento e higiene, tornando-as mais vulneráveis a infecções (Grantham- McGregor et al., 2007). Além da renda, a escolaridade materna desempenha um papel essencial na prevenção do déficit de crescimento. As evidências apontam que níveis mais elevados de escolaridade materna estão associados a comportamentos protetores no cuidado infantil, tais como a vacinação dos filhos ou o acesso a centro de saúde locais (Semba, 2008). No mesmo sentido, a taxa de analfabetismo materno tem correlação negativa com os resultados de saúde infantil, como a ausência de déficit de crescimento e a mortalidade infantil (Grépin & Bharadwaj, 2015; Grossman, 2006; Alderman & Headey, 2017; Breierova & Duflo, 2004). A disponibilidade de serviços perinatais e infraestrutura de saneamento e água pode afetar a altura e o peso das crianças, aumentando a probabilidade de déficit de crescimento infantil (Lavy et al., 1996). Um estudo abrangente na Indonésia mostra que o déficit de crescimento também está associado a resultados neonatais e pós-natais, incluindo parto prematuro, baixo comprimento ao nascer e aleitamento materno não exclusivo (Beal, 2018). Por fim, uma vez que o déficit de crescimento está diretamente relacionado ao acesso e à qualidade dos sistemas de saúde, o gasto público com saúde pode ter um papel essencial na redução do déficit de crescimento infantil (Balla et al., 2021). As causas prevalentes de hospitalizações entre crianças correlacionadas à sobrevivência infantil incluem doenças decorrentes de falta de saneamento, desnutrição e asma. Nas últimas décadas, houve uma melhoria consistente na redução do número dessas hospitalizações entre as crianças no Brasil, que é o quarto indutor potencial da formação de capital humano (Apêndice V). O quinto indutor potencial é o programa Estratégia Saúde da Família84, que ampliou a oferta de atenção primária à saúde no Brasil. A literatura acadêmica encontrou evidências de que o programa reduziu o número de hospitalizações desnecessárias e a mortalidade infantil. O gasto público com serviços básicos de saúde é o sexto indutor potencial da formação de capital humano. Entre 2007 e 2019, o gasto com saúde básica per capita nos municípios aumentou, em média, 35 por cento (Apêndice V). Uma vez que as taxas de sobrevivência e de ausência de déficit de crescimento infantil estão intrinsecamente associadas ao acesso e à qualidade da atenção primária à saúde, o gasto público com saúde básica é um fator importante ligado à melhoria desses componentes (Figura 7.2.d). Crianças em Idade Escolar: Educação A educação é Esta seção analisa os cinco indutores relacionados ao componente educação do ICH listados na Figura 7.1: (i) fatores socioeconômicos; a escada para (ii) gravidez na adolescência; (iii) escolas de tempo integral; (iv) estrutura a formação de escolar; e (v) gasto público com educação. capital humano Relatório de Capital Humano no Brasil Um maior nível socioeconômico, representado pela renda ou escolaridade dos pais, está correlacionado a um maior número de no Brasil. anos de escolaridade e um melhor desempenho da aprendizagem. Isso se deve ao fato de que famílias de alta renda tendem a (i) enviar seus filhos para escolas melhores; (ii) proporcionar um ambiente estimulante em casa; (iii) ter mais acesso ao conhecimento; e (iv) usar menos tempo de seus filhos em tarefas domésticas. A Figura 7.3 apresenta a correlação entre essas duas representações socioeconômicas e os componentes RAH e AEE. A Figura 7.3.a mostra que quanto maior 84   Para uma descrição mais aprofundada, veja o capítulo 8. 151 a proporção de alunos cujos pais têm ensino superior em um município, maior os RAH. Quando os pais estudam, os filhos também tendem a estudar. Da mesma forma, a Figura 7.3.c ilustra que quanto maior a incidência de pobreza em um município, menos os AEE. Outro problema que afeta o rendimento escolar dos alunos é a gravidez na adolescência. Há muitas evidências associando a gravidez na adolescência a rendimento escolar deficiente, em particular devido ao aumento do abandono escolar e à criação de trajetórias escolares irregulares. Os dados apresentados na Figura 7.3.d corroboram essa ideia, mostrando que quanto maior a incidência de gravidez na adolescência em determinado município, menos são os anos esperados de escolaridade. Vale ressaltar que a queda da gravidez na adolescência entre 2007 e 2019 (Apêndice V) corresponde a um aumento da escolaridade observado nesse período. Algumas políticas parecem melhorar a qualidade da escola. Um exemplo é a educação em tempo integral. Os municípios brasileiros vêm aumentando a porcentagem de escolas de tempo integral (Apêndice V) com efeitos causais na aprendizagem. A Figura 7.3.b demonstra que há uma pequena - embora distinta - correlação entre escolas de tempo integral e melhorias dos RAH. Resultados de Aprendizagem Harmonizados & Anos Esperados de Escolaridade Correlações Bivariadas com Variáveis Explicativas, 2019 (a) Educação dos Pais (b) Escolas de Tempo Integral 0,90 0,90 0,73 0,73 RAH RAH 0,57 0,57 Correlação: Correlação: 0,193 0,059 0,40 0,40 0 15 30 45 60   " 0 25 50 75 100    Porcentagem de Pais com Ensino Superior Porcentagem de Turmas em Tempo Integral (c) Representação da Pobreza Domiciliar (d) Gravidez na Adolescência 12.0 12.0 10,30 10,30 AEE AEE 8,65 8,65 Correlação: Correlação: -0,357 -0,294 7,000 7,00 12.500 25.000 37.500 50.000  0 400 800 1,200 1,600   Famílias do PBF por 100 mil habitantes Gravidez na Adolescência por 100 mil habitantes Figura 7.3 Resultados de Aprendizagem Harmonizados e Anos Esperados de Escolaridade Caixa 7.2 Revisão da Literatura: Educação Relatório de Capital Humano no Brasil A literatura existente descreve os muitos fatores associados à qualidade da educação e à frequência escolar. As características dos alunos e suas famílias são um fator preponderante que pode afetar o rendimento escolar dos alunos. A escolaridade dos pais parece desempenhar um papel essencial na explicação do nível de escolaridade dos filhos. Um estudo sugere que a escolaridade da mãe pode determinar de forma causal o nível de escolaridade do filho (Black et al., 2005); outros estudos sugerem que a escolaridade de uma mãe pode determinar de forma causal o rendimento escolar tanto dos seus filhos como das suas filhas, mas com um efeito maior 152 Caixa 7.2 (Continuação) no rendimento acadêmico das meninas (Akarçay-Gürbüz & Polat, 2017). No caso de crianças cujos pais têm um nível maior de escolaridade, acredita-se que os custos sejam mais baixos ou que um esforço menor seja necessário para a acumulação de capital humano; por exemplo, seus pais podem estar mais disponíveis ou deter os conhecimentos necessários para ajudar os filhos com as tarefas escolares. A escolaridade dos pais também pode influenciar o rendimento escolar dos filhos por meio da renda. Pais com maior nível de escolaridade provavelmente terão rendas maiores e canalizarão mais apoio para a educação dos filhos. Por exemplo, pais mais com maior poder aquisitivo podem colocar seus filhos em escolas melhores, criar um ambiente de estudo mais favorável em casa, fornecer-lhes mais livros e usar menos tempo dos seus filhos em tarefas domésticas. Um aumento da renda familiar tem demonstrado aumentar o nível de escolaridade (Akee et al., 2010) e as notas em provas de leitura e matemática (Dahl & Lochner, 2012). Outra característica familiar que pode afetar o desempenho acadêmico dos alunos é a estrutura familiar. Evidências sugerem que, mesmo em famílias com nível de renda semelhante, alunos que não vivem com ambos os pais têm menor probabilidade de frequentar e concluir uma universidade. Outra questão que pode afetar o rendimento escolar dos alunos é a gravidez na adolescência. A gravidez na adolescência é vista como um problema social e de saúde, com impactos negativos no rendimento escolar, especialmente em termos de abandono escolar e trajetórias escolares irregulares. A incidência de gravidez na adolescência, por vezes associada ao casamento precoce, também tem um impacto negativo no número médio de anos de escolaridade dos alunos (Almeida et al., 2006; Teixeira & Madalozzo, 2019). Além das características de alunos e familiares, a qualidade do sistema escolar também tem demonstrado afetar o rendimento escolar dos alunos. Um ambiente escolar com melhor infraestrutura, como bibliotecas e banheiros, parece melhorar a aprendizagem, e laboratórios e água potável parecem aumentar as taxas de matrícula (Cuesta et al., 2016). O gasto público pode ser um mecanismo para melhorar a qualidade e a infraestrutura das escolas, pois há evidências de efeitos causais no rendimento escolar (Jackson et al., 2015; Jackson et al., 2021; Johnson & Jackson, 2019), especialmente onde há melhor governança (Rajkumar & Swaroop, 2008). Outras políticas também podem melhorar a qualidade das escolas, tais como a educação em tempo integral. No Brasil, a jornada padrão de uma escola é de aproximadamente quatro horas e meia, enquanto os programas escolares em tempo integral estendem a jornada escolar para cerca de sete horas. Algumas pesquisas demonstram que os programas escolares em tempo integral afetam positivamente a qualidade e a quantidade do rendimento escolar (Almeida et al., 2016; Cerdan-Infantes & Vermeersch, 2007). O modelo de educação em tempo integral, por exemplo, foi implementado nas escolas públicas de Pernambuco e parece ter afetado positivamente as notas nos testes de matemática e linguagem no ensino médio (Rosa et al., 2022). Porém, em outro programa nacional, o Mais Educação, a educação em tempo integral aparentemente não teve efeito algum – ou teve até mesmo efeitos negativos – no rendimento escolar. (Almeida et al. , 2016; de Oliveira & Terra, 2018). Relatório de Capital Humano no Brasil Idade Adulta: Taxa de Sobrevivência de Adultos O componente taxa de sobrevivência de adultos refere-se a uma série de eventos que ocorrem na idade adulta. A Figura 7.1 lista os cinco indutores potenciais correlacionados com essa taxa. Um evento importante associado ao óbito é o homicídio. Ao realizar uma simples correlação bivariada, a Figura 7.4.a mostra que quanto maior o número de homicídios em um município, menor a taxa de sobrevivência de 153 adultos. Essa relação também captura efeitos de renda, uma vez que uma renda mais baixa está altamente correlacionada com homicídios.  Problemas de saúde como diabetes, hipertensão, obesidade e alcoolismo estão relacionados à probabilidade de sobreviver até os 60 anos. A Figura 7.4.b mostra uma relação pequena - mas distintamente negativa - entre hospitalizações por diabetes e as taxas de sobrevivência de adultos. Entre 2007 e 2019, as hospitalizações por obesidade quase triplicaram nos municípios brasileiros (Apêndice V), indicando uma deterioração das condições de saúde da população. Taxa de Sobrevivência de Adultos Correlações Bivariadas com Variáveis Explicativas, 2019 (a) Homicídios (b) Hospitalizações por Diabetes Taxa de Sobrevivência de Adultos Taxa de Sobrevivência de Adultos 1,00 1,00 0,85 0,85 0,70 0,70 Correlação: Correlação: -0,385 -0,079 0,55 0,55 0 90 180 270 360     " 0 250 500 750 1.000  Homicídios por 100 mil habitantes Hospitalizações por Diabetes por 100 mil habitantes  (c) Gasto com saúde (d) Escolaridade dos Pais Taxa de Sobrevivência de Adultos Taxa de Sobrevivência de Adultos 1,00 1,00 0,85 0,85 0,70 0,70 Correlação: Correlação: 0,036 0,052 0,55 0,55 0 1.250 2.500 3.750 5,000      " 0 15 30 45 60 Gasto com Saúde per Capita Porcentagem de Pais com Ensino Superior Figura 7.4 Taxa de Sobrevivência de Adultos Como as condições de saúde estão associadas à probabilidade de sobreviver até os 60 anos, a qualidade do sistema de saúde é um elemento que prevê a taxa de sobrevivência de adultos. A relação entre as variáveis de infraestrutura hospitalar e esse subcomponente do ICH foi investigada para medir esses impactos. Uma pequena relação positiva entre gasto com saúde per capita e taxa de sobrevivência de adultos também pode ser observada na Figura 7.4.c. Por fim, a porcentagem de pais com ensino superior é pequena, mas está positivamente correlacionada com a taxa de sobrevivência de adultos (Figura 7.4.d). Caixa 7. 3 Revisão da Literatura: Taxa de Sobrevivência de Adultos Relatório de Capital Humano no Brasil O componente taxa de sobrevivência de adultos do ICH é a probabilidade de um indivíduo sobreviver dos 15 aos 60 anos. Essa taxa se refere a uma série de eventos que ocorrem com maior frequência nessa faixa etária (homicídios, por exemplo). No Brasil, aproximadamente 11 por cento das mortes ocorridas na idade adulta são por homicídio. Álcool e tabagismo são mais prevalentes - embora não exclusivos - nessa faixa etária. Ambos os fatores têm impacto negativo na expectativa de vida, assim como outros comportamentos de risco (Crémieux et al., 1999). 154 Caixa 7.3 (Continuação) Além disso, a obesidade parece estar associada a uma redução da expectativa de vida e a um aumento da prevalência de diabetes (Walls et al., 2012). Essa condição, quando associada à hipertensão arterial, pode aumentar a morbidade de adultos (Seravalle & Grassi, 2017). Além dos fatores relacionados com características individuais, os gastos com saúde per capita e a infraestrutura hospitalar também parecem estar associados à sobrevivência de adultos. Nos países da OCDE, por exemplo, a redução dos gastos com saúde tem sido associada a uma queda significativa da expectativa de vida. Por outro lado, o aumento do número de médicos e do PIB per capita, bem como um declínio da taxa de pobreza e da densidade populacional, afetam positivamente a expectativa de vida (Crémieux et al., 1999). Indutores do Índice de Capital Humano: Regressões Esta seção apresenta os resultados de regressão para cada subcomponente do ICH. A ideia é explorar a variação nos municípios ao longo do tempo, controlando inúmeros fatores (variantes no tempo e invariantes no tempo) para identificar fatores correlacionados à formação de capital humano. Vale ressaltar que essas regressões não têm implicações causais85. Crianças Menores de Cinco Anos: Sobrevivência Infantil A Figura 7.5 resume os resultados concernentes às taxas de sobrevivência infantil. Resultados perinatais ruins86, relacionados a nascimentos pré-termo e complicações durante o trabalho de parto (Svenvik et al., 2015), destacam-se dos demais indutores que apresentam correlações significativas com as taxas de sobrevivência infantil. Hospitalizações decorrentes de desnutrição também apresentaram uma relação negativa com esse componente. Esses resultados estão em consonância com as constatações da literatura acadêmica87. Outro fator associado às taxas de sobrevivência infantil Elevar o nível de é o nível de escolaridade das mães. Mais precisamente, uma redução de 10 por cento na proporção de mães com baixo nível escolaridade das mães de escolaridade nos municípios corresponde a um aumento pode aumentar a de aproximadamente 0,8 por cento nesse subcomponente. Um mecanismo que contribui para essa relação é o uso de sobrevivência infantil. resultados perinatais. As evidências mostram que há menor incidência de nascimentos prematuros e bebês com baixo peso ao nascer entre as mães com escolaridade (Günther & Fink, 2010). Não há correlação estatisticamente significativa entre gasto com saúde e sobrevivência infantil. No entanto, as evidências mostram que o gasto público com saúde reduz as taxas de mortalidade infantil em países com melhor governança (Rajkumar & Swaroop, 2008). Voltando ao exemplo de Cocal dos Alves, Relatório de Capital Humano no Brasil o componente sobrevivência infantil subiu de 0,939 para 0,958 em 12 anos. Apesar de ser pequeno em Regressões de dados de painel foram usadas controlando variáveis como efeitos municipais, fixos e tendências temporais 85  estaduais. A lista de variáveis de controle inclui características municipais (por exemplo, religião, cultura, etc.); fatores variantes no tempo que são constantes entre os municípios (por exemplo, inflação); e fatores variantes no tempo que são constantes nos estados (por exemplo, eleições estaduais ou impostos estaduais). As tabelas com os resultados completos da regressão são apresentadas no Apêndice V. 86   Resultados perinatais ruins são aqueles com uma pontuação do APGAR inferior a 7 (Apêndice V).   Lavy et al. (1996), por exemplo, mostraram que um aumento nos serviços perinatais disponíveis aumentou as taxas de 87 sobrevivência infantil e altura e peso infantil em Gana. 155 termos absolutos, esse aumento é cerca de três vezes superior à média nacional88. As variáveis que podem explicar esse aumento incluem o fato de que Cocal dos Alves reduziu a parcela de resultados perinatais ruins e a parcela de mães sem escolaridade em 76,5 por cento e 58,9 por cento, respectivamente. Situação Socioeconômica como Indutor das Taxas de Sobrevivência Infantil Efeitos Médios da Estimativa de Painel % de resultados perinatais ruins % de mães sem escolaridade Aumento de 10% ou 10 p.p. % de pré-natal insuficiente log (hospitalizações por desnutrição¹) log (hospitalizações rela- cionadas com saneamento¹) % de escolas com esgoto log (nº de famílias no PBF¹) -1,00 -0,80 -0,60 -0,40 -0,20 0,00 Efeito na Sobrevivência Infantil (em %) 1 Variáveis por 100 mil habitantes. Nota: As variáveis não significativas, mas incluídas no modelo, foram: número de médicos da Estratégia Saúde da Família, número de máquinas de raio-X, número de hospitalizações atribuíveis à asma, gastos com saúde básica per capita e gastos com saneamento per capita. Figura 7.5 Situação Socioeconômica como Indutor das Taxas de Sobrevivência Infantil Crianças Menores de Cinco Anos: Ausência de Déficit de Crescimento A Figura 7.6 mostra o subcomponente ausência de déficit de crescimento. A correlação mais importante refere-se à escolaridade das mães. Como demonstrado em outras pesquisas, um baixo nível de escolaridade entre as mães está negativamente associado a resultados perinatais como sobrevivência infantil, altura e peso ao nascer. Além disso, o número de famílias beneficiárias do Bolsa Família (PBF) no município tem um efeito negativo nas taxas de ausência de déficit de crescimento. A Caixa 7.5 analisa mais detalhadamente o efeito causal do PBF no componente ausência de déficit de crescimento. Em Ibimirim, as taxas de ausência de déficit de crescimento aumentaram notáveis 3,4 por cento entre 2007 e 2019 em relação à taxa geral do Brasil, que subiu, em média, 2,0 por cento. No mesmo período, a Relatório de Capital Humano no Brasil parcela de mães sem escolaridade em Ibimirim diminuiu 74,5 por cento. O ensino superior entre as mães está relacionado com melhorias significativas no ICH. 88   De 2007 a 2019, o componente Sobrevivência Infantil aumentou, em média, 0,36 por cento no Brasil. Em Cocal dos Alves, esse aumento foi de 1,99 por cento. 156 Situação Socioeconômica como Indutor das Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento Efeitos Médios da Estimativa de Painel % de mães sem escolaridade Aumento de 10% ou 10 p.p. log (médicos da Estratégia Saúde da Família¹) log(hospitalizações desnutrição¹) log(nº de famílias no PBF¹) -0,50 -0,40 -0,30 -0,20 -0,10 0,00  Efeito na Ausência de Déficit de Crescimento (em %) Variáveis por 100 mil habitantes. Nota: As variáveis não significativas, mas incluídas no modelo foram: gasto com saúde básica per 1 capita, porcentagem de resultados perinatais ruins e porcentagem de atenção pré-natal insuficiente. Figura 7.6 Situação Socioeconômica como Indutor das Taxas de Ausência de Déficit de Crescimento Crianças em Idade Escolar: Educação Resultados de Aprendizagem Harmonizados. A Figura 7.7 mostra que o histórico educacional da família e o acesso à educação em tempo integral A escolaridade estão positivamente correlacionados aos RAH. Um aumento de 10 por cento dos pais está na proporção de pais com curso superior está correlacionado com um aumento de 1,7 por cento nos RAH. Esses resultados estão em consonância associada a com a literatura que mostra uma forte relação entre pais com ensino superior uma melhor e rendimento escolar do aluno. A Figura 7.7 também mostra que um aumento de 10 por cento na educação em tempo integral está associado a um aumento qualidade da de 0,2 por cento nos RAH. educação. Além disso, há uma correlação positiva entre a proporção de alunos brancos em um município e os RAH. Isso provavelmente se deve ao fato de que essa variável representa outras variáveis, como a renda familiar. A correlação negativa entre o número de escolas por município e os RAH provavelmente captura as complexidades de redes escolares maiores (Ostrom, 2000). Relatório de Capital Humano no Brasil Anos esperados de escolaridade. Há uma correlação positiva entre estrutura familiar e AEE quando o aluno vive com ambos os pais. Essa correlação pode ser uma representação de melhores fatores socioeconômicos, como, por exemplo, a renda. A Figura 7.8 mostra que um aumento de 10 por cento no número de alunos que vivem com ambos os pais aumenta os AEE em 0,2 por cento. Além disso, infraestrutura escolar, escola de tempo integral e gasto per capita com educação parecem estar positivamente correlacionados aos AEE. A Figura 7.8 mostra que essa correlação é mais significativa para os dois primeiros fatores. Um aumento de 10 por cento na infraestrutura escolar e na escola de tempo integral aumenta os AEE em 0,16 por cento e 0,17 por cento, respectivamente. 157 Escola de Tempo Integral e SSE como Indutores de Resultados de Aprendizagem Harmonizados Efeitos Médios da Estimativa de Painel % de mães e pais com ensino superior Aumento de 10% ou 10 p.p. % de alunos brancos % de escolas de tempo integral log (nº de escolas municipais) 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00  Efeito nos Resultados de Aprendizagem Harmonizados (em %) Nota: As variáveis não significativas, mas incluídas no modelo foram: número de famílias no PBF, índice de infraestrutura escolar, variável dummy de escola particular, gasto com educação por aluno, porcentagem de alunos que vivem com os pais e número de ocorrências de gravidez na adolescência. Figura 7.7 Escola de Tempo Integral e SSE como Indutores de Resultados de Aprendizagem Harmonizados A constatação de que a gravidez na adolescência está negativamente correlacionada ao número de AEE está em consonância com a literatura existente (Almeida et al., 2006; Teixeira & Medalozzo, 2019). Adolescentes grávidas muitas vezes abandonam a escola para cuidar da criança ou entrar prematuramente no mercado de trabalho. Embora o Brasil tenha registrado melhoras na redução da gravidez na adolescência, as porcentagens continuam significativas. Outro fator importante que pode estar correlacionado à A gravidez na adolescência educação no ICH e que não foi explorado nas regressões são as características dos professores. A Caixa 7.4 discute está associada a números em detalhes esse indutor potencial. baixos de anos esperados Uma parte significativa do alto ICH de   Cocal dos Alves se de escolaridade deve a seu excelente desempenho na educação. Entre 2007 e 2019, a cidade aumentou seu componente educação do ICH em 25 por cento, valor bem acima do aumento médio nacional de 11 por cento. Esse aumento pode ser explicado pelos fatores descritos nesta Relatório de Capital Humano no Brasil seção. Por exemplo, em 2007 não havia ensino médio em tempo integral em Cocal dos Alves. No entanto, em 2019, 98 alunos estavam matriculados no ensino médio em tempo integral (representando 60 por cento do total de alunos no ensino médio). De 2007 a 2019, a cidade também reduziu a taxa de gravidez na adolescência em 34,9 por cento, com prováveis impactos positivos na frequência escolar. Além disso, a proporção de pais com ensino superior triplicou, provavelmente indicando uma melhoria nos indicadores socioeconômicos que afetam o rendimento escolar. Os avanços na educação acompanham as melhorias nos indicadores sociais.  158 Estrutura Escolar e SSE como Indutores de Anos Esperados de Escolaridade Efeitos Médios de Estimativa de Painel % de alunos que vivem com os pais Aumento de 10% ou 10 p.p. log (índice de infraestrutura escolar) % de escolas de tempo integral log (gasto com  educação por aluno) log (nº de ocorrências de gravidez na adolescência¹) -0,10 0,00 0,10 0,20 0,30 0,40 Efeito nos Anos Esperados de Escolaridade 1 Variáveis por 100 mil habitantes. Nota: As variáveis não significativas, mas incluídas no modelo foram: número de famílias que recebem o Bolsa Família, número de escolas municipais, variável dummy de escolas particulares, porcentagem de alunos brancos e porcentagem de pais com ensino superior. Figura 7.8 Estrutura Escolar e SSE como Indutores de Anos Esperados de Escolaridade Caixa 7.4 As Condições de Trabalho dos Professores Afetam a Aprendizagem no Brasil? Prof. Naercio A. Menezes-Filho Insper, Universidade de São Paulo, Academia Brasileira de Ciências Apesar dos grandes avanços no acesso à educação e no número de anos médios de escolaridade nos últimos 30 anos, a aprendizagem ainda é muito deficiente no Brasil. Essas dificuldades de aprendizagem estão relacionadas, em parte, ao histórico familiar em um sentido amplo, e em Relatório de Capital Humano no Brasil parte à gestão escolar e às condições de trabalho dos professores. Em termos de histórico familiar, a literatura recente enfatiza a importância do desenvolvimento na primeira infância (DPI) como fase crucial do desenvolvimento de capital humano (Equação de Heckman, 2015). Resiliência e perseverança são igualmente essenciais para o processo de aprendizagem. Crianças que passam por um longo período de estresse tóxico provavelmente não conseguirão desenvolver essas habilidades quando a janela de oportunidade se abrir (Shonkoff et al., 2012). No Brasil, cerca de 20 por cento das crianças de 0 a 6 anos são de famílias pobres que não recebem qualquer tipo de transferência de renda, 25 por cento vivem 159 Caixa 7.4 (Continuação) em residências com infraestrutura inadequada (superlotadas ou precárias) e 50 por cento não têm acesso a sistemas de esgoto. Esse são entraves significativos para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais no Brasil. O baixo desempenho dos brasileiros na pontuação do teste PISA parece estar relacionado a habilidades cognitivas e socioemocionais precárias. Pietra et al. (2020) usaram os fatos de que o PISA 2015 foi realizado em computador e que a colocação das questões no teste foi aleatória para poderem estudar o desempenho dos alunos brasileiros em relação aos de outros países. Foi constatado que os alunos brasileiros apresentaram a maior queda de desempenho no teste entre todos os países participantes do PISA 2015. Essa queda de desempenho ocorreu porque a maioria dos alunos brasileiros sequer analisa a maioria das questões ou tenta resolvê- las, especialmente aquelas colocadas no final do teste. Esse resultado sugere que os alunos brasileiros carecem de motivação intrínseca para passar por todas as questões de um teste que não os avalia individualmente, ao contrário dos alunos na OCDE e na Ásia. Outros componentes importantes da equação do capital humano são a gestão escolar e as condições de trabalho dos professores, visto que os professores podem melhorar parcialmente os impactos das más condições socioeconômicas advindos da família. A qualidade das escolas brasileiras varia substancialmente entre setores (setor privado em relação ao público), entre regiões e entre áreas rurais e urbanas. As escolas podem melhorar o desempenho dos alunos se tiverem melhores insumos e adotarem melhores práticas de gestão e ensino (Glewwe & Kremer, 2006). A literatura enfatiza que a influência dos professores conta na aprendizagem dos alunos, que a motivação do professor e sua capacidade de transmitir conhecimento podem fazer a diferença em sala de aula, e que alunos combinados com bons professores acumulam mais capital humano no longo prazo (Rockoff, 2004; Hanushek & Rivkin, 2010; Chetty et al., 2014a; Jackson et al., 2014). Em um artigo recente, Marioni et al. (2020) investigam se o capital humano e as condições de trabalho dos professores impactam o desempenho dos alunos, controlando os efeitos fixos de professor, aluno e correspondência aluno-professor. Seu foco está em características do professor, como educação, formação, renda familiar, experiência, tempo de serviço, multiplicidade de empregos e horas trabalhadas, controlando características não observadas de alunos e professores, como qualidade do professor e capacidade cognitiva do aluno, que são fixos no tempo, e a correspondência entre professores e alunos. A estrutura do estudo é baseada em Woodcock (2015) e foi originalmente criada para modelar o comportamento de empresas e trabalhadores, usando apenas a variação nas características dos professores ao longo do tempo para uma determinada correspondência professor/aluno. Os dados são do projeto Estudo Longitudinal da Geração Escolar (GERES), que acompanha aproximadamente 10 mil alunos de quatro grandes cidades brasileiras durante quatro anos (Franco et al., 2008). Os resultados mostram que o número de horas de trabalho dos professores impacta positivamente o desempenho acadêmico dos alunos nas provas de português e matemática. Professores que trabalham em tempo integral em uma escola têm um impacto de 24 por cento de um desvio padrão nas pontuações da prova de português em relação aos professores de meio período, e um impacto de 30 por cento no desvio padrão em matemática. Além disso, professores com mais de 15 anos de experiência na profissão têm um efeito positivo nas pontuações das provas Relatório de Capital Humano no Brasil de português (24 por cento do desvio padrão), em comparação a professores com menos de um ano de experiência. Essa conclusão sugere que professores mais experientes podem explorar melhor as habilidades dos seus alunos, levando-os a obter notas mais altas nas provas. Curiosamente, no entanto, ao contrário do que ocorre com as qualificações acadêmicas dos professores, sua experiência e seu tempo de serviço não têm um impacto significativo nas notas de matemática. Alunos cujos professores possuem mestrado ou doutorado obtêm notas mais altas em aproximadamente 55 por cento de um desvio padrão em relação ao valor médio, mesmo quando levados em consideração os efeitos fixos da correspondência aluno-professor. 160 Caixa 7.4 (Continuação) Em suma, as condições familiares e do professor melhoram a acumulação de capital humano da criança. No Brasil, as condições familiares são extremamente importantes, visto que uma parcela significativa das crianças vive em situação de pobreza e, portanto, não consegue desenvolver as habilidades cognitivas e socioemocionais que são essenciais para a acumulação de capital humano. Por outro lado, os professores também carecem de condições adequadas de trabalho. Muitos professores trabalham em mais de uma escola, dedicando apenas algumas horas aos alunos de cada escola, e alguns não têm qualificações para o ensino da matemática. Portanto, uma política que poderia melhorar o capital humano no Brasil seria manter os professores em apenas uma escola, para que possam passar mais horas interagindo com seus alunos, ter mais tempo para preparar as aulas e dar feedback aos alunos. Devemos melhorar também as condições dos domicílios, investindo em infraestrutura e melhorando os programas de transferência de renda existentes. Idade Adulta: Taxa de Sobrevivência de Adultos O fator que parece ser mais relevante para explicar Diminuir o número de homicídios a taxa de sobrevivência de adultos é o homicídio, como destaca a Figura 7.9. Uma redução de 10 pode aumentar a taxa de por cento no número de homicídios aumentaria sobrevivência de adultos. a sobrevivência de adultos em aproximadamente 0,10 por cento. Além disso, há um desequilíbrio de gênero nessa proporção, visto que os homens tendem a viver menos. Esse desequilíbrio diminuiu nos últimos anos (Apêndice V) e está positivamente correlacionado à sobrevivência de adultos, que provavelmente se deve à redução nas mortes de homens, em particular por causas violentas. Por exemplo, em 2019, 67,3 por cento das mortes de adultos por todas as causas foram de homens; se a situação fosse equilibrada, esse valor estaria mais próximo de 50 por cento. O PBF também está correlacionado com efeitos negativos na taxa de sobrevivência de adultos. Isso provavelmente se deve ao fato de o programa ser um representante da pobreza, e não ao programa em si. O número de hospitalizações por diabetes é mais um fator que apresenta uma correlação negativa com a taxa de sobrevivência de adultos. A infraestrutura hospitalar também é um fator importante para os resultados de saúde: um aumento de 10 por cento no número de postos de urgência melhoraria a taxa de sobrevivência de adultos em 0,02 por cento. De fato, de 2007 a 2019, em Ibimirim, o componente sobrevivência de adultos aumentou de 0,834 para 0,883, o que significa que mais cinco adultos em cada 100 sobrevivem até os 60 anos. Esse aumento é superior à média nacional89 e pode ser explicado pela redução significativa no número de homicídios (22 por cento) e hospitalizações por diabetes (34,3 por cento) na cidade. Ibimirim aumentou a chance de sobrevivência de sua população adulta. Relatório de Capital Humano no Brasil 89  De 2007 a 2019, a taxa de sobrevivência de adultos aumentou 2,23 por cento no Brasil, em comparação a 5,83 por cento em Ibimirim. 161 Homicídios e Estrutura Demográfica como Indutores da Taxa de Sobrevivência de Adultos Efeitos Médios da Estimativa de Painel razão de sexos adulta: 100*(homens/mulheres) Aumento de 10% ou 10 p.p. log(homicídios¹) log(nº de postos de urgência¹) log(hospitalizações por diabetes¹) log(nº de famílias no PBF¹) -0,10 0,00 0,10 0,20 Efeito na Taxa de Sobrevivência de Adultos (em %) 1 Variáveis por 100 mil habitantes. Nota: As variáveis não significativas, mas incluídas no modelo foram: número de leitos hospitalares, número de hospitalizações atribuíveis ao álcool, número de hospitalizações atribuíveis à hipertensão arterial, gasto com saúde per capita e porcentagem de pais com ensino superior. Figura 7.9 Homicídios e Estrutura Demográfica como Indutores da Taxa de Sobrevivência de Adultos Resultados Gerais A Tabela 7.1 resume os principais fatores que parecem explicar o ICH e seus componentes. Ela mostra que medidas socioeconômicas estão estreitamente associadas à acumulação de capital humano, pois todos os componentes do ICH têm pelo menos um indutor relacionado à situação socioeconômica. O gasto público, por outro lado, não parece ter um papel significativo, pois o gasto com educação por aluno está correlacionado apenas com um dos componentes do ICH. A estrutura escolar - como a porcentagem de escolas de ensino médio de tempo integral e o índice de infraestrutura escolar - parecem explicar as melhorias nos componentes educacionais do ICH, enquanto a estrutura hospitalar e as hospitalizações parecem explicar os resultados de saúde do ICH. A porcentagem de nascidos com saúde comprometida e de atenção pré-natal insuficiente, bem como de homicídios, também parece Relatório de Capital Humano no Brasil desempenhar um papel importante nos resultados de saúde. A redução desses fatores melhora as taxas de sobrevivência de adultos e de sobrevivência infantil. Finalmente, a gravidez na adolescência parece reduzir o número de AEE. 162 TABELA 7.1 Resultados Gerais Sobre- Ausência de Sobrevivên- Variáveis RAH AEE vivência de Déficit de cia Infantil Adultos Crescimento Socioeconômicas % de alunos brancos ~ - - - % de alunos que vivem com mãe e pai ~ - - - % de pais com ensino superior ~ ~ - - % de mães sem escolaridade - - - Representação da pobreza (famílias no PBF) ~ ~ Despesas Públicas Gasto com saúde per capita - - ~ - - Gasto com saúde básica per capita - - - ~ ~ Gasto com saneamento per capita - - - - ~ Gasto com educação por aluno ~ - - - Estrutura Escolar Índice de infraestrutura escolar ~ - - - Nº de escolas municipais ~ - - - Variável dummy tem escola particular = 1 ~ ~ - - - % de escolas de ensino médio de tempo integral - - - Estrutura Hospitalar Nº de máquinas de raio-X - - - - ~ Leitos hospitalares - - - - - Médicos da Estratégia Saúde da Família - - - ~ Nº de postos de urgência - - - - Nº de postos de urgência % de escolas com esgoto - - - - Hosp. devido a diabetes - - - - Hosp. devido a álcool - - ~ - - Hosp. devido a hipertensão - - ~ - - Hosp. devido a desnutrição - - - Hosp. devido a saneamento - - - - Hosp. devido a asma - - - - ~ Condições Natais e Pré-Natais % de nascidos com saúde comprometida - - - ~ % de atenção pré-natal insuficiente - - - ~ Outras ~ Relatório de Capital Humano no Brasil Nº de casos de gravidez na adolescência - - - Razão de sexos adulta: : 100 *(homens/mulheres) - - - - Homicídios - - - - Nota: As tabelas de regressão completas estão disponíveis no Apêndice V. ou representa que um aumento de 10 por cento ou 10 pp na variável explicativa gera um aumento na variável dependente em mais ou igual a 0,1 por cento (em valores absolutos) ou representa que um aumento de 10 por cento ou 10 pp na variável explicativa gera um aumento na variável dependente em mais ou igual a 0,01 por cento (em valores absolutos) ou representa aumento de 10 por cento ou 10 pp na variável explicativa gera um aumento na variável dependente em menos de 0,01 por cento (em valores absolutos) representa um efeito positivo representa um efeito negativo ~ não significativo - não incluído no modelo 163 Caixa 7. 5 Efeito do Bolsa Família nos Resultados de Saúde e Educação O Programa Bolsa Família (PBF) fornece renda a famílias em situação de pobreza, especialmente aquelas com crianças. Pesquisas anteriores mostram que a educação está altamente correlacionada à pobreza e aos resultados de saúde. Shei et al. (2014) mostram que o PBF aumenta a probabilidade de idas aos centros de saúde em busca de serviços preventivos. Simões e Sabates (2014) e Neto (2010) detectaram um efeito positivo das famílias beneficiárias do PBF no rendimento escolar das crianças. Finalmente, como discutido mais recentemente por Chetty et al. (2014b) e Heckman (2006), a renda que os pais recebem quando os filhos são mais novos pode afetar o rendimento escolar das crianças mais tarde. Levando-se em conta uma eventual endogeneidade, foi possível detectar uma relação positiva e estatisticamente significativa entre o PBF e os subcomponentes anos esperados de escolaridade (AEE) e ausência de déficit de crescimento. Para lidar com potenciais vieses, foi proposta uma metodologia que usa uma variável instrumental. O instrumento usado foi o programa Benefício de Prestação Continuada (número de pessoas com mais de 65 anos que recebem o benefício de um salário mínimo), que está correlacionado com o PBF, mas não com o termo de erro da nossa principal estimativa. A Figura B.7.5 mostra os resultados desse exercício. Um aumento de 10 por cento no número de famílias beneficiárias do PBF explicaria um aumento de 0,3 por cento nos AEE. Esse resultado está em consonância com o trabalho de Neto (2010) e Simões e Sabates (2014). Um canal possível que explica essa relação positiva é o fato de que, para que as famílias recebam o benefício, seus filhos devem estar matriculados e frequentando a escola. Efeitos de Causalidade do Bolsa Família Estimativas de Coeficientes e Intervalos de Confiança de Regressões de Efeitos Fixos e Variável Instrumental 0,015 0,040 0,030 0,009 Efeito Efeito 0,020 0,004 0,010 Não Significativo -0,001 0,000  Correlação Causalidade Correlação  Causalidade (a) Anos Esperados de Escolaridade (b) Ausência de Déficit de Crescimento Figura B.7.5 Efeitos de Causalidade do Bolsa Família Relatório de Capital Humano no Brasil Também há um efeito positivo e estatisticamente significativo do PBF na ausência de déficit de crescimento. Um aumento de 10 por cento no número de famílias beneficiárias do PBF pode explicar um aumento de 0,09 por cento nesse subcomponente. O canal que pode explicar o efeito do PBF é a frequência com que as crianças devem ser levadas ao posto de saúde, conforme exigido pelo programa (De Brauw et al., 2012; Paes-Sousa & Santos, 2009). Paes- Sousa e Santos (2009) concluíram que uma “criança beneficiária do PBF tinha 26 por cento mais chance de apresentar o indicador altura/idade adequado quando comparada às não beneficiárias”. Em particular, De Brauw et al. (2012) concluíram que o PBF é eficaz em melhorar o 164 Caixa 7.5 (Continuação) índice de massa corporal, mas não a altura e o peso. Também mostraram que, quando as mães recebem Bolsa Família, a probabilidade de seus filhos nascerem a termo aumenta 10,7 pontos percentuais, em comparação às mães que não participam do PBF. Esses resultados demonstram a importância do PBF não apenas para a redução da pobreza, mas também para a melhoria dos resultados de saúde e educação. Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 7.10 Efeitos Simulados no ICH 165 Indutores do Índice de Capital Humano: Resultados para o ICH A seção anterior apresentou os principais indutores do componente ICH e seus subcomponentes. Mas resta uma pergunta: qual é o impacto em todo o Índice de Capital Humano? A Figura 7.10 mostra o impacto global no ICH. Como mostrado na última seção, o efeito de um aumento de 10 por cento no número de escolas de tempo integral aumentaria os RAH em 0,2 por cento e os AEE em 0,2 por cento. Se essa melhoria houvesse ocorrido em todos os municípios do Brasil, o componente educação teria aumentado de 0,682 para 0,684 em 2019. Isso implicaria um aumento no ICH global de 2019 de 0,601 para 0,603, ou o equivalente a mais de um quarto de ano de crescimento do ICH (Figura 7.10.a). Além disso, aumentar a porcentagem de pais com ensino superior em 10 pontos percentuais tem um efeito importante, aumentando o RAH em 1,6 por cento. Um efeito dessa magnitude em todos os municípios do Brasil elevaria o componente educação de 2019 do ICH de 0,682 para 0,689, aumentando o ICH global de 2019 de 0,601 para 0,607 - o equivalente a mais de um ano de crescimento do ICH (Figura 7.10.b). Outro fator que parece ser importante para o aumento do ICH é a redução da porcentagem de pais sem escolaridade. Uma redução de 10 por cento na proporção de pais com baixos níveis de escolaridade aumentou a sobrevivência infantil em 0,1 por cento e a ausência de déficit de crescimento em 0,4 por cento. Se essa melhoria ocorresse em todos os municípios do Brasil, o componente saúde em 2019 passaria de 0,893 para 0,894 e o componente sobrevivência infantil, de 0,986 para 0,987. Isso geraria um aumento do ICH de 2019 de 0,601 para 0,603, ou o equivalente a mais de um quarto de ano de crescimento do ICH (Figura 7.10.c). Finalmente, abordar a gravidez na adolescência teria um Escola de tempo integral, importante efeito no ICH. Uma redução de 10 por cento gravidez na adolescência e no aumento da gravidez na adolescência aumentaria os AEE em 0,04 por cento. Se esse progresso ocorresse em escolaridade dos pais são todos os municípios, a variação do componente educação fatores-chave associados ao de 2019 aumentaria de 0,682 para 0,683, e o ICH global de 0,601 para 0,602. Isso equivale a 2,6 por cento do desenvolvimento humano. crescimento de um ano do ICH (Figura 7.10.d). Os Indutores de Capital Humano As constatações deste capítulo lançam luz sobre o passado e o futuro do índice de capital humano no Brasil e explicam a trajetória de crescimento vista no capítulo 3.  Os municípios brasileiros têm evoluído em muitos aspectos associados ao ICH: melhoria da estrutura escolar e hospitalar, redução da gravidez na adolescência, declínio das taxas de homicídios e diminuição de hospitalizações por desnutrição, entre outros. Ibimirim, por exemplo, que foi selecionada como caso de estudo devido à grande evolução do ICH nos últimos anos, registrou uma redução de 20 pontos percentuais no número de mães sem escolaridade; o número de crianças hospitalizadas por problemas de saneamento caiu 90 por cento; o número de Relatório de Capital Humano no Brasil homicídios diminuiu 22 por cento; a porcentagem de turmas de tempo integral disponíveis no nível do ensino médio aumentou acentuadamente; e a ocorrência de gravidez na adolescência caiu quase pela metade. Como mostram os exercícios econométricos, todos esses fatores estão associados ao aumento de capital humano. Em certa medida, este capítulo também explica a existência dos muitos Brasis descritos no capítulo 2, mostrando o grau em que as variáveis que afetam os componentes do ICH diferem entre municípios (Apêndice V). Algumas dessas variáveis incluem educação em tempo integral, homicídios e hospitalizações por desnutrição e problemas de saneamento. 166 Este capítulo aponta algumas das áreas em que as políticas de longo prazo devem se concentrar para ajudar os estados a se recuperarem das perdas de capital humano decorrentes da COVID-19. Essas políticas incluem programas para reduzir a gravidez na adolescência, aumentar a educação em tempo integral e melhorar o acesso à atenção de saúde pré-natal e os resultados perinatais. O Bolsa Família também tem tido um papel significativo na acumulação de capital humano: o aumento de 10 por cento no número de famílias beneficiárias explicou o aumento de 0,3 por cento nos AEE e de 0,09 por cento na ausência de déficit de crescimento em 2019. Nesse sentido, este capítulo indica a direção para o futuro do capital humano no Brasil. No entanto, como destacado no início do capítulo, a presente análise não incluiu todos os aspectos que explicam o crescimento do capital humano no Brasil. Os dois capítulos seguintes exploram políticas em maior profundidade e usam pesquisas qualitativas para explicar os demais fatores não incluídos aqui. Relatório de Capital Humano no Brasil 167 Capítulo 8 Políticas Nacionais para Estimular o Desenvolvimento do Capital Humano no Brasil O Caminho para o Progresso do Capital Humano Mensagens Principais  Este capítulo apresenta uma seleção de políticas públicas implementadas em escala e que contribuíram para o desempenho positivo do Brasil no ICH.  A organização da governança no Brasil, na qual o Governo Federal fornece a estrutura e as diretrizes gerais para a execução das políticas públicas pelos estados e municípios, é geralmente eficaz.  O Brasil tem desenvolvido programas e reformas para dar suporte à proteção social e desenvolvimento da primeira infância na educação.  Políticas para crianças e adolescentes têm priorizado reformas para tornar a escola mais atraente para a nova geração de alunos, além de facilitar a transição da escola para o mercado de trabalho.  Para os adultos, as políticas têm buscado mitigar a propensão para comportamentos de risco e aumentar o acesso ao mercado de trabalho.  Avanços no ICH dependem fortemente da redução da desigualdade, não apenas em termos de renda, mas também no que tange o acesso e a qualidade dos serviços públicos. Este capítulo discute as políticas nacionais associadas ao crescimento do ICH antes da pandemia. Discute a implementação de políticas que provavelmente contribuíram para o desempenho do ICH observado no Brasil entre 2007 e 2019, indicando reformas que podem melhorar o desempenho futuro. As reformas sugeridas são particularmente relevantes no contexto da recuperação da pandemia de COVID-19, que ameaça reverter boa parte dos avanços da última década. As seções deste capítulo começam explicando a alocação orçamentária para cada um dos quatro serviços públicos examinados: educação, saúde, assistência social e previdência. Em seguida, explicam a responsabilidade de cada nível de governo pela sua implementação, examinando uma seleção de políticas federais implementadas em escala que podem ter contribuído para o desempenho positivo do ICH no Brasil. O capítulo também discute outras áreas priorizadas pelo Governo Federal nos próximos anos. Juntas, as iniciativas criam os fundamentos de uma política social que os formuladores de políticas públicas no Brasil poderão usar na implementação de reformas adicionais que permitam atingir as metas de capital humano e produtividade estabelecidas na legislação nacional. Financiamento de Setores Sociais 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 17 11 14 15 12 13 18 16 19 10 07 08 20 09 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 Previdência Educação Saúde Assistência Social Fonte: World Bank, 2022 Figura 8.1 Gasto Público Social no Brasil entre 2007 e 2020 Como proporção do PIB, o gasto público (federal, estadual e municipal) por setor no Brasil tende a permanecer estável. Entre 2007 e 2020, por exemplo, o gasto público na área social como proporção do PIB foi em média de 21,3 por cento ao ano, com gastos em torno de 5 por cento em educação, 3,6 por cento em saúde, 2,2 por cento em assistência social e políticas para o mercado de trabalho e 10,5 por cento em previdência social (Figura 8.1). Embora a população do Brasil seja relativamente jovem, as despesas do país com previdência social são consideráveis em comparação a padrões internacionais. Com o envelhecimento da população nas próximas décadas, o gasto previdenciário representará uma fatia ainda maior do orçamento público. Estimativas indicam que na ausência de reformas significativas, como a reforma federal de 2019, todo o gasto primário federal permitido sob o teto de gastos90 será totalmente Relatório de Capital Humano no Brasil consumido em pagamentos da previdência até 2030 (World Bank, 2017a). Os dados também mostram uma tendência estável e generalizada de maior gasto de recursos públicos com a população idosa do que com crianças e jovens. O gasto público social também privilegia a educação sobre a saúde, com porcentagens muito menores destinadas a políticas de assistência social e ao  A Emenda Constitucional nº 95, também conhecida como Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos, limita o crescimento 90 dos gastos do governo brasileiro por 20 anos. A emenda limita os gastos e investimentos públicos ao valor do ano anterior, corrigido pela inflação. 170 mercado de trabalho. Contudo, os dados também mostram que em 2020 houve um aumento do gasto em assistência social e no mercado de trabalho, que saltou de 2,2 para 6,4 por cento do PIB, devido em parte à mobilização de recursos para conter os efeitos da pandemia de COVID-19 (incluindo transferências de renda sob o Auxílio Emergencial), particularmente entre as populações mais vulneráveis. Implementação da Política Social nos Diversos Níveis de Governo A Constituição Nacional de 1988 lançou as bases do gasto público e do federalismo fiscal que se aplicam aos principais setores públicos do Brasil: educação, saúde e assistência social. Nesse arranjo, o Governo Federal atua como o principal articulador das políticas, estabelecendo marcos e regulamentos, bem como padrões mínimos de monitoramento das políticas nacionais; os municípios e estados, por sua vez, executam as políticas, adaptando-as às necessidades específicas das suas populações e ajustando o financiamento necessário. Educação No Brasil, o sistema educacional é financiado e implementado de forma conjunta pelos governos Federal, estaduais e municipais para oferecer educação pública a 40 milhões de alunos. Outros 8 milhões de alunos estão matriculados em escolas particulares.91 O Governo Federal é responsável pelo planejamento e elaboração de políticas para a educação em geral (estabelecendo o piso salarial dos professores e as normas que regem as fórmulas de financiamento), além de exercer funções normativas, redistributivas e suplementares em relação a outras jurisdições educacionais. Ademais da sua função de supervisão das políticas educacionais, o Governo Federal administra algumas escolas técnicas e militares, sendo o principal provedor do ensino superior no Brasil. O Governo Federal Os estados são responsáveis pelo financiamento da rede pública é responsável pelo de ensino médio (15 a 17 anos) e compartilham a gestão escolar com os municípios, que são responsáveis pelo financiamento do planejamento e ensino fundamental I. Os municípios também são responsáveis pelo formulação das financiamento da educação infantil e ensino fundamental, qual seja, , pré-escola (quatro a cinco anos)​e ensino creche (até três anos)​ políticas públicas. fundamental (seis a quatorze anos). Um elemento-chave da garantia da prestação de serviços públicos de educação é a norma constitucional que obriga os governos municipais e estaduais a destinar 25 por cento da receita corrente líquida para a educação, complementado o montante com transferências federais. Os repasses são administrados pelo Fundo Nacional da Educação (FUNDEB), uma ferramenta redistributiva projetada para que os vários níveis de governo financiem a educação básica pública, desde a creche até o ensino médio. Recentemente (em 2021), o FUNDEB foi reformado para aumentar as contribuições do financiamento federal e incluir elementos de desempenho (financiamento baseado em resultados) como parte dos critérios de transferência (Caixa 8.1). Caixa 8.1 O Novo FUNDEB Relatório de Capital Humano no Brasil O Novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 em substituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, FUNDEF), que vigorou de 1998 até 2006. O fundo é constituído por 27 contas diferentes e recebe contribuições dos três níveis de governo (Federal, estadual e municipal). Cada município e estado deposita uma parcela das suas receitas  A Lei 9.394/1996 estabelece as diretrizes para a educação nacional. See http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. 91 171 Caixa 8.1 (Continuação) tributárias em uma conta conjunta. O Governo Federal complementa os recursos do FUNDEB de acordo com um valor mínimo estabelecido por nível de ensino e por aluno a cada ano. Os beneficiários líquidos desses recursos são as redes de ensino com o maior número de matrículas e menor receita tributária. Em contrapartida, redes de ensino cujas receitas superam o número de matrículas transferem parte dos seus recursos para outras redes (Davies, 2006; Gouveia e Souza, 2015). O Novo FUNDEB é uma modificação do FUNDEB que vigorou de 2007 a 2020. Existem quatro diferenças principais: 1. O Novo FUNDEB inclui outros profissionais da educação na folha de pagamento do fundo. De acordo com as novas regras, até 70 por cento do fundo deve ser usado para pagar os profissionais da educação, enquanto o FUNDEB anterior destinava 60 por cento exclusivamente para os professores. 2. O Novo FUNDEB aumenta a contribuição geral do Governo Federal para a educação. Antes de 2020, os recursos do Governo Federal eram destinados apenas aos estados que não atingiam o valor mínimo por aluno/ano definido nacionalmente, até o limite de 10 por cento da soma de todos os fundos estaduais do país. No Novo FUNDEB esse valor chegará a 23% da soma de todos os fundos estaduais até 2026. 3. O Novo FUNDEB incentiva a adesão ao currículo nacional. Sob o FUNDEB, os municípios que não atendessem aos padrões mínimos nacionais não recebiam a complementação do Governo Federal. Sob o novo regime municipal as redes de ensino que não cumprirem com padrões mínimos continuarão recebendo a complementação. 4. O Novo FUNDEB introduz um apoio adicional para a educação infantil. Sempre que a rede de ensino receber aportes adicionais do Governo Federal, 50 por cento desses recursos deverão ser destinados à educação infantil. Esses critérios foram projetados para melhorar a equidade regional usando um mecanismo de transferência de renda que se concentra nos municípios, e não nos estados. Assim, o investimento por aluno nos municípios mais pobres poderá aumentar consideravelmente, evitando repasses desnecessários para os municípios mais prósperos nos estados mais pobres. O Novo FUNDEB também incorpora elementos de desempenho escolar nos critérios de transferência: 2,5 por cento do total de recursos são destinados às redes públicas de ensino que apresentam melhorias nos indicadores de frequência escolar e aprendizagem. Isso introduz um mecanismo de incentivos baseado em resultados com o objetivo de estimular a qualidade e a eficiência da educação que vai além do gasto mínimo por aluno. Os critérios de elegibilidade seguem as recomendações para um ambiente de gestão escolar robusto, incluindo: • Gestores escolares eleitos por comitê técnico ou com a participação da comunidade escolar, conforme critérios técnicos de mérito ou desempenho; Relatório de Capital Humano no Brasil • Pelo menos 80 por cento dos alunos matriculados na rede participam do exame nacional de avaliação; • Redução das desigualdades socioeconômicas e raciais na educação medidas no exame nacional de avaliação; • Estabelecimento de um sistema de colaboração formal entre os estados e municípios; • Referenciais curriculares alinhados à Base Nacional Comum Curricular. 172 Saúde O Governo Federal é o O Governo Federal é o principal financiador do sistema público de saúde. É também responsável pela formulação principal financiador do das políticas nacionais de saúde – que, por sua vez, são sistema público de saúde implementadas pelos estados, municípios e outros parceiros como ONGs e agentes privados. Cabe ao Ministério da Saúde e é responsável pela a proposição de políticas, participação no cofinanciamento, formulação das políticas cooperação técnica, avaliação, regulação, controle e fiscalização, além da mediação de conflitos (Brasil, 2006). nacionais de saúde. Os governadores estaduais têm departamentos específicos responsáveis pelo planejamento e execução de políticas públicas. Cabe ao estado a formulação de políticas e a coordenação e planejamento da prestação de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) em nível estadual, conforme regulamentação federal. Tanto o Ministério da Saúde quanto os gestores estaduais promovem a descentralização da atenção à saúde: sempre que possível, os serviços de saúde deverão ser executados pelos municípios ou estados. Os municípios são os principais atores na prestação de serviços de saúde. De acordo com o Pacto Nacional pela Saúde - documento que organiza o SUS - todos os municípios são responsáveis pela prestação de serviços de atenção básica e ações básicas de vigilância na saúde. Tal como ocorre com os governos estaduais, os governos municipais também podem formular, coordenar e planejar suas próprias políticas de saúde, desde que cumpram com as políticas nacionais e estaduais. Podem ainda firmar parcerias com outros municípios para fornecer acesso a procedimentos de complexidade maior ao que podem oferecer, garantindo assim a integralidade na atenção à saúde da população. Espera-se que os municípios sejam os principais provedores de atenção básica e assumam parte da responsabilidade pela assistência de média complexidade. Caso os municípios não alcancem a suficiência na atenção básica e de média complexidade, o governo estadual intervém para contribuir na prestação dos serviços de saúde. Garantir a atenção à saúde em casos de alta complexidade e em parte dos casos de média complexidade exige organização regional. As regiões podem ter quatro configurações diferentes: (i) regiões intraestaduais, compostas por mais de um município dentro de um mesmo estado; (ii) regiões intramunicipais, adequadas para municípios de grande extensão territorial e densidade populacional; (iii) regiões interestaduais, compostas por municípios limítrofes de estados diferentes; (iv) regiões fronteiriças, formadas por municípios limítrofes com países vizinhos. A descentralização da responsabilidade pela prestação de serviços resultou na readequação e expansão da rede de saúde. A ampliação do número de centros ambulatoriais foi quase totalmente promovida pelos governos municipais, tendo contribuído para melhorar o desempenho dos principais indicadores de saúde ao longo do tempo. Entre 1991 e 2019, por exemplo, a expectativa de vida dos brasileiros ao nascer aumentou 9,7 anos (de 66,9 para 76,6 anos de idade) (IBGE, 2019c; Gragnolati et al., 2013). Assistência Social A descentralização político-administrativa também está no cerne da prestação dos serviços de assistência social, na qual atribui-se um papel central à unidade familiar na formulação e implementação das políticas públicas. No Brasil os serviços de assistência social são organizados pelo Sistema Único da Assistência Social (SUAS). O SUAS articula esforços e recursos de agentes federais, estaduais e municipais para executar e financiar a Política Nacional de Assistência Social (PNAS). O SUAS classifica as políticas de Relatório de Capital Humano no Brasil assistência social em dois tipos de proteção social: proteção social básica e proteção social especial (de média e alta complexidade). A proteção social básica concentra-se em ações preventivas e fortalecimento dos vínculos familiares, sendo prestada em centros de assistência social chamados Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Os centros de assistência social especializada, conhecidos como Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), prestam serviços de proteção social de média complexidade. Seu público alvo são pessoas e famílias cujos direitos foram vulnerados, e os centros atuam sem romper os laços familiares ou comunitários. Em contrapartida, a proteção especial de alta complexidade é dirigida a famílias e pessoas que precisem ser removidos de sua família ou comunidade. 173 A responsabilidade pela gestão da política nacional de assistência O Governo Federal social é da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), elabora, apoia e vinculada ao Ministério da Cidadania. Em nível estadual e municipal, a gestão é realizada pelos departamentos estaduais e municipais. coordena as políticas As responsabilidades do Governo Federal incluem a formulação, de assistência social. apoio e articulação de políticas públicas. Os estados, por sua vez, assumem a gestão da assistência social dentro de seu âmbito de competência com base na capacidade de gestão dos municípios, categorizada em três níveis: inicial, básica e plena. Os municípios que contam com a existência e funcionamento de um conselho, bem como capacidade de execução das ações de proteção social básica, são habilitados para a gestão inicial. O processo de gestão do SUAS também conta com a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e as Comissões Intergestores Bipartite (CIBs). O CIT coordena as demandas dos gestores federais, estaduais e municipais. Ademais, negocia e pactua aspectos operacionais da gestão do SUAS, mantendo contato permanente com as CIBs visando o intercâmbio de informações sobre o processo de descentralização. Comissões Intergestores Bipartite são instâncias estaduais constituídas por representantes do estado e dos municípios e que representam os interesses e as necessidades da região, referentes à assistência social. Elas determinam a organização e gestão do Sistema Estadual de Assistência Social, observando as deliberações do Conselho Estadual de Assistência Social, a legislação vigente e as orientações da CIT e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Por último, a política do SUAS é implementada com fundos vinculados que combinam recursos das três esferas de governo (Federal, estadual e municipal). Os serviços são financiados de forma contínua mediante fundos de assistência social, seja diretamente pelo provedor ou por cofinanciamento com repasse de recursos. Os programas e projetos contam com cronogramas definidos e os benefícios em espécie são feitos mediante transferência direta para os cidadãos. Políticas Nacionais Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 8.2 Políticas Nacionais ao longo do Ciclo de Vida Esta seção descreve alguns dos desafios atuais enfrentados pelo capital humano brasileiro nas diferentes etapas da vida e os esforços empreendidos para enfrentá-los (Figura 8.2). Os desafios e as políticas públicas 174 nacionais apresentadas aqui concentram-se principalmente nas desigualdades que persistem ao longo do ciclo de vida, afetando o desempenho e a utilização do capital humano. A seção começa examinando questões fundamentais para crianças menores de cinco anos e políticas de apoio ao desenvolvimento na primeira infância. Na sequência, examina questões relacionadas a crianças em idade escolar e reformas políticas realizadas para (i) tornar a escola mais convidativa, (ii) melhorar a capacidade das escolas de oferecer um ensino de qualidade, e (iii) assegurar uma transição suave entre a escola e o trabalho. A seção conclui com as políticas que afetam todas as idades, particularmente a idade adulta, incluindo questões relacionadas ao acesso ao mercado de trabalho, prevenção da violência e ampla proteção social e da saúde. Anos Iniciais Três tipos de resultados infantis são fundamentais para os resultados de vida. São eles: crescimento físico e bem-estar, desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento socioemocional. Disparidades no desenvolvimento de habilidades entre indivíduos e grupos sociais surgem na primeira infância e guardam vínculo estreito com o ambiente socioeconômico. Estimular as crianças nos primeiros anos de vida é crucial para conter os efeitos da pobreza, podendo ser uma forma eficaz de romper o ciclo vicioso da pobreza (Young, 2002). O desenvolvimento de habilidades ao longo da vida é resultado de vários estímulos que surtem um efeito em cascata: as habilidades adquiridas resultam na aquisição de outras competências, já que a aprendizagem é um processo contínuo ao longo da vida e gera nova aprendizagem (Cunha e Heckman, 2007). As condições enfrentadas pelas crianças na pobreza com frequência estão também associadas a problemas de saúde e outros problemas de desenvolvimento. Por exemplo, a prevalência de déficits no estado nutricional e déficits de crescimento (baixa estatura com relação à idade) é maior entre as crianças pobres do que as não pobres. De modo geral, as crianças que vivem em situação de pobreza têm notas mais baixas em testes padronizados de Q.I. e de habilidade verbal e exibem transtornos emocionais e comportamentais com mais frequência que as crianças não pobres (Brooks-Gunn e Duncan, 1997). Assim, os motivos para investir na primeira infância vão além do retorno econômico, já que intervenções precoces ajudam as crianças a escapar da pobreza (Young, 2002). Evidências coletadas de um programa pré-escolar nos Estados Unidos92 mostram que a educação infantil de qualidade produz um retorno de 7 a 10 por cento ao ano (Heckman, 2011). O Brasil obteve ganhos significativos entre 1991 e 2019, particularmente em relação aos indicadores de saúde. A taxa de mortalidade infantil, por exemplo, recuou mais de 36 por cento (de 18,7 para 11,9 por 1.000 nascidos vivos), enquanto a queda na mortalidade materna foi superior a 19 por cento (de 72,4 para 57,9 por 100.000 nascidos vivos) (Ministério da Saúde, 2020). Apesar de ter havido um certo progresso com relação à cobertura da educação infantil destinada à promoção do desenvolvimento socioemocional e cognitivo, ainda há espaço para melhorar. Apesar dos avanços no desenvolvimento e na educação infantil em todo o país, as crianças mais pobres do Brasil ainda são as que têm a menor probabilidade de estar matriculadas em uma instituição de ensino. Isso coincide com o contexto latino-americano, onde o acesso a serviços de cuidado infantil para crianças de 0 a 5 anos costuma ser maior entre as famílias mais abastadas. No Brasil e em muitos países da região, o acesso a instituições de ensino e de cuidado infantil é duas vezes maior no quintil mais rico da população do que no quintil mais pobre (Evans e Kosec, 2012). Melhorar o desenvolvimento e a educação infantil e ampliar a cobertura desses programas continuam sendo desafios urgentes para crianças menores de 5 anos. Relatório de Capital Humano no Brasil Desenvolvimento e Estímulo na Primeira Infância Programas de desenvolvimento na primeira infância, mediante visitas domiciliares ou programas para a educação dos pais, têm apresentado efeitos positivos nas habilidades socioemocionais e cognitivas iniciais.   O programa de educação pré-escolar Perry existiu de 1962 a 1967 e foi projetado para fornecer um ensino de boa qualidade para 92 crianças em situação de vulnerabilidade econômica. Foi criado como parte de um ensaio randomizado controlado que buscava compreender o impacto do acesso ao ensino de boa qualidade em crianças com idade pré-escolar e nas comunidades onde viviam. 175 Programas estruturados de visitação domiciliar buscam efetuar mudanças positivas no ambiente domiciliar que possam, por sua vez, ter efeitos positivos no desenvolvimento das crianças. No longo prazo, isso se traduz em um aumento potencial do capital humano nos municípios onde esses programas existem. Embora os programas de visitação domiciliar ajudem a apoiar as crianças vulneráveis, eles não substituem a escola. Recentemente, o Brasil vem implementando um dos maiores programas de visitação familiar para a primeira infância do mundo em termos de cobertura, por meio do Programa Criança Feliz (PCF) (Caixa 8.2). Todas as famílias com mulheres grávidas e crianças na primeira infância que estejam registradas no Cadastro Único (registro nacional de pessoas em situação de vulnerabilidade social) e crianças que tenham perdido o pai ou a mãe durante a pandemia de COVID-19 deverão ser atendidas pelo programa. O objetivo é melhorar a quantidade e qualidade das interações entre as crianças e os cuidadores, fornecendo informações aos pais sobre o desenvolvimento na primeira infância. Caixa 8.2 Criança Feliz: O Programa Brasileiro de Visitação Domiciliar O Programa Criança Feliz (PCF) é um programa de intervenção parental no Brasil e também um dos maiores programas de visitação domiciliar do mundo. Entre 2015 e 2021, o programa atendeu mais de 1,3 milhão de crianças e gestantes com mais de 19.000 visitadores domiciliares. O objetivo do governo é alcançar 3 milhões de crianças vulneráveis de 0 a 3 anos até 2023. Em 2021, o programa cobriu 12 por cento dos seus potenciais beneficiários, crianças de 0 a 3 anos inscritas no Cadastro Único, ou 19 por cento se contarmos apenas os 2.644 municípios que promoveram visitas domiciliares em julho de 2021 (os outros 2.926 municípios não aderiram ao programa ou não realizaram visitas em julho de 2021). O PCF consiste em duas atividades associadas: visitas domiciliares (a principal atividade) e iniciativas intersetoriais para fortalecer as políticas regionais de assistência social. Visitadores domiciliares trabalham com as famílias para promover o fortalecimento das habilidades familiares e dos vínculos entre as crianças e os seus cuidadores, estabelecendo um relacionamento próximo com as famílias socialmente vulneráveis e podendo encaminhá-las para outros serviços oferecidos pela rede de proteção social do governo. O sucesso do programa depende da cooperação entre todas as redes em nível federal, estadual e municipal (Ministério da Cidadania, 2021). O PCF inspirou-se em programas locais de apoio ao desenvolvimento infantil que já existiam no Brasil, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (PADIN), implementado no Estado de Ceará, e o Primeira Infância Melhor (PIM) no Rio Grande do Sul. Essas intervenções envolvem tanto visitas domiciliares quanto reuniões coletivas e comunitárias para apoiar e orientar as famílias sobre o cuidado e educação dos seus filhos nos primeiros anos de vida. O PCF tem enfrentado desafios devido ao fato de o financiamento ser o mesmo para todos os municípios, o que dificulta a implementação do programa nas capitais e áreas remotas onde os custos de implementação tendem a ser maiores. Intervenções serão necessárias para que o programa possa ser adaptado a esses contextos sem deixar de lado o custo-efetividade e as Relatório de Capital Humano no Brasil necessidades das comunidades. Durante a pandemia de COVID-19 os desafios de implementação do programa foram ainda maiores devido à impossibilidade de realizar visitas domiciliares. O uso de tecnologias para visitas virtuais ou de grupos que costumam ser usadas em países desenvolvidos pode ser uma solução para apoiar as famílias em lugares onde o acesso a visitas domiciliares é difícil, para não dizer impossível. No entanto, chegar até as famílias mais vulneráveis que não têm acesso à internet ainda apresenta grandes dificuldades. 176 O PCF parte da premissa de que a redução das disparidades no desenvolvimento cognitivo e socioemocional das crianças vulneráveis exige a modificação da estrutura de estímulos à qual as crianças são expostas desde cedo. Como todos os programas de visitação domiciliar, as ações do PCF pressupõem que, ao inserir uma família vulnerável no sistema de proteção governamental e fortalecer os vínculos entre pais e filhos, os pais terão mais recursos e apoio para promover a aprendizagem inicial dos seus filhos. Consequentemente, espera-se que o programa reduza os atrasos de desenvolvimento das crianças pobres quando atingirem a idade escolar. Intervenções voltadas ao desenvolvimento (como o PCF) são essenciais para aumentar a produtividade do Brasil como um todo e oferecer oportunidades equitativas para os mais desfavorecidos. Para que isso aconteça, é fundamental que tenham acesso também a outras intervenções nas áreas de educação e saúde, particularmente o acesso universal à creche e pré-escola, ambos os quais oferecem oportunidades de estímulo e desenvolvimento para as crianças e permitem que as mães exerçam outras atividades, remuneradas ou não. Contudo, para que os centros de desenvolvimento infantil sejam eficazes, precisam atender a padrões de qualidade e expor as crianças a atividades e experiências adequadas (Evans e Kosec, 2012). Educação Infantil Evidências internacionais sugerem que a qualidade da educação infantil tem impactos significativos na capacidade de reter conhecimentos e aprendizagem em níveis mais altos de ensino (Heckman, 2006). Embora o Brasil tenha alcançado o acesso universal ao ensino fundamental (6 a 14 anos de idade), ainda há um longo caminho a percorrer para atender à demanda de educação infantil para as crianças de 0 a 5 anos. O Plano Nacional de Educação (Casa Civil, 2014) estipula que o governo deve garantir o acesso à creche para pelo menos 50 por cento das crianças de 0 a 3 anos e 100 por cento das crianças de 4 a 6 anos até 2024. Em dez anos, as taxas de matrícula da população infantil (de 0 a 5 anos) em todos os municípios brasileiros aumentaram de cerca de 39 por cento em 2009 para 53 por cento em 2019. Em 2009, a cobertura de educação infantil na maioria dos municípios (65,5 por cento) ficou entre 26 e 50 por cento, conforme mostra a Figura 8.3, abaixo. Embora tenha tido um aumento considerável na oferta de creches, a ampliação da cobertura também pode ser explicada pela diminuição do número de crianças entre 2009 e 2019. O Brasil está passando por uma transformação demográfica e sua população está envelhecendo. De modo geral, a população não tem crescido ao nível de reposição, o que significa que os níveis de fecundidade são inferiores a 2,1 crianças por mulher, resultando em crescimento vegetativo negativo. Esse tem sido o caso no Brasil desde 2005, com taxas de fecundidade registradas em 2,09 filhos por mulher (IBGE, 2019). Relatório de Capital Humano no Brasil Fonte: INEP e IBGE, 2009 e 2019. Figura 8.3 Cobertura da Educação Infantil (0 a 5 anos) 177 Parcerias entre o setor público e ONGs podem agregar um volume considerável de recursos para ampliar os serviços de educação infantil, melhorar a sua qualidade e ajudar a criar maneiras inovadoras de alcançar as populações mais vulneráveis (Evans e Kosec, 2012). Baixas taxas de fecundidade e a baixa custo- efetividade das creches públicas em áreas de baixa densidade93 tornam necessário o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico para possibilitar modelos flexíveis de prestação de serviços que possam se ajustar rapidamente às necessidades de matrícula. Com efeito, na última década a maior parte da expansão dos serviços de educação infantil no Brasil ocorreu mediante um modelo tradicional de construção, onde os governos municipais administram as escolas de forma direta com o apoio do Governo Federal. Contudo, houve também um rápido aumento da oferta privada de educação infantil, especialmente de creches: mais de um terço das matrículas de crianças de 0 a 3 anos foram em instituições privadas (INEP, 2021) e quase metade (45 por cento) foi financiada pelo governo por meio de creches conveniadas (Caixa 8.3). O programa baseia-se em um acordo entre o governo e ONGs (escolas filantrópicas e religiosas, por exemplo) para oferecer serviços gratuitos de educação infantil. O governo cofinancia o custo do serviço e obtém uma redução dos custos unitários em comparação ao custo das escolas públicas padrão. Da mesma forma, o programa de transferência condicionada de renda (TCR) Auxílio Brasil conta com um mecanismo de compartilhamento de custos para creches destinadas a famílias com crianças de até quatro anos de idade, ampliando o acesso formal ao cuidado infantil para os mais vulneráveis. Caixa 8.3 Creches Conveniadas As creches conveniadas são creches privadas que firmam parcerias com o governo municipal para fornecer vagas de matrícula para crianças que não conseguem vaga na rede pública. Trata- se de uma iniciativa alternativa de oferta escolar com financiamento público e privado que busca solucionar o desafio de fornecer acesso à escola para crianças de 0 a 5 anos em um contexto de diminuição da demanda por creches no médio e longo prazo devido ao envelhecimento da população (Evans e Kosec, 2012). O Censo Escolar 2020 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) indicou a existência de 6.414 creches conveniadas registradas naquele ano. A cooperação entre governos municipais e ONGs foi fundamental para a recente expansão do acesso à educação infantil. Na última década, a maior parte do aumento do acesso foi possível graças à construção de escolas administradas de forma direta pelos governos municipais com apoio federal, bem como pelo aumento da oferta privada (Devercelli e Beaton-Day, 2020). Mais de um terço das matrículas de crianças de 0 a 3 anos ocorre em instituições privadas e cerca de 45 por cento dessas instituições são financiadas pelo governo, porém administradas pelo setor privado através do sistema de creches conveniadas. Em nível municipal, o modelo de gestão compartilhada contabiliza quase 17 por cento das matrículas em creches e 5 por cento das matrículas em pré-escolas (INEP, 2021). Relatório de Capital Humano no Brasil O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil estabelece padrões de qualidade para os serviços. No entanto, para promover a prestação de serviços de qualidade os governos estaduais e municipais precisam, ainda, regulamentar a estrutura de prestação de contas e, idealmente, também estruturar um financiamento baseado em resultados. Em maio de 2022, o Governo Federal lançou o Programa Primeira Infância na Escola com o objetivo de elevar a qualidade da educação infantil nas escolas públicas. O Áreas com baixa densidade populacional tendem a ter menos crianças, o que aumenta o custo do cuidado infantil, já que os   93 custos são divididos por uma população menor. 178 programa tem três eixos: acompanhamento da implementação dos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil; reforço da gestão, liderança e fortalecimento institucional; e oferta de práticas curriculares e pedagógicas, com atenção ao desenvolvimento de capacidades socioemocionais. A iniciativa foi projetada para fortalecer o acesso e o controle de qualidade da educação infantil no país mediante a criação de um arcabouço político com apoio financeiro e metodológico para a rede pública de educação infantil. Em relação à qualidade da educação infantil, experiências de países de renda alta, média e baixa mostram que o simples aumento do acesso não se traduz necessariamente na aquisição de mais habilidades e competências pelas crianças. É pouco provável que uma educação infantil de baixa qualidade tenha impactos significativos no desenvolvimento infantil em etapas posteriores da vida das crianças, por exemplo. Isso significa que a menos que a qualidade das intervenções seja adequadamente enfatizada, as crianças não irão usufruir dos potenciais benefícios da educação infantil - o que, por sua vez, poderá desestimular os pais de matricular os seus filhos, desperdiçando, assim, os recursos usados para construir e administrar a educação infantil (Pushparatnam et al., 2021; Evans e Kosec, 2012). Políticas para Crianças e Adolescentes O Brasil vem implementando várias outras reformas para tornar as escolas mais atraentes e preparar os alunos para a transição da escola para o trabalho, entre as quais o estabelecimento da base comum curricular para o ensino fundamental, uma reforma abrangente do ensino médio, aprimoramentos nos sistemas de gestão escolar, aperfeiçoamentos na qualidade e responsabilização dos professores. Reforma da Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Fundamental A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, aprovada em 1996) reforça o direito à educação gratuita e de qualidade para todos os brasileiros, independentemente de diferenças socioeconômicas, culturais, geográficas, linguísticas ou outras previstas na Constituição Brasileira de 1988. Embora a ideia de um currículo de ensino padronizado para todos os brasileiros já fizesse parte da Lei 9.394/96, foi somente em 2017 que o Brasil começou a desenvolver um currículo nacional normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo da educação básica (Brasil, 1996). Conhecida como Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a reforma cobre a educação básica desde a primeira infância até o ensino médio, tendo sido aprovada oficialmente pelo Governo Federal em dezembro de 2018. O documento contém uma lista de 10 competências gerais que estruturam a reforma e estão fortemente alinhadas com as habilidades do Século XXI que todos os alunos devem adquirir. Entre as competências estão a aprendizagem contínua, pensamento crítico, sensibilidade estética, habilidades de comunicação, alfabetização digital, empreendedorismo, autocuidado, empatia, cidadania e ética (Costin e Pontual, 2020). Considera-se que tais habilidades sejam uma maneira de promover a educação e contribuir para a transformação e preservação da natureza, além de estarem alinhadas à Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013). De forma geral, o objetivo principal da BNCC consiste A BNCC unifica as políticas em alinhar as principais políticas federais, estaduais educacionais no sistema e municipais do sistema educacional altamente descentralizado do Brasil em termos de currículos educacional altamente locais, materiais pedagógicos, avaliações estudantis descentralizado do Brasil. e formação docente. Em relação aos currículos locais, Relatório de Capital Humano no Brasil o Ministério da Educação implementou um programa chamado ProBNCC para ajudar os estados a alinhar os currículos estaduais à BNCC. O programa oferece financiamento, capacitação e suporte técnico a um grupo de relatores indicados por uma comissão com representação dos municípios para que construam os seus currículos. Existem também fortes incentivos para que os estados e municípios trabalhem juntos no desenvolvimento curricular, já que a maioria das secretarias municipais de educação do Brasil não tem capacidade institucional para fazê-lo por conta própria (Costin e Pontual, 2020). Em termos de material pedagógico, os livros didáticos usados pelos professores e alunos tradicionalmente fazem parte de uma lista pré-aprovada pelo Governo Federal chamada Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Com a BNCC, o conteúdo dos livros didáticos disponibilizados pelo PNLD centra-se no desenvolvimento das 10 competências essenciais da BNCC. As 179 redes de ensino, junto com suas unidades escolares, agora têm mais liberdade para tomar decisões sobre os materiais escolares que serão distribuídos na sua rede ou subgrupo de unidades escolares (Ministério da Educação et al., 2021). Para melhorar a qualidade do ensino, o Ministério da Educação também desenvolveu uma lista de competências comuns que os professores precisam desenvolver participando de programas de formação plenamente aprovados pelo Conselho Nacional de Educação em 2019. Pressupõe-se que tais competências ajudem os educadores a aplicar as competências da BNCC em sala de aula e os ajudem a sentir-se confiantes e preparados para ensinar aos seus alunos. A formação docente baseia-se em três dimensões: conhecimento, ou seja, domínio do conteúdo; ações práticas, ou seja, a capacidade de fomentar e gerenciar os ambientes de aprendizagem; e engajamento, ou seja, o comprometimento do professor com a aprendizagem e as interações com colegas, familiares dos alunos e comunidade escolar em geral (Diário Oficial da União, 2020). No entanto, existe um debate matizado em andamento quanto à autonomia de ensino do professor na sala de aula, especialmente nas universidades. Por último, em relação às avaliações nacionais de estudantes, o principal mecanismo utilizado tradicionalmente para avaliar o desempenho dos alunos é o robusto Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Com a BNCC, no entanto, espera-se que o desempenho dos alunos seja avaliado de forma integrada, considerando-se todas as dimensões da aprendizagem (intelectual, física, social, ética, moral e simbólica) e levando-se em conta o contexto e as condições de aprendizagem. O documento oficial refere-se a essa modalidade como “avaliação formativa” e a expectativa é de que essas dimensões sejam integradas no SAEB. Reforma do Ensino Médio Inspirada em exemplos internacionais de sucesso como as reformas de política educacional da Polônia e Portugal, a reforma do sistema brasileiro de ensino médio, conhecida como o Novo Ensino Médio (NEM), foi a aprovada em 2017. A reforma mudou substancialmente o currículo, deu mais escolhas aos alunos, fortaleceu o foco nas habilidades socioemocionais e ampliou a carga horária escolar. O sistema de educação secundária do Brasil apresenta baixa eficiência interna, com as maiores taxas de repetência da América Latina, extensas distorções idade-série e as taxas mais baixas de conclusão da região (Bruns et al., 2011). A reforma busca remediar o risco de abandono escolar, que já é relativamente alto no Brasil (6,8 por cento em 2019 entre os alunos do ensino médio). Os alunos informam que a principal razão para abandonar a escola é a falta de interesse no conteúdo acadêmico ofertado (Almeida e Packard, 2018). Alguns dos principais fatores que levam ao abandono escolar são a sobrecarga curricular, o tempo insuficiente de instrução e a percepção da falta de relevância da inserção no mercado de trabalho e no ensino superior. Antes da reforma, o currículo do ensino médio incluía 13 matérias obrigatórias ministradas em uma jornada de 4 horas. Cerca de 40 por cento dos alunos indicam a falta de interesse intrínseco na escola como a principal razão para o abandono (Neri, 2009). Assim, e razoável estabelecer um vínculo entre essa falta de engajamento e o fato de os concluintes do ensino médio público geralmente carecerem das habilidades necessárias para o mercado de trabalho. Além disso, o progresso do ensino médio para a educação terciária é difícil para os alunos de escolas públicas por precisarem concorrer com alunos melhor preparados provenientes de escolas privadas, particularmente em se tratando do ingresso em universidades públicas gratuitas. As mudanças Nesse contexto, o Governo Federal propôs uma transformação Relatório de Capital Humano no Brasil substantiva do sistema de ensino médio, agregando flexibilidade curriculares no ensino a um novo currículo baseado em competências e prolongando a médio tiveram o jornada escolar. objetivo de agregar A principal mudança consistiu em passar de uma estrutura curricular rígida para outra mais flexível e adaptável, com um flexibilidade e melhorar elemento comum compulsório para todos os estados e escolas as habilidades e um elemento flexível baseado em itinerários formativos. Especificamente, a reforma reduziu as 13 disciplinas obrigatórias socioemocionais. para três disciplinas da base curricular comum: língua portuguesa, 180 matemática e língua inglesa. Assim, cada aluno poderá escolher um itinerário formativo entre cinco áreas de conhecimento: linguagens, matemáticas, ciências da natureza, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional (FTP). A reforma também incluiu o desenvolvimento de competências- chave, entre as quais estão as habilidades socioemocionais. Os alunos que optam por um itinerário técnico podem substituir algumas das disciplinas tradicionais por cursos técnicos e estágios. A implementação efetiva da mudança curricular foi um processo demorado devido à necessidade de que a reformulação em cada estado estivesse plenamente alinhada com a BNCC e com o marco legal do NEM, incluindo a elaboração e implementação dos itinerários formativos flexíveis. Foi necessário, ainda, capacitar os profissionais da educação, quadro técnico, diretores escolares, coordenadores pedagógicos e professores. A capacitação incluiu práticas pedagógicas, uso do tempo pedagógico e habilidades socioemocionais. A realocação e formação continuada em serviço dos professores também precisou ser ajustada ao novo currículo, com foco na pedagogia e no aprendizado. Foi preciso reorganizar os espaços escolares e o Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) precisou ser adaptado à nova estrutura de ensino. Finalmente, as principais avaliações do ensino médio, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e a Prova Brasil, também tiveram que ser redesenhadas. Com relação à ampliação da carga horária escolar, o Ministério da Educação estabelece que, até 2024, 25 por cento de todos os alunos matriculados na rede pública de ensino médio no Brasil deverão estudar em tempo integral. Atualmente, a maioria dos alunos do ensino médio em escolas públicas tem, em média, quatro horas de aula por dia. A reforma fornece apoio financeiro aos estados para que aumentem a jornada escolar para cinco horas em todas as escolas, e para sete horas em certas escolas selecionadas. A ampliação da carga horária apoia a diversificação do currículo e o desenvolvimento de competências- chave e virá acompanhada pela implantação do novo currículo e novas instalações escolares (Tecnologia da Informação e Comunicação, TIC, laboratórios). As propostas curriculares das escolas participantes devem contemplar um mínimo de 2.250 minutos semanais, sendo pelo menos 300 minutos semanais dedicados à língua portuguesa, 300 minutos semanais à matemática e 500 minutos semanais dedicados aos itinerários flexíveis dos alunos. Embora a pandemia de COVID-19 tenha afetado a implementação da reforma do NEM, tem havido avanços em várias frentes. Todos os estados promulgaram leis para a sua implementação e 20 estados já começaram a realizar pilotos dos itinerários curriculares flexíveis. Cerca de 15 estados já adaptaram completamente os seus currículos ao NEM. Todos os estados já aprovaram planos para a implementação do horário integral aprovado pelo Ministério da Educação e, desde março de 2022, já existem aproximadamente 313.000 alunos matriculados em escolas que oferecem o calendário escolar em tempo integral. Conforme mostramos no capítulo 7, o aumento do ensino em tempo integral está diretamente associado a melhorias no componente de educação do ICH. Nesse sentido, a reforma do ensino médio é um caminho em direção ao avanço do capital humano. Melhorando a Qualidade dos Professores Na última década, pesquisas vêm mostrando novas evidências de que (i) uma vez que as crianças estão na escola, é a qualidade dos professores que dita seu desempenho escolar (veja uma revisão da literatura na Caixa 7.4) e (ii) as práticas pedagógicas são o fator mais crucial para a qualidade do ensino. Isso significa que a qualidade dos professores é um dos fatores de indução da aprendizagem que podem ser influenciados pela escola. Evidências internacionais também mostram que sistemas de ensino bem-sucedidos têm melhores professores (Bruns e Luque, 2014). As melhores redes de ensino consistentemente atraem candidatos de boa qualidade, usam a formação para desenvolver as habilidades Relatório de Capital Humano no Brasil dos professores, concentram-se na capacitação dos professores e estabelecem planos de carreira que recompensam o ensino de qualidade. Sistemas de ensino competitivos do mundo inteiro frequentemente têm exigências rigorosas de ingresso. Os mais exigentes pedem diploma de bacharelado ou mestrado orientado para a pesquisa (World Bank, 2016). Em 1996, uma nova lei no Brasil determinou a obrigatoriedade da conclusão do ensino superior para todos os professores da educação básica, gerando uma mudança significativa no perfil dos professores. Contudo, a docência continua sendo uma carreira pouco atraente e mal administrada. Professores de escolas públicas indicam que os cursos universitários e estratégias de formação continuada em serviço são altamente ineficazes, principalmente por causa da desconexão entre a formação dos professores e as 181 práticas pedagógicas. A formação docente é fragmentada, guardando pouca relação com as avaliações educacionais, e faltam incentivos para melhorar a qualidade do ensino (Instituto Ayrton Senna, 2014). A proporção de professores da educação básica com diploma de ensino superior no Brasil aumentou de 67 por cento para 85 por cento entre 2009 e 2019, mas ainda resta uma distância considerável a percorrer. Não obstante a mudança significativa na qualificação dos professores na última década, a baixa qualidade dos professores continua a limitar a aprendizagem (Damasceno e Fontes, 2019; Louzano et al., 2010).94 O fato de a formação docente não conseguir influenciar efetivamente o aprendizado dos alunos pode ser explicado por uma combinação de má qualidade dos cursos de formação de professores e das características das pessoas que escolhem a docência. Espera-se que as mudanças recentes no financiamento da educação (FUNDEB) possam reduzir a disparidade entre os rendimentos dos professores e os rendimentos médios auferidos por outros profissionais com diploma de nível superior e, assim, deixar a profissão mais atraente. Da mesma forma, os processos de seleção de professores não se concentram na identificação dos candidatos mais adequados para a profissão. Nos países com melhor desempenho os professores são selecionados de uma lista de candidatos com excelente desempenho no ensino médio. Nesses sistemas os salários dos professores nem sempre são altos em comparação a outras ocupações, mas os processos de recrutamento são competitivos, centrados na seleção de candidatos motivados, com notório desempenho acadêmico e boas habilidades de comunicação (Bruns e Luque, 2014). O Brasil conta com dois instrumentos para recrutar professores: uma prova de admissão (concurso público) e um estágio probatório com duração de três anos, seguido por um período de acompanhamento. Esses instrumentos, no entanto, não são utilizados corretamente. As provas limitam-se a questões regulatórias e conhecimento das disciplinas que serão ministradas pelos professores; já o estágio probatório de três anos necessário para alcançar a estabilidade no emprego costuma ser reduzido antes de chegar à contratação final (e estabilidade). A maioria dos sistemas de ensino no Brasil carecem de mecanismos adequados para avaliar e promover os professores com base em avaliações de mérito. Isso impede o sistema de identificar os pontos fracos em geral, recompensar o bom desempenho e direcionar a formação continuada em serviço para as áreas em que os professores mais precisam de ajuda. Quase 95 por cento dos sistemas de ensino contam com planos de carreira para os professores, mas somente 37 por cento incluem mecanismos de remuneração baseada em desempenho para eles (Todos pela Educação, 2020). O resto só permite a progressão da carreira com base em diplomas formais ou anos de experiência. O Brasil não tem requisitos elevados de entrada para candidatos que queiram lecionar em nível superior, além de não haver um exame nacional para certificar os formandos antes de começarem a dar aula. Embora a situação geral da qualidade do ensino no Brasil não seja boa, as orientações referidas acima podem contribuir para melhorar a qualidade dos cursos de formação docente caso sejam implementados corretamente e acoplados a outras iniciativas. Tornar a profissão mais atraente e melhorar a qualidade da formação inicial e continuada de professores são passos essenciais para o Brasil ter um sistema de educação eficaz. É fundamental que o Brasil melhore a atratividade do magistério diversificando os planos de carreira dos professores e ampliando as oportunidades de progressão na carreira. Políticas de remuneração também são uma ferramenta importante que se tornará mais acessível à medida que os recursos financeiros disponíveis para os sistemas educacionais aumentarem em função das recentes mudanças no FUNDEB. Porém, os aumentos salariais precisarão ser cuidadosamente planejados para não comprometer os orçamentos públicos com aposentadorias no futuro. Outra maneira de melhorar a situação é oferecendo apoio contínuo e motivação para os professores, na forma de capacitação em serviço de alta qualidade semelhante à ofertada no sistema educacional do Ceará. Todas essas opções são complementares; caso os sistemas Relatório de Capital Humano no Brasil educacionais consigam fazer com que as escolas usem as avaliações estudantis para customizar suas práticas pedagógicas e elevar o ensino para o nível certo, o aprendizado dos alunos provavelmente aumentará. O caminho para o progresso do capital humano deve incluir o aprimoramento das práticas didáticas e pedagógicas. 94   Entre 1996 e 2015, a porcentagem de professores dos últimos anos do ensino fundamental que tinham concluído o ensino superior subiu de 52 por cento para 83 por cento; em relação aos professores do ensino médio, a mudança foi de 86 por cento para 93 por cento (Ponte Barbosa e Oliveira Costa, 2019). 182 Inserção no Mercado de Trabalho de Jovens que Estão Fora da Escola O abandono escolar afeta a acumulação de capital humano e atinge muitos adolescentes brasileiros (Caixa 8.4). Um crescente corpo de pesquisa, que tem buscado compreender os processos decisórios que levam os jovens a abandonar a escola, aponta a influência de fatores da primeira infância na evasão. Intervenções bem-sucedidas dependem do contexto do país e variam consideravelmente em termos das abordagens para o direcionamento e intensidade da prestação. Isso, por sua vez, significa que os recursos (humanos, financeiros e outros) necessários para implementá-los também variam. Devido aos efeitos de longo prazo, o abandono escolar é um problema multissetorial: prejudica a mobilidade social e contribui para a desigualdade persistente. Intervenções internacionais têm alcançado bons resultados na abordagem do fenômeno de jovens que estão fora da educação, emprego e formação profissional (NEET, sigla em inglês de Not in Education, Employment, or Training, ou Nem-Nem, termo utilizado no Brasil), como o Programa Joven na Argentina, o Jóvenes en Acción na Colômbia o ProJoven no Peru. Os três programas mostram que oferecer cursos de formação e estágios para os jovens aumenta a probabilidade de conseguirem um emprego formal. Todos os três são dirigidos a jovens de famílias pobres com baixos níveis de escolaridade. Além de formação e estágio, os programas também oferecem uma quantia mensal inferior ao salário mínimo para cobrir os custos com transporte e refeições (World Bank, 2021d). Caixa 8.4 Nem Trabalham e nem Estudam De acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é atualmente o país com a segunda maior porcentagem de jovens de 15 e 29 anos que não trabalham e nem estudam (35,9 por cento), atrás somente da África do Sul (45 por cento). Dados pré-pandêmicos revelam que sete por cento da população de 15 a 17 anos não frequentam a escola. Entre os principais motivos para abandonar a escola estão a necessidade de trabalhar (39,1 por cento) e a falta de interesse (29,2 por cento). Mulheres jovens também relataram a gravidez (23,8 por cento) e o trabalho doméstico (11,5 por cento) como motivos do abandono escolar (UNICEF e Cenpec Educação, 2021). À medida que as escolas vão reabrindo após terem fechado por causa da COVID-19, a probabilidade de voltar para a escola e permanecer nela é bem menor entre os alunos vulneráveis. Antes mesmo da pandemia, o abandono escolar já era um dos principais desafios para o sistema educacional. De acordo com o IBGE, quase 1,4 milhão de alunos de 5 a 17 anos estavam fora da escola em 2021. As estimativas para o Estado de São Paulo desenham um cenário ainda mais perturbador: o risco de abandonar a escola aumentou em 365 por cento após a pandemia (Lichand et al., 2021). Os custos do abandono precoce da escola podem ter implicações diretas na capacidade das pessoas e sociedades de se recuperar dos efeitos da pandemia de COVID-19, já que o abandono escolar está associado a uma menor probabilidade de se empregar no futuro, menores salários e maior envolvimento com o crime (Adelman e Szekely, 2016; Cook e Kang, 2016). Em termos monetários, estudos com a utilização de dados locais estimam que os custos do abandono escolar para a sociedade brasileira totalizem perto de R$ 395.000 - ou USD 77.000 - por pessoa Relatório de Capital Humano no Brasil (de Barros, 2021). Nesse contexto, trazer os alunos de volta para a escola é um dos desafios mais cruciais da educação, e que foi exacerbado pela pandemia de COVID-19. Os jovens brasileiros vivem em um contexto marcado por rápidos avanços tecnológicos e um mercado de trabalho dinâmico e competitivo que exige que tenham habilidades e qualificações do Século XXI para conseguir emprego. Jovens que param de estudar deixam de adquirir as habilidades exigidas pelo setor formal e têm maior probabilidade de acabar se conformando com empregos mal remunerados e menos estáveis no setor informal, o que pode colocá- los no caminho de uma vida inteira de rendimentos e oportunidades inferiores (World Bank, 183 Caixa 8.4 (Continuação) 2021d). Além disso, os jovens brasileiros enfrentam atualmente uma taxa de desemprego consideravelmente alta (de cerca de 11,1 por cento em 2021) que pode dificultar o ingresso no mercado de trabalho (Governo do Brasil, 2022). Dados coletados em 2016 mostram que os jovens em boa medida subestimam o valor econômico da educação na geração de renda e na probabilidade de conseguir emprego (Almeida e Packard, 2018; Kiss et al., 2021). Populações vulneráveis correm um risco maior de ficar fora da educação, emprego e formação profissional (os “NEET”). Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que analisou os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) de 2001 a 2011 mostra que os maiores grupos de NEET são jovens com baixa escolaridade e mulheres com filhos. De fato, quase metade de todos os jovens NEET (43 por cento) eram mães que ficam em casa com altos níveis de desocupação. Mulheres jovens costumam parar de estudar quando engravidam ou precisam cuidar de um membro da família, enquanto os homens jovens se retiram da escola para trabalhar e ajudar com as despesas domésticas. O estudo também mostra que a desocupação tem crescido entre os homens, principalmente aqueles com menos escolaridade e homens jovens que concluíram o ensino médio (Monteiro, 2013). Outros estudos também salientaram que a desocupação acarreta riscos de longo prazo para os jovens, aumentando a probabilidade de desemprego, uso de drogas e álcool, gravidez na adolescência e criminalidade (Coles et al., 2002; Pardo, 2012, Dorsett e Lucchino, 2012). A capacidade do sistema educacional de se recuperar rapidamente dos impactos da COVID-19 depende da eficácia dos governos municipais e estaduais em gerenciar as suas redes de ensino. Os governos locais, por exemplo, devem monitorar cuidadosamente as matrículas dos alunos para evitar novos aumentos nas taxas de abandono, gerenciar a quantidade e a qualidade das refeições escolares para melhorar a integração das escolas ao sistema de proteção social e oferecer transporte escolar eficiente para todos os alunos, independentemente da distância até a escola. No Brasil, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego vem oferecendo cursos técnicos para inserir jovens de baixa renda no mercado de trabalho. No entanto, um estudo encomendado pelo Ministério da Fazenda mostrou que o programa não tem conseguido agregar vantagens aos alunos matriculados quando retornam ao mercado de trabalho (Secretaria de Política Econômica, s.d.). O Programa Jovem Aprendiz, por outro lado, tem tido impactos diretos nos jovens NEET. O programa concede subsídios na folha de pagamento para empresas que contratam e qualificam jovens trabalhadores (de 14 a 24 anos) mediante contratos especiais temporários para ajudá-los a concluir a transição da escola para o trabalho com sucesso. Uma pesquisa realizada pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) mostrou que 76 por cento dos jovens que tinham concluído o programa entre 2016 e 2017 estavam trabalhando ou estudando após a conclusão (Centro de Integração Empresa-Escola e Instituto Datafolha, s.d.). Cursos técnicos e programas de aprendizagem abrem o caminho para os avanços do capital humano. Relatório de Capital Humano no Brasil Políticas para Todas as Idades Embora o ICH acompanhe a estrutura do ciclo de vida, algumas políticas que afetam o capital humano são transversais. Esta seção descreve políticas nacionais que afetam pessoas de todas as idades, inclusive na idade adulta. No cerne estão as políticas de proteção social e saúde, que visam o aumento da produtividade e a proteção de grupos desfavorecidos e enfocam a promoção do capital humano. 184 Políticas de Saúde O SUS é uma das principais conquistas do Brasil em termos de política social. A criação do SUS em 1988 com o estabelecimento da cobertura universal de saúde (CUS) foi associada à expansão da prestação de serviços de saúde, com melhorias notáveis no acesso, proteção financeira, resultados de saúde e, em última análise, nos resultados da produtividade (Caixa 8.5). Um dos processos fundamentais do SUS para assegurar a oferta e execução dos serviços de saúde é a descentralização da responsabilidade. Caixa 8.5 Maior Produtividade Laboral: Será que é Possível sem uma Agenda de Saúde Forte? Márcia C. Castro, Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan A saúde é fundamental para o desenvolvimento. É um tipo de capital humano que facilita a produção de outros tipos de capital humano (Bleakley, 2010; Bloom e Canning, 2003). No Brasil, dois momentos críticos da história ressaltam a importância da saúde para o desenvolvimento: o movimento sanitarista do começo do Século XX (Lima, 2007) e a Constituição de 1988, com a subsequente criação do Sistema Único de Saúde (SUS) (Castro et al., 2019). Em 1916, um relatório detalhando as descobertas de expedições patrocinadas pela Fundação Oswaldo Cruz para as regiões Norte e Nordeste do Brasil expôs as condições precárias das comunidades rurais do país, a grande prevalência de diversas doenças infecciosas e a quase total ausência de assistência do governo em nível local (Schweickardt e Lima, 2007). A necessidade de um movimento sanitarista ganhou impulso e foi visto como um caminho para a construção da nação, aumentando a produtividade e o desenvolvimento. A primeira agência de saúde pública e controle de doenças foi criada em 1920 e centros de saúde rurais começaram a ser estabelecidos ao longo do país (Lima, 2007). Nas décadas seguintes foram lançadas várias campanhas de saúde pública dirigidas a doenças infecciosas, algumas das quais contaram com o apoio da Rockefeller Foundation (Löwy, 1999). Foram muitas as conquistas, como a eliminação da febre amarela urbana em 1942 e a eliminação do mosquito aedes aegypti (Soper, 1963), bem como o controle do vetor da doença de Chagas (Barreto et al., 2011), entre outras. Entre 1920 e 1960, a expectativa de vida no Brasil aumentou de 35,2 para 52,3 anos e a mortalidade infantil caiu de 162 em 1930 para 115 em 1970 a cada mil nascidos vivos. Apesar disso, ainda persistem muitas disparidades. Antes da Constituição de 1988, o acesso a serviços de saúde era limitado. Trabalhadores empregados no mercado formal tinham acesso mediante o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), enquanto trabalhadores agrícolas e informais dependiam de instituições de caridade ou precisavam pagar as despesas médicas do próprio bolso (Elias e Cohn, 2003). Na época não existia programa de atenção primária à saúde nem universalidade e igualdade na saúde. A Constituição mudou esse panorama. Estabeleceu a saúde como um direito da população, abrindo caminho para a implantação do SUS, um primeiro passo em direção à cobertura universal de saúde (atualmente uma das metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3) e, portanto, à redução da Relatório de Capital Humano no Brasil desigualdade. Ao longo de três décadas o SUS foi ampliando progressivamente as suas políticas e programas para oferecer atenção médica universal e abrangente e, apesar dos muitos desafios, conseguiu reduzir a desigualdade no acesso e nos resultados (Macinko e Lima-Costa, 2012; Macinko et al., 2009). Em 1994 o governo criou o Programa Saúde da Família, rebatizado em 2011 para Estratégia Saúde da Família (ESF), visando a prestação de serviços de atenção primária por equipes formadas por um médico generalista, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde. A ESF oferece atenção integral — incluindo cuidados agudos, 185 Caixa 8.5 (Continuação) promoção e prevenção da saúde, gestão de doenças crônicas e serviços de cuidado materno- infantil —, o que tem contribuído para melhorar os resultados da saúde com reduções na morbidade, mortalidade evitável (Andrade et al., 2018; Guanais e Macinko, 2009; Hone et al., 2017; Macinko et al., 2011; Macinko et al., 2010; Rasella et al., 2014; Boing et al., 2012), mortalidade infantil (Aquino et al., 2009; Macinko et al., 2006; Rocha e Soares, 2010) e hospitalizações evitáveis (Macinko et al., 2010; Ceccon et al., 2014; Dourado et al., 2011). A mortalidade infantil, mais especificamente, caiu 42 por cento entre 1990 e 2000 e o Brasil foi um dos poucos países a cumprir com sucesso o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 4 (reduzir a mortalidade infantil em dois terços entre 1990 e 2015) (Countdown Coverage Writing Group, 2008; UNICEF, 2005). Os avanços em matéria de saúde logrados pelo SUS nos últimos 30 anos afetaram o ciclo completo de vida das pessoas, do pré-natal até a velhice, com implicações diretas no capital humano (Figura B.8.1). Além da ESF, outros programas fundamentais para o capital humano foram a resposta nacional à pandemia de HIV/AIDS (Oliveira-Cruz et al., 2004), o Programa Nacional de Imunização (Domingues et al., 2020), o programa da primeira infância Criança Feliz (Buccini et al., 2021) e a estratégia de aleitamento materno (Passanha et al., 2013), entre outros. Período pré - natal Primeira infância,infância, Inicio da idade adulta até Idosos (acima dos 65 anos) • Consultas pré-natais adolescência (do a meia -idade (dos 19 aos • Acompanhamento regular de • Suplementação nutricional nascimento até os 18 64 anos) doenças crônicas anos) • Atenção primária à saúde • Imunização • Imunização • Imunização • Acesso a receitas médicas • Aleitamento materno • Rastreamento regular (p. ex., • Mortalidade prematura • Desenvolvimento infantil colonoscopia, papanicolau, • Longevidade • Mortalidade infantil mamografia, colesterol, • Nutrição e crescimento pressão arterial, etc.) • Gravidez na adolescência • Mortalidade evitável Figura B.8.1 Representação Condensada das Etapas do Ciclo de Vida e Indicadores Afetados pelo SUS Ao mesmo tempo, e tendo relação com as melhorias na saúde, as características demográficas também estavam mudando: a expectativa de vida ao nascer aumentou 7,5 anos entre 1990 e 2019; a taxa de fecundidade total caiu de 2,9 para 1,7 entre 1990 e 2018; e a população com mais de 65 anos aumentou de 4,3 por cento em 1990 para 9,3 por cento em 2019. Essas mudanças produziram um aumento generalizado na parcela da população com idade para trabalhar, também chamada de dividendo demográfico, que, associada à educação, contribuiu significativamente para o crescimento econômico (Baerlocher et al., 2019). Contudo, a sustentabilidade desses ganhos vem enfrentando muitos desafios, três dos quais são de suma importância. Em primeiro lugar estão as persistentes desigualdades na distribuição geográfica dos profissionais e serviços de saúde (Özçelik et al., 2021). Em segundo lugar estão as políticas fiscais introduzidas em 2016 e os subsequentes cortes orçamentários que resultaram Relatório de Capital Humano no Brasil no subfinanciamento do SUS (Massuda et al., 2018; de Souza, 2017). Em terceiro lugar está a recente pandemia de COVID-19, que salientou e exacerbou as desigualdades locais (Silva et al., 2020; Rocha et al., 2021; Ranzani et al., 2021; Ribeiro et al., 2021; Castro et al., 2021a). A ESF e a rede de agentes comunitários de saúde não foram incorporados à resposta (Lotta et al., 2020), o que teve consequências nos serviços de rotina, triagem e procedimentos (Barone et al., 2020; Marques et al., 2021; Silveira et al., 2021). O elevado número de mortes impôs ao Brasil um retrocesso nas taxas de mortalidade para números não vistos desde 2014. A expectativa de vida ao nascer em 2020 recuou em 1,3 ano (17,3 por cento do ganho observado entre 1990 e 2019), com grandes disparidades entre os estados (queda de 3,5 anos no Amazonas) e esperam-se 186 Caixa 8.5 (Continuação) quedas ainda maiores em 2021 (Castro et al., 2021b). Entre os sobreviventes os efeitos de longo prazo da COVID-19 (Nalbandian et al., 2021) provavelmente terão consequências para toda a sociedade, entre as quais a piora nas condições de saúde, déficits educacionais e a redução da produtividade da força de trabalho (Brüssow e Timmis, 2021). As dificuldades econômicas trouxeram grandes desafios, como a fome (de Carvalho et al., 2021) e a deterioração da saúde mental da população (Goularte et al., 2021). À luz do cenário atual, quais são as expectativas? Para evitar uma situação ainda pior e mitigar as muitas consequências da pandemia na sociedade, o Brasil deve fortalecer o SUS. Essa é a única maneira de atender à demanda crescente por atenção médica (p. ex., COVID de longa duração, saúde mental, procedimentos postergados) com equidade. Para mitigar alguns dos desafios da descentralização é fundamental que o pacto federativo entre os níveis Federal, estadual e municipal de governo seja reestabelecido com uma nova governança interfederativa (Castro, M. C., Massuda, et al., 2019). É preciso investir na saúde para formular novas maneiras de suprir a demanda por atenção à saúde, o que inclui repensar a maneira como a telemedicina pode ser incorporada na ESF para facilitar o aumento da cobertura. Acima de tudo, existe uma necessidade urgente de rever os cortes orçamentários. É inimaginável que os investimentos em ciência e saúde sejam reduzidos no momento em que o país enfrenta uma pandemia. Caso não ocorra uma mudança rapidamente, as consequências da COVID-19 na sociedade serão sentidas a longo prazo, com consequências negativas no capital humano e na produtividade do trabalho. O SUS é a principal fonte de atenção à saúde para a população pobre e vulnerável do Brasil. De acordo com a Praticamente toda Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (Stopa et al., 2020), a população pobre e praticamente toda a população pobre e vulnerável (os 40 por cento mais pobres) depende exclusivamente do SUS vulnerável depende para acessar serviços de saúde. No entanto, essa proporção exclusivamente do SUS. diminui consideravelmente nos decis superiores de renda. O SUS também é o principal provedor para a população em geral; mais de 60 por cento da população usa o sistema e 70 por cento das internações ocorrem em unidades do SUS. Apenas 25 por cento da população geral conta com seguro de saúde privado voluntário, quer seja pagando diretamente ou mediante planos vinculados ao emprego. Os pobres com baixa escolaridade tendem a ser menos saudáveis e mais propensos a comorbidades, o que os tornam mais vulneráveis à pandemia de COVID-19. Conforme discutido no capítulo 6, a COVID-19 teve um impacto maior nos grupos mais vulneráveis. Cerca de 54 por cento dos usuários do SUS que dependem exclusivamente da atenção primária em saúde (APS) estão desempregados, enquanto 65 por cento ganham menos de um salário mínimo (R$ 1,212, ou cerca de USD 235). De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde, pessoas sem nenhuma escolaridade ou que concluíram somente o ensino fundamental (e, portanto, têm mais probabilidade de ser pobres) tinham duas vezes mais chance de ter pressão alta do que as pessoas que concluíram um curso de nível universitário (36,6 por cento versus 18,2 por cento, respectivamente). Semelhantemente, a prevalência de diabetes também foi maior entre Relatório de Capital Humano no Brasil os menos escolarizados do que entre pessoas com ensino superior: 12,9 por cento versus 4,7 por cento, respectivamente. Estratégia de Saúde da Família Os serviços de saúde primária do SUS são oferecidos pelas Unidades Básicas de Saúde e pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). Nos anos 2000 a rede do SUS passou por uma grande expansão, particularmente mediante a prestação de serviços ambulatoriais motivados pela ampliação da ESF. Os dados mostram que entre julho de 2007 e julho de 2020 a cobertura básica de saúde aumentou de 41 para 76 por cento da população brasileira. 187 A ESF foi introduzida como programa federal para oferecer serviços de atenção primária integrada aos pacientes em 1994, mas na realidade surgiu um ano antes. O modelo da ESF começou no Estado de Ceará na década de 1990 como um programa de saúde materno-infantil que contava com agentes comunitários de saúde. Sendo uma abordagem comunitária, a ESF presta serviços de saúde através de equipes de saúde interdisciplinares consistindo em médico, enfermeiro, assistente de enfermagem e quatro a seis agentes comunitários de saúde que fazem a ponte entre as unidades de saúde e a população. A distribuição das equipes é feita de forma territorial, de modo que cada equipe cubra uma área onde residam até 1000 famílias. A ESF observa uma estrutura de gestão de saúde descentralizada, na qual o governo municipal é responsável pela gestão e prestação dos serviços de saúde. Isso é intencional, já que os governos locais estão em melhores condições de identificar e sanar suas próprias necessidades. Quanto ao financiamento, cada município recebe uma quantia fixa do Governo Federal para as despesas com atenção primária que varia de acordo com o número de moradores. Os valores transferidos estão atrelados a indicadores de desempenho monitorados pelo Governo Federal. A implementação da ESF tem sido vinculada à queda na taxa de mortalidade infantil, redução geral da mortalidade em todas as faixas etárias, redução das taxas de fecundidade, aumento da matrícula escolar e aumento da oferta de mão de obra. Quanto maior a cobertura do programa, maior a redução de hospitalizações evitáveis motivadas por várias doenças crônicas, com a exceção de diabetes e doença obstrutiva pulmonar crônica (Pinto e Giovanella, 2018; Macinko e Mendonça, 2018). O capítulo 7 mostrou que quanto maior o número de médicos da Estratégia de Saúde da Família em determinado município, melhores os resultados no componente de déficit de crescimento. As políticas de saúde básica são imperativas para o progresso do capital humano nacional. Redes de Saúde Integradas Não há dúvida de que a descentralização da APS no Brasil foi um dos motores da ampliação da cobertura nos últimos 20 anos. Hoje, os principais desafios enfrentados pelo SUS em termos de eficiência têm a ver com a fragmentação da prestação de serviços, que por sua vez tem origem no arranjo institucional descentralizado desses mesmos serviços. Essa fragmentação gera deseconomias de escala e a coordenação entre os provedores e os níveis de atenção (primária, secundária e terciária) fica limitada (World Bank, 2017b). O governo vem corretamente concentrando os esforços em melhorar a coordenação entre todos os níveis de atenção como prioridade da reforma do SUS. Sistemas de saúde fragmentados estão organizados sob uma estrutura hierárquica definida por níveis crescentes de “complexidade”, com ordenamento e graus de importância entre os diferentes níveis da atenção à saúde. Essa organização hierárquica resulta em sistemas isolados e que não dialogam entre si. Isso significa que a APS não se comunica de forma fluida com a atenção secundária e esses dois níveis não se articulam com a atenção terciária, com sistemas de apoio ou com sistemas logísticos (Mendes, 2010). Apesar do aumento de pacientes com doenças crônicas, que exigem arranjos de tratamento integrados e contínuos em todos os locais onde os serviços são prestados e priorização da gestão e controle dos fatores de risco, o sistema de prestação de serviços do SUS está organizado para fornecer cuidados agudos por meio de unidades autônomas. A fragmentação da rede do SUS resulta na duplicação dos serviços e excedente de capacidade, acarretando ineficiências consideráveis que poderiam se beneficiar da implementação de sistemas integrados. Em Araraquara (SP), por exemplo, aproximadamente 50 por cento dos exames da APS são repetidos em outros níveis de atenção, o que gera custos equivalentes a 5 por cento do orçamento anual de saúde do município (World Bank, 2017b). A experiência internacional mostra que a coordenação da atenção é fundamental para aumentar a eficiência dos serviços de saúde mediante a redução das taxas de hospitalização, melhorias na qualidade da atenção, redução dos erros Relatório de Capital Humano no Brasil médicos e aumento da prescrição e utilização correta de medicação. Uma rede de saúde integrada funciona conectando diversos provedores de atenção médica por meio de protocolos clínicos e fluxos financeiros otimizados, usando contratos para realizar a coordenação vertical dos serviços de nível primário, secundário e terciário (World Bank, 2017b). Isso favorece relações mais horizontais entre os vários serviços, que passam a se comportar como pontos de atenção interconectados por canais permanentes de comunicação (Magalhães Junior, 2014). A coordenação da rede de atenção pressupõe o desenvolvimento de estruturas e processos para melhorar a comunicação, a continuidade da atenção e o compartilhamento de informações dentro do sistema de 188 saúde (World Bank, 2017b). O sistema de informação deve ser projetado para suportar um fluxo contínuo na rede. Por exemplo, prontuários eletrônicos compartilhados com um número de identificação permanente, disponibilizados para todas as equipes de saúde são tão fundamentais quanto a existência de um número suficiente de equipes. O mesmo pode ser dito da regulamentação de um sistema de transporte em saúde e da formação continuada e monitoramento dos profissionais de saúde (Magalhães Junior, 2014). Redes de saúde Para implantar uma rede que funcione bem será necessário reformular os modelos de prestação de serviços, gestão e financiamento dos serviços integradas são do SUS. Um arranjo de rede de informação compartilhada envolve a chave para a protocolos e processos para padronizar a prestação dos serviços de saúde e assegurar o fluxo de informação. A governança de dados e a promoção de um atribuição de responsabilidades pela integração e coordenação de dados sistema de saúde nos níveis Federal, estadual e municipal são componentes fundamentais. Para tal, o Brasil terá de implementar um método de compartilhamento de eficiente. informações sobre os pacientes; construir capacidade mediante o acesso a infraestruturas essenciais; assegurar o cumprimento da padronização de dados; implementar itinerários e protocolos clínicos para o tratamento de doenças; estabelecer regras padronizadas de referência e contrarreferência; definir as funções e competências dos prestadores de serviços; e oferecer formação para garantir o cumprimento (OCDE,2021). Tais esforços visam eficiências de escala além do fortalecimento da atenção primária como ponto de entrada no sistema de prestação de serviços, permitindo que a ESF incorpore funções sólidas de filtragem, controle de ingresso no sistema e coordenação. O fortalecimento da APS também está diretamente relacionado ao aumento do número de médicos generalistas, ou médicos de família e comunidade, o que nos leva à questão da distribuição dos médicos no território. Gestão de Recursos Humanos em Saúde Outro desafio fundamental para a ampliação dos serviços de APS no Brasil é a escassez de médicos de atenção primária e a dificuldade de atrair profissionais qualificados para trabalhar em áreas mais pobres e distantes, ao invés de centros urbanos. Entre 2010 e 2019 ocorreu a maior ampliação da profissão médica no Brasil na área de medicina da família e comunidade (MFC), conforme mostram os números de médicos residentes nessa especialidade. Essa é a especialidade mais adequada para trabalhar na atenção primária nas equipes da ESF. Países cujos sistemas de saúde primária dependem de médicos generalistas apresentam resultados melhores que os que dependem principalmente de médicos não generalistas. Porém, um dos grandes desafios para a consolidação da especialização de médicos da atenção primaria no mundo inteiro tem a ver com a educação. A despeito de sua relevância e do reconhecimento de sua importância, a MFC não é priorizada no sistema brasileiro de saúde (Izecksohn et al., 2017). Para mudar o modelo de prestação de serviços e assegurar que a atenção primaria seja o primeiro ponto de entrada dos pacientes no sistema de saúde, o Governo Federal reconhece a necessidade de melhorar o status dos médicos de modo a atrair mais profissionais para a atenção primária. No Brasil, a densidade de profissionais de saúde (especialmente médicos) por habitante é inferior à de outros países com níveis semelhantes de desenvolvimento, ficando bem abaixo da média dos países da OCDE. Além disso, a distribuição geográfica e setorial dos médicos de saúde da família e comunidade é marcada por desigualdades consideráveis: 54,3 por cento estão localizados nas 27 capitais e no Distrito Federal, enquanto os 45,7 por cento restantes estão distribuídos entre os outros 5.543 municípios do país. Existem Relatório de Capital Humano no Brasil ainda desigualdades regionais nessa distribuição, com apenas 5 por cento no Norte, 7,7 por cento no Centro-Oeste, 14 por cento no Nordeste, 19,1 por cento no Sul e 44,2 por cento no Sudeste (Scheffer et al., 2020). A atração e retenção de médicos de APS em municípios periféricos, bem como nos arredores das grandes cidades, é um dos problemas mais sérios e crônicos enfrentados pelo sistema brasileiro de saúde (Anderson, 2019). Isso se traduz em uma realidade em que 32 por cento da população que vive nas 48 cidades com mais de 50 mil pessoas têm acesso a 62 por cento dos médicos do Brasil. Aumentar a remuneração relativa dos profissionais da atenção primaria também tem o potencial de aumentar a oferta desses profissionais no médio e longo prazo. Países como a Inglaterra e a Turquia reduziram a disparidade salarial entre especialistas e médicos de família e comunidade, assim como 189 de outros profissionais que trabalham no ambiente hospitalar. Outra estratégia para ampliar a atenção primária consiste em expandir o campo de trabalho de enfermeiros e outros profissionais de saúde, ampliando a cobertura, aumentando a eficiência e, em alguns casos, melhorando a qualidade da atenção (World Bank, 2017b). Por último, a despeito da escassez de médicos de família e comunidade, o Brasil faz pouco uso de outros profissionais na prestação de serviços de saúde. Por exemplo, apesar da legislação nacional permitir que enfermeiros realizem consultas e prescrevam certos medicamentos e exames nas unidades básicas de saúde, a prática enfrenta resistência profissional e institucional. O SUS poderia também ampliar a cobertura do atendimento pré-natal com a adoção de um processo de formação mais intensivo para os profissionais da enfermagem do que para os médicos (World Bank, 2017b). O caminho para a promoção do capital humano inclui uma alocação mais eficiente de recursos. Avançando para além das políticas de saúde e educação, as próximas três seções irão discutir três outros aspectos transversais: (i) ações afirmativas no local de trabalho, (ii) políticas de prevenção da violência, e (iii) programas e políticas de proteção social. Ações Afirmativas no Local de Trabalho O primeiro passo para melhorar os resultados de acesso ao emprego é assegurar que os alunos tenham oportunidades iguais de adquirir conhecimentos e habilidades. Mesmo assim, nem todas as pessoas se beneficiam igualmente da educação, fazendo com que os resultados no mercado de trabalho sejam desiguais. Os desafios para o capital humano no Brasil não estão relacionados apenas a fatores que impedem o seu pleno potencial de desempenho; têm a ver também com as desigualdades e com a subutilização do ICH no mercado de trabalho. Políticas para reduzir O Brasil tem adotado diversas políticas com impactos diretos ou indiretos no aumento da igualdade e do acesso ao mercado formal de as desigualdades na trabalho. Políticas relacionadas a melhores resultados na educação educação também têm sido um elemento-chave para abrir as portas do mercado de trabalho, já que as habilidades, conhecimentos e competências surtirão efeitos — com frequência adquiridos por meio da educação — melhoram positivos indiretos no muito o acesso ao competitivo mercado de trabalho. Vários estudos enfatizam a conexão entre a educação e os resultados no mercado mercado de trabalho de trabalho. Ramos (2007) mostra que a educação é o elemento que melhor explica a queda da desigualdade salarial no país entre 1995 e 2005 e Soares et al., (2007) mostram que a disparidade educacional entre brancos e não brancos no Brasil vem caindo ao longo do tempo, o que, por sua vez, tem contribuído para a redução da disparidade salarial entre raças. Em 2012 o Brasil introduziu ações afirmativas nas universidades públicas com a aprovação da Lei de Cotas (12.711), que estipula que as universidades federais (que são as universidades mais seletivas do país) reservem uma porcentagem das vagas de matrícula para estudantes com base na raça e/ou condição socioeconômica. Apesar do forte movimento contrário e da resistência dos opositores, pesquisas têm revelado que a demografia dos alunos nas universidades públicas do Brasil está mais diversificada e que o sistema de ensino superior se tornou mais democrático. Embora a situação tenha melhorado, ainda é preciso avançar para assegurar a permanência dos alunos nas universidades públicas (Heringer, 2020; Ristoff, 2014; Paula, 2017; Salata, 2018). Apesar disso, no que tange o mercado de trabalho é importante notar que o Brasil perde uma parcela Relatório de Capital Humano no Brasil significativa de seu potencial de produtividade devido à discriminação e consequentes barreiras enfrentadas por grupos desfavorecidos, como afrodescendentes, povos indígenas, mulheres, pessoas com deficiências e outras minorias políticas. Consequentemente, a acumulação de capital humano, principalmente em termos do nível de escolaridade, nem sempre se traduz em melhores oportunidades e acesso ao mercado de trabalho. Assim, se bem seja certo que a escolaridade e habilidades são necessárias, de forma alguma são suficientes para obter um resultado favorável no mercado de trabalho (Fasih, 2008). O Brasil tem instituído políticas especificas para incluir esses grupos no mercado de trabalho. O estabelecimento de cotas obrigatórias para pessoas com deficiências em empresas, por meio da Lei 8.213 de 1991, é um exemplo dessas políticas. Outro exemplo é a Lei 12.990/2014, que estabeleceu uma cota 190 de 20 por cento dos cargos públicos para negros e indígenas e tem alcançado um sucesso considerável. Enquanto no ano 2000 76,5 por cento dos novos servidores públicos eram brancos e 17 por cento eram negros, nos últimos anos a situação vem mudando. Hoje, 38 por cento dos novos servidores públicos se identificam como negros e 57 por cento como brancos (Ipea, 2021). Para as mulheres, o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça vem executado as recomendações do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), com foco específico na igualdade de gênero no mercado de trabalho.95 Desde 2005, as lideranças do programa vêm trabalhando com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU Mulheres em atividades específicas que serão realizadas para a promoção da igualdade racial e de gênero no local de trabalho. Entre elas estão melhorias no ambiente de trabalho, superação das disparidades salariais entre raças e gêneros, aumento do acesso ao emprego e ocupação de cargos de gestão (ONU Mulheres, 2019). Em comparação às instituições que não participam do programa, as que participam têm três vezes mais mulheres em cargos de gestão, ocupando 40 por cento de todos os cargos de gestão (comparados a 59 por cento no caso dos homens) - um passo pequeno, porém significativo, em direção à igualdade (SPM, s.d.). A história da prosperidade não compartilhada deve ser transformada em uma história de sucesso inclusivo com políticas afirmativas. Políticas de Prevenção da Violência O capítulo 4 mostrou que em 2019 os homens morriam sete vezes mais frequentemente que mulheres em decorrência de fatores externos, e que essas mortes ocorriam, sobretudo, devido a agressões e acidentes de trânsito. Além disso, conforme demonstrou o capítulo 5, homicídios estão intrinsecamente correlacionados com a taxa de sobrevivência de adultos e, portanto, com o ICH. Cerca de 10 por cento do total de homicídios no mundo e metade dos homicídios da América Latina e Caribe (ALC) estão concentrados no Brasil. Em 2019, 38 em cada 100 mortes de brasileiros de 20 a 24 anos de idade foram motivadas por violência letal. Se olharmos para a população de 25 a 29 anos, esses números caem para 31 em cada 100 mortes (Caprirolo et al., 2017; Cerqueira et al., 2021). Em relação às informações disponíveis sobre homicídios, estudos indicam que no Brasil as vítimas e os agressores costumam ter o mesmo perfil sociodemográfico: têm entre 15 e 29 anos e são geralmente do sexo masculino, de baixa renda e negros. Estarrecedores 92 por cento das vítimas de homicídios na faixa etária de 0 a 19 anos são do sexo masculino. A proporção de vítimas do sexo masculino aumenta a partir dos 13 anos, chegando a 95 por cento das vítimas com mais de 17 anos (Muggah e Pellegrino, 2020). Diversos fatores de risco aumentam a vulnerabilidade à violência entre os homens; os principais são: exposição crônica à violência; condições de desigualdade social extrema; unidade familiar chefiada por uma única pessoa; residir em bairro ou comunidade afetada pelo crime organizado; e desigualdade no acesso a serviços, especialmente à educação (Muggah e Pellegrino, 2020;Waiselfisz, 2017). Uma das regularidades empíricas dos homicídios é a sua concentração espacial, conhecida como hotspot ou foco de crime e violência. O que esses focos têm em comum são carência social, níveis elevados de pobreza, falta de acesso a serviços públicos e elevada exposição a desastres naturais (World Bank, 2013). No Brasil, a relação entre a violência e o acesso à educação de qualidade é relativamente robusta (Muggah e Pellegrino, 2020, Waiselfisz, 2017). Homicídios estão intrinsecamente relacionados aos componentes do capital humano. Existe ainda uma clara e bem estabelecida conexão entre as taxas de homicídio e a desigualdade: países com níveis acentuados de desigualdade de renda tendem a ter taxas de homicídios comparativamente maiores. A desigualdade explica quase 40 por cento da variação nas taxas de homicídios entre os países (UNODC, 2019). Relatório de Capital Humano no Brasil Quatro questões parecem influenciar os resultados da prevenção e redução da criminalidade (World Bank, 2013). Especificamente: • Programas de transferência condicionada de renda e monitoramento dirigidos a famílias que vivem em áreas com maior incidência de crimes violentos.  As três versões do Plano Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM) são consideradas marcos históricos na construção no país 95 de uma agenda inclusiva de igualdade e equidade de gênero, que leva em consideração fatores de raça, etnia, idade, orientação sexual e deficiências e que resultou da articulação entre a sociedade civil e o governo em todos os níveis (Presidência da República e Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2005). 191 • Estratégias amplas de prevenção à criminalidade que combinem intervenções territoriais com melhorias na urbanização, acesso à educação de qualidade e outras políticas para proporcionar aos jovens atividades positivas e aspirações. • Policiamento orientado por resultados com recompensas para a inovação e responsabilização pelo desempenho. • Sistemas de monitoramento e avaliação que permitam que os principais atores envolvidos na agenda de segurança pública compartilhem dados diagnósticos e ajustem as políticas públicas. Em termos de intervenções adotadas no Brasil para a mitigação da violência e atividades criminosas, estratégias para o controle de armas de fogo - como o Estatuto do Desarmamento, por exemplo - tiveram um impacto na taxa de crescimento de homicídios entre crianças e jovens. Por exemplo, entre 1980 e 2003 observou-se um aumento médio anual de 6,2 por cento na taxa de crescimento de homicídios, seguido por uma redução média anual de 3,3 por cento entre 2003 e 2006. Entre 2006 e 2011 a taxa de crescimento anual permaneceu estável em 3,8 por cento, porém a partir de 2011 cresceu de forma acentuada para 8,9 por cento (Waiselfisz, 2017). O estatuto foi promulgado para limitar as importações de armas de fogo, tornando ilegal a posse ou porte na rua de armas não registradas, além de aumentar as penalidades pelo descumprimento das leis de controle de armas (World Bank, 2013). Intervenções Uma maneira de lidar com os múltiplos riscos associados à violência é multissetoriais implementando múltiplas intervenções para lidar com um risco de cada vez. Isso pode ser feito seja usando vários programas, cada qual priorizando um devem abordar o território específico ou população-alvo, ou elaborando um programa único comportamento com múltiplos componentes, por exemplo: controle de armas e consumo de álcool; capacitação policial e iniciativas que promovam mudanças de risco um de culturais; ou acesso a atividades culturais e outros tipos de regeneração dos cada vez. espaços urbanos. Em São Paulo e Belo Horizonte, a queda dos indicadores de violência foi associada a processos de renovação urbana, mostrando a eficácia potencial desse tipo de política. De modo geral, a associação entre melhorias no ambiente urbano e políticas de redução da pobreza reduziram as atividades relacionadas à violência (World Bank, 2013). Enquanto os homens apresentam taxas mais altas de morte por agressão ou homicídio, as mulheres também são afetadas pela violência, porém o tipo de violência que elas enfrentam, conhecida como violência baseada em gênero (VBG), está especificamente vinculada ao fato de serem mulheres. A violência baseada em gênero é um problema estrutural no Brasil que afeta predominantemente mulheres e crianças — mas também homens, meninos e pessoas com outras identidades de gênero —, sendo cometida sobretudo por parceiros íntimos. Em 2021, uma mulher foi estuprada a cada 10 minutos, e um feminicídio foi cometido a cada sete horas no Brasil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021). A VBG não só tem consequências graves para a saúde física e mental dos sobreviventes, como também tem efeitos intergeracionais. Dados mostram que 4 em cada 10 mulheres que cresceram em uma família violenta sofreram violência na idade adulta (PCSVDF na Universidade Federal do Ceará, 2017). Além disso, a violência baseada em gênero tem custos sociais e econômicos elevados, com impactos diretos no capital humano, produtividade e gastos públicos. Semelhantemente, para as mulheres os custos da VBG estão enraizados em um efeito cascata onde a incapacidade de trabalhar resulta em renda perdida pelas vítimas, lucros reduzidos nos negócios e menos receita tributária para o governo (Laing e Bobic, 2002). Estimativas mostram que os custos da violência baseada em gênero podem chegar a 2 por cento do PIB global (ONU Mulheres, 2016). Para enfrentar a violência baseada em gênero, em 2006 o Brasil aprovou a Lei Maria da Penha (11.340), reconhecida nacional e internacionalmente como um dos pacotes legislativos mais inovadores e Relatório de Capital Humano no Brasil abrangentes (Pasinato, 2016; Sardenberg, 2016; Instituto Maria da Penha, s.d.). Antes de 2006, a violência contra as mulheres era banalizada e considerada um crime de menor potencial ofensivo cujos agressores tinham a pena reduzida para trabalho comunitário ou entrega de cesta básica. Inspirada por convenções internacionais e movimentos feministas, a Lei Maria da Penha (LMP) introduz três mudanças principais: (i) ampliação da definição de violência para violência física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial; (ii) ampliação do conceito de família e da qualidade de ser mulher, reconhecendo a união entre pessoas do mesmo sexo e, mais recentemente, incluindo a proteção para mulheres trans (TJDFT, 2022), e (iii) previsão não apenas de medidas punitivas contra os agressores, mas também de medidas de assistência a sobreviventes, além de medidas preventivas em geral (Sardenberg, 2016; Pasinato, 2016) 192 A despeito da criação de um ordenamento jurídico progressivo para o enfrentamento da violência baseada em gênero, esta continua sendo um grande problema no Brasil. Estudos que analisaram o impacto da LMP observaram uma ampla gama de resultados, entre os quais: redução nos últimos anos dos serviços especializados para mulheres; elevada concentração desses serviços nas capitais estaduais; ausência de um sistema nacional de informações sobre violência doméstica; falta de recursos humanos e materiais; falhas na articulação em rede; e dificuldades na incorporação das novas mudanças introduzidas pela LMP. A literatura também mostra que os profissionais não estão totalmente capacitados e preparados para prestar assistência especializada às vítimas e que faltam políticas institucionais para estimular a formação profissional nessa área (Pasinato, 2016; Senado Federal, 2013; OBSERVE, 2010). A pandemia de COVID-19 renovou a atenção para a urgência do enfrentamento da violência contra as mulheres, conforme discutido no capítulo 6. As condições suscitadas pela pandemia levaram ao aumento da violência doméstica, enfatizando assim (i) a importância de se ampliar, fortalecer e ajustar os sistemas e redes de resposta à violência que já existem, e (ii) a necessidade de capacitar profissionais para prestar uma assistência adequada às pessoas sobreviventes. Programas e Políticas de Proteção Social O Programa Bolsa Família (PBF) foi um programa de transferência condicionada de renda (TCR) criado em 2004 que consolidou programas menores, como o Bolsa Escola, o Auxílio Gás e o Bolsa Alimentação (Brasil, 2004). O PBF destinava-se às famílias de baixa renda e tinha três objetivos principais: transferências de renda para alívio imediato da pobreza; condições para reforçar o acesso aos direitos sociais fundamentais nas áreas da educação, saúde e assistência social; e programas complementares visando o desenvolvimento familiar com o propósito de ajudá-las a superar as suas vulnerabilidades (Martins e Monteiro, 2016; Warby, 2018). TABELA 8.1 Estrutura do Bolsa Família, 2021 BENEFÍCIOS VALOR LINHA DE CONDITIONALITIES ELEGIBILIDADE Condicionalidades de educação: Crianças (0-15 anos) 41 178 • Crianças entre 6 e 17 anos precisam estar matriculadas na escola. • A frequência escolar deve ser de ao menos 85 por cento para Mãe e Criança (0-6 meses) 41 178 crianças de 6 a 15 anos e 75 por cento para adolescentes de 16 a 18 anos. Condicionalidades de saúde: • Crianças menores de sete anos Gestante 41 178 precisam receber as vacinas recomendadas. • O peso, altura e desenvolvimento devem Relatório de Capital Humano no Brasil Adolescente 48 178 ser monitorados a cada seis meses. Famílias em situação de extrema Benefício Básico (domicílio) 89 89 pobreza HIATO DA Benefício para a Superação Famílias em situação de extrema EXTREMA 89 da Pobreza (domicílio) pobreza POBREZA Fonte: Caixa Econômica Social. 193 Em 2019 e 2020, o programa consistia em um benefício básico, quatro benefícios eletivos e um benefício para a superação da pobreza extrema.96 O último desses benefícios era concedido às famílias cujo nível de renda permanecia abaixo de R$89 após terem recebido as outras transferências. O valor do benefício era a quantia necessária para cobrir essa diferença. A tabela a seguir apresenta o projeto básico do PBF em 2021. O PBF foi projetado para ser sensível às perdas de renda. Contava com uma combinação de renda autodeclarada, visitas domiciliares e cruzamento de dados administrativos. Os arranjos operacionais e institucionais do PBF envolviam uma coordenação bem estabelecida entre os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), o Ministério da Cidadania, os bancos responsáveis pelas transferências de renda e os prestadores de serviços de educação e saúde. A identificação e cadastramento das famílias no Cadastro Único, o registro de assistência social, era feita pelos municípios (Caixa 8.6). O Ministério avaliava a elegibilidade dos candidatos ao PBF com base nas informações declaradas no Cadastro Único e verificava as informações mediante o cruzamento com outros registros públicos. Uma vez tendo confirmado a elegibilidade - e contanto que houvesse espaço no programa para aceitar novas famílias - o Ministério ativava o benefício. Caso a família fosse elegível, mas restrições orçamentárias impedissem sua inclusão, a família era colocada em uma fila de espera virtual. Após a autorização do benefício o banco responsável pelas transferências realizava os pagamentos, que as famílias beneficiarias podiam sacar usando um cartão de débito. Uma vez cadastradas, as famílias tinham que cumprir com as responsabilidades compartilhadas de educação e saúde para continuar recebendo o PBF. O cruzamento de informações permitia aos administradores do programa rastrear as famílias que estavam caindo na pobreza e as que já viviam em situação de pobreza. O processo de cadastramento envolvia o envio de dados pessoais primários e renda autodeclarada e costumava ser iniciado pelo CRAS municipal, que funcionava como porta de entrada para os programas do PBF e do Cadastro Nacional de Proteção Social. As condicionalidades de educação e saúde do PBF têm permitido que os beneficiários adquiram mais capital humano. Para receber as transferências do programa as famílias devem cumprir os seguintes requisitos: • Permanência das crianças na escola até os 17 anos e frequência escolar de pelo menos 85 por cento para beneficiários de 6 a 15 anos e 75 por cento para adolescentes de 16 a 18 anos. • Obrigatoriedade de as gestantes realizarem o pré-natal e comparecerem às consultas e imunização completa das crianças até os cinco anos de idade, além do acompanhamento do crescimento até os seis anos. • Compromisso por parte dos pais de manter as crianças na escola ao invés de trabalhando. Caixa 8.6 Cadastro Único, o Cadastro Social Nacional de Famílias de Baixa Renda O Cadastro Único (CadÚnico) é a base de dados do Governo Federal sobre as famílias vulneráveis. A inscrição no CadÚnico permite que as famílias vulneráveis se beneficiem da rede brasileira de seguridade e proteção social. Todos os beneficiários do PBF (agora Auxílio Relatório de Capital Humano no Brasil Brasil) são automaticamente incluídos nesse cadastro nacional. O CadÚnico serve não apenas para identificar as famílias mais necessitadas, como também para compreender as diferentes condições de vulnerabilidade enfrentadas pelas famílias de baixa renda no país. Informações extraídas da consolidação dos dados cadastrais são usadas para expandir os programas de proteção social. Para os programas de proteção social, o Ministério da Cidadania define a pobreza extrema como famílias com renda mensal de até 96  R$ 89,00 por pessoa, e pobreza como famílias com renda mensal entre R$ 89,01 e R$ 178,00 por pessoa. 194 Caixa 8.6 (Continuação) O CadÚnico funciona como uma ferramenta descentralizada de coleta de dados nos 5.570 municípios do país. Entre as responsabilidades dos municípios estão a identificação e inscrição das famílias elegíveis e o monitoramento de seu progresso. Atualmente, o cadastro é a porta de entrada para 27 iniciativas federais, além de outros programas públicos oferecidos pelos governos estaduais e municipais para os mais de 26 milhões de famílias cadastradas. O principal programa federal que utiliza dados do Cadastro Único é o PBF/Auxílio Brasil. O CadÚnico também contém informações sobre outros grupos, como pessoas em situação de pobreza temporária e trabalhadores autônomos e informais que se encontravam acima da linha de elegibilidade do PBF antes da pandemia. Vale notar que antes da pandemia de COVID-19 os gastos totais com proteção social no Brasil já eram elevados em comparação a padrões de referência internacionais, com um viés a favor dos trabalhadores formais e idosos - estes últimos quase universalmente cobertos por planos de previdência privada ou previdência social. O PBF beneficia Estudos demonstram que o PBF tem impactos positivos na construção do capital humano, principalmente para as crianças. O programa aumentou o as crianças e tem uso de serviços de saúde preventivos para crianças pequenas (Shei et al., efeitos indiretos 2014), com efeitos indiretos em outros membros da família. Outros estudos associaram a participação no PBF à redução nas taxas de mortalidade de em todos os crianças menores de cinco anos (Shei, 2013) e diminuição das taxas de membros da déficit de crescimento (Labrecque et al., 2018). Existem ainda evidências indiretas de que o PBF contribuiu para o aumento do gasto per capita com família alimentos e para a disponibilidade per capita de calorias totais, além de ampliar o acesso a alimentos de melhor qualidade, como os naturais ou minimamente processados (Martins e Monteiro, 2016; Coelho e Melo, 2017). Além disso, o programa foi associado a uma maior probabilidade de que as crianças nascessem a termo, melhorias na proporção peso-idade e no índice de massa corporal e aumentos na cobertura vacinal (Amaral e Monteiro, 2013). Na educação, o programa aumentou a matrícula escolar (Glewwe e Kassouf, 2012), além de aumentar a frequência escolar e a taxa de conclusão do ensino médio. Na realidade o programa foi além, já que desafiou a tradicional divisão sexual do trabalho e os papéis de gênero, mostrando que a promoção da autonomia financeira das mulheres pode acarretar mudanças progressivas. Pesquisas mostram que a atribuição da responsabilidade financeira do domicílio para as mulheres, como ocorre em 88,6 por cento dos beneficiários do PBF, tem empoderado as mulheres em diversas dimensões. Evidências indicam aumentos na autonomia financeira das mulheres, apoiando um maior equilíbrio nos processos decisórios intradomiciliares e melhorando o acesso a serviços reprodutivos (Azevedo e Favara, 2012; Bartholo et al., 2019; Santos, 2014). Desde sua criação o PBF passou por vários ciclos de estabilidade e ampliação da cobertura. Entre o início do programa e 2006 houve uma rápida expansão em que o número de famílias beneficiadas ultrapassou os 11 milhões. A expansão foi seguida por uma fase de estabilidade que durou até meados de 2009. Durante a crise de alimentos e combustível de 2008 no Brasil, o PBF foi usado como política anticíclica e iniciou uma nova expansão. Em 2011, o PBF já tinha chegado até 13 milhões de famílias. Relatório de Capital Humano no Brasil Com a implementação do Plano Brasil Sem Miséria em 2012, o PBF chegou a 14 milhões de famílias, atendendo aproximadamente 23 por cento da população brasileira. Em contrapartida, contudo, durante o período de desaceleração econômica e recessão que começou no segundo trimestre de 2014 não houve aumento na cobertura do programa (Barbosa, 2017). Em 2019, famílias que cumpriam com os critérios de elegibilidade do programa deixaram de receber os benefícios do PBF devido a restrições orçamentarias do governo, o que gerou uma fila virtual de aproximadamente 1,5 milhão de famílias esperando para receber o benefício. Com o começo da pandemia de COVID-19 em março de 2020 e a consequente crise econômica e social, a redução da lista de espera passou a ser uma prioridade urgente. 195 Figura 8.4 Impactos do PBF A Figura 8.7 mostra a evolução dos beneficiários do PBF entre 2004 e 2021, em milhões. O programa começou com cerca de 4 milhões de famílias beneficiárias. Em 2021, o alcance havia se expandido para cerca de 14 milhões de famílias. O programa começou cobrindo cerca de 80 por cento dos 40 por cento mais pobres da população brasileira por distribuição de renda e, em 2019, já abarcava cerca de 90 por cento dessa mesma população. Os desafios enfrentados pelo programa em termos de cobertura, junto com a queda no valor real das transferências monetárias, deram início a um debate sobre o papel do programa como política anticíclica Relatório de Capital Humano no Brasil e o que fazer para torná-lo mais eficaz. Entre as questões discutidas estavam a possibilidade de expandir a cobertura do programa com base na demanda e o fato de o programa funcionar como estabilizador automático e política anticíclica contra a pobreza. Outra questão discutida foi como financiar o programa durante os períodos de recessão. A crise da COVID-19 e a implementação da intervenção temporária do Auxílio Emergencial reforçaram a necessidade de definir-se a maneira de financiar o PBF. O aumento da demanda pelo PBF e a aprovação do teto de gastos do Governo Federal no segundo semestre de 2020 levaram a discussões na mídia e entre autoridades governamentais sobre o redesenho do PBF e seu financiamento. O debate sobre a reforma do PBF concentrou-se em critérios de ampliação e outras atualizações do programa, bem como na definição do período de tempo durante o qual as famílias poderiam 196 ser beneficiárias do programa. Incluídas no debate estavam propostas para expandir a linha de pobreza para além de R$ 178 per capita e criar um mecanismo para ajustar essa métrica regularmente. Outro tema debatido foi a conveniência de introduzir benefícios variáveis, particularmente com relação aos montantes transferidos por criança/jovem adulto, além da existência de uma faixa etária (até 17 anos) e a vinculação com o desempenho escolar, por exemplo, estendendo o benefício para jovens adultos matriculados em cursos técnicos ou universitários até os 21 anos de idade. Na reforma do PBF, a questão não era apenas saber quem deveria receber a transferência de renda, mas também definir qual seria o valor concedido e em que circunstâncias. Fonte: Ministério da Cidadania, Figura 8.5 Cobertura do Bolsa Família, 2004–2020 O PBF foi encerrado em novembro de 2021 e substituído por um programa de TCR reestruturado chamado Auxílio Brasil. O programa introduziu quatro mudanças principais. Primeiro, simplificou a estrutura tradicional do PBF, combinando dois benefícios em nível de família em um benefício único baseado em renda mínima com uma estrutura de cima para baixo. Segundo, oferece benefícios generosos para famílias com crianças pequenas (de 0 a 3 anos) e estende a cobertura para adolescentes e jovens adultos de até 21 anos de idade que precisem de mais tempo para concluir o ensino médio. Terceiro, incentiva os jovens a ter um desempenho de excelência, recompensando o sucesso em competições escolares, no esporte e na ciência, bem como aumentos nas notas escolares. Finalmente, estimula a integração no mercado de trabalho ao: cobrir parcialmente os custos do cuidado infantil; permitir a realização de transferências não vinculadas aos CRAS para financiar a inclusão econômica; melhorar o direito de se inscrever novamente para receber o benefício ao mudar de faixa de renda; oferecer um adicional para pessoas que adquirem vínculos empregatícios formais; e ao fazer pagamentos para agricultores familiares (Caixa 8.7). Caixa 8.7 Relatório de Capital Humano no Brasil Auxílio Brasil: O TCR Que Substituiu o PBF O Auxílio Brasil é o programa de transferência condicionada de renda (TCR) que substituiu o PBF. O novo programa tem seis características que o diferenciam do PBF: 5. Benefício básico e linhas de pobreza: O Auxílio Brasil elevou a linha de extrema pobreza e a linha de pobreza total de R$ 89 e R$ 178 para R$ 100 (USD 21) e R$ 200 197 Caixa 8.7 (Continuação) (USD 42), respectivamente. Mantém a mesma estrutura de cima para baixo que o benefício do PBF para a superação da pobreza extrema, o que significa que todas as famílias beneficiárias receberão o necessário para alcançar a linha de pobreza extrema per capita. No entanto, a novidade do Auxílio Brasil é que ele estabelece um benefício de garantia de renda mínima por membro da família, enquanto no PBF havia no máximo cinco benefícios por família. 6. Estrutura simplificada: Em vez de três tipos de benefícios variáveis, no Auxílio Brasil existem apenas dois. O primeiro baseia-se na primeira infância, com um benefício de R$ 130 (USD 28) por criança (de 0 a 36 meses) e o segundo concede um benefício de R$ 65 (USD 14) para crianças, jovens e gestantes (de 3 a 21 anos) matriculados no ensino formal. A concessão dos benefícios do PBF, por outro lado, terminava aos 18 anos. 7. Limite de saída: O limite de saída do PBF estava vinculado ao salário mínimo e era atualizado com frequência. Com o tempo isso resultou em um aumento na disparidade entre a elegibilidade ao PBF, que não era atualizado com frequência, e o limite de saída. Sob o Auxílio Brasil, o limite de saída está vinculado à linha da pobreza, garantindo o mesmo padrão de entrada e saída do programa. No Auxílio Brasil, a regra de saída está vinculada à linha de elegibilidade, que chega a 2,5 vezes a linha de pobreza per capita. A regra permite que as famílias permaneçam no programa mesmo se a renda familiar exceder o limite, um mecanismo que confere estabilidade aos beneficiários, já que flutuações na renda ocorrem com frequência. Em última análise, a regra, entre outras coisas, busca incentivar a participação no mercado de trabalho. 8. Novos benefícios associados ao desempenho: O Auxílio Brasil traz novos incentivos para recompensar a excelência dos alunos, como bolsas esportivas para premiar alunos de 12 a 17 anos que tenham se destacado em competições escolares oficiais e bolsas científicas para alunos que tenham se destacado em competições acadêmicas e científicas de abrangência nacional. 9. Auxílio de inclusão produtiva: O Auxílio Brasil também estimula a integração no mercado de trabalho mediante um benefício pago por até 36 meses para famílias de agricultores familiares e um benefício urbano para beneficiários com vínculo de emprego formal, além do programa de Auxílio Criança Cidadã, que ajuda as famílias com crianças e 0 a 48 meses a pagar as despesas com creche. 10. Condicionalidades: Como o seu antecessor, o Auxílio Brasil mantém as condicionalidades de frequência escolar, imunização e acompanhamento pré-natal. Adicionalmente aos novos incentivos, o programa também teve a cobertura ampliada. O PBF já beneficiou 14,6 milhões de famílias e, segundo os registros, o Auxílio Brasil tinha alcançado 17,5 milhões de famílias no início de 2022. Relatório de Capital Humano no Brasil O Caminho à Frente Lidar com os atuais desafios enfrentados em cada etapa do ciclo de vida não é tarefa simples, pois exige: (i) capacidade de coordenação entre as jurisdições, (ii) ajustes nas políticas para adequar a capacidade de prestação de serviços dos programas com base nas necessidades de cada localidade, e (iii) uma abordagem multissetorial para a elaboração de intervenções abrangentes. A implementação do PBF e da 198 ESF é uma história de sucesso não só em termos dos resultados no desenvolvimento97, como também da eficácia da organização do governo brasileiro, em que o Governo Federal atua como provedor de estruturas de políticas que, por sua vez, são adaptadas, ajustadas e executadas pelos governos estaduais e municipais. Vários fatores aumentaram a urgência de enfrentarmos os desafios apresentados neste capítulo. As desigualdades no Brasil são generalizadas — começam no início do ciclo de vida, com a desigualdade de acesso à educação infantil, e continuam até o final do ciclo de vida, com a demanda crescente por serviços públicos relacionada ao envelhecimento da população. Complica ainda mais a situação o fato do Brasil ser um país altamente heterogêneo, cujas regiões têm necessidades diferentes e enfrentam problemas com intensidades diferentes. A necessidade de recuperar as perdas substanciais de capital humano causadas pela pandemia de COVID-19 aumenta ainda mais a urgência dos desafios. O desempenho do Brasil no Índice de Capital Humano é altamente dependente da redução da desigualdade no acesso e na qualidade dos serviços públicos, bem como da existência de oportunidades para desenvolver talento humano, melhorando o acesso à educação, ao mercado de trabalho e à vida cultural. A recuperação do ICH no pós-pandemia só será sustentada se forem sanadas as diferenças na qualidade da prestação de serviços públicos entre os municípios, particularmente para os grupos minoritários. O capítulo seguinte documenta políticas que tiveram bom desempenho em nível municipal e podem servir de modelo para outras regiões. Relatório de Capital Humano no Brasil 97   Aransiola et al. (2022). 199 Capítulo 9 Políticas Subnacionais de Desenvolvimento Humano Boas Práticas que Levam à Implementação de Políticas Sólidas Mensagens Principais  Os municípios implementam diversas políticas para aumentar o capital humano.  A maioria dos municípios coleta dados dos três setores sociais (educação, saúde, proteção social) e os monitora com sucesso.  O desafio para os municípios é usar efetivamente as informações no planejamento de políticas.  Parece haver uma escassez geral de profissionais de atenção primária à saúde especializados em desnutrição, bem como de professores com experiência em práticas de alfabetização na primeira infância.  Todos os setores reconhecem a importância das políticas multissetoriais. No entanto, eles expressaram dificuldades em implementá-las. Há uma demanda por procedimentos formalizados com objetivos e responsabilidades claros.  Os setores de educação, saúde e proteção social devem promover a formação e educação continuada do pessoal.  Os municípios com melhor desempenho executam práticas que devem ser replicadas. Este capítulo apresenta práticas e procedimentos bem-sucedidos em nível municipal que podem servir de modelos para orientar as políticas públicas com o fim de alcançar as metas de desenvolvimento humano. A discussão está centrada em duas áreas de ação: (i) qualidade da prestação de serviços e (ii) criação de um ambiente propício para melhores resultados. A qualidade da prestação de serviços públicos é altamente dependente de um ambiente propício para a implementação de políticas. Um ambiente propício é aquele em que o governo é capaz de moldar e regular as condições sob as quais as políticas são fornecidas e acessadas. A qualidade da prestação de serviços também depende de suportes, como infraestrutura e processos formalizados, e é amplamente moldada pela competência dos prestadores de serviços e sua adesão às práticas estabelecidas. Para fundamentar a análise, este capítulo contém dados intermunicipais e intersetoriais para descrever o ambiente gerencial da implementação de políticas públicas em nível municipal no Brasil. A coleta de dados foi feita por meio de uma pesquisa qualitativa com funcionários do governo considerando o ambiente de gestão de políticas dos três principais setores associados ao Índice de Capital Humano (ICH): educação, saúde e assistência social. O objetivo da pesquisa foi coletar dados sobre as restrições institucionais e configurações existentes para a implementação de políticas públicas. As perguntas da pesquisa visaram capturar o ambiente propício e a qualidade da prestação de serviços públicos. O desenho da pesquisa considerou os subcomponentes do ICH (sobrevivência infantil, sobrevivência adulta, baixa estatura, anos de escolaridade e resultados de testes harmonizados) e o questionário foi aplicado a servidores das Secretarias de Saúde e de Educação, órgãos que influenciam diretamente esses subcomponentes. As informações também foram coletadas nas Secretarias de Assistência Social, uma vez que esses escritórios integram a rede de proteção social básica brasileira e podem afetar transversalmente o desempenho geral do ICH. A primeira parte deste capítulo apresenta a metodologia da pesquisa e suas dimensões. A segunda parte apresenta os resultados em cada setor (educação, saúde e assistência social) e avalia as diferenças de desempenho observadas em cada setor. Depois, há um diagnóstico do desempenho dos outliers (pontos fora da curva) por meio de entrevistas com grupos focais. Esta seção também apresenta dados sobre alguns dos desafios que os municípios enfrentaram durante a crise de COVID-19 e o que conseguiram fazer para mitigar seu impacto. Por fim, este capítulo reflete sobre o ambiente propício e a qualidade da prestação de serviços para os municípios brasileiros com base na resposta de cada setor. Pesquisa Subnacional A Bússola do Índice de Capital Humano - Human Capital Index Compass - (World Bank, 2020b) fornece um guia para avaliar o progresso no desempenho do ICH e considera o contexto institucional e gerencial em dois níveis: o ambiente propício e a qualidade da prestação de serviços. A metodologia da Bússola do ICH identifica áreas amplas ligadas ao bom desempenho de ICH que considera o contexto único de cada país. A estrutura da Bússola do ICH orientou o processo de coleta de informações em nível municipal. Ao todo, 27 capitais municipais Relatório de Capital Humano no Brasil foram consultadas para identificar e descrever os principais impedimentos ao desenvolvimento do capital humano em seus círculos eleitorais. Essas capitais estão entre os maiores municípios do país, e os dados coletados revelam as práticas típicas dos governos locais com maior capacidade. A pesquisa subnacional do Brasil teve 49 Figura 9.1 questões abertas e 51 questões fechadas Capitais que Participaram da Pesquisa 202 relacionadas à educação, saúde e proteção social (veja o questionário completo no Anexo 1). Além de trazer informações sobre ações específicas em áreas diretamente relacionadas ao desempenho do ICH, as respostas agregadas revelaram a execução de cada setor e a existência de práticas, normas e procedimentos gerais. Os dados foram coletados entre abril e agosto de 2021. Das 27 capitais, 23 participaram da pesquisa, das quais 21 responderam integralmente e duas responderam parcialmente ao questionário, conforme mapa abaixo. Dimensões da Pesquisa A metodologia da Bússola do ICH inspirou o desenho da pesquisa enviada às capitais brasileiras. A metodologia ajuda a identificar procedimentos e práticas de políticas públicas com potencial para melhorar o desempenho do ICH. Ao todo, as categorias avaliadas podem ser separadas em três áreas que formam a base da gestão de políticas públicas: (i) recursos, (ii) coleta e monitoramento de dados e (iii) uso de informações diretamente relacionadas ao ambiente propício. Ambiente Propício Um ambiente propício é aquele em que os custos e as práticas de organização permitem o planejamento e a execução de políticas eficazes: a. Marco legal e políticas: Medidas legais e políticas públicas podem criar um espaço para melhorar o uso dos serviços. Por exemplo, as reformas necessárias apresentadas na seção anterior referem-se a ações que afetam diretamente a capacidade do governo de atingir sua população. b. Financiamento: O investimento público nos setores de desenvolvimento humano é fundamental para melhorar os resultados do capital humano. Muitas das intervenções mais rentáveis para o desenvolvimento do capital humano acontecem nos níveis primários de atenção, como a educação básica, a saúde primária e a assistência social. c. Capacidade do governo de gerenciar: Esse elemento está relacionado à capacidade do governo de planejar e gerenciar os esforços de políticas. Sistemas públicos de alto desempenho dependem de dados e evidências para ajustar a prestação de serviços, informar políticas e tomar decisões operacionais. Inclui prestação de contas, transparência e outros mecanismos para impor padrões de qualidade na conversão de recursos em resultados de capital humano. Qualidade da Prestação de Serviços Mesmo quando há correspondência entre a demanda e o alcance do serviço público, a má prestação de serviços afeta os resultados de capital humano. A qualidade dos serviços que as pessoas recebem depende da qualidade dos prestadores, da disponibilidade de infraestrutura e do uso das informações fornecidas. Os aspectos aqui considerados dizem respeito à capacidade dos governos de identificar e alcançar comunidades pobres e marginalizadas por meio de suas políticas de intervenção. A maturidade das políticas que estabelecem padrões de qualidade e os mecanismos de monitoramento para garanti-las determinarão a taxa de conversão de recursos em desempenho de capital humano. A qualidade da prestação de serviços é onde políticas, marcos legais, estruturas de financiamento e a capacidade geral do governo manifestam sua eficácia. A qualidade do serviço foi avaliada de três maneiras: a. Disponibilidade de protocolos, informações e infraestrutura: Esses elementos fornecem Relatório de Capital Humano no Brasil meios físicos e orientação sobre padrões para a implementação de políticas. Compreender o que está disponível para os prestadores de serviços possibilita melhorar as condições dos serviços prestados e serve como indicativo da qualidade do serviço. b. Competência dos prestadores de serviços: Se refere ao conhecimento dos prestadores de serviços e sua capacidade de se engajar em seu trabalho. Por exemplo, a experiência dos profissionais da atenção primária tem um papel essencial na identificação e no fornecimento de tratamento medicamentoso e aconselhamento a pessoas com doenças não transmissíveis. Em um contexto educacional, as competências pedagógicas dos professores e o domínio do conteúdo, bem como 203 as habilidades de gestão dos diretores, são fundamentais para a aprendizagem dos alunos. Num contexto de serviços sociais, as competências de comunicação dos assistentes sociais determinam o sucesso das intervenções familiares e parentais baseadas em aconselhamento. c. Prática dos prestadores de serviços e adesão aos protocolos: Refere-se aos esforços dos prestadores para seguir procedimentos e protocolos de serviços, atender aos padrões de qualidade e fazer o acompanhamento junto aos usuários dos serviços. A adesão aos protocolos impacta diretamente na capacidade do governo de medir, monitorar e planejar políticas públicas. Resultados da Pesquisa As respostas foram sistematizadas considerando-se categorias amplas para cada setor. As porcentagens apresentadas nas figuras ao longo deste capítulo representam as capitais que responderam positivamente às questões (Figuras 9.2 a 9.21). Educação As questões educacionais abordaram a autonomia da escola, bem como a capacidade da gestão estadual de dar suporte e direcionamento à sua rede de ensino. As questões também visavam identificar se o município monitora e utiliza dados para informar as decisões tomadas na gestão de sua rede de ensino, do nível micro ao macro. Além de focar nos procedimentos da política educacional, a pesquisa também incluiu perguntas sobre os esforços para enfrentar a evasão escolar e práticas positivas de planejamento e monitoramento que melhoram o desempenho do sistema escolar, como as observadas em Sobral, no Ceará (ver Caixa 9.1). Caixa 9.1 O Caso de Sobral Apesar das condições socioeconômicas adversas, Sobral, um município cearense, tem apresentado desempenho consistentemente destacado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Sobral tem 200.000 habitantes e está localizado no Ceará, o estado com o quinto menor PIB per capita do Brasil. Entre 2007 e 2017, o município aumentou em 60 pontos percentuais a proporção de alunos do ensino fundamental com desempenho de aprendizagem adequado e alto, conforme refletido nos resultados do exame nacional do IDEB. Tanto para os resultados do ensino fundamental 1 quanto para o fundamental 2, os alunos de Sobral atingem níveis mais altos de aprendizado em comparação a seus pares de nível socioeconômico semelhante. Apesar de todas as escolas de Sobral estarem nos níveis 2 e 3 de desenvolvimento socioeconômico, elas estão no topo da distribuição nesses níveis, e os resultados dos alunos superam muitas escolas com características socioeconômicas mais altas (Loureiro & Cruz, 2020). A educação pública em Sobral tem uma meta: todo aluno deve concluir o ensino fundamental na idade certa e com aprendizagem adequada. O município obteve sucesso priorizando o aprendizado, estabelecendo metas claras dentro da comunidade escolar e monitorando o Relatório de Capital Humano no Brasil progresso. No geral, o município adotou sete objetivos principais para atingir essa meta: (i) promover a alfabetização no 1o ano; (ii) garantir que as crianças do 2º ao 4º ano sejam capazes de ler através de recuperação; (iii) eliminar a distorção idade-série; (iv) reduzir as taxas de abandono escolar para menos de cinco por cento das matrículas; (v) expandir a ECE; (vi) reestruturar o ensino fundamental 2; e (vii) oferecer educação de jovens e adultos (Loureiro et al., 2020). Além disso, o município organizou a política educacional em quatro pilares: avaliação dos alunos, competência em habilidades fundamentais, motivação do professor e gestão escolar autônoma. 204 Caixa 9.1 (Continuação) O município também implementou um programa eficaz de avaliação dos alunos, introduziu um sistema de monitoramento e avaliação em que os resultados de aprendizagem dos alunos informaram as intervenções pedagógicas e monitorou de perto a frequência dos alunos e professores. Além disso, o município estabeleceu um currículo focado, com uma sequência de aprendizagem clara, priorizando habilidades fundamentais. Por exemplo, Sobral estabeleceu um conjunto de estratégias de aprendizagem para garantir que todos os alunos aprendessem a ler até o final do 2º ano e ofereceu aos alunos ainda não alfabetizados do 3º ao 5º ano acesso a apoio adicional para alfabetização. O município também preparou e motivou professores. A formação de professores em Sobral promove uma sólida compreensão dos currículos e objetivos de aprendizagem e o uso de materiais didáticos estruturados. O município oferece planos de aula estruturados para ajudar os professores a adquirir uma rotina de sala de aula. Há também uma intervenção de observação em sala de aula para dar feedback aos professores com o objetivo de fortalecer sua prática de ensino. Finalmente, o município buscou implementar uma gestão escolar autônoma e responsável. Por exemplo, os diretores das escolas são nomeados por meio de um processo de seleção meritocrático e técnico. A nomeação de profissionais qualificados para liderar as escolas é a base da independência pedagógica, administrativa e financeira. Sobral também criou um fundo que garante às escolas recursos para pagar por serviços públicos como eletricidade e água, manutenção e pequenos reparos (Holanda et al., 2020; Lautharte et al., 2021). A Secretaria de Educação também apoia as escolas na gestão escolar e nas práticas pedagógicas. A equipe da secretaria visita regularmente as escolas e se reúne com o diretor e com o coordenador pedagógico para discutir a aprendizagem dos alunos e o desenvolvimento profissional dos professores. Sobral é um caso de sucesso devido ao seu compromisso com um conjunto de boas práticas e a um alto nível de compromisso político com as reformas educacionais, que incluem diagnóstico de aprendizagem, objetivos de aprendizagem e oferta de formação de professores (Loureiro et al., 2020). Para reproduzir o sucesso de Sobral, o passo mais importante é garantir que os governadores não apenas estejam dispostos a se comprometer com as reformas educacionais, mas também que tenham a capacidade de dialogar com diversas partes interessadas. As avaliações de aprendizagem dos alunos com notas baixas são outro passo que deve ser tomado para detectar problemas fundamentais e estabelecer uma linha de base das metas de aprendizagem. Os resultados da linha de base podem, então, ser comunicados aos professores e pais para aumentar a conscientização sobre questões emergentes e para apoiar os professores a abordá- las por meio de treinamento em serviço. Uma vez estabelecidas essas metas, a aprendizagem dos alunos pode ser aprimorada por meio do monitoramento e fortalecimento do desempenho dos professores, bem como do ajuste do planejamento pedagógico e das práticas de gestão nos níveis escolar e municipal (Lautharte et al., 2021; Loureiro & Cruz, 2020). Relatório de Capital Humano no Brasil Na educação, as respostas da pesquisa sobre a capacidade de gestão do governo foram agrupadas em “coleta de dados”, “uso da informação” e “processo de seleção de diretores”. Essas três categorias oferecem informações sobre o uso de dados de cada governo para ajustar a prestação de serviços e a organização dos procedimentos operacionais com base em critérios imparciais/parciais. Em relação aos procedimentos padrão formalizados e à infraestrutura, as respostas da pesquisa foram classificadas em “suporte de rede” e “adaptação curricular”. No que diz respeito à competência dos prestadores, a “aprendizagem ao longo da vida” apresenta informação relativa à formação e educação dos prestadores de serviços. 205 Figura 9.2 Pesquisa Educacional As perguntas da pesquisa também examinaram a existência de procedimentos para garantir a adaptação às necessidades do contexto, como adaptar o conteúdo curricular para os alunos indígenas ou ter uma certa autonomia na alocação de recursos financeiros para a manutenção da escola. Os resultados foram apresentados em suporte de rede e adaptações curriculares. De acordo com as respostas gerais, os principais problemas autorrelatados dizem respeito à falta de protocolos, informações e infraestrutura suficientes. A maioria das capitais estudadas adere a programas federais e monitora os dados pelo menos anualmente. No entanto, existem lacunas no processo de acompanhamento do monitoramento, como a sistematização dos dados e sua utilização. As respostas da pesquisa revelam a ausência de um processo formalizado de uso de dados, a falta de capacidade dos prestadores de serviços de transformar dados em informações que possam ser usadas e a inação por parte dos governos em oferecer uma plataforma para armazenar e usar dados relevantes. Quando questionados sobre os maiores desafios enfrentados por sua rede antes da pandemia de COVID-19, os secretários de educação consultados citaram questões relacionadas à (i) adequação da infraestrutura escolar durante as aulas, (ii) falta de conhecimento dos professores em relação à alfabetização infantil, (iii) lidar com abandono escolar e (iv) garantir a cobertura da educação infantil. Coleta de Dados As perguntas da pesquisa relacionadas à coleta e ao monitoramento de dados foram elaboradas para identificar o tipo de dados que as escolas coletam com base na orientação da rede. A maioria dos entrevistados relatou que suas escolas monitoram o desempenho dos alunos, o absenteísmo dos professores e a qualidade da merenda escolar. A principal diferença entre os municípios é a frequência das atividades de monitoramento, variando de mensal a anual. A pesquisa revelou que as escolas geralmente têm protocolos de coleta de dados, mas que o uso dos Relatório de Capital Humano no Brasil dados ainda precisa de mais orientação. Considerando as taxas de abandono escolar, 100 por cento dos municípios pesquisados Figura 9.3 afirmaram apoiar sua rede para reduzir o índice de abandono. No Variáveis Monitoradas na Educação entanto, menos da metade usa um sistema de dados em toda a rede educacional para monitorar o abandono escolar. Atualmente, não existe uma abordagem sistemática para o abandono escolar, o que deixa a resolução do problema a cargo de cada escola individualmente, indicando uma falta de coordenação na abordagem do abandono escolar. Os municípios afirmaram ser capazes de identificar rapidamente quando um aluno demonstra probabilidade de abandonar a escola. Apesar disso, o desafio mais comum é contatar os alunos ou suas famílias após a 206 constatação do abandono escolar. A persistência desse desafio indica a falta de protocolos, processos e procedimentos para (i) acompanhar famílias e alunos e (ii) identificar e abordar questões relacionadas à decisão dos alunos de abandonar a escola. Em outras palavras: a rede escolar tem informações, mas não tem um plano de acompanhamento após a coleta dessas informações (ver Caixa 9.2). Uso de Informações O uso das informações revela como as redes usam os dados para ajustar a prestação de serviços. Quando se trata de usar os dados coletados, a maioria dos secretários de educação (82,6 por cento) afirmou usar os dados para adequar os programas com base nas necessidades de sua rede e definir o desempenho escolar. Em menor grau, 65,2 por cento dos municípios afirmaram usar dados para alocar recursos. Um percentual ainda menor da rede utiliza dados para avaliar o Figura 9.4 desempenho de professores e diretores, o que mostra que é Uso de Dados da Rede incomum para as redes de ensino avaliar seus funcionários. Isso, por sua vez, se reflete na capacidade da rede de implementar programas de incentivos relacionados ao desempenho dos profissionais, revelando um problema geral relacionado à capacidade do governo de gerir funcionários. Caixa 9.2 Abandono Escolar: Sistema de Alerta Preventivo O abandono é um processo de desengajamento que apresenta sinais de alerta preventivo. Embora os sistemas de alerta preventivo sejam amplamente utilizados nos EUA e em países europeus de alta renda, poucos países de renda média e baixa implementaram tal sistema (Haimovich et al., 2021; O’Cummings & Therriault, 2015). No Brasil, estima-se que 1,1 milhão de crianças e adolescentes estavam fora da escola em 2019. A Guatemala teve sucesso com a implementação de um programa piloto de sistema de alerta preventivo projetado para reduzir as taxas de abandono na transição do ensino fundamental para o ensino médio. Esse programa foi denominado Estrategia Nacional para la Transición Exitosa (ENTRE, Estratégia Nacional para a Transição Bem Sucedida). Conforme descrito em Haimovich et al. (2021) e Adelman et al. (2018), o programa emprega três estratégias principais: a. Educar os funcionários da escola sobre estratégias eficazes em evitar o abandono escolar: Este componente envolve um treinamento de meio turno para diretores de escolas e professores do sexto ano sobre métodos baseados em evidências para apoiar os alunos na transição do ensino fundamental para o ensino médio. O treinamento apresenta os desafios que os alunos enfrentam na continuação da escola, desde a falta de motivação e apoio familiar a restrições financeiras e fraco Relatório de Capital Humano no Brasil desempenho acadêmico. O treinamento também informa os funcionários da escola sobre a importância de evitar-se a estigmatização dos alunos. b. Fornecer informações aos professores sobre como identificar os alunos mais propensos ao abandono escolar: Este componente inclui uma lista fornecida pelo governo que indica os alunos que estão em alto risco de abandono na transição do ensino fundamental para o ensino médio. A lista de cada escola é obtida por meio de uma regressão linear combinada com um algoritmo, usando dados de painel administrativo sobre os alunos. O modelo utilizado no ENTRE é capaz de identificar 82 207 Caixa 9.2 (Continuação) por cento dos alunos do 6º ano que irão abandonar a escola no ano seguinte. Os dados são compartilhados apenas com os diretores das escolas. c. Lembrar os funcionários da escola de priorizar a identificação de alunos propensos ao abandono nos primeiros anos do ensino fundamental: O terceiro elemento envolve orientações, ou cinco lembretes mensais, enviados aos diretores das escolas que visam priorizar o risco de abandono escolar, incentivando-os a adotar estratégias de prevenção. O ENTRE reduziu a taxa de abandono na transição do ensino fundamental para o ensino médio em 4 por cento entre as escolas participantes do programa, mostrando um caminho para uma intervenção bem-sucedida para países de renda média (Haimovich, 2021; Adelman, 2018). Processo de Seleção de Diretores A forma como as redes escolares formalizam o processo de seleção de diretores informa a tomada de decisão e está relacionada à capacidade do governo de coordenar a gestão escolar. Em todos os municípios, há uma variedade de abordagens para selecionar diretores de escolas. A abordagem mais comum (43,5 por cento) é que os secretários municipais de educação façam a nomeação política dos diretores. O segundo procedimento mais comum (30,4 por cento) é o processo seletivo, com o voto da comunidade escolar. Algumas evidências apontam que escolas que selecionam seus diretores por meio de processos seletivos transparentes/técnicos (vinculados a “concurso público”, “eleição” e/ou “indicação por equipe técnica”) geram resultados desejáveis, como ter diretores que ficam mais tempo no cargo e que tenham características positivas de liderança (como incentivar os professores a buscar educação continuada). Em contrapartida, os diretores indicados politicamente pelas secretarias geralmente têm demonstrado não possuir essas Figura 9.5 características (Pereda et al., 2019; Assis & Marconi, 2021). Processo de Seleção de Diretores Suporte de Rede O suporte de rede refere-se a procedimentos ou protocolos formalizados fornecidos a cada escola para a execução da prestação de serviços. Apenas 17 por cento das secretarias municipais pesquisadas afirmaram que as escolas de suas redes são totalmente responsáveis por seu currículo. Ou seja, Relatório de Capital Humano no Brasil 83 por cento dos municípios oferecem algum tipo de apoio, como o fornecimento de materiais, modelos ou orientações para adequar seus projetos pedagógicos. Quando questionados sobre as providências para atender às necessidades de infraestrutura das escolas, 65,2 por cento dos secretários municipais de educação afirmaram que suas escolas têm autonomia para planejar as atividades de manutenção escolar. Nas questões relacionadas ao financiamento, 60,9 por cento Figura 9.6 afirmaram que as escolas da sua rede têm autonomia financeira Suporte de Rede 208 e 91,3 por cento declararam que as escolas da sua rede têm liberdade para promover projetos temáticos e atividades extracurriculares. Adaptação Curricular As preocupações de adaptação curricular revelam o nível de apoio dado às necessidades de aprendizagem específicas do contexto das escolas. Em relação à adaptação do ensino, 56,5 por cento dos municípios oferecem programas à sua rede com base em três necessidades comuns de adaptação: alunos com baixo desempenho, necessidades de desenvolvimento e educação indígena. Entre os municípios pesquisados, 4,3 por cento oferecem apenas adaptações curriculares para alunos de baixo desempenho e 30,4 por cento oferecem apenas apoio à adaptação curricular para necessidades de desenvolvimento. Nenhum município pesquisado oferece suporte exclusivo de adaptação curricular para alunos indígenas. Extensas pesquisas indicam que a adaptação do ensino às necessidades dos alunos é potencialmente transformadora, especialmente para os mais vulneráveis, e que tem efeitos positivos na aprendizagem. Um exemplo de uma política bem-sucedida deste tipo é o Teaching at the Right Level (TaRL, Caixa 9.3) (Banerjee et al., Figura 9.7 2016; Banerjee et al., 2010; Banerjee et al., 2007). Adaptação Curricular Caixa 9.3 Teaching at the Right Level Teaching at the Right Level (Ensinando no Nível Certo) é uma metodologia desenvolvida pela Pratham, uma ONG sediada na Índia, e implementada em mais de 16 países. A principal característica dessa abordagem pedagógica é que os alunos com baixo desempenho são agrupados de acordo com seu nível de conhecimento, independentemente de sua idade ou série, e são expostos a uma série de atividades de aprendizado envolventes sobre conceitos básicos de linguagem e matemática. O progresso do aluno é constantemente monitorado e os alunos são reagrupados de acordo (Banerjee et al., 2016; Banerjee et al., 2017; Duflo, 2017; Nickow et al., 2020). O programa tem quatro dimensões estruturantes: • Equipes de implementação: Essas equipes são responsáveis por coordenar o programa, ensinar os alunos, monitorar a implementação e melhorar as atividades do programa. Em geral, existem três equipes: a equipe de coordenação, os mentores e os instrutores. • Avaliação do aluno: Cada avaliação começa estabelecendo as habilidades necessárias. O foco é identificar as habilidades fundamentais que faltam aos alunos. Relatório de Capital Humano no Brasil Os instrutores usam os resultados da avaliação para criar grupos de alunos com necessidades de aprendizado semelhantes e usam atividades adequadas a cada nível para ajudar as crianças a aprender. Evidências internacionais sugerem que os impactos na aprendizagem são maiores em grupos de três a cinco alunos. • Metodologia: Depois que as lacunas são avaliadas e os alunos são agrupados, as atividades de orientação começam. Essas atividades não visam substituir o professor no trabalho em sala de aula. Em vez disso, os mentores reforçam o foco 209 Caixa 9.3 (Continuação) nas dificuldades fundamentais dos alunos e os envolvem em atividades criativas e divertidas voltadas para o aprendizado dessas habilidades. Evidências sugerem que professores certificados que não fazem parte do corpo docente da escola regular produzem os melhores impactos como mentores. • Medição e monitoramento: Os instrutores avaliam regularmente os alunos e medem seu progresso individualmente para que possam ser reagrupados de acordo com seu progresso individual. O acompanhamento é uma parte fundamental do impacto da tutoria personalizada. A coleta frequente de dados é essencial para acompanhar o desenvolvimento dos alunos com dificuldades de aprendizagem e garantir a qualidade das atividades propostas. O monitoramento garante uma medida clara para informar ações futuras e melhorias do programa. Os pesquisadores testaram diferentes formatos de tutoria personalizada do TaRL em países como Chile, Botsuana, Zâmbia e Índia, e os impactos permanecem consistentes. Na Índia, estudos controlados randomizados mostraram que o número de crianças capazes de ler um parágrafo dobrou após 50 dias de implementação das estratégias personalizadas de tutoria (Banerjee et al., 2016). Na Nigéria, os alunos eram 31 por cento mais propensos a ler um parágrafo inteiro e 41 por cento mais aptos a entender frações após 180 horas de tutoria (Nugroho et al., 2020). Da mesma forma, em Botsuana, a tutoria personalizada reduziu o número de alunos sem habilidades matemáticas básicas em 21 por cento (Youth Impact, 2022). No Chile, houve um aumento do desempenho linguístico dos alunos da quarta série do ensino fundamental. Em termos de implementação, a característica fundamental é a flexibilidade, essencial ao sistema educacional brasileiro. É importante enfatizar que as intervenções do TaRL são uma generalização do conceito da política. Cada implementação é um pouco diferente, pois são adaptadas ao contexto de seu país e adaptam o ensino às necessidades dos alunos. Os programas de alfabetização na primeira infância também são adaptações curriculares que ajudam a garantir a qualidade e os padrões relacionados ao desenvolvimento da primeira infância. Com relação aos programas de alfabetização na educação infantil, 69,6 por cento dos municípios pesquisados aderem ao programa federal existente. Os entrevistados observaram que o maior desafio para a implementação de um programa de alfabetização infantil é a competência dos prestadores de serviço, ou seja, os professores não possuem expertise em técnicas de alfabetização infantil, embora a maioria dos municípios tenha relatado ter formação de professores em alfabetização infantil. Esse descompasso entre ação e expectativas revela que os esforços não foram suficientes ou bem implementados para a alfabetização na primeira infância. Por outro lado, alguns municípios relataram iniciativas positivas na gestão de políticas públicas voltadas à melhoria da alfabetização na primeira infância. Por exemplo, Fortaleza vem usando o programa de Alfabetização na Idade Certa do estado do Ceará, conhecido como Pacto pela Alfabetização na Idade Certa (PAIC), desde 2007. Em suma, o programa fornece material estruturado e apoio técnico às secretarias municipais de educação nas áreas de formação de professores, acompanhamento da aprendizagem, gestão educacional, educação infantil e leitura. O estado também fornece ferramentas de avaliação Relatório de Capital Humano no Brasil diagnóstica para os municípios se inscreverem nos dois primeiros anos do ensino fundamental (quando as crianças têm seis e sete anos) e conduz uma avaliação padronizada anual ao final do segundo ano. Estudos sugerem que o programa melhora o desempenho dos alunos em português e matemática na vida adulta. É necessária uma investigação mais aprofundada sobre o impacto do programa na lacuna observada entre os alunos que frequentaram e aqueles que não frequentaram instituições de educação infantil (Costa & Carnoy, 2015). O programa incentiva a avaliação/diagnóstico, treinamento e ação/intervenção combinando mecanismos de recompensa financeira e bonificação para incentivar as escolas a ensinar as crianças a ler até a segunda série. O estado de São Paulo também implementa um sistema de monitoramento da gestão pedagógica que coleta dados para determinar a qualidade da alfabetização na primeira infância. O sistema 210 chama-se Ler e Escrever. Semelhante ao PAIC, o programa oferece material didático para alunos, guias para professores, treinamento semanal de professores e protocolos de monitoramento de aprendizagem.98 As iniciativas de Fortaleza e São Paulo incluem as melhores práticas na política educacional, monitorando os resultados da formação permanente de professores e os impactos na qualidade da prestação de serviços. Esses municípios estabeleceram protocolos e disponibilizaram financiamento para as escolas implementarem procedimentos padrão. Embora a maioria dos municípios monitore o abandono escolar, eles geralmente não possuem protocolos ou procedimentos para se comunicar com as famílias de seus alunos. As redes podem se beneficiar de procedimentos formalizados que sirvam de orientação para abordar os desafios mais comuns da educação, como o abandono. Infraestrutura Escolar Em relação à infraestrutura escolar, a maioria dos municípios pesquisados relatou que os principais desafios são adequar os prédios de acordo com as normas técnicas e realizar reformas concomitantes dentro do ano letivo. Oitenta e sete por cento das redes escolares dos municípios apontaram a existência de um programa dedicado à adequação da infraestrutura escolar às necessidades dos alunos e funcionários. Em termos de disponibilidade de acesso à Internet para seus funcionários e alunos, 91,3 por cento aderiram ao programa federal de fornecimento de Internet. No entanto, a maioria dos municípios teve dificuldades em garantir acesso à Internet em escolas localizadas em áreas marginalizadas ou remotas. Figura 9.8 Infraestrutura Escolar Aprendizagem ao Longo da Vida A disponibilidade de oportunidades e recursos de aprendizagem ao longo da vida para professores e funcionários da escola influencia sua capacidade de adaptação às necessidades dos alunos. A maioria das redes escolares oferece oportunidades de aprendizagem ao longo da vida em conteúdos de educação infantil para professores e funcionários, além de fornecer treinamento para diretores e professores. Quando se trata de atender às necessidades dos alunos com deficiência, 95,7 por cento dos municípios disponibilizam um plano de formação permanente para seus professores. Entre os municípios pesquisados, 56,5 por cento informaram oferecer oportunidades de aprendizagem ao longo da vida aos funcionários das escolas em áreas vulneráveis e 34,8 por cento forneceram formação específica em educação indígena. Saúde As questões da pesquisa relacionadas à saúde visavam Relatório de Capital Humano no Brasil abranger dois fatores diretamente ligados à formação de capital humano: atenção à primeira infância e gravidez na adolescência. Esses fatores afetam diretamente os anos de escolaridade das meninas. Os investimentos nos primeiros anos Figura 9.9 são cruciais para a produtividade dos adultos. Intervenções Plano de Aprendizagem ao Longo da Vida focadas em boa saúde, nutrição completa etc. nos primeiros O governo estadual financia a impressão e entrega do material didático e a prova padronizada no final do segundo ano. Cada 98  município é responsável por organizar sua formação de professores, enquanto o estado fornece os instrutores 211 Figura 9.10 Pesquisa de Saúde anos de vida mostraram trazer benefícios ao longo da vida e intergeracionais (World Bank, 2021c; Tanner et al., 2015). A gravidez na adolescência é um fator que potencialmente contribui para que as meninas fiquem presas em um ciclo de pobreza e baixa escolaridade, resultando em pior desempenho do capital humano devido ao menor tempo na escola (Santos et al., 2017; Chaaban & Cunningham, 2011). As respostas às perguntas do setor de saúde na pesquisa foram organizadas em quatro temas: (i) capacidade de gestão do governo, que é sua capacidade de planejar e executar políticas críticas de saúde relacionadas ao desenvolvimento da primeira infância (DPI) e gravidez na adolescência; (ii) rede de apoio e adesão a programas federais, que se referem ao estabelecimento de procedimentos padronizados formalizados; e (iii) aprendizagem ao longo da vida, que se refere à disponibilidade de treinamento e educação para aprimorar a competência dos prestadores de serviços de saúde. O problema mais comum no setor saúde está relacionado à capacidade de gestão do governo. Os serviços de saúde municipais muitas vezes encontram desafios na adesão do público às diretrizes de saúde pública. Esses desafios indicam a necessidade de estratégias de comunicação mais fortes para incentivar a adesão e participação do público (por exemplo, o Brasil geralmente tem uma forte adesão às campanhas de vacinação, no entanto, isso não aconteceu no lançamento da vacina contra o HPV). O ambiente geral em que os serviços de saúde operam apresenta desafios na execução das ações ordenadas pelos municípios, e o Governo Federal não ofereceu políticas ou soluções operacionais adequadas para ajudar a enfrentá-los. Também é comum os municípios informarem que não possuem prestadores de serviço competentes para ações específicas como promover o aleitamento materno ou identificar casos de desnutrição infantil. Com efeito, são poucos os municípios que dispõem de um plano de formação permanente para os seus profissionais da saúde. Capacidade do Governo para Gerenciar Esta seção apresenta informações sobre planejamento e Relatório de Capital Humano no Brasil gestão em instituições estaduais com foco em áreas críticas para o desempenho do ICH: planejamento de políticas, DPI e prevenção da gravidez na adolescência. Na pesquisa, 100 por cento dos municípios informaram ter um plano formalizado e metas para suas redes de saúde. Quando questionados se tinham um plano de monitoramento da qualidade de serviço e robustez de sua rede, 76,2 por cento responderam afirmativamente. Esses planos de monitoramento Figura 9.11 incluem a avaliação e mensuração de resultados e indicadores Capacidade do Governo para Gerenciar 212 de saúde e consideram: (i) a capacidade das equipes de conduzir atividades de avaliação, (ii) condições de trabalho, (iii) procedimentos formais e (iv) a estrutura geral de estabelecimentos de saúde. Quando questionados sobre a promoção de atividades de planejamento do parto e assistência ao parto, 90,5 por cento dos municípios responderam positivamente. Em relação à desnutrição infantil, 81 por cento responderam que tinham protocolos ou um programa para identificar e resolver o problema. Os municípios afirmaram que suas principais dificuldades na implantação de um programa de planejamento da assistência ao parto são (i) estabelecer processos de referência e contrarreferência entre as unidades básicas responsáveis pela realização do pré-natal e hospitais e maternidades e (ii) avaliar as gestações de alto e baixo risco e suas necessidades. Em relação à gravidez na adolescência, mais de 80 por cento dos municípios informaram que promovem ações para sua redução (ver Caixa 9.4 para detalhes). Sobre planejamento familiar, 85,7 por cento dos municípios pesquisados indicaram oferecer ações de apoio nessa área. Caixa 9.4 Programas de Gravidez na Adolescência Há evidências robustas mostrando que as políticas que visam ampliar o conjunto de oportunidades para as mulheres e fortalecer sua capacidade de controlar suas próprias vidas são mais eficazes na redução do risco de gravidez na adolescência. Além disso, as intervenções destinadas a conscientizar as adolescentes sobre os custos e benefícios da atividade sexual desprotegida podem ser eficazes. Programas bem-sucedidos incluem informações específicas e acionáveis sobre o risco de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) (Azevedo et al., 2012; Santos, et al., 2017). A pesquisa baseada em evidências aponta quatro práticas eficazes que devem ser consideradas ao se desenhar intervenções para prevenir a gravidez na adolescência: • Aumentar o acesso aos serviços de saúde e aos anticoncepcionais: Tais programas têm efeitos positivos, especialmente entre as populações vulneráveis. • Aumentar o custo de oportunidade da gravidez: Intervenções como transferência de renda condicionada e subsídios escolares permitem que os adolescentes permaneçam na escola, além de reduzir as taxas de gravidez precoce. • Aumentar a conscientização entre os adolescentes: Os adolescentes podem mudar seu comportamento sexual em resposta às informações fornecidas. O sucesso depende do canal (mídia de massa ou por meio de programas escolares) e da mensagem (uso de anticoncepcionais). • Promover as aspirações dos adolescentes: A orientação técnica e vocacional pode retardar a gravidez precoce. A estrutura geral do programa pode variar. Os programas podem ser oferecidos pela própria escola, no horário regular ou estendido, podem incluir elementos educacionais de pares ou podem ser ministrados exclusivamente por profissionais. Os programas também podem ocorrer em centros de saúde ou centros comunitários. Programas de transferência condicionada de renda e programas de formação de jovens também podem mudar a perspectiva da população Relatório de Capital Humano no Brasil vulnerável e, consequentemente, suas escolhas. Os programas de empoderamento também podem incluir informações sobre saúde sexual e reprodutiva (Bergstrom & Ozler, 2021; Bandiera et al., 2020; Azevedo et al., 2012; Chaaban & Cunningham, 2011). Notavelmente, as intervenções bem-sucedidas de prevenção da gravidez na adolescência são altamente sensíveis ao contexto. Ao considerar uma população-alvo, os formuladores de políticas precisam considerar se os adolescentes têm poder de barganha limitado em casa e, se for o caso, as intervenções devem ser direcionadas aos pais (Bergstrom & Ozler, 2021; Bandiera et al., 2020; Chaaban & Cunningham, 2011). 213 Caixa 9.4 (Continuação) Quanto a experiências no Brasil, em Salvador (Bahia) há um programa piloto em 88 escolas secundárias com foco em gravidez, saúde reprodutiva e aspirações de vida. A intervenção é baseada em iniciativas educacionais lideradas por pares e requer o envolvimento direto de professores e alunos. As escolas recebem material de apoio, incluindo laptop, projetor e cartilhas sobre saúde do adolescente para cada aluno matriculado. Alguns alunos são selecionados como mobilizadores. Eles são treinados por meio de uma série de reuniões com funcionários do programa (professores treinados) e têm a tarefa de organizar atividades para sua escola. O piloto apresentou resultados positivos, com diminuição da gravidez na adolescência e aumento do uso de anticoncepcionais e matrículas no ensino pós-secundário. Na pesquisa municipal, os municípios de Palmas, Fortaleza e Vitória reforçaram que promovem ações por meio do Saúde na Escola, que apresenta informações sobre gravidez na adolescência nas escolas. Saúde na Escola é um programa federal que visa criar vínculos entre os trabalhadores da atenção básica e as escolas. O programa tem como público-alvo os profissionais de educação e saúde, a comunidade escolar e alunos de escolas públicas, promovendo (i) a avaliação das condições de saúde dos alunos, (ii) a comunicação sobre ações de saúde e prevenção, (iii) a formação permanente de profissionais da educação e da saúde e (iv) o monitoramento e a avaliação interna da implementação do programa. Outra iniciativa positiva relatada na pesquisa é o Projeto BrincanTO, implementado em Recife. BrincanTO é um conjunto de jogos educativos (digitais e físicos) que abordam temas como mudanças corporais, prevenção de ISTs, gravidez indesejada, prevenção da violência sexual, vivências seguras de sexualidade e gênero/sexualidade. Diversas iniciativas em todo o mundo utilizam a aprendizagem baseada em jogos como ferramenta para discutir assuntos de relacionamentos e educação sexual (RES) em diferentes tipos de mídia, mas são necessárias mais pesquisas para entender sua eficácia. Suporte de Rede Em relação ao trabalho intrassetorial - ou seja, trabalho dentro de um setor que demande coordenação interna - 85,7 por cento dos municípios pesquisados afirmaram que suas redes possuem serviços de emergência médica pré-hospitalar e intra-hospitalar, ou seja, contam com um sistema de transporte entre unidades básicas e hospitais. Os municípios que não possuem sistema de transporte municipal informaram ter que contar com o transporte estadual dentro de sua rede de saúde e entre redes. Quando questionados sobre as iniciativas intersetoriais (iniciativas que envolvem diferentes setores), 81 por cento dos Relatório de Capital Humano no Brasil municípios responderam que realizam trabalhos intersetoriais em relação a imunizações. A maioria dos municípios pesquisados indicou que utiliza escolas e ou centros de assistência social para executar os planos de imunização. Em Figura 9.12 relação ao trabalho intersetorial em geral, é mais comum que Suporte de Rede os municípios promovam ações integradas de política de saúde por meio de instituições de ensino do que em setores de assistência social. A capacidade de fornecer serviços de saúde por meio de outros setores fortalece a capacidade do governo de adequar as questões de saúde às necessidades e condições locais, atingindo uma população maior (Madhav et al., 2017; World Bank, 2021e). Enquanto 85,7 por cento 214 dos municípios afirmaram colaborar com a secretaria de educação, apenas 42,9 por cento colaboram com a secretaria de assistência social. Quando questionados sobre estratégias de planejamento familiar, a maioria dos municípios indicou parceria com escolas para promover ações de planejamento familiar. Ainda assim, há uma falta geral de iniciativas de conscientização de jovens adultos por meio de centros de assistência social. A partir das respostas gerais dos secretários de saúde, observamos que os principais problemas relacionados ao trabalho intersetorial são a falta de disponibilidade de protocolos e capacidade de gestão governamental. Adesão aos Programas Federais Os programas federais fornecem protocolos e informações para a prestação de serviços. Assim como os secretários de educação, a maioria dos secretários de saúde implementa programas federais, como a Estratégia Saúde da Família (ESF) e a Saúde na Escola, o que tem sido associado à diminuição do consumo de drogas e cigarros (Becker, 2020), e têm sido implementados de forma heterogênea em todo o país (Ataliba & Mourão, 2018). Quanto à adesão a outros programas, todos os municípios fazem parte da Rede de Atenção à Pessoa com Doença Crônica. A maioria dos municípios realiza o acompanhamento da atenção primária à saúde para diabetes e hipertensão arterial como parte da ESF em doenças crônicas. Juntamente com as iniciativas de monitoramento existentes, o Governo Federal criou um programa de parceria com os municípios para fornecer medicamentos gratuitos para hipertensão, diabetes e asma e subsidiar em até 90 por cento as prescrições para colesterol alto, rinite, osteoporose e glaucoma. Entre os pesquisados, 71,4 Figura 9.13 por cento dos municípios indicaram ter ações voltadas para o Adesão aos Programas Federais acesso a medicamentos. Além disso, a maioria dos municípios também faz parte de um programa que promove o acesso a equipamentos de exercícios físicos. O Programa Academia na Saúde tem sido associado a menores gastos hospitalares para tratamento de doenças cerebrovasculares (Lima et al., 2020) e melhor desempenho nos indicadores de obesidade (Rosa et al., 2017). A adesão ao programa nacional de suplementação de vitamina A é superior a 80 por cento para os municípios. O programa fornece suplementos de vitamina A para crianças de 6 a 59 meses. O Brasil reconhece que a deficiência de vitamina A é um problema moderado de saúde pública, especialmente no Nordeste e em algumas regiões do Sudeste e do Norte. Em relação à saúde de crianças pequenas, a maioria dos municípios faz parte do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, uma política abrangente que existe desde 1981 com o objetivo de reduzir a morbidade e a mortalidade infantil (Caixa 9.5). Caixa 9.5 Relatório de Capital Humano no Brasil Programas de Aleitamento Materno e Banco de Leite O escopo do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno envolve as seguintes iniciativas principais: A Estratégia Brasileira de Aleitamento Materno e Alimentação (antiga Rede Amamenta Brasil, agora Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil) prevê um plano de capacitação permanente dos profissionais de saúde e o monitoramento contínuo dos indicadores de aleitamento materno 215 Caixa 9.5 (Continuação) nas unidades básicas de saúde. Os municípios que adotam o programa seguem uma série de critérios de implementação, e aqueles que atingem os objetivos do programa recebem uma certificação. Estudos iniciais sugerem que em municípios certificados que continuam cumprindo com os critérios, o programa impacta positivamente os indicadores de aleitamento materno (Machado et al., 2021; Venâncio et al., 2016; Brandão et al., 2015; Passanha et al., 2013). A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), uma iniciativa da OMS e da UNICEF, orienta os hospitais a usar um sistema de avaliação e melhoria da qualidade incorporado em um programa de dez etapas. Estudos sugerem que há maior prevalência de práticas de aleitamento materno exclusivo com lactentes menores de 4 meses e qualquer tipo de aleitamento materno com lactentes menores de 1 ano entre crianças nascidas em hospital IHAC (Pérez-Escamilla et al., 2016). A Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (BLH-BR) conta atualmente com 224 bancos de leite e 216 unidades coletoras. É a maior e mais complexa estrutura desse tipo no mundo. Também está presente em 42,9 por cento das capitais pesquisadas. O marco legal brasileiro de proteção ao aleitamento materno inclui o monitoramento e aplicação da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras, bem como a garantia dos direitos das mulheres trabalhadoras que amamentam. O Método Canguru é um modelo de atenção aos recém-nascidos prematuros e suas famílias criado na Colômbia, em 1979, pelo Instituto Materno Infantil de Bogotá. Outras iniciativas envolvendo a sociedade civil incluem o programa Bombeiros da Vida, onde os bombeiros coletam doações de leite materno e levam para os bancos de leite materno; o Carteiro Amigo da Amamentação, que é uma iniciativa do Ministério da Saúde e dos Correios para informar a população sobre a importância do aleitamento materno e os 10 passos para o sucesso da amamentação. As iniciativas dos bombeiros e dos correios capacitam pessoas que não são profissionais de saúde para orientar a população sobre os benefícios do aleitamento materno. Considerando as iniciativas municipais, o programa Parto Seguro à Mãe Paulistana oferece não apenas assistência em questões sobre aleitamento materno, mas também orienta sobre o cuidado centrado no ser humano no processo de parto e nascimento. Desde que o programa foi implementado, as mães recebem, em média, sete consultas de pré-natal, mais do que as seis sugeridas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Também foi observada uma redução da mortalidade neonatal, representando aumento na proporção de partos regulares e aleitamento materno. Ao considerar a adesão aos programas, os municípios pesquisados responderam que a maioria dos desafios na implementação de programas de saúde, como imunização contra o HPV nas escolas, bancos de leite e campanhas de amamentação, está relacionada à falta de adesão das famílias, alunos e Relatório de Capital Humano no Brasil profissionais. Também está associada à capacidade do governo de comunicar a importância e a existência dos programas e seus potenciais resultados benéficos. Por exemplo, 71 por cento dos municípios têm um programa de vacinação contra HPV nas escolas, mas apenas 4,8 por cento atingiram a meta de vacinar sua população-alvo contra o HPV. Aprendizagem ao Longo da Vida Também foram coletadas informações sobre agendas de formação específica para profissionais de saúde, principalmente sobre gravidez na adolescência e amamentação. Cerca de 50 por cento dos municípios 216 pesquisados afirmaram promover a educação permanente de seus profissionais de saúde. Quando questionados sobre espaços específicos para seus profissionais, apenas 42,9 por cento responderam que disponibilizam um espaço específico para capacitação de seus profissionais. Além disso, apenas 23,8 por cento dos municípios pesquisados fazem parte de um arranjo para organizar treinamento com outras redes municipais, o que significa que há potencial para desenvolver a cooperação municipal por meio de uma rede compartilhada de iniciativas de educação permanente. Ter um plano de capacitação em atenção primária à saúde é mais comum (81 por cento). Mais de 80 por cento dos municípios pesquisados oferecem treinamento específico sobre aleitamento materno e prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST). Assistência Social As questões relativas à assistência social se concentraram nas iniciativas voltadas para a primeira infância e na segurança alimentar. As condições enfrentadas nos anos iniciais têm um impacto significativo na produtividade mais tarde na vida. A Figura 9.14 pesquisa incluiu perguntas sobre ações para incluir mulheres Planos de Aprendizagem ao Longo da Vida e jovens, já que os dois grupos demográficos costumam enfrentar mais desafios para entrar no mercado de trabalho. Das respostas gerais sobre a prestação de serviços de assistência social, os desafios enfrentados pelos municípios dizem respeito à disponibilidade de infraestrutura, recursos humanos, financiamento e a uma capacidade geral limitada do governo para gerir. A maioria dos municípios concordou que o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) precisa fortalecer seus recursos humanos e aumentar seus recursos financeiros. Relatório de Capital Humano no Brasil Figura 9.15 Pesquisa de Assistência Social As questões relacionadas à assistência social foram organizadas em seis áreas principais. Os aspectos relacionados à capacidade de gestão governamental foram agrupados em “diagnóstico territorial” e “uso da informação”, tópicos relacionados à capacidade de planejar e executar políticas. Em relação aos procedimentos padronizados formalizados, as informações são apresentadas como questões críticas que afetam o desempenho do ICH: “iniciativas para a primeira infância”, “alimentação e nutrição”, “inclusão produtiva” e “ações preventivas”. 217 Diagnóstico Territorial No sistema de assistência social brasileiro, o diagnóstico territorial é parte essencial da coleta de informações para o planejamento de políticas. O diagnóstico inclui informações sobre os riscos e vulnerabilidades sociais vinculados ao território, juntamente com dados sobre os serviços de assistência social existentes. No que se refere à execução de um diagnóstico territorial para o planejamento baseado nas necessidades da população, 81 por cento dos municípios pesquisados possuem uma Área de Vigilância Socioassistencial designada, que normalmente é responsável pela gestão da informação para apoiar atividades de planejamento, bem como o monitoramento e a supervisão das políticas. Apenas 66,7 Figura 9.16 por cento dos municípios pesquisados realizam diagnóstico Diagnóstico Territorial socioterritorial. O número daqueles que informaram acesso a um sistema de georreferenciamento é ainda menor, 47,6 por cento. Essa é uma limitação severa, pois o planejamento e a execução das políticas de assistência social estão diretamente relacionados à avaliação de uma área específica dentro de um município. Os formuladores de políticas devem ter informações detalhadas sobre a existência de serviços de saneamento e coleta de lixo, sobre a presença de grupos vinculados à identidade e sobre outras informações cruciais para o desenvolvimento de políticas que respondam às necessidades da população vulnerável de um território específico. Uso de Informações O uso da informação revela como os formuladores de políticas estão incorporando os dados disponíveis no processo de tomada de decisão. Todos os municípios pesquisados usam dados do Cadastro Único para planejar suas iniciativas. Os municípios são responsáveis pela atualização do cadastro. No entanto, a falta de planejamento na pesquisa, coleta e registro de informações sobre grupos vulneráveis específicos revela uma deficiência no processo por parte do município. Apenas 57,1 por cento dos municípios afirmaram ter um plano para alcançar grupos vulneráveis específicos. Da mesma forma, em termos de planejamento, os municípios foram questionados se possuem um protocolo que integre as diferentes ações Figura 9.17 promovidas pelo SUAS, e apenas 71,4 por cento possuem tais Uso de Informações protocolos. Isso se reflete nos resultados: apenas 23,8 por cento atingiram de 75 a 100 por cento das metas estabelecidas em seus planos municipais de assistência social. Em relação à aprendizagem ao longo da vida para seus funcionários, 71,4 por cento dos municípios pesquisados possuem um plano de educação permanente para profissionais de assistência social. Quando se trata de ter um plano para atender sua população em situações de emergência, 76 por Relatório de Capital Humano no Brasil cento afirmaram possuir um plano de contingência. Iniciativas para a Primeira Infância Os municípios também responderam a perguntas sobre diferentes tipos de apoio parental e iniciativas de DPI, desde abordagens comunitárias até o fortalecimento de vínculos entre familiares e cuidadores. Na implementação dos programas da Figura 9.18 primeira infância, os municípios destacaram como principal Iniciativas para a Primeira Infância 218 desafio o trabalho intersetorial e a articulação dos programas de família e puericultura com outras políticas da rede de proteção social, apontando para a falta de capacidade geral do governo de gerir e articular suas ações. Em relação à atuação nas iniciativas da primeira infância, 67 por cento dos municípios afirmaram implementar algum programa de apoio aos pais, como o Criança Feliz. Em relação às oficinas com as famílias ou outras reuniões de grupos comunitários, 66,7 por cento dos municípios promovem oficinas e 52 por cento possuem outros programas comunitários que fortalecem os vínculos familiares. Noventa e um por cento dos municípios responderam positivamente sobre ter programas de DPI, como o Criança Feliz ou outras iniciativas locais. Um desafio geral que afeta a capacidade das Secretarias de Assistência Social de realizar uma boa prestação de serviços é a falta generalizada de recursos humanos e financeiros. As respostas das secretarias revelam uma falta geral de recursos humanos e acesso à infraestrutura e uma extensa área de cobertura dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) em termos de território. Essa falta de recursos gera uma falha geral na capacidade dos governos de gerir e implementar políticas. Alimentação e Nutrição No sistema brasileiro de assistência social, as intervenções relacionadas à alimentação e nutrição incluem ações para aumentar a segurança alimentar e a inclusão produtiva. Em relação à segurança alimentar, 81 por cento dos municípios pesquisados afirmaram possuir um programa de segurança alimentar. O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é um sistema público intersetorial que realiza atividades de promoção da agricultura familiar e da produção agrícola, com ênfase na agricultura de pequena escala. Esse sistema é composto por dois programas principais. Figura 9.19 O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Alimentação e Nutrição Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foram criados para fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar local e garantir o acesso a alimentos de qualidade (ver Caixa 9.6). Com a aquisição de alimentos da agricultura de pequena escala por meio do PAA, o governo apoia a autoprodução e adquire o excedente por um preço referenciado. O PAA é responsável por fortalecer a produção diversificada e em pequena escala, aumentar a renda monetária mensal das famílias nas áreas rurais e evitar o êxodo rural. Além disso, 66,7 por cento dos municípios pesquisados fazem parte de um programa de agricultura inclusiva e de pequena escala semelhante ao PAA, e 57 por cento fazem parte de um programa como o PNAE, que integra a alimentação escolar e a agricultura local. Caixa 9.6 Programa Nacional de Alimentação Escolar do Brasil O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é o programa federal de alimentação escolar, administrado por um fundo público do Ministério da Educação. O principal objetivo do PNAE é contribuir para o crescimento e desenvolvimento biopsicossocial, desempenho escolar, Relatório de Capital Humano no Brasil aprendizagem e alimentação saudável dos alunos por meio da oferta de refeições que atendam às necessidades nutricionais dessas crianças durante o período letivo. O programa também estabelece parcerias com produtores locais, uma vez que exige que os municípios destinem pelo menos 30 por cento dos recursos recebidos à compra direta de alimentos da agricultura familiar (Casa Civil, 2009). Os objetivos complementares do PNAE são: • Envolver todos os entes federados (estados, Distrito Federal e municípios) na execução do programa • Estimular a responsabilidade social 219 Caixa 9.6 (Continuação) • Contribuir para a economia local por meio da geração de empregos e renda • Fomentar o respeito aos hábitos alimentares locais e às vocações agrícolas (TCU, 2017) Além das diretrizes gerais, o programa é projetado para se adaptar aos contextos locais. Por exemplo, um nutricionista escolar é responsável por planejar, coordenar, dirigir, supervisionar e avaliar todas as ações de alimentação e nutrição nas escolas. O PNAE avalia o estado nutricional dos alunos para identificar aqueles com necessidades nutricionais específicas. Além disso, o programa promove ações de educação alimentar e nutricional voltadas para a comunidade escolar. O PNAE exige que estados, municípios e o Distrito Federal criem um Conselho de Alimentação Escolar responsável pelo monitoramento e controle da qualidade da alimentação escolar na rede escolar. O programa disponibiliza um manual de boas práticas com diretrizes para incorporar o planejamento da alimentação escolar de acordo com a realidade de cada unidade escolar e um modelo geral para cada categoria escolar, do DPI ao ensino médio. Os recursos variam de acordo com cada estágio escolar e as escolas de DPI e de tempo integral recebem mais por aluno em comparação a outras instituições. A quantidade de refeições também varia de uma a três por dia, assim como os percentuais das necessidades diárias que devem ser cobertas pelo programa, que variam de 20 a 70 por cento dependendo da duração da jornada escolar (Honorio et al., 2020; TCU, 2017). Embora o PNAE seja reconhecido como uma política de referência que mescla uma estratégia nutricional e o incentivo à produção local, o impacto do programa na segurança alimentar dos alunos, na economia e na renda dos produtores locais precisa ser melhor pesquisado. Tem sido relatado que a implementação do programa é heterogênea no território (Rossetti et al., 2016; Libermann & Bertolini, 2015; de Paula Ribeiro et al., 2013; Villar et al., 2013; ). Inclusão Produtiva Em relação aos programas e ações de inclusão produtiva, os municípios pesquisados foram questionados explicitamente sobre intervenções direcionadas a mulheres vulneráveis, pessoas com deficiência, jovens e moradores de rua. No geral, 67 por cento dos municípios têm pelo menos uma ação de inclusão produtiva. Cerca de 33 por cento têm um programa para mulheres, 33 por cento têm um programa para pessoas com deficiência, 38 por cento têm um programa para moradores de rua e 33 por cento têm um programa para jovens. Essa última categoria é cada vez mais importante, pois em 2019 os “NEETs” (jovens de 15 a 24 anos sem ensino, emprego ou treinamento) representavam 23,5 por cento da juventude brasileira (Organização Internacional do acessados Relatório de Capital Humano no Brasil em dezembro de 2021.). Ações Preventivas As ações preventivas na assistência social dizem respeito à capacidade de identificar riscos antes que uma situação exija Figura 9.20 intervenções complexas. Isso requer a coleta de dados e a Inclusão Produtiva capacidade de antever problemas antes que eles surjam. 220 Todos os municípios do Brasil implementam o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF). O PAIF trabalha para fortalecer os laços familiares e comunitários e promover ações para evitar a ruptura dos laços familiares. No entanto, 40 por cento dos municípios não têm um plano para recrutar famílias vulneráveis para o programa. Entre os que possuem um plano, a busca ativa faz parte da metodologia de trabalho das equipes do PAIF. Essas buscas geralmente se aplicam a famílias acompanhadas por assistentes sociais, famílias em descumprimento das condicionalidades do PBF e famílias com encaminhamentos do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) e do Sistema de Garantia de Direitos. A pesquisa incluiu perguntas sobre a existência de protocolos para identificar a violência baseada em gênero e o trabalho Figura 9.21 infantil. Cerca de 57 por cento dos municípios têm um protocolo Ações Preventivas para violência baseada em gênero (Caixa 9.7). Mais municípios, no entanto, têm protocolos para trabalho infantil (76,2 por cento), prática que potencialmente prejudica a saúde, a educação e o capital humano latente da criança. Caixa 9.7 Prevenção da Violência Baseada em Gênero A Violência Baseada em Gênero (VBG) é considerada um desafio endêmico em todo o mundo e no Brasil. Ela afeta mulheres e meninas não apenas no nível individual, mas também em famílias e comunidades inteiras, abrangendo gerações. Um conjunto significativo de evidências internacionais sugere que os programas de proteção social podem levar a uma diminuição da VBG (especialmente na violência por parceiro íntimo, VPI), bem como da violência contra crianças. Isso acontece através do empoderamento das mulheres, da redução da pobreza e do fortalecimento das redes sociais. A literatura aponta para uma gama diversificada de programas de proteção social que variam de acordo com os países e que têm se mostrado eficazes na redução da VBG mesmo quando não são projetados para isso. No entanto, as conexões entre VBG e proteção social ainda permanecem pouco exploradas (Perrin et al., 2019; Casey, 2018; Tappis et al., 2016). No caso do Brasil, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) tem sido um mecanismo fundamental para garantir proteção social às famílias e pessoas em situação de risco, especialmente as mulheres. O SUAS é um sistema governamental diferenciado que se destaca pelo modelo de gestão descentralizado, intersetorial e participativo. Oferece serviços sob duas óticas principais: proteção social básica, com foco na prevenção de riscos, e proteção social especializada, com foco na proteção das vítimas. No entanto, apesar de a prevenção ser uma prioridade para o SUAS, os programas de prevenção de VBG geralmente são subfinanciados e têm recebido menos apoio do governo em comparação àqueles que focam na proteção. Isso significa que mulheres e meninas recebem apoio institucional somente após a ocorrência do abuso. Relatório de Capital Humano no Brasil Salvador lançou um projeto piloto que visa fortalecer o aspecto preventivo do SUAS para reduzir as desigualdades institucionais e intrafamiliares de gênero vivenciadas pelas famílias beneficiárias. Dados emergentes mostram um aumento significativo do feminicídio no estado da Bahia, de 74 casos em 2017 para 113 em 2020. As vítimas são, em sua maioria, mulheres negras que foram mortas por seus parceiros íntimos (Secretaria de Segurança Pública da Bahia, 2021). Em Salvador, capital do estado, a prevalência de violência doméstica ao longo da vida também aumentou 31,99 por cento entre 2016 e 2019 (Carvalho et al., 2020). 221 Caixa 9.7 (Continuação) O projeto de Salvador é voltado tanto para famílias beneficiárias quanto para trabalhadores dos Centros de Assistência Social locais e é composto por cinco atividades principais: • Diagnóstico qualitativo e quantitativo: A avaliação da VBG em Salvador é feita a partir das percepções, normas e comportamentos relacionados aos papéis de gênero e à VBG presente no cotidiano das famílias beneficiárias e assistentes sociais. Isso inclui também um exame de suas percepções em relação aos serviços oferecidos pelos CRAS e CREAS. • Metodologia e material de treinamento: Inclui o desenvolvimento de metodologia e material de treinamento com base no diagnóstico para subsidiar treinamentos e oficinas com assistentes sociais e famílias. • Treinamentos e oficinas: Foram desenvolvidos treinamentos online para assistentes sociais a fim de abordar temas como violência, VBG, equidade de gênero, interseccionalidade, racismo, transexualidade e religião. Para os beneficiários foram oferecidas duas oficinas online: uma para um grupo de pais e figuras paternas, que teve como objetivo discutir a paternidade e as relações de gênero, e outra para jovens, com foco nas relações de gênero e competências profissionais (necessidade identificada por meio do diagnóstico). • Avaliação: As ferramentas de avaliação foram desenvolvidas para mensurar as mudanças nas percepções dos participantes sobre a VBG, bem como a metodologia e os materiais de treinamento. • Divulgação: Os resultados e principais conclusões do projeto estão atualmente sendo divulgados por meio de dois seminários como forma de envolver as partes interessadas relevantes – por exemplo, funcionários do governo e atores da sociedade civil. Embora os resultados da intervenção pareçam promissores, ainda não há dados oficiais sobre os resultados. No entanto, o projeto tem algumas novidades que abrem caminho para futuras conversas sobre políticas de VBG como forma de fortalecer o aspecto preventivo do SUAS em nível estrutural. Mesmo assim, mais pesquisas e iniciativas são necessárias para definir práticas eficazes em termos de políticas replicáveis para lidar com a VBG. O que os Municípios Estão Fazendo de Diferente? Evidências de Outliers Esta seção apresenta as respostas da pesquisa de entrevistas estruturadas com valores discrepantes Relatório de Capital Humano no Brasil selecionados de municípios menores, incluindo: municípios que demonstram melhorias consistentes, cidades com as melhores classificações nos níveis nacional e/ou regional e cidades mais bem classificadas em regiões de baixo desempenho. Para entender melhor as nuances de seu excelente desempenho nos últimos anos e como eles podem servir de modelo para municípios semelhantes, servidores do governo foram convidados a participar de grupos focais. Os municípios de Cocal dos Alves Piauí,99Guanambi,   Cocal dos Alves foi classificada como a terceira melhor cidade em resultados de ICH em nível nacional e/ou regional. 99 222 Bahia100 e Ibimirim Pernambuco101 concordaram em participar. Os grupos focais incluíram representantes das áreas de planejamento, educação, saúde e proteção social. Os municípios foram questionados sobre como conduzem a implementação de políticas, coordenam a prestação de serviços de rede e integram práticas inovadoras em suas atividades diárias. No geral, os dados dos grupos focais revelaram suas práticas padrão, que são apresentadas nesta seção. • Planejamento colaborativo: Os três municípios possuem mecanismos de planejamento colaborativo para promover o trabalho intersetorial. Constituem grupos de trabalho para programas específicos, como o Saúde na Escola, que contam com o envolvimento direto de servidores municipais no trabalho gerencial de seu setor ou conselhos temáticos para tratar de questões específicas. As decisões são tomadas em reuniões que ocorrem pelo menos mensalmente. • Consultas Públicas: Todos os três municípios relataram ter um mecanismo para incorporar as consultas públicas em suas rotinas de planejamento e monitoramento. O formato varia, desde conferências públicas até consultas destinadas ao planejamento plurianual de atividades de monitoramento e acompanhamento. De modo geral, os municípios contam com os conselheiros para entender as demandas atuais e obter feedback sobre o trabalho em andamento para que a prestação de serviços possa ser ajustada adequadamente. Consultas públicas são realizadas para colher contribuições e solicitações da população. Elas também seguem uma temática, como educação, saúde e assistência social. O público em geral e as lideranças comunitárias são convidados a apresentar suas demandas. Como acontece a consulta pública de “...eu entendo que os conselhos são [as] assistência social? pessoas envolvidas no monitoramento e “Ela é realizada por meio de acompanhamento do nosso trabalho, não representantes da comunidade, sejam eles no sentido de fiscalizar, né? No sentido profissionais ou líderes comunitários, de nos ajudar, coordenar e realmente por meio de diversas áreas – propostas buscar pontos fortes com nossos de infraestrutura, de educação, de conselheiros.” (Secretário de Assistência saúde pública e de assistência social. A Social comentando sobre a participação da população tem a oportunidade de colocar sociedade civil) a questão em suas próprias palavras: “compre uma ambulância, construa uma “…temos o Conselho Municipal de escola no bairro, que a gente precisa, Assistência Social e temos representantes construa um posto de saúde”. Essa do governo e da sociedade civil, e os consulta pública já existia antes da [conselhos] são outros espaços para pandemia, agora será um novo começo, se escutar a população. Claro que a presencial, nos bairros da cidade, com participação poderia ser muito maior, as a população vulnerável, a população em reuniões poderiam ser mais divulgadas geral. Dizemos a população vulnerável para que mais pessoas participassem.” porque é a que tem mais demandas.” (Secretário de Assistência Social, (Secretário de Saúde comentando sobre a comentando sobre a participação da participação da sociedade civil) sociedade civil) “…a gente tem muitos conselhos – Conselho de Saúde, Conselho de Assistência Social, Relatório de Capital Humano no Brasil Conselho do Idoso, Conselho da Mulher – e todos esses conselhos têm um membro [setorial] da saúde. Esse membro geralmente é alguém que faz parte da equipe de gestão para saber o que está acontecendo, o que é interessante e está [em linha com] o perfil da gestão, e o que a gestão pode fazer é contribuir nesse momento.” (Secretário de Assistência Social, comentando o planejamento de iniciativas intrasetoriais).” 100   Guanambi foi selecionada como uma das cidades mais bem classificadas em ICH em regiões de baixo desempenho. 101   Ibimirim teve uma melhora de 45 por cento no ICH em 2019 (em relação a 2007) e demonstra uma melhora consistente. 223 • Monitoramento e acompanhamento: A avaliação “conhecer a realidade é muito do programa é rotineira e o trabalho de coordenação e importante... não há trabalho monitoramento é informatizado. O monitoramento ativo conta com sistemas que geram relatórios e painéis com sem acompanhamento. [Além da base nos dados inseridos por um técnico. Os dados coordenação digital], temos um coletados orientam as atividades de monitoramento e time de profissionais que cuida [da alimentam o planejamento. Ressalta-se que, entre esses coleta e monitoramento de dados]. municípios de alto desempenho, técnicos específicos são Com esse monitoramento ativo, designados para a entrada e monitoramento de dados, e sabemos se há erros em algum são eles os responsáveis por sua qualidade. registro... [Ter] informações em • Engajamento do governo e da equipe: Em geral, os tempo recorde faz uma grande municípios menores têm um forte senso de comunidade, diferença.” (Secretário de Saúde, o que se reflete em suas práticas administrativas. Há uma comentando o uso da tecnologia busca por resultados e, da mesma forma, na experiência como ferramenta de apoio) descrita por Sobral na Caixa 9.1, há um compromisso público com os objetivos comunicados às partes interessadas. Normalmente, um setor lidera os esforços. Às vezes, a escola é o ponto focal de apoio e comunicação da rede de proteção social do município. Portanto, é natural que o setor de Educação lidere. Às vezes, as Secretarias de Assistência Social assumem o papel de comunicar e trocar informações com a comunidade em reuniões periódicas do conselho. De qualquer forma, os objetivos são claros e as informações são amplamente divulgadas. • Adesão a programas federais: Os municípios “…tudo aqui começa, na verdade, comentaram sobre a importância de trabalhar em conjunto com o compromisso que e contar com o apoio de programas federais. De acordo temos... não trabalhamos só por com os municípios, os programas federais oferecem não trabalhar, trabalhamos para obter apenas apoio financeiro, mas também metodologias de resultados... Sempre trabalhamos monitoramento e implementação que contribuem para a organização geral do trabalho nos setores. Os programas nessa perspectiva de ter um federais também coordenam o trabalho intersetorial. Os diagnóstico do trabalho e do que municípios citaram a importância do apoio do Governo que estamos fazendo e, a partir Federal na educação permanente e ferramentas de desse diagnóstico, organizamos monitoramento como o Datasus, o Censo Escolar e o metas para alcançar resultados Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que são positivos. (Secretário de Educação incorporados ao planejamento municipal. comentando sobre a importância • O Selo UNICEF: O Selo UNICEF para o trabalho intersetorial do diagnóstico para estabelecer foi mencionado em todas as entrevistas. É uma iniciativa metas claras) que promove e fortalece as políticas públicas para reduzir as desigualdades e garantir os direitos das “Trabalhamos com acordos. A crianças. O Selo UNICEF oferece uma metodologia para educação recebe recursos federais a implementação de processos e instrumentos em três [para adesão] aos programas e, no áreas: gestão de políticas públicas, participação social e nível municipal, temos os recursos impacto social. O método estabelece objetivos e meios dos 25 por cento que usamos para claros para alcançá-los, fornecendo aos municípios ações a política educacional proposta estratégicas e indicadores de impacto social. Além disso, o método inclui consultas públicas, fóruns comunitários, pelo plano de gestão da prefeitura uma plataforma de monitoramento online e um comitê e pelo plano de gestão da secretaria municipal de educação.” Relatório de Capital Humano no Brasil intersetorial com membros das secretarias de educação, saúde e assistência social. A comissão é responsável pelo (Secretário de Educação comentando planejamento e execução do Plano de Ação Municipal sobre programas federais) pelos Direitos da Criança e do Adolescente. O Selo UNICEF também visa estabelecer orientações sobre o planejamento municipal. Os municípios que atingem pontuações mínimas em ações estratégicas e indicadores de impacto social até o final do plano quadrienal recebem um certificado (UNICEF, 2021). 224 “Acho que essa parte [de trabalhar em rede] tem uma capacidade de articulação muito boa. Então, dentro da saúde, “Estamos muito próximos da educação, podemos nos coordenar com vários principalmente por conta do Selo UNICEF, setores. Podemos trabalhar muito bem que estimula isso. Uma ação política bem com a saúde, a educação e a assistência articulada e integrada com a educação social. Temos o reconhecimento do Selo e a saúde, o Selo UNICEF é o que mais UNICEF, que trabalhou em parceria com promove essa integração.” (Representante essas três secretarias.” (Representante da Assistência Social comentando o da Saúde comentando o trabalho trabalho multissetorial) multissetorial) Respostas à COVID-19: Lições, Desafios e o Caminho à Frente Conforme discutido no capítulo 7, a pandemia de COVID-19 atingiu o Brasil com grande intensidade, apresentando desafios sem precedentes para formuladores de políticas, servidores públicos e autoridades. A pandemia mostrou a necessidade de se desenvolver respostas de emergência a crises e encontrar soluções para problemas que já existiam antes da pandemia e que foram exacerbados por ela. Por exemplo, secretários de assistência social estavam com falta de pessoal mesmo antes da pandemia. Com as consequências dos lockdowns e da quarentena, o número de pessoas vulneráveis aumentou, assim como as demandas dos assistentes sociais. Na educação, as escolas localizadas na periferia das cidades que relataram dificuldades em fornecer conexão à Internet tiveram o desafio adicional de garantir esse acesso nas casas dos alunos e fornecer a eles ferramentas adequadas para o aprendizado online durante a pandemia. Na saúde, o desafio de integrar ações entre vigilância em saúde, assistência e prestação de serviços de saúde de maior complexidade mostrou-se uma questão premente, envolvendo a necessidade de estabelecer redes de informação e articular ações em relação à disseminação da COVID-19. A seção a seguir apresenta informações sobre os desafios específicos de educação e as ações que foram tomadas pelas capitais nos setores de educação, saúde e proteção social para lidar com essas questões. Educação O impacto da pandemia na educação foi significativo, pois a maioria das escolas suspendeu suas aulas por cerca de dois anos. Em geral, o sistema educacional não estava pronto para oferecer aulas online e engajar os alunos remotamente. Os secretários de educação informaram que esperavam que as aulas presenciais fossem retomadas em 2021 com o lançamento da vacinação. A duração não prevista do fechamento de escolas produziu impactos negativos nos resultados da educação em todo o mundo, conforme demonstrado no capítulo 7. O Brasil experimentou esses efeitos de forma mais intensa por ser um dos países do mundo com o maior tempo de fechamento de escolas. Além disso, houve diferenças essenciais de cobertura entre escolas públicas e privadas, e as respostas ao fechamento de escolas afetaram mais os grupos vulneráveis. O acesso desigual a ferramentas digitais e conectividade com a Internet, bem como a falta de treinamento Relatório de Capital Humano no Brasil em TICs entre os funcionários da educação, representaram vários desafios para governos, escolas e professores na promoção do ensino à distância e do engajamento dos alunos durante a pandemia de COVID-19. De acordo com o Censo Escolar 2020 (INEP, 2020), apenas 60 por cento das escolas públicas do Brasil têm acesso à Internet. De acordo com o último SAEB (2019), o percentual de alunos do ensino médio com computador em casa era de 66 por cento nas regiões Sul e Sudeste, 42,6 por cento no Norte e apenas 36,8 por cento no Nordeste (SAEB 2019). Esse cenário se traduz em aprendizado limitado e desigualdades regionais. Além disso, o fechamento prolongado das escolas exacerbou as taxas de abandono escolar, as perdas de aprendizado e as desigualdades que, mesmo antes da pandemia de COVID-19, já impunham desafios 225 significativos para o sistema educacional. A maioria desses aspectos está refletida nas respostas às pesquisas informadas pelas capitais. Os municípios informaram dificuldades em engajar os alunos nas aulas online. Eles listaram várias razões para essas dificuldades e incluíram limitações de recursos, pois os alunos não tinham dispositivos tecnológicos adequados ou mesmo conexões à Internet para participar de aulas online, bem como uma falta geral de habilidade entre os professores que não foram adequadamente treinados para planejar e ministrar aulas online. Além disso, os municípios também relataram dificuldades em manter contato com alunos e famílias para evitar o abandono escolar, um problema que já existia antes da pandemia. Os municípios relataram ainda que a manutenção dos programas de alimentação escolar foi um desafio. A maioria das capitais organizou alguma forma de entrega de pacotes de alimentos nas casas dos alunos para manter a segurança alimentar das crianças em idade escolar. Por fim, os entrevistados expressaram o entendimento de que os alunos sofreriam perdas de aprendizagem devido aos desafios de se adaptar aos lockdowns e ao aprendizado remoto e de que isso teria um impacto no estado socioemocional de crianças e professores. Em relação aos desafios da reabertura das escolas, os entrevistados mencionaram a necessidade de prestar apoio socioemocional a alunos e professores e de reorganizar os currículos escolares para dar conta das perdas de aprendizagem. Eles também identificaram problemas relacionados a restrições orçamentárias na adaptação de infraestrutura para manter áreas bem ventiladas e manter padrões de distanciamento social em aulas presenciais. Além disso, enfatizaram as dificuldades em fazer os alunos cumprirem os protocolos. Em geral, as redes escolares enfrentaram resistência às aulas presenciais devido à pouca confiança da comunidade nas diretrizes de segurança, à vulnerabilidade de professores idosos a resultados graves de COVID-19 e à estratégia do governo de implementação de vacinas para as crianças. Por último, também foram mencionadas as dificuldades na implementação de estratégias de educação híbrida. Saúde O setor da saúde teve um papel de destaque ao longo da pandemia, pois esteve na linha de frente da resposta à propagação da COVID-19. Em relação aos principais desafios enfrentados pelo setor, os municípios mencionaram não ter pessoal qualificado suficiente para dar continuidade à prestação de serviços regulares de saúde além das necessidades geradas pela pandemia. Os municípios adotaram uma série de abordagens para aumentar o número de profissionais de saúde disponíveis. Ampliaram a jornada de trabalho e contrataram novos profissionais de saúde por meio de licitações, contratos temporários com entidades parceiras, processos seletivos emergenciais ou simplificados e também através do programa Mais Médicos. Os municípios também ofereceram cursos sobre os procedimentos das normas de COVID-19 para manter os profissionais de saúde atualizados sobre as práticas de segurança e apoio e estabeleceram equipes de treinamento para fornecer informações sobre os protocolos do Ministério da Saúde. Os municípios também empreenderam esforços para oferecer apoio psicológico aos profissionais de saúde diretamente envolvidos na resposta à pandemia. Além dos recursos humanos, outro desafio para o setor da saúde tem sido o fornecimento de infraestrutura e materiais, o que exige o mapeamento das necessidades de recursos e o planejamento de compras emergenciais. Os municípios ampliaram os leitos de UTI, ambulâncias, tanques de oxigênio, equipamentos de proteção individual para equipe médica e medicamentos. Além disso, os municípios adotaram medidas emergenciais para ampliar a oferta de recursos (máscaras, testes, vacinas etc.) necessários ao combate à COVID-19, como prospecção de novos fornecedores nacionais, estabelecimento de parcerias e coordenação com outros sistemas de compras. Atores da sociedade civil também doaram recursos Relatório de Capital Humano no Brasil financeiros para combater a pandemia, a fim de complementar os esforços de compras municipais. Outras responsabilidades do setor da saúde incluíram a publicação de notas técnicas com normas e diretrizes específicas para diversos estabelecimentos públicos e privados, incluindo farmácias, escolas e academias. Isso foi feito para divulgar informações à população sobre a gravidade da pandemia e direcioná-la ao Sistema Único de Saúde. As capitais formaram um comitê científico local para definir diretrizes de isolamento e estratégias gerais de saúde pública com base nas recomendações do Governo Federal e da OMS. As capitais também estabelecem estratégias de comunicação pública baseadas na transparência de dados por meio das redes sociais e boletins diários para comunicar as diretrizes. 226 Assistência Social Em termos de assistência social, com a pandemia surgiram desafios na oferta de benefícios e serviços às populações vulneráveis. A política de assistência social no Brasil tem duas funções principais: a prestação de serviços sociais por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a concessão de benefícios monetários diretos, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), uma transferência de renda não-condicionada para pessoas idosas ou extremamente pobres com deficiência, além do PBF. Em termos de coordenação, o SUAS foi concebido para atuar de forma descentralizada, distribuindo poder, recursos e responsabilidades entre estados e municípios. O Governo Federal é responsável por aprovar diretrizes nacionais e desenvolver estratégias e protocolos de avaliação, enquanto os governos municipais coordenam a prestação de serviços e os estados os auxiliam oferecendo assistência financeira e técnica (Segatto et al., 2022). Em abril de 2020, o Governo Federal lançou o Auxílio Emergencial (AE) para proteger brasileiros de baixa renda afetados pela pandemia de COVID-19. O AE foi concebido como um programa temporário de transferência de renda, com duração de alguns meses (embora tenha durado um total de 16 meses), e estava limitado àqueles que ainda não estavam cobertos por outras transferências de proteção social. O AE foi implementado por muitos atores institucionais no nível do governo central, com pouca ou nenhuma participação dos governos subnacionais ou do SUAS (Lara de Arruda et al., 2022). Não é à toa que, quando questionados sobre os desafios enfrentados pela rede de proteção social, os entrevistados destacaram que tiveram dificuldades em fornecer informações aos beneficiários sobre como acessar o AE, pois o SUAS não fazia parte da operação. A pandemia aumentou a pobreza e, consequentemente, gerou um aumento na demanda de acesso ao Cadastro Único, o registro social dos pobres e vulneráveis do Brasil usado para inscrição na AE, mas conceder esse novo benefício foi um desafio. O Bolsa Família, também estava disponível, mas tinha uma longa lista de espera, o que desencorajava muitos a entrar na fila ou revalidar pedidos vencidos (Lara de Arruda et al., 2022). Os entrevistados também expressaram que foi um desafio manter o registro de beneficiário do Bolsa Família. Outro ponto crítico é que o acesso a esses benefícios exige que os solicitantes tenham celular para receber as transferências em dinheiro por meio de um aplicativo. Os serviços oferecidos pelo SUAS, que tradicionalmente são oferecidos de forma presencial, também tiveram que ser prestados remotamente devido ao distanciamento social, exigindo novos métodos e tecnologias online com novos protocolos de funcionamento. Tanto a falta de recursos tecnológicos quanto a suspensão dos atendimentos presenciais foram destacados pelos entrevistados como desafios ao operacionalizar o SUAS durante a pandemia. Os entrevistados afirmaram que o acesso a serviços remotos desconsiderava o contexto de vulnerabilidade e/ou risco social dos beneficiários que, por vezes, careciam de recursos técnicos. A insuficiência de recursos humanos também foi destacada. À medida que os serviços individualizados foram priorizados em relação aos serviços coletivos, os prestadores de serviço de assistência social tiveram aumento na demanda de tempo e carga de trabalho. Alguns serviços continuaram a ser prestados presencialmente com pequenas adaptações, como o uso de máscaras faciais ou reuniões em espaços abertos. Alguns municípios também identificaram o trabalho infantil como uma ameaça crescente durante a crise e promoveram ações para erradicá-lo. Outros entrevistados expressaram dificuldades em gerenciar e coordenar a expansão de abrigos temporários para moradores de rua devido ao aumento da demanda por abrigos. Assim, na assistência social, os principais desafios estavam relacionados à articulação local de benefícios como o AE e o PBF e à falta de ferramentas, protocolos e recursos humanos adequados para a prestação de serviços remotos. Relatório de Capital Humano no Brasil Análise Comparativa do Setor Considerando-se os dados de pesquisa coletados sobre práticas políticas, capacidade de coordenação e formalização de procedimentos para cada setor, é possível avaliar o desempenho geral de seis grandes categorias: (i) recursos, (ii) coleta e monitoramento de dados, (iii) uso de informações, (iv) procedimentos padrão formalizados, (v) trabalho intersetorial e intrasetorial e (vi) aprendizagem ao longo da vida para os profissionais. Conforme mencionado no início deste capítulo, as três primeiras categorias estão 227 relacionadas ao ambiente propício, pois instruem os formuladores de políticas e são elementos-chave para o planejamento e ajustes de políticas. Ao mesmo tempo, procedimentos padronizados formalizados, trabalho intersetorial e aprendizagem ao longo da vida são categorias que informam sobre a qualidade da prestação de serviços, pois revelam a capacidade dos formuladores de políticas de executar ações com base nas informações que podem fornecer. A Figura 9.22 apresenta um diagnóstico geral de cada setor considerando as respostas à pesquisa aplicada nesta seção. Coleta de dados Procedimentos Aprendizagem Uso de Trabalho Setores Recursos para padrão ao longo da informações intersetorial monitoramento formalizados vida Educação . . . . . . Saúde . . . . . . Assistência . . . . . . Social Nota: As caixas vermelhas indicam áreas onde há um problema geral para as redes municipais. As caixas amarelas indicam áreas onde existem boas práticas emergentes com espaço para melhorias e as caixas verdes indicam áreas onde as práticas observadas podem levar a uma boa gestão de políticas. Figura 9.22 Avaliação Geral do Desempenho dos Setores Em relação à disponibilidade de recursos, os meios inadequados de financiar e de garantir pessoal para o setor de assistência social foram mais frequentemente identificados como barreiras à execução de políticas públicas. As secretarias de saúde sinalizaram a necessidade de mais profissionais da atenção básica especializados em desnutrição e educação e a necessidade de atender à demanda pré- existente de professores de educação infantil com experiência em alfabetização precoce. Com relação ao financiamento, os orçamentos de saúde e educação estão vinculados a um mínimo constitucional, enquanto os orçamentos de assistência social não, o que explica as principais diferenças no desempenho do setor (conforme refletido no número de áreas vermelhas na linha de assistência social na Figura 9.22). As secretarias de educação e de assistência social também identificaram desafios de infraestrutura. As secretarias de educação apontaram dificuldades na adequação das escolas para atender às necessidades de acessibilidade e de acesso à banda larga, principalmente naquelas fora dos centros urbanos. As secretarias de assistência social apontaram a necessidade de mais centros de referência de assistência social (CRAS) e de pessoal qualificado. O consenso de que o número de centros existentes é insuficiente para atender à população vulnerável e que a maioria dos centros está na região central, longe das populações vulneráveis que necessitam de serviços. A coleta e o monitoramento de dados estão relacionados aos esforços para obter dados e usá-los para acompanhar o progresso em assuntos relevantes. Na educação, há uma heterogeneidade na periodicidade da coleta de dados que corresponde à frequência com que os dados são usados para fins de planos Relatório de Capital Humano no Brasil e intervenções/adaptações. A maioria dos indicadores monitorados está relacionada à frequência e desempenho dos alunos, que são regulamentados, e a maioria dos dados é coletada anualmente, o que sugere que a maior parte do planejamento é realizada anualmente. Apenas 28 por cento de todos os municípios usam dados coletados para avaliação de professores e menos ainda (cerca de 25 por cento) usam dados avaliar os diretores. Todos os municípios afirmaram que os planos municipais de saúde são estabelecidos por um período de quatro anos, mas revisados anualmente. Com a mudança de foco, das internações para os cuidados preventivos na atenção primária, desenvolveu-se uma cultura de monitoramento. A maioria dos municípios possui mecanismos de monitoramento de diabetes e hipertensão, mas há poucas iniciativas voltadas para outras doenças não transmissíveis. Na assistência social, embora 228 a maioria dos municípios entrevistados tenha declarado possuir uma Vigilância Socioassistencial, poucos possuem sistemas de monitoramento de dados. Isso sugere que as informações não são sistematizadas e utilizadas no planejamento e monitoramento. A coleta de dados geralmente é feita para o Cadastro Único, mas as secretarias ainda precisam integrar esse banco de dados em suas rotinas de planejamento e monitoramento. No que se refere ao uso da informação, analisou-se a coleta e o monitoramento das variáveis utilizadas para o planejamento e definição de metas. Apenas 65 por cento das secretarias de educação utilizam dados para alocar recursos dentro de suas redes. As secretarias informaram que sabem acompanhar assuntos relacionados aos alunos, mas que é necessária orientação sobre o uso dessas informações. Por exemplo, as secretarias têm meios para identificar alunos em risco de abandono escolar, mas não possuem um procedimento padrão para lidar com a situação. Na saúde, apenas dois municípios afirmaram ter relatórios regulares de monitoramento com base em indicadores do plano quadrienal, mas 73 por cento dos municípios indicaram que controlam a qualidade da prestação e a resolutividade do serviço, o que sugere uma cultura comum no uso de informações e atividades de monitoramento. Na assistência social, a principal fonte de dados é o Cadastro Único, pois há uma lacuna geral na coleta de dados socioterritoriais. Isso afeta o acesso a dados locais que seriam úteis para fins de planejamento e limita o alcance dos CRAS, que funcionam com base em necessidades territoriais. A categoria de procedimentos padronizados formais avalia a existência de mecanismos que garantam um desempenho consistente e replicável na implementação de políticas. Isso está relacionado à existência de protocolos de referência e contrarreferência e de outras orientações e requisitos formalizados para a implementação de políticas. Há uma falta geral de formalização nos três setores, o que pode afetar a capacidade de garantir a prestação de serviço com qualidade homogênea. Por exemplo, na educação, seriam benéficas orientações sobre como trabalhar com alunos com alto risco de abandono escolar. Na saúde e assistência social, podem ser desenvolvidos protocolos para melhorar a coordenação entre os serviços básicos e serviços de média ou alta complexidade. A capacidade de coordenar setores está relacionada à habilidade de implementar políticas que envolvam mais de um setor. Apesar da existência de políticas multissetoriais, os profissionais envolvidos na sua implementação têm manifestado dificuldades na execução do trabalho intersetorial. Procedimentos formalizados com objetivos e responsabilidades claros ajudariam a remediar esse problema. Por último, todos os setores promovem iniciativas de aprendizagem ao longo da vida para seus profissionais, ou seja, ações voltadas para a educação permanente dos funcionários. No entanto, algumas áreas específicas precisam de mais atenção do que outras, incluindo a primeira infância, amamentação, alfabetização, proteção social e gestão do sistema de assistência social. Relatório de Capital Humano no Brasil 229 Conclusão O Capital Humano como Motor de Mudanças O capital humano é um motor de mudanças. Este relatório visa alertar sobre o volume significativo de talentos não desenvolvidos no Brasil, tanto antes da pandemia quanto na atualidade. O objetivo de promover-se uma medida de produtividade futura (como o ICH) é orientar as ações de políticas na direção certa. Se nada for feito, as crianças nascidas hoje não conseguirão desenvolver pelo menos 40 por cento de sua potencial produtividade futura. Essa é uma realidade que o Brasil não pode ignorar; na ausência de medidas sistemáticas, as desigualdades atuais continuarão a aumentar. Mais do que nunca, é hora de colocar as pessoas - e, principalmente, as crianças - no centro da agenda de políticas. O conceito de muitos Brasis aponta os locais que necessitam de políticas de intervenção. O grande desafio do Brasil nos próximos anos é melhorar e recuperar o desempenho de seu capital humano sem ampliar as desigualdades regionais. Entre 2007 e 2019, o aumento (de 7 pontos) do ICH no Brasil não foi acompanhado de uma redução substancial das desigualdades geográficas. Nesse período, os municípios com os piores e melhores desempenhos tenderam a permanecer na mesma posição do ranking. Isso significa que o aumento registrado de capital humano nos estados ocorreu às custas do aumento da desigualdade. O conceito de muitas desigualdades mostra que as populações mais vulneráveis são as que precisam de mais proteção após a pandemia. As políticas para construir um Brasil mais forte após a pandemia devem focar nas desigualdades, tanto geográficas quanto entre grupos. Os ganhos de produtividade observados entre 2007 e 2019 foram menores entre as pessoas negras e indígenas. A população branca teve um aumento anual de 0,63 ponto, ao passo que os negros e a população indígena tiveram aumentos de 0,43 ponto e de 0,04 ponto, respectivamente, no mesmo período. As pessoas brancas continuam a prosperar enquanto as pessoas negras e indígenas são deixadas para trás. As desvantagens dos grupos não-brancos começam antes mesmo do nascimento, com assistência pré- natal insuficiente, e os efeitos perduram por todo o ciclo vital, afetando todos os componentes do ICH. O conceito de talento no trabalho trata das dificuldades do mercado de trabalho em absorver talentos, principalmente entre as mulheres. Antes da pandemia, as pessoas - tanto mulheres quanto homens - acumulavam e utilizavam apenas 38,7 por cento de seu potencial. Para as mulheres e negros, o ônus era ainda maior. As mulheres chegam ao mercado de trabalho com mais capital humano acumulado do que os homens, mas o mercado de trabalho não consegue utilizar seu potencial produtivo, razão pela qual há tamanha disparidade entre o ICH observado e o ICH utilizado das mulheres. Vários outros fatores aumentam a necessidade de tratar das políticas do mercado de trabalho além da baixa produtividade - por exemplo, os efeitos do envelhecimento da população nas políticas de bem-estar social. Experiências bem sucedidas para reverter a baixa taxa de fecundidade e melhorar a integração das mulheres no mercado de trabalho estão relacionadas à existência, ao mesmo tempo, de mercados de trabalho estáveis e serviços formais para cuidar das crianças. No entanto, o relatório também mostra que muito foi feito no Brasil nos últimos 12 anos, o que se reflete em um melhor desempenho geral do ICH ao longo dos anos. Devido a seus impactos comprovados, exemplos internacionais e amplamente conhecidos de inovação em políticas sociais foram replicados no Brasil102. Programas de proteção social como o PBF conseguiram chegar até os mais necessitados e tiveram repercussões na saúde e na educação, especialmente entre as crianças. Da mesma forma, a ESF ajudou a reduzir a mortalidade em todas as faixas etárias. A implementação de programas de ação afirmativa na educação também ajudou a aumentar o acesso à educação das comunidades de baixa renda, dos negros e dos indígenas. No nível subnacional, rotinas de monitoramento e ações informadas por dados são exemplos de práticas bem-sucedidas observadas em municípios com desempenhos acima da média do período. Apesar dessas conquistas positivas, o governo não deve ignorar os desafios futuros ao garantir Relatório de Capital Humano no Brasil que todos os brasileiros tenham melhores oportunidades de desenvolver seus talentos e despontarem como membros produtivos da sociedade. Esses desafios se tornaram ainda mais urgentes devido aos impactos da pandemia de COVID-19, que retrocedeu a acumulação de capital humano em mais de uma década. Daqui para frente, o Brasil deve garantir que ninguém fique para trás e acelerar a trajetória rumo a uma sociedade altamente desenvolvida. ICH deve ser melhorado e recuperado sem aumentar as desigualdades geográficas 102 Aransiola et al (2022). 231 Pode-se dizer que o maior desafio do Brasil nos próximos anos será melhorar e recuperar o desempenho de seu capital humano sem aumentar as desigualdades regionais. O aumento notável do ICH no Brasil entre 2007 e 2019 não foi acompanhado de uma redução expressiva das desigualdades geográficas. A lacuna entre o norte e o sul praticamente não mudou. As maiores desigualdades foram observadas dentro das regiões e não entre elas. Para recuperar a queda do ICH equivalente a 12 anos causada pela pandemia de COVID-19, devem ser elaboradas políticas para aumentar o capital humano em nível municipal. Direcionar políticas públicas para as regiões de baixo desempenho (Norte e Nordeste) não será suficiente. As políticas elaboradas devem se concentrar nas necessidades de municípios específicos que estão ficando para trás em matéria de desempenho do capital humano. Simultaneamente, é necessário adotar processos que possibilitem uma prestação de serviços homogênea, com padrões e controle de qualidade nos diversos municípios. A coordenação de iniciativas multissetoriais também terá um papel fundamental na reconstrução do capital humano em nível municipal. As ações multissetoriais potencializam o fluxo de informações e, portanto, serão importantes para melhorar o acesso das populações mais vulneráveis aos serviços oferecidos. As pessoas negras e indígenas devem ser priorizadas nas políticas De modo geral, as políticas de reconstrução do capital humano devem se concentrar em reduzir as disparidades entre grupos raciais. Os ganhos de produtividade entre 2007 e 2019 foram menos observáveis em relação às pessoas negras e indígenas, cuja lacuna de ICH já era considerável em 2007. Porém, em vez de convergência, enquanto a população branca teve um aumento anual de 0,63 ponto no desempenho do capital humano nos 12 anos que antecederam a pandemia, as pessoas negras e indígenas apresentaram 0,43 ponto e 0,04 ponto de aumento, respectivamente, no mesmo período. As pessoas brancas prosperam enquanto as pessoas negras e indígenas ficam para trás. As desvantagens dos grupos não-brancos começam antes mesmo do nascimento com a precariedade da assistência pré-natal, cujos efeitos perduram por todo o ciclo vital, afetando todos os componentes do ICH. A diferença nas taxas de homicídios entre as populações negra e branca é preocupante e explica grande parte das diferenças observadas nas taxas de sobrevivência dos adultos. Além disso, a pandemia afetou desproporcionalmente a população negra. As famílias negras são mais frequentemente expostas a condições prejudiciais de vida e trabalho, tornando-as mais suscetíveis à infecção por COVID-19. Além disso, os problemas de conectividade no aprendizado à distância são mais severos para a população negra. Nesse sentido, o caminho para a recuperação do capital humano deve incluir políticas voltadas para grupos raciais específicos. A acumulação e o uso de capital humano devem ser iguais entre os gêneros Os homens apresentam ICHs sistematicamente inferiores aos das mulheres, o que se explica, principalmente, pela taxa de sobrevivência de adultos mais baixa entre os homens e pela expectativa de terem menos anos de escolaridade. As políticas que visam reduzir a disparidade de gênero no capital humano devem enfocar a diminuição da mortalidade por fatores externos, como agressões e acidentes de transporte, que são mais prevalentes entre os homens. As taxas de abandono escolar e repetência entre os meninos são outros fatores que explicam por que o ICH dos homens é menor que o das mulheres. Durante a pandemia de COVID-19, no entanto, as taxas de abandono escolar aumentaram entre os alunos de ambos os gêneros. Embora ainda não haja evidências de diferenças entre os gêneros, as razões que levam os alunos a abandonar a escola tendem a ser diferentes entre os meninos e as meninas. A necessidade de trabalhar é a principal causa de abandono escolar entre os meninos; entre as meninas, a gravidez na adolescência e as tarefas domésticas são os principais motivos. As políticas Relatório de Capital Humano no Brasil de educação, portanto, precisam incidir sobre os comportamentos específicos que motivam o abandono escolar no contexto da crise de COVID-19. O ICH mede a produtividade potencial de uma pessoa em um cenário onde ela encontra uma vaga no mercado de trabalho. Considerando-se as altas taxas de desemprego no Brasil, no entanto, não há garantia de que essa premissa se concretizará. De fato, mesmo antes da pandemia, os cidadãos acumulavam e utilizavam apenas 38,7 por cento de seu potencial. Para as mulheres e negros, o ônus é ainda maior. Embora acumulem mais capital humano que os homens, as mulheres não são igualmente reconhecidas no mercado de trabalho, razão pela qual há tamanha disparidade entre o ICH observado e 232 o ICH utilizado. Vários agravantes ressaltam a urgência de se adotarem políticas de mercado de trabalho que vão além da baixa produtividade e tratem, por exemplo, do envelhecimento da população e de suas consequências nas políticas de bem-estar social. Experiências bem sucedidas para reverter a baixa taxa de fecundidade e melhorar a integração das mulheres no mercado de trabalho estão relacionadas à existência, ao mesmo tempo, de mercados de trabalho estáveis e serviços formais para cuidar das crianças. O ICH pode ser melhorado por meio de políticas bem estabelecidas A análise mostra que a variação da renda per capita é responsável por apenas um quinto do ICH, aproximadamente. Isso indica que há muito espaço para melhorar o desempenho do ICH por meio de políticas públicas. A criação de um sistema de saúde universal e um novo currículo básico nacional no ensino fundamental, bem como uma reforma abrangente do ensino médio, abriram espaço para o Brasil melhorar seu desempenho em matéria de ICH. Apesar das conquistas de políticas notáveis como o PBF, a ESF e reformas em todos os níveis de ensino, ainda são necessários mais esforços. A análise quantitativa mostra que escolas em tempo integral e políticas destinadas a prevenir a gravidez na adolescência podem melhorar o desempenho do componente de educação do ICH. As políticas antiviolência voltadas para a redução das taxas de homicídio têm o potencial de elevar as taxas de sobrevivência dos adultos. Além disso, as políticas que promovem a escolaridade de jovens e adultos podem melhorar o desempenho do ICH, uma vez que o nível de escolaridade dos pais está ligado a melhores indicadores de sobrevivência infantil e aumenta diretamente os anos esperados de escolaridade. Dados são necessários para dar visibilidade aos problemas O Brasil possui dados administrativos valiosos com informações desagregadas que proporcionam um retrato detalhado do capital humano no país. Há, no entanto, algumas limitações de dados, resumidas a seguir, que precisam ser tratadas para garantir avanços nesse sentido. A primeira limitação diz respeito aos dados de gênero-sexo. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) deixou de divulgar seus dados desagregados por sexo em 2019. Por isso, a análise desagregada por sexo se estende apenas até 2017. Ademais, a análise de gênero foi realizada em função do sexo, pois não há dados referentes a gênero amplamente disponíveis nas bases de dados. Em segundo lugar, combinar conjuntos de dados pode causar inconsistências em relação à raça. Em alguns bancos de dados a raça é autoidentificada e, em outros, é designada por terceiros. Terceiro, dados sobre a população indígena costumam ser subnotificados. Por exemplo, os dados sobre as taxas de emprego de povos indígenas não são representativos. A ausência de dados torna o problema invisível. Os formuladores de políticas devem estar atentos para gerar dados confiáveis e desagregados para produzir evidências que reflitam os “vários Brasis” e elucidem formas de melhorar a situação. TABELA 10.1 Desafios e Recomendações de Política Ciclo de Vida Desafio Governo Federal Estado e Municípios • Firmar parcerias entre o Relatório de Capital Humano no Brasil setor público, ONGs e o setor privado • Definir diretrizes de Reduzir a desigualdade no licenciamento para padrões • Supervisionar e garantir o Primeiros Anos acesso à educação infantil mínimos cumprimento das diretrizes • Providenciar estruturas para controlar, monitorar e regular modelos de gestão conjunta nas escolas 233 Ciclo de Vida Desafio Governo Federal Estado e Municípios • Organizar redes de • Desenvolver diretrizes compartilhamento de curriculares específicas conhecimentos sobre o que Primeiros Anos Controle de qualidade do DPI com atividades adequadas à funciona em cada território idade, visando fazer cumprir (por exemplo, grupos de os padrões de qualidade trabalho sobre o DPI) • Monitorar a matrícula dos alunos para evitar que as taxas de abandono escolar voltem a crescer • Gerenciar a quantidade e a qualidade da merenda • Fornecer uma estrutura escolar Crianças e Reter alunos em risco de para os governos locais Adolescentes abandono escolar implementarem um sistema • Oferecer transporte escolar de alerta precoce eficiente para todos os alunos, independentemente da distância até a escola • Oferecer aulas extracurriculares para os alunos que ficam para trás (ensinar no nível certo) • Desenvolver programas que integrem diretamente os jovens ao mercado de trabalho, e que: • Incluam treinamento presencial e estágios em empresas locais Crianças e Facilitar a transição dos jovens Adolescentes da escola para o trabalho • Destinem-se a jovens de famílias pobres com baixa escolaridade • Forneçam uma bolsa inferior a um salário mínimo para fins de transporte e alimentação • Adotar um exame nacional para certificar os docentes • Incorporar um diagnóstico formados antes do início das necessidades de Relatório de Capital Humano no Brasil das atividades em sala de formação com base em aula áreas temáticas e nos professores que mais Crianças e Professores de qualidade • Fornecer uma estrutura precisam de ajuda Adolescentes para que os municípios e estados identifiquem • Implementar um sistema os pontos fracos dos de recompensa para professores por meio de os professores de alto medidas de desempenho desempenho (PISA, IDEB, ENEM) 234 Ciclo de Vida Desafio Governo Federal Estado e Municípios • Criar programas direcionados para manter na escola alunos com deficiência, negros e indígenas - por exemplo, transferências de renda, subsídios e outros tipos de ajuda/apoio • Intensificar ações • Implementar programas afirmativas junto ao para ajudar as minorias e setor privado por meio de mulheres a desenvolver incentivos à diversidade no habilidades para adentrar local de trabalho um mercado cada vez mais • Implementar programas competitivo vocacionais que priorizem • Oferecer oportunidades de as minorias e desestimulem treinamento em diversidade a segregação ocupacional Educação inclusiva e acesso e questões étnico-raciais ao mercado de trabalho para para os funcionários das • Criar um mecanismo Vida Adulta mulheres, pessoas negras escolas adequado de vigilância das e indígenas e pessoas com políticas antidiscriminação deficiência • Investir mais em • Adotar as diretrizes infraestrutura, despesas sugeridas pelo Washington escolares e inclusão digital Group Short Set on em escolas com ampla Functioning (WG-SS) no presença de alunos negros Censo nacional e pesquisas e indígenas domiciliares para coletar • Melhorar e ampliar os dados harmonizados e com serviços locais de cuidado mais nuances sobre as infantil e cuidados de longa PCDs duração • Prestar serviços de intermediação com o mercado de trabalho, como assistência à procura e colocação de emprego em centros de assistência social • Ampliar o escopo de Ampliar o monitoramento de atuação dos enfermeiros Vida Adulta doenças não transmissíveis para ampliar a cobertura da atenção primária à saúde Relatório de Capital Humano no Brasil • Fornecer um sistema de prontuários A fragmentação da rede médicos eletrônicos e do SUS causa grandes Todas as Idades compartilhados, com um ineficiências e duplicação de número permanente de serviços identificação atribuído a cada paciente 235 Ciclo de Vida Desafio Governo Federal Estado e Municípios • Fornecer diretrizes de ajuste para os estados e municípios visando ajudá- Os municípios e estados los a adequar suas políticas • Treinar e qualificar têm dificuldade em ajustar aos indicadores relevantes funcionários do setor Todas as Idades a execução das políticas e monitorados (educação, público em alfabetização de de acordo com as variáveis saúde e assistência social) dados (data literacy) monitoradas • Fornecer modelos de diagnóstico situacional • Fornecer uma estrutura de política para o planejamento de políticas multissetoriais com metas e responsabilidades claras para cada setor • Treinar funcionários do Dificuldades na implementação Todas as Idades setor público em processos da política multissetorial • Fornecer quadros de monitoramento de referência e contrarreferência para melhorar o fluxo de comunicação entre os diferentes setores e instituições As políticas recomendadas devem ser adaptadas a cada um dos muitos Brasis O relatório destacou os desafios do ciclo de vida que podem afetar o desempenho atual do ICH em todas as faixas etárias. No caso das crianças menores de cinco anos, o grande desafio diz respeito à expansão e controle de qualidade da rede de ensino. O principal desafio para as crianças em idade escolar é a forma como a escola atrai a geração mais jovem, o que tem relação com as políticas de retenção escolar e de transição para o mercado de trabalho. Na idade adulta, os desafios a enfrentar dizem respeito à inclusão das minorias no mercado de trabalho para melhorar o uso do capital humano acumulado. Por fim, o aumento da incidência de doenças não transmissíveis pode ter um efeito enorme sobre a expectativa Relatório de Capital Humano no Brasil de vida e a produtividade na vida adulta, além de aumentar a demanda por serviços de saúde decorrente do envelhecimento da população. O caminho à frente envolverá inovações e experimentações de políticas baseadas em modelos de sucesso que podem ajudar o Brasil a recuperar e acelerar a acumulação de capital humano. Recomenda-se a implementação de políticas que possam ser adotadas nas diversas esferas de governo (Federal, estadual e municipal). Isso é importante principalmente para a prestação de apoio e incentivo à adoção de procedimentos de formalização. Recomenda-se também a replicação de políticas que comprovadamente diminuem a desigualdade. Será necessária uma análise dos elementos fundamentais do sucesso dessas políticas para adaptá-las a contextos diversos. 236 O Capital Humano no Brasil: Rumo a um Futuro de Recuperação e Prosperidade O relatório indicou caminhos que podem levar a um melhor desempenho no ICH. As condições socioeconômicas estão intimamente ligadas à acumulação de capital humano. O aumento da escolaridade dos pais deve ser prioridade, pois tem um efeito-cascata nos componentes da educação (RAH e AEE) e nas taxas de ausência de déficit de crescimento e de sobrevivência infantil. As ações devem ser adotadas com perspectivas de curto e longo prazo, pois os resultados de algumas dessas políticas podem levar uma geração para se concretizarem. A qualidade dos serviços prestados aos pobres também deve ser priorizada. Neste momento, os itens mais urgentes da agenda política são (i) recuperar as perdas atuais por meio de políticas de educação inclusiva e (ii) proporcionar um sistema de saúde resiliente e com serviços concebidos para chegar até os mais necessitados. As experiências federais e subnacionais de sucesso adotadas durante a pandemia de COVID-19 trazem lições valiosas para o futuro. O governo deve aproveitar essas lições e trabalhar em prol de um progresso equitativo, garantindo que as políticas cheguem àqueles que sistematicamente se encontram em condições desfavorecidas. Embora ainda haja muito trabalho a ser feito, é possível para o Brasil seguir pelo caminho da plena recuperação e vislumbrar um futuro mais próspero. A pandemia de COVID-19 exacerbou - e muito - os desafios das políticas públicas já existentes; infelizmente, não há uma solução rápida para remediar tal situação. As perdas de saúde e aprendizado não serão revertidas se continuarmos fazendo o mesmo de sempre. Será que a solução é voltar ao passado? Provavelmente não. Como mostra a história do Brasil, grande parte dos ganhos de capital humano conquistados pelos estados na última década ocorreu à custa do aumento da desigualdade. A situação é semelhante nos municípios: os aumentos do ICH não reduziram a desigualdade. Assim, embora seja possível retornar aos níveis de crescimento do ICH de antes da pandemia, o Brasil terá muito mais a ganhar se, desta vez, o objetivo for alcançado de forma equitativa. Relatório de Capital Humano no Brasil 237 Referências Acciari, L. (2019). Decolonising labour, reclaiming subaltern epistemologies: Brazilian domestic workers and the international struggle for labour rights.  Contexto Internacional,  41, 39–64.  https://doi. org/10.1590/S0102-8529.2019410100003 Adair, L. S., Fall, C. H. D., Osmond, C., Stein, A. D., Martorell, R., Ramirez-Zea, M., Sachdev, H. S., Dahly, D. L., Bas, I., Norris, S. A., Micklesfield, L., Hallal, P., Victora, C. G., & COHORTS group. (2013). Associations of linear growth and relative weight gain during early life with adult health and human capital in countries of low and middle income: Findings from five birth cohort studies.  Lancet (London, England), 382(9891), 525–534. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)60103-8 Adams, E. A., Kurtz-Costes, B. E., & Hoffman, A. J. (2016). Skin tone bias among African Americans: Antecedents and consequences across the life span. Developmental Review, 40, 93–116. Adelman, M. A., & Szekely, M. (2016). School dropout in Central America: An overview of trends, causes, consequences, and promising interventions.  World Bank Policy Research Working Paper, 7561. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/23914 Adelman, M., Haimovich, F., Ham, A., & Vazquez, E. (2018). Predicting school dropout with administrative data: New evidence from Guatemala and Honduras. Education Economics, 26(4), 356–372. Agência Brasil. (2019). Ipea: Trabalho doméstico é exercido por mulheres mais velhas. https://agenciabrasil. ebc.com.br/economia/noticia/2019-12/ipea-trabalho-domestico-e-exercido-por-mulheres-mais- velhas Agência Brasil. (2021, October 23). Trabalho remoto foi mais recorrente para quem tinha curso superior. Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-10/trabalho-remoto- foi-mais-recorrente-para-quem-tinha-curso-superior Agencia Brasil. (2022a). Censo Escolar: Mais de 650 mil crianças saíram da escola em três anos. https:// agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2022-01/censo-escolar-mais-de-650-mil-criancas- sairam-da-escola-em-tres-anos#:~:text=Redes%20de%20ensino&text=Nos%20anos%20 iniciais%2C%2018%25%20dos,4%2C8%20milh%C3%B5es%20de%20alunos. Agência Brasil. (2022b). Emprego com carteira cresce 4% no trimestre encerrado em novembro. Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2022-01/emprego-com-carteira-cresce- 4-no-trimestre-encerrado-em-novembro Aguilera, N., & Marrufo, G. M. (2007). Can better infrastructure and quality reduce hospital infant mortality rates in Mexico? Health Policy, 80(2), 239–252. https://doi.org/10.1016/j.healthpol.2006.03.003 Akarçay-Gürbüz, A., & Polat, S. (2017). Schooling opportunities and intergenerational educational mobility in Turkey: An IV estimation using Census data. The Journal of Development Studies, 53(9), 1396– 1413. https://doi.org/10.1080/00220388.2016.1234038 Akee, R. K., Copeland, W. E., Keeler, G., Angold, A., & Costello, E. J. (2010). Parents’ incomes and children’s outcomes: A quasi-experiment using transfer payments from casino profits.  American Economic Journal: Applied Economics, 2(1), 86–115. https://doi.org/10.1257/app.2.1.86 Albouy, V., & Lequien, L. (2009). Does compulsory education lower mortality?  Journal of Health Economics, 28(1), 155–168. https://doi.org/10.1016/j.jhealeco.2008.09.003 Relatório de Capital Humano no Brasil Alderman, H., & Headey, D. D. (2017). How important is parental education for child nutrition?  World Development, 94, 448–464. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2017.02.007 Alfonsi, L., Bandiera, O., Bassi, V., Burgess, R., Rasul, I., Sulaiman, M., & Vitali, A. (2020). Tackling youth unemployment: Evidence from a labor market experiment in Uganda.  Econometrica,  88(6), 2369– 2414. Almås, I., Cappelen, A. W., Salvanes, K. G., Sørensen, E. Ø., & Tungodden, B. (2016). What explains the gender gap in college track dropout? Experimental and administrative evidence.  American Economic Review, 106(5), 296–302. https://doi.org/10.1257/aer.p20161075 238 Almeida, M. da C. C., Aquino, E. M., & Barros, A. P. de. (2006). School trajectory and teenage pregnancy in three Brazilian state capitals. Cadernos de Saúde Pública, 22(7), 1397–1409. https://doi.org/10.1590/ S0102-311X2006000700005 Almeida, R., Bresolin, A., Pugialli Da Silva Borges, B., Mendes, K., & Menezes-Filho, N. A. (2016). Assessing the impacts of Mais Educacao on educational outcomes: Evidence between 2007 and 2011.  World Bank Policy Research Working Paper, 7644. http://hdl.handle.net/10986/24218 Almeida, R. K., & Packard, T. G. (2018).  Skills and jobs in Brazil: An agenda for youth. World Bank Publications. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/29958?locale-attribute=es Amaral, E. F. de L., & Monteiro, V. do P. (2013). Avaliação de impacto das condicionalidades de educação do Programa Bolsa Família (2005 e 2009).  Dados,  56(3), 531–570.  https://doi.org/10.1590/S0011- 52582013000300003 Anderson, M. I. P. (2019). Médicos pelo Brasil e as políticas de saúde para a Estratégia Saúde da Família de 1994 a 2019: Caminhos e descaminhos da Atenção Primária no Brasil. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, 14(41), 2180–2180. http://orcid.org/0000-0002-8155-7438 Andrade, M. V., Coelho, A. Q., Xavier Neto, M., Carvalho, L. R. de, Atun, R., & Castro, M. C. (2018). Transition to universal primary health care coverage in Brazil: Analysis of uptake and expansion patterns of Brazil’s Family Health Strategy (1998-2012). PloS One, 13(8), e0201723. https://doi.org/10.1371/journal. pone.0201723 Andrade, T. (2016). Mulheres no mercado de trabalho: Onde nasce a desigualdade. BrWasília: Câmara Dos Deputados. https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/29160 Andreucci, C. B., & Knobel, R. (2021). Social determinants of COVID-19-related maternal deaths in Brazil. The Lancet Regional Health–Americas, 3. https://doi.org/10.1016/j.lana.2021.100104 Angrist, N., de Barros, A., Bhula, R., Chakera, S., Cummiskey, C., DeStefano, J., Floretta, J., Kaffenberger, M., Piper, B., & Stern, J. (2021). Building back better to avert a learning catastrophe: Estimating learning loss from COVID-19 school shutdowns in Africa and facilitating short-term and long-term learning recovery. International Journal of Educational Development, 84, 102397. https://doi.org/10.1016/j. ijedudev.2021.102397 Aquino, R., De Oliveira, N. F., & Barreto, M. L. (2009). Impact of the family health program on infant mortality in Brazilian municipalities.  American Journal of Public Health, 99(1), 87–93.  https://doi. org/10.2105%2FAJPH.2007.127480 Aransiola, T., Ordonez, J., Cavalcanti, D., Hessel, P., Moncayo, A., Chivardi, C., Sironi, A. Tasca, R., Campello, T., Paes Sousa, R., Azevedo e Silva, G., Rubio, F., Souza, L., Macinko, J. & Rasella, D. (2022). The Comprehensive Health Impact of Cash Transfers, Social Pensions and Primary Care in Brazil: An Integrated Evaluation and Forecasting Analysis to Mitigate the Effects of the COVID19-Related Economic Crisis. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.4133606 Assis, B. S. de, & Marconi, N. (2021). Efeito das políticas de provimento ao cargo de diretor na gestão escolar.  Revista de Administração Pública,  55(4), 881–922.  https://doi.org/10.1590/0034- 761220190470 Ataliba, P., & Mourão, L. (2018). Avaliação de impacto do Programa Saúde nas Escolas. Psicologia Escolar e Educacional, 22, 27–35. https://doi.org/10.1590/2175-35392018011566 Atteberry, A., & McEachin, A. (2021). School’s out: The role of summers in understanding achievement disparities.  American Educational Research Journal ,  58 (2), 239–282.  https://doi. org/10.3102%2F0002831220937285 Relatório de Capital Humano no Brasil Aucejo, E. M., French, J., Araya, M. P. U., & Zafar, B. (2020). The impact of COVID-19 on student experiences and expectations: Evidence from a survey.  Journal of Public Economics,  191, 104271.  https://doi. org/10.1016/j.jpubeco.2020.104271 Austen-Smith, D., & Fryer Jr, R. G. (2005). An economic analysis of “acting white.” The Quarterly Journal of Economics, 120(2), 551–583. https://doi.org/10.1093/qje/120.2.551 Azevedo, J. P., & Favara, M. (2012). The impact of Bolsa Familia on the incidence of teenage pregnancies in Brazil. Background Paper for the World Bank Regional Study on Teenage Pregnancy (Azevedo et al 2012a). 239 Azevedo, J. P., Favara, M., Haddock, S. E., López-Calva, L. F., Muller, M., & Perova, E. (2012).  Teenage pregnancy and opportunities in Latin America and the Caribbean: On teenage fertility decisions, poverty and economic achievement. http://hdl.handle.net/10986/16978 Azevedo, J. P., Hasan, A., Goldemberg, D., Geven, K., & Iqbal, S. A. (2021). Simulating the potential impacts of COVID-19 school closures on schooling and learning outcomes: A set of global estimates. The World Bank Research Observer, 36(1), 1–40. https://doi.org/10.1093/wbro/lkab003 Azevedo, J. P., Minh, C. N., & Sanfelice, V. (2012). ADECOMP: Stata module to estimate Shapley decomposition by Components of a Welfare Measure. https://econpapers.repec.org/RePEc:boc:bocode:s457562 Bacchieri, G., & Barros, A. J. (2011). Acidentes de trânsito no Brasil de 1998 a 2010: Muitas mudanças e poucos resultados.  Revista de Saúde Pública,  45(5), 949–963.  https://doi.org/10.1590/S0034- 89102011005000069 Baerlocher, D., Parente, S. L., & Rios-Neto, E. (2019). Economic effects of demographic dividend in Brazilian regions.  The Journal of the Economics of Ageing,  14, 100198.  https://doi.org/10.1016/j. jeoa.2019.100198 Balla, S., Goli, S., Vedantam, S., & Rammohan, A. (2021). Progress in child stunting across the world from 1990 to 2015: Testing the global convergence hypothesis.  Public Health Nutrition,  24(17), 5598– 5607. https://doi.org/10.1017/s136898002100375x Bandiera, O., Buehren, N., Burgess, R., Goldstein, M., Gulesci, S., Rasul, I., & Sulaiman, M. (2020a). Women’s empowerment in action: Evidence from a randomized control trial in Africa.  American Economic Journal: Applied Economics, 12(1), 210–259. https://doi.org/10.1257/app.20170416 Bandiera, O., Buehren, N., Goldstein, M., Rasul, I., & Smurra, A. (2020b). Do school closures during an epidemic have persistent effects? Evidence from Sierra Leone in the time of Ebola. J-PAL Working Paper. https://www.povertyactionlab.org/sites/default/files/research-paper/working-paper_720_ School-Closures-During-Epidemic_Sierra-Leone_July2020.pdf Banerjee, A., Banerji, R., Berry, J., Duflo, E., Kannan, H., Mukherji, S., Shotland, M., & Walton, M. (2016).  Mainstreaming an effective intervention: Evidence from randomized evaluations of “Teaching at the Right Level” in India. https://doi.org/10.3386/w22746 Banerjee, A., Banerji, R., Berry, J., Duflo, E., Kannan, H., Mukerji, S., Shotland, M., & Walton, M. (2017). From proof of concept to scalable policies: Challenges and solutions, with an application.  Journal of Economic Perspectives, 31(4), 73–102. https://doi.org/10.1257/jep.31.4.73 Banerjee, A. V., Banerji, R., Duflo, E., Glennerster, R., & Khemani, S. (2010). Pitfalls of participatory programs: Evidence from a randomized evaluation in education in India. American Economic Journal: Economic Policy, 2(1), 1–30. https://doi.org/10.1257/pol.2.1.1 Banerjee, A. V., Cole, S., Duflo, E., & Linden, L. (2007). Remedying education: Evidence from two randomized experiments in India.  The Quarterly Journal of Economics,  122(3), 1235–1264.  https://doi. org/10.3386/w11904 Barbosa, F. de H. (2017). A crise econômica de 2014/2017.  Estudos Avançados,  31, 51–60.  https://doi. org/10.1590/s0103-40142017.31890006 Barcellos, S. H., Carvalho, L. S., & Lleras-Muney, A. (2014). Child gender and parental investments in India: Are boys and girls treated differently? American Economic Journal: Applied Economics, 6(1), 157– 189. https://doi.org/10.1257/app.6.1.157 Barone, M. T. U., Harnik, S. B., de Luca, P. V., de Souza Lima, B. L., Wieselberg, R. J. P., Ngongo, B., Pedrosa, H. C., Pimazoni-Netto, A., Franco, D. R., & de Souza, M. de F. M. (2020). The impact of COVID-19 on Relatório de Capital Humano no Brasil people with diabetes in Brazil.  Diabetes Research and Clinical Practice,  166, 108304.  https://doi. org/10.1016/j.diabres.2020.108304 Barreto, M. L., Teixeira, M. G., Bastos, F. I., Ximenes, R. A., Barata, R. B., & Rodrigues, L. C. (2011). Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: Social and environmental context, policies, interventions, and research needs. The Lancet, 377(9780), 1877–1889. https://doi.org/10.1016/S0140- 6736(11)60202-X Barro, R. J., & Lee, J. W. (2013). A new data set of educational attainment in the world, 1950–2010. Journal of Development Economics, 104, 184–198. https://doi.org/10.3386/w15902 240 Bartholo, L., Passos, L., & Fontoura, N. (2019). Bolsa Família, autonomia feminina e equidade de gênero: O que indicam as pesquisas nacionais?  Cadernos Pagu.  https://www.ipea.gov.br/portal/index. php?option=com_content&view=article&id=30981 Beal, T., Tumilowicz, A., Sutrisna, A., Izwardy, D., & Neufeld, L. M. (2018). A review of child stunting determinants in Indonesia. Maternal & Child Nutrition, 14(4), e12617. https://doi.org/10.1111/mcn.12617 Becker, K. L. (2020). Análise do Impacto do Programa Saúde na Escola sobre a Violência e o Consumo de Substâncias Ilícitas dos Jovens nas Escolas Brasileiras. Análise Econômica,  38(76).  https://doi. org/10.22456/2176-5456.80460 Bedard, K., & Cho, I. (2010). Early gender test score gaps across OECD countries. Economics of Education Review, 29(3), 348–363. Bergstrom, K., & Ozler, B. (2021).  Improving the Well-Being of Adolescent Girls in Developing Countries. World Bank, Washington, DC. http://hdl.handle.net/10986/36478 Biblioteca Virtual em Saúde. (2013, January 5). No pré-natal de baixo risco quais as recomendações para as consultas na atenção primária? https://aps.bvs.br/aps/no-pre-natal-de-baixo-risco-quais-as- recomendacoes-para-as-consultas-na-atencao-primaria/#:~:text=As%20consultas%20de%20 pr%C3%A9-natal,profissionais%20que%20se%20julguem%20necess%C3%A1rios. Bill & Melinda Gates Foundation. (2020). Covid-19: A Global Perspective 2020 Goalkeepers Report. https:// www.gatesfoundation.org/goalkeepers/downloads/2020-report/report_letter_en.pdf Black, S. E., Devereux, P. J., & Salvanes, K. G. (2005). Why the apple doesn’t fall far: Understanding intergenerational transmission of human capital. American Economic Review, 95(1), 437–449. https:// doi.org/10.1257/0002828053828635 Bleakley, H. (2010). Health, human capital, and development. Annu. Rev. Econ., 2(1), 283–310. https://doi. org/10.1146%2Fannurev.economics.102308.124436 Bloom, D., & Canning, D. (2003). Health as human capital and its impact on economic performance.  The Geneva Papers on Risk and Insurance. Issues and Practice, 28(2), 304–315. Blundell, R., Costa Dias, M., Joyce, R., & Xu, X. (2020). COVID‐19 and Inequalities.  Fiscal Studies,  41(2), 291–319. https://doi.org/10.1111/1475-5890.12232 Boing, A. F., Vicenzi, R. B., Magajewski, F., Boing, A. C., Moretti-Pires, R. O., Peres, K. G., Lindner, S. R., & Peres, M. A. (2012). Redução das internações por condições sensíveis à atenção primária no Brasil entre 1998-2009.  Revista de Saúde Pública,  46(2), 359–366. https://doi.org/10.1590/S0034- 89102012005000011 Bolsa Família e Cadastro Único no seu município. (n.d.). Retrieved March 18, 2022, from https://aplicacoes. mds.gov.br/sagirmps/bolsafamilia/ Botelho, F., Madeira, R. A., & Rangel, M. A. (2015). Racial discrimination in grading: Evidence from Brazil.  American Economic Journal: Applied Economics,  7(4), 37–52.  https://doi.org/10.1257/ app.20140352 Brandão, D. S., Venancio, S. I., & Giugliani, E. R. (2015). Associação entre a implantação da Rede Amamenta Brasil e indicadores de aleitamento materno.  Jornal de Pediatria,  91, 143–151.  https://doi. org/10.1590/0102-311X00010315 Brasil. (1996).  Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Brasil. (2004).  Lei n. 10.836, de 09 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras Relatório de Capital Humano no Brasil providências .  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836. htm#:~:text=Cria%20o%20Programa%20Bolsa%20Fam%C3%ADlia,transfer%C3%AAncia%20de%20 renda%20com%20condicionalidades. Brasil, C. (2006).  Portaria no 399, de 22 de fevereiro de 2006, Pacto Pela Saúde.  https://bvsms.saude. gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0399_22_02_2006.html Breierova, L., & Duflo, E. (2004). The impact of education on fertility and child mortality: Do fathers really matter less than mothers? https://doi.org/10.3386/w10513 Brooks-Gunn, J., & Duncan, G. J. (1997). The effects of poverty on children.  The Future of Children, 55– 71. https://doi.org/10.2307/1602387 241 Browning, M. H., Larson, L. R., Sharaievska, I., Rigolon, A., McAnirlin, O., Mullenbach, L., Cloutier, S., Vu, T. M., Thomsen, J., & Reigner, N. (2021). Psychological impacts from COVID-19 among university students: Risk factors across seven states in the United States. PloS One, 16(1), e0245327. https:// doi.org/10.1371/journal.pone.0245327 Bruns, B., Filmer, D., & Patrinos, H. A. (2011). Making schools work: New evidence on accountability reforms. World Bank Publications. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/2270 Bruns, B., & Luque, J. (2014).  Great teachers: How to raise student learning in Latin America and the Caribbean. World Bank Publications. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/20488 Brüssow, H., & Timmis, K. (2021). COVID‐19: Long covid and its societal consequences.  Environmental Microbiology, 23(8), 4077–4091. https://doi.org/10.1111/1462-2920.15634 Buccini, G., Venancio, S. I., & Pérez‐Escamilla, R. (2021). Scaling up of Brazil’s Criança Feliz early childhood development program: An implementation science analysis.  Annals of the New York Academy of Sciences, 1497(1), 57–73. https://doi.org/10.1111/nyas.14589 Burgess, S. (2020). How should we help the Covid19 cohorts make up the learning loss from lockdown. Center for Economic Policy Research - VoxEU.  https://voxeu.org/article/how-weshoulddeal-lockdown- learning-loss-england-s-schools Caldas, A. D. R., Santos, R. V., Borges, G. M., Valente, J. G., Portela, M. C., & Marinho, G. L. (2017). Mortalidade infantil segundo cor ou raça com base no Censo Demográfico de 2010 e nos sistemas nacionais de informação em saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 33. https://doi.org/10.1590/0102- 311X00046516 Campbell, A. A., de Pee, S., Sun, K., Kraemer, K., Thorne-Lyman, A., Moench-Pfanner, R., Sari, M., Akhter, N., Bloem, M. W., & Semba, R. D. (2009). Relationship of Household Food Insecurity to Neonatal, Infant, and Under-Five Child Mortality among Families in Rural Indonesia. Food and Nutrition Bulletin, 30(2), 112–119. https://doi.org/10.1177/156482650903000202 Caprirolo, D., Jaitman, L., & Mello, M. (2017). Custos de bem-estar do crime no Brasil: Um país de contrastes. Inter-American Development Bank. https://doi.org/10.18235/0000613 Card, D., & Rothstein, J. (2007). Racial segregation and the black–white test score gap. Journal of Public Economics, 91(11–12), 2158–2184. https://doi.org/10.1016/j.jpubeco.2007.03.006 Cardoso, A. M., Santos, R. V., & Coimbra Jr, C. E. (2005). Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: O que dizem os sistemas nacionais de informação? Cadernos de Saúde Pública, 21(5), 1602–1608. https:// doi.org/10.1590/S0102-311X2005000500035 Cardoso, E., & Souza, A. P. (2004). The impact of cash transfers on child labor and school attendance in Brazil (Working Paper No. 04-W07).  Nashville, TN: Vanderbilt University.  https://ir.vanderbilt.edu/ handle/1803/20 Carlana, M. (2019). Implicit stereotypes: Evidence from teachers’ gender bias.  The Quarterly Journal of Economics, 134(3), 1163–1224. https://doi.org/10.1093/qje/qjz008 Carvalho, J. R., Brasil, A., & André, D. de M. (2020). Diagnóstico Quantitativo sobre a Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres em Salvador, Bahia. Unpublished. Universidade Federal do Ceará. Casa Civil. (2009). LEI No 11.947, DE 16 DE JUNHO DE 2009. Caderno de Legislação, 2. Casa Civil. (2014).  Lei no 13.005, de 25 de junho de 2014.  13. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm Case, A., & Paxson, C. (2008). Stature and status: Height, ability, and labor market outcomes. The Journal Relatório de Capital Humano no Brasil of Political Economy, 116(3), 499–532. https://doi.org/10.1086/589524 Case, A., & Paxson, C. (2009). Early Life Health and Cognitive Function in Old Age.  American Economic Review, 99(2), 104–109. https://doi.org/10.1257/aer.99.2.104 Case, A., & Paxson, C. (2010). Causes and consequences of early-life health.  Demography,  47(Suppl 1), S65–S85. https://doi.org/10.1353/dem.2010.0007 Caselli, F. (2005). Chapter 9 Accounting for Cross-Country Income Differences. In P. Aghion & S. N. Durlauf (Eds.), Handbook of Economic Growth (Vol. 1, pp. 679–741). Elsevier. https://doi.org/10.1016/S1574- 0684(05)01009-9 242 Casey, E., Carlson, J., Two Bulls, S., & Yager, A. (2018). Gender transformative approaches to engaging men in gender-based violence prevention: A review and conceptual model.  Trauma, Violence, & Abuse, 19(2), 231–246. https://doi.org/10.1177%2F1524838016650191 Castro, M. C., Massuda, A., Almeida, G., Menezes-Filho, N. A., Andrade, M. V., de Souza Noronha, K. V. M., Rocha, R., Macinko, J., Hone, T., & Tasca, R. (2019). Brazil’s unified health system: The first 30 years and prospects for the future.  The Lancet,  394(10195), 345–356.  https://doi.org/10.1016/S0140- 6736(19)31243-7 Ceccon, R. F., Meneghel, S. N., & Viecili, P. R. N. (2014). Hospitalization due to conditions sensitive to primary care and expansion of the Family Health Program in Brazil: An ecological study.  Revista Brasileira de Epidemiologia, 17, 968–977. https://doi.org/10.1590/1809-4503201400040014 Centro de Integração Empresa-Escola, & Instituto Datafolha. (n.d.). Aprendiz CIEE: O que nos disseram os jovens que concluíram o programa. Retrieved May 27, 2022, from https://portal.ciee.org.br/pesquisa/ aprendiz-ciee-datafolha/ Cerdan-Infantes, P., & Vermeersch, C. (2007). More time is better: An evaluation of the full time school program in Uruguay. World Bank Policy Research Working Paper, 4167. http://hdl.handle.net/10986/7240 Cerqueira, D., & Coelho, D. S. C. (2017). Democracia racial e homicídios de jovens negros na cidade partida. Texto para Discussão. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/1588-td2267.pdf Cerqueira, D., Ferreira, H., Bueno, S., Alves, P. P., Lima, O., Marques, D., Silva, F. A. B. da, Lunelli, I. C., Rodrigues, R. I., Lins, G. de O. A., Armstrong, K. C., Lira, P., Coelho, D., Barros, B., Sobral, I., Pacheco, D., & Pimentel, A. (2021). Atlas da violência 2021. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Fórum Brasileiro de Segurança Pública.  https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/1375- atlasdaviolencia2021completo.pdf Cerqueira, D., Lima, R. S. de, Bueno, S., Neme, C., Ferreira, H., Coelho, D., Alves, P. P., Pinheiro, M., Astolfi, R., Marques, D., Reis, M., & Merian, F. (2018).  Atlas da Violência 2018. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. https://www.ipea.gov.br/portal/index. php?option=com_content&id=33410 Chaaban, J., & Cunningham, W. (2011). Measuring the economic gain of investing in girls: The girl effect dividend. World Bank Policy Research Working Paper, 5753. https://doi.org/10.1596/1813-9450-5753 Chetty, R., Friedman, J. N., & Rockoff, J. E. (2014a). Measuring the impacts of teachers II: Teacher value- added and student outcomes in adulthood. American Economic Review, 104(9), 2633–2679. https:// doi.org/10.1257/aer.104.9.2633 Chetty, R., Hendren, N., Kline, P., & Saez, E. (2014b). Where is the land of opportunity? The geography of intergenerational mobility in the United States. The Quarterly Journal of Economics, 129(4), 1553– 1623. https://doi.org/10.1093/qje/qju022 Chiappori, P.-A., Iyigun, M., & Weiss, Y. (2009). Investment in schooling and the marriage market. American Economic Review, 99(5), 1689–1713. https://doi.org/10.1257/aer.99.5.1689 Chisini, L. A., Castilhos, E. D. de, Costa, F. dos S., & D’Avila, O. P. (2021). Impact of the COVID-19 pandemic on prenatal, diabetes and medical appointments in the Brazilian National Health System.  Revista Brasileira de Epidemiologia, 24, e210013. https://doi.org/10.1590/1980-549720210013 Clark, D., & Royer, H. (2013). The effect of education on adult mortality and health: Evidence from Britain. American Economic Review, 103(6), 2087–2120. https://doi.org/10.1257/aer.103.6.2087 Coelho, P. L., & Melo, A. S. S. de A. (2017). Impacto do Programa “Bolsa Família” sobre a qualidade da dieta das famílias de Pernambuco no Brasil.  Ciência & Saúde Coletiva,  22, 393–402.  https://doi. Relatório de Capital Humano no Brasil org/10.1590/1413-81232017222.13622015 Coimbra, C. E., Santos, R. V., Welch, J. R., Cardoso, A. M., de Souza, M. C., Garnelo, L., Rassi, E., Follér, M.- L., & Horta, B. L. (2013). The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: Rationale, methodology, and overview of results.  BMC Public Health,  13(1), 1–19.  https://doi. org/10.1186/1471-2458-13-52 Coles, B., Hutton, S., Bradshaw, J., Craig, G., Godfrey, C., & Johnson, J. (2002). Literature review of the costs of being” not in education, employment or training” at age 16-18.  https://dera.ioe.ac.uk/4619/1/ RR347.pdf 243 Comaru, T., Pitrez, P. M., Friedrich, F. O., Silveira, V. D., & Pinto, L. A. (2016). Free asthma medications reduces hospital admissions in Brazil (Free asthma drugs reduces hospitalizations in Brazil).  Respiratory Medicine, 121, 21–25. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2016.10.008 Conass. (n.d.). Painel CONASS | COVID-19. Conselho Nacional de Secretários de Saúde | Conass. Retrieved May 25, 2022, from https://www.conass.org.br/painelconasscovid19/ Conley, T. G., & Topa, G. (2002). Socio-economic distance and spatial patterns in unemployment. Journal of Applied Econometrics, 17(4), 303–327. https://doi.org/10.1002/jae.670 Cook, P. J., & Kang, S. (2016). Birthdays, schooling, and crime: Regression-discontinuity analysis of school performance, delinquency, dropout, and crime initiation.  American Economic Journal: Applied Economics, 8(1), 33–57. https://doi.org/DOI: 10.1257/app.20140323 Coronavírus Brasil. (n.d.). Retrieved March 23, 2022, from https://covid.saude.gov.br/ Costa, J. S., Barbosa, A. L. N. de H., & Hecksher, M. (2021).  Desigualdades no mercado de trabalho e pandemia da Covid-19. Texto para Discussão. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/ TDs/210825_td_2684.pdf Costa, L. O., & Carnoy, M. (2015). The effectiveness of an early-grade literacy intervention on the cognitive achievement of Brazilian students.  Educational Evaluation and Policy Analysis,  37(4), 567– 590. https://doi.org/10.3102%2F0162373715571437 Costin, C., & Pontual, T. (2020). Curriculum reform in Brazil to develop skills for the twenty-first century. In  Audacious Education Purposes  (pp. 47–64). Springer, Cham.  https://link.springer.com/ chapter/10.1007/978-3-030-41882-3_2 Countdown Coverage Writing Group. (2008). Countdown to 2015 for maternal, newborn, and child survival: The 2008 report on tracking coverage of interventions. The Lancet, 371(9620), 1247–1258. https:// doi.org/10.1016/s0140-6736(08)60559-0 Crémieux, P., Ouellette, P., & Pilon, C. (1999). Health care spending as determinants of health outcomes. Health Economics,  8(7), 627–639.  https://doi.org/10.1002/(sici)1099-1050(199911)8:7%3C627::aid- hec474%3E3.0.co;2-8 Cruz, L., & Loureiro, A. (2020). Achieving World-Class Education in Adverse Socioeconomic Conditions: The Case of Sobral in Brazil. https://doi.org/10.1596/34156 Cuesta, A., Glewwe, P., & Krause, B. (2016). School infrastructure and educational outcomes: A literature review, with special reference to Latin America. Economia, 17(1), 95–130. https://econpapers.repec. org/RePEc:col:000425:015158 Cunha, F., & Heckman, J. (2007). The Technology of Skill Formation. American Economic Review,  97(2), 31–47. https://doi.org/10.1257/aer.97.2.31 Currie, J., & Moretti, E. (2003). Mother’s education and the intergenerational transmission of human capital: Evidence from college openings.  The Quarterly Journal of Economics,  118(4), 1495–1532.  https:// doi.org/10.1162/003355303322552856 Cutler, D. M., & Lleras-Muney, A. (2010). Understanding differences in health behaviors by education. Journal of Health Economics, 29(1), 1–28. https://doi.org/10.1016/j.jhealeco.2009.10.003 Da Cunha, E. M. G. de P. (2012). Recorte étnico-racial: Caminhos trilhados e novos desafios. In  Saúde da população negra (pp. 22–33). ABPN - Associação Brasileira de Pesquisadores Negros. Dahl, G. B., & Lochner, L. (2012). The impact of family income on child achievement: Evidence from the earned income tax credit.  American Economic Review,  102(5), 1927–1956. https://doi.org/10.1257/ Relatório de Capital Humano no Brasil aer.102.5.1927 Damasceno, L. L., & Fontes, M. G. (2019). n. 44-Formação de professores para a qualidade na educação básica: Contextos que Conduziram à implementação do Parfor. Jornal de Políticas Educacionais, 13. http:// dx.doi.org/10.5380/jpe.v13i0.67995 Davies, N. (2006). FUNDEB: a redenção da educação básica?  Educação & Sociedade,  27(96), 753– 774. https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000300007 244 de Azevedo Barros, M. B., Lima, M. G., Medina, L. de P. B., Szwarcwald, C. L., & Malta, D. C. (2016). Social inequalities in health behaviors among Brazilian adults: National Health Survey, 2013. International Journal for Equity in Health, 15(1), 1–10. https://doi.org/10.1186%2Fs12939-016-0439-0 de Barros, R. P., Franco, S., Machado, L. M., Zanon, D., & Rocha, G. (2021).  Consequências da violação do direito à educação. Editora Autografia, Insper, Fundação Roberto Marinho. https://www.insper. edu.br/wp-content/uploads/2021/05/Conseque%CC%82ncias-da-Violac%CC%A7a%CC%83o-do- Direito-a%CC%80-Educac%CC%A7a%CC%83o.pdf De Brauw, A., Gilligan, D., Hoddinott, J., & Roy, S. (2012). The impact of Bolsa Família on child, maternal, and household welfare. IFPRI. Washington, DC. https://socialprotection.org/discover/publications/ impact-bolsa-fam%C3%ADlia-child-maternal-and-household-welfare de Carvalho, C. A., Viola, P. C. de A. F., & Sperandio, N. (2021). How is Brazil facing the crisis of Food and Nutrition Security during the COVID-19 pandemic? Public Health Nutrition, 24(3), 561–564. https:// doi.org/10.1017/S1368980020003973 De Hoyos, R., Rogers, H., & Székely, M. (2016).  Out of school and out of work: Risk and opportunities for Latin America’s Ninis. Washington, DC: World Bank.  https://openknowledge.worldbank.org/ handle/10986/22349 de Oliveira, L. F. B., & Terra, R. (2018).  Impacto do Programa Mais Educação em indicadores educacionais. https://www.fea.usp.br/sites/default/files/anexo-evento/impacto_do_pme_em_ indicadores_educacionais_-_feausp2018.pdf de Paula Ribeiro, A. L., Ceratti, S., & Broch, D. T. (2013). Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a participação da agricultura familiar em municípios do Rio Grande do Sul. Revista GEDECON-Gestão e Desenvolvimento Em Contexto, 1(1), 36–49. de Souza, L. E. P. F. (2017). The right to health in Brazil: A constitutional guarantee threatened by fiscal austerity.  Journal of Public Health Policy,  38(4), 493–502.  https://doi.org/10.1057/s41271-017- 0083-y Dee, T. S. (2004). Teachers, race, and student achievement in a randomized experiment.  Review of Economics and Statistics, 86(1), 195–210. https://doi.org/10.3386/w8432 Dee, T. S. (2005). A teacher like me: Does race, ethnicity, or gender matter?  American Economic Review, 95(2), 158–165. https://doi.org/10.1257/000282805774670446 Devercelli, A., & Beaton-Day, F. (2020). Better Jobs and Brighter Futures: Investing in Childcare to Build Human Capital. World Bank Group. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/35062 Diário Oficial da União. (2020). Resolução No 2, de 20 de dezembro de 2019. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação).  https:// www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-2-de-20-de-dezembro-de-2019-*-252499504?inheritRe direct=true&redirect=%2Fconsulta%3Fq%3Dresolu%25C3%25A7%25C3%25A3o%2520827%26publi shFrom%3D2020-04-01%26publishTo%3D2020-07-13%26delta%3D75%26start%3D2 Dieese. (2020). Ocupados em Home Office. Brasil e Unidades da Federação. Outras Publicações. https:// www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2020/homeOfficeBrasilRegioes.html Dieese. (2021).  Desigualdade entre Negros e Não-Negros se Aprofunda durante a Pandemia. Boletim Especial – Dia da Consciência Negra .  https://cdn.brasildefato.com.br/ documents/9eaca8135b9fdbd4382de5176a4d8c07.pdf Domingues, C. M. A. S., Maranhão, A. G. K., Teixeira, A. M., Fantinato, F. F., & Domingues, R. A. (2020). The Relatório de Capital Humano no Brasil Brazilian National Immunization Program: 46 years of achievements and challenges.  Cadernos de Saude Publica, 36. https://doi.org/10.1590/0102-311X00222919 Dorsett, R., & Lucchino, P. (2012). Snakes and ladders in the youth labour market. Londres: National Institute of Economic and Social Research. https://www.niesr.ac.uk/publications/snakes-and-ladders- youth-labour-market?type=conference-and-seminar-output dos Santos Junior, E., & Bugni, R. P. (2018). A Educação para as Relações Étnico-Raciais na Educação Básica a Partir da Lei 10.639/03. Revista Internacional de Debates Da Administração & Públicas- RIDAP, 3(1), 33–47. 245 Dossi, G., Figlio, D., Giuliano, P., & Sapienza, P. (2021). Born in the family: Preferences for boys and the gender gap in math. Journal of Economic Behavior & Organization, 183, 175–188. https://doi.org/10.3386/ w25535 Dourado, I., Oliveira, V. B., Aquino, R., Bonolo, P., Lima-Costa, M. F., Medina, M. G., Mota, E., Turci, M. A., & Macinko, J. (2011). Trends in primary health care-sensitive conditions in Brazil: The role of the Family Health Program (Project ICSAP-Brazil).  Medical Care, 577–584.  https://doi.org/10.1097/ mlr.0b013e31820fc39f Duflo, A. (2017). TaRL Webinar Series: Session 1. https://www.povertyactionlab.org/event/teaching-right- level-webinar-series-session-1-what-teaching-right-level?lang=en ECLAC. (2021).  The economic autonomy of women in a sustainable recovery with equality.  https:// repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/46634/5/S2000739_en.pdf Egalite, A. J., Kisida, B., & Winters, M. A. (2015). Representation in the classroom: The effect of own- race teachers on student achievement.  Economics of Education Review,  45, 44–52.  https://doi. org/10.1016/j.econedurev.2015.01.007 Elias, P. E. M., & Cohn, A. (2003). Health reform in Brazil: Lessons to consider. American Journal of Public Health, 93(1), 44–48. https://doi.org/10.2105%2Fajph.93.1.44 Elizarov, V., & Levin, V. (2015). Family Policies in Russia: Could Efforts to Raise Fertility Rates Slow Population Aging? World Bank, Washington, DC. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/22614 Emerson, P. M., & Souza, A. P. (2008). Birth order, child labor, and school attendance in Brazil.  World Development, 36(9), 1647–1664. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2007.09.004 Etco, Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. (2021).  Índice de Economia Subterrânea (IES).  https:// www.etco.org.br/economia-subterranea/ Ethos, I., & Inter-American Development Bank. (2016). Perfil  social,  racial  e  de  gênero  das  500  maiores  empresas  do Brasil e suas ações afirmativa. https://publications.iadb.org/publications/portuguese/ document/Perfil-social-racial-e-de-g%C3%AAnero-das-500-maiores-empresas-do-Brasil-e-suas- a%C3%A7%C3%B5es-afirmativas.pdf Evans, D., & Kosec, K. (2012).  Early child education: Making programs work for Brazil’s most important generation. World Bank Publications. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/13144 Fasih, T. (2008). Linking Education Policy to Labor Market Outcomes. World Bank. https://openknowledge. worldbank.org/handle/10986/6407 Ferreira, F. H., Firpo, S. P., & Messina, J. (2022). Labor market experience and falling earnings inequality in brazil: 1995–2012.  The World Bank Economic Review,  36(1), 37–67.  https://doi.org/10.1093/wber/ lhab005 Filmer, D., & Rogers, H. (2018). The World Bank Development Report 2018: Learning to realize education’s promise. The World Bank. https://www.worldbank.org/en/publication/wdr2018 Filmer, D., Rogers, H., Angrist, N., & Sabarwal, S. (2020). Learning-adjusted years of schooling (LAYS): Defining a new macro measure of education.  Economics of Education Review,  77, 101971.  https:// doi.org/10.1016/j.econedurev.2020.101971 Fiocruz. (2021a).  Boletim Observatório Covid-19. https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/ u34/boletim_covid_2021-semanas_20-21-red.pdf Fiocruz. (2021b). Programa Nacional de Imunizações (PNI) e Covid-19: Desafios a uma história de quase meio século de sucesso. http://www.cee.fiocruz.br/?q=Programa-Nacional-de-Imunizacoes-PNI- Relatório de Capital Humano no Brasil e-Covid-19 Firpo, S., & França, M. (2021). O despertar de um novo olhar sobre o viés racial. In Legado de uma pandemia: 26 vozes conversam sobre os aprendizados para política pública. Editora Autografia. Firpo, S., França, M., & Portella, A. (2021).  Social Inequality from the perspective of the Racial Balance Index. https://doi.org/10.2139/ssrn.3870828 Firpo, S., Franca, M., & Rodrigues, L. C. (2020). Índice de Equilíbrio Racial: Uma proposta de mensuração da desigualdade racial entre e dentro das categorias ocupacionais. Working Paper, 17. 246 Folbre, N., & Nelson, J. A. (2000). For love or money—Or both?  Journal of Economic Perspectives,  14(4), 123–140. https://doi.org/10.1257/jep.14.4.123 Fórum Brasileiro De Segurança Pública, F. (2021).  Anuário brasileiro de segurança pública 2021. Fórum Brasileiro de Segurança Pública São Paulo.  https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro- seguranca-publica/. França, M. T. R. de. (n.d.). Fecundidade, identificação racial e desigualdade. Universidade de São Paulo. França, E. B., Lansky, S., Rego, M. A. S., Malta, D. C., França, J. S., Teixeira, R., Porto, D., Almeida, M. F. de, Souza, M. de F. M. de, Szwarcwald, C. L., Mooney, M., Naghavi, M., & Vasconcelos, A. M. N. (2017). Leading causes of child mortality in Brazil, in 1990 and 2015: Estimates from the Global Burden of Disease study.  Revista Brasileira de Epidemiologia,  20, 46–60.  https://doi.org/10.1590/1980- 5497201700050005 Franco, C., Brooke, N., & Alves, F. (2008). Estudo longitudinal sobre qualidade e equidade no ensino fundamental brasileiro: GERES 2005. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas Em Educação, 16(61), 625–637. https://doi.org/10.1590/S0104-40362008000400008 Fryer Jr, R. G. (2010). Racial inequality in the 21st century: The declining significance of discrimination. Working Paper, 4, 855–971. Fryer Jr, R. G., & Levitt, S. D. (2010). An empirical analysis of the gender gap in mathematics. American Economic Journal: Applied Economics, 2(2), 210–240. Fryer Jr, R. G., & Torelli, Paul. (2009). An empirical analysis of ‘acting white”.  Journal of Public Economics, 94(5–6), 380–396. https://doi.org/10.1016/j.jpubeco.2009.10.011 Fundação Lemann. (2021, August 1). O impacto da pandemia na alfabetização no Brasil.  Fundação Lemman.  https://fundacaolemann.org.br/noticias/o-impacto-da-pandemia-na-alfabetizacao-no- brasil Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. (2021). O impacto da pandemia da COVID-19 no aprendizado e bem- estar das crianças (p. 30). https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/impacto-covid-criancas/ Furtado, A. C. A. R. (2018).  Mercado De Trabalho, Informalidade E Desemprego. Nota técnica. Câmara dos Deputados.  https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/ fiquePorDentro/temas/trabalho-informal-set-2018/TrabalhoInformalTextoBase.pdf Garcia, L. P., Freitas, L. R. S., Gawryszewski, V. P., & Duarte, E. C. (2015). Uso de álcool como causa necessária de morte no Brasil, 2010 a 2012. Revista Panamericana de Salud Pública, 38, 418–424. Garcia Mora, M. E., Schwartz Orellana, S., & Freire, G. (2021). Disability Inclusion in Latin America and the Caribbean: A Path To Sustainable Development. World Bank.  https://openknowledge.worldbank. org/handle/10986/36628 German Institute for Global and Area Studies. (2020). Police Violence Against Black People Is on the Rise in Brazil. GIGA Focus Latin America, 5. https://www.giga-hamburg.de/en/publications/giga-focus/ police-violence-against-black-people-is-on-the-rise-in-brazil Gershenson, S., Holt, S. B., & Papageorge, N. W. (2016). Who believes in me? The effect of student–teacher demographic match on teacher expectations. Economics of Education Review, 52, 209–224. https:// doi.org/10.1016/j.econedurev.2016.03.002 Ginja, R., Karimi, A., & Xiao, P. (2020). Employer responses to family leave programs. Giuliano, P. (2020). Gender and culture.  Oxford Review of Economic Policy,  36(4), 944–961.  https://doi. org/10.1093/oxrep/graa044 Relatório de Capital Humano no Brasil Glewwe, P., & Kassouf, A. L. (2012). The impact of the Bolsa Escola/Familia conditional cash transfer program on enrollment, dropout rates and grade promotion in Brazil.  Journal of Development Economics, 97(2), 505–517. https://doi.org/10.1016/j.jdeveco.2011.05.008 Glewwe, P., & Kremer, M. (2006). Schools, teachers, and education outcomes in developing countries.  Handbook of the Economics of Education,  2, 945–1017.  https://doi.org/10.1016/S1574- 0692(06)02016-2 Gomes, L. (2019). Escravidão–Vol. 1: Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Globo Livros. 247 Gonçalves, B. M. M., Franco, R. P. V., & Rodrigues, A. S. (2021). Maternal mortality associated with COVID-19 in Brazil in 2020 and 2021: Comparison with non-pregnant women and men.  Plos One,  16(12), e0261492. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0261492 Gortmaker, S. L. (1979). The effects of prenatal care upon the health of the newborn. American Journal of Public Health, 69(7), 653–660. https://doi.org/10.2105/AJPH.69.7.653 Goularte, J. F., Serafim, S. D., Colombo, R., Hogg, B., Caldieraro, M. A., & Rosa, A. R. (2021). COVID-19 and mental health in Brazil: Psychiatric symptoms in the general population.  Journal of Psychiatric Research, 132, 32–37. https://doi.org/10.1016/j.jpsychires.2020.09.021 Gouveia, A., & Souza, Â. (2015). A política de fundos em perspectiva histórica: Mudanças de concepção da política na transição Fundef e Fundeb.  Em Aberto,  28(93).  https://doi.org/10.24109/2176-6673. emaberto.28i93.2457 Governo do Brasil. (n.d.).  Desemprego no país cai para 11,1% no quarto trimestre de 2021 [2022]. Governo do Brasil. Retrieved May 27, 2022, from  https://www.gov.br/pt-br/noticias/trabalho-e- previdencia/2022/02/desemprego-no-pais-cai-para-11-1-no-quarto-trimestre-de-2021 Gragnolati, M., Lindelöw, M., & Couttolenc, B. (2013). Twenty years of health system reform in Brazil: An assessment of the Sistema Único de Saúde. World Bank Publications. https://doi.org/10.1596/978- 0-8213-9843-2 Grantham-McGregor, S., Cheung, Y. B., Cueto, S., Glewwe, P., Richter, L., Strupp, B., & International Child Development Steering Group. (2007). Developmental potential in the first 5 years for children in developing countries. The Lancet, 369(9555), 60–70. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(07)60032- 4 Grépin, K. A., & Bharadwaj, P. (2015). Maternal education and child mortality in Zimbabwe. Journal of Health Economics, 44, 97–117. https://doi.org/10.1016/j.jhealeco.2015.08.003 Griffin, P., & Edwards, A. C. (1993). Rates of return to education in Brazil: Do labor market conditions matter?  Economics of Education Review,  12(3), 245–256.  https://doi.org/10.1016/0272- 7757(93)90007-4 Grossman, M. (2006). Education and nonmarket outcomes. Handbook of the Economics of Education. In  Handbook of the Economics of Education (Vol. 1, pp. 577–633).  https://econpapers.repec.org/ RePEc:eee:educhp:1-10 Guanais, F., & Macinko, J. (2009). Primary care and avoidable hospitalizations: Evidence from Brazil.  The Journal of Ambulatory Care Management,  32(2), 115–122.  https://doi.org/10.1097/ jac.0b013e31819942e51 Guiso, L., Monte, F., Sapienza, P., & Zingales, L. (2008). Culture, gender, and math.  Science,  320(5880), 1164–1165. https://doi.org/10.1126/science.1154094 Günther, I., & Fink, G. (2010). Water, sanitation and children’s health: Evidence from 172 DHS surveys. World Bank Policy Research Working Paper, 5275. http://hdl.handle.net/10986/3762 Hackett, M., Melgar-Quiñonez, H., & Álvarez, M. C. (2009). Household food insecurity associated with stunting and underweight among preschool children in Antioquia, Colombia. Revista Panamericana de Salud Pública, 25, 506–510. https://doi.org/10.1590/S1020-49892009000600006 Haerpfer, C., Inglehart, R., Moreno, A., Welzel, C., Kizilova, K., Diez-Medrano, J., Lagos, M., Norris, P., Ponarin, E., & Puranen, B. (2020). World values survey: Round seven–country-pooled datafile 2017—2021. Madrid, Spain & Vienna, Austria: JD Systems Institute & WVSA Secretariat. Haimovich, F., Vazquez, E. J., & Adelman, M. (2021). Scalable early warning systems for school dropout Relatório de Capital Humano no Brasil prevention: Evidence from a 4.000-school randomized controlled trial. Documentos de Trabajo Del CEDLAS. http://hdl.handle.net/10986/35722 Halim, D., Perova, E., & Reynolds, S. (2021). Childcare and Mothers’ Labor Market Outcomes in Lower-and Middle-Income Countries. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/36479 Hanushek, E. A., & Rivkin, S. G. (2010). Generalizations about using value-added measures of teacher quality. American Economic Review, 100(2), 267–271. Hanushek, E. A., & Woessmann, L. (2012). Schooling, educational achievement, and the Latin American growth puzzle. Journal of Development Economics, 99(2), 497–512. 248 https://doi.org/10.1016/j.jdeveco.2012.06.004 Heckman Equation. (2015, March 26). James Heckman muda a equação para a prosperidade americana. The Heckman Equation.  https://heckmanequation.org/resource/james-heckman-muda-a-equacao- para-a-prosperidade-americana/ Heckman, J. J. (2006). Skill formation and the economics of investing in disadvantaged children. Science, 312(5782), 1900–1902. https://doi.org/10.1126/science.1128898 Heckman, J. J. (2011). The economics of inequality: The value of early childhood education.  American Educator, 35(1), 31. Heckman, J. J., & Mosso, S. (2014). The economics of human development and social mobility. Annu. Rev. Econ., 6(1), 689–733. Heidari, S., Babor, T. F., De Castro, P., Tort, S., & Curno, M. (2016). Sex and Gender Equity in Research: Rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integrity and Peer Review, 1(1), 2. https://doi.org/10.1186/s41073-016-0007-6 Heringer, R. (2020). The Future of Affirmative Action Policies in Brazil.  Society for Cultural Anthropology. https://culanth.org/fieldsights/the-future-of-affirmative-action-policies-in-brazil Holanda, Marcos, Barbosa, Marcelo, Cruz, L., & Loureiro, A. (2020).  Implementando um Mecanismo de Incentivos para os Governos Municipais Melhorarem os Resultados da Educação: Um guia de implementação inspirado no caso do Ceará. World Bank.  https://documents1.worldbank.org/ curated/en/354741606111551682/pdf/Implementing-a-Results-Based-Financing-Mechanism-for- Subnational-Governments-to-Improve-Education-Outcomes-An-Implementation-Guide-Inspired- by-the-Case-of-Ceara-Brazil.pdf Hone, T., Rasella, D., Barreto, M., Atun, R., Majeed, A., & Millett, C. (2017). Large reductions in amenable mortality associated with Brazil’s primary care expansion and strong health governance.  Health Affairs, 36(1), 149–158. https://doi.org/10.1377/hlthaff.2016.0966 Hone, T., Stokes, J., Trajman, A., Saraceni, V., Coeli, C. M., Rasella, D., Durovni, B., & Millett, C. (2021). Racial and socioeconomic disparities in multimorbidity and associated healthcare utilisation and outcomes in Brazil: A cross-sectional analysis of three million individuals. BMC Public Health, 21(1), 1–11. Honorio, O. S., Rocha, L. L., Fortes, M. I., Carmo, A. S. D., Cunha, C. D. F., De Oliveira, T. R., & Mendes, L. L. (2020). Consumption of school meals provided by PNAE among Brazilian public school adolescents.  Rev. Chil. Nutr, 765–771. http://dx.doi.org/10.4067/s0717-75182020000500765 IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia. (n.d.a).  Conheça o Brasil—População Pessoas com Deficiência. Conheça o Brasil - População Pessoas com Deficiência. https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca- o-brasil/populacao/20551-pessoas-com-deficiencia.html IBGE, Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística. (n.d.b).  O Brasil Indígena.  https://www.gov.br/funai/ pt-br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12-dez/pdf-brasil-ind.pdf IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Mulher No Mercado De Trabalho: Perguntas E Respostas. Pesquisa Mensal de Emprego - PME. https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/ Pesquisa_Mensal_de_Emprego/Estudos/Mulher_Mercado_Trabalho_Perg_Resp.pdf IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2014). Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua- Notas Metodológicas.  Rio de Janeiro: IBGE-Coordenação de Trabalho e Rendimento. https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_ de_Domicilios_continua/Notas_metodologicas/notas_metodologicas.pdf IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2019a).  Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Relatório de Capital Humano no Brasil Brasil. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2019b).  Sistema de Contas Regionais: Brasil 2019. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101873_informativo.pdf IBGE, Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística. (2019c).  Tábua completa de Mortalidade para o Brasil. Coordenação de População e Indicadores Social. 249 IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2020a).  Em média, mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. https:// agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/ releases/27877-em-media-mulheres-dedicam-10-4-horas-por-semana-a-mais-que-os-homens- aos-afazeres-domesticos-ou-ao-cuidado-de-pessoas IBGE, Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística. (2020b). Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira, 2020 (Issue 43). ibge. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2021). Séries históricas—Taxa de desocupação jan-fev- mar 2012—Ago-set-out 2021. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa- nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=series-historicas&utm_ source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego IBOPE. (2020).  Pessoas com Deficiência e o Mercado de Trabalho.  https://www.camarainclusao.com. br/wp-content/uploads/2020/03/IBOPE_MTP_PCD_MERCADO_DE_TRABALHO-Apresentacao- Evento_Coletiva_Camara-Paulista.pdf IDados. (2020).  Crescimento da informalidade é maior dentre os trabalhadores com ensino superior.  https://blog.idados.id/crescimento-da-informalidade-e-maior-dentre-os-trabalhadores- com-ensino-superior/ IMF Working Paper. (2021).  COVID-19 she-cession: The employment penalty of taking care of young children. International monetary fund. https://www.imf.org/-/media/Files/Publications/WP/2021/ English/wpiea2021058-print-pdf.ashx INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais,. (n.d.).  SAEB. Retrieved May 31, 2022, from https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/saeb INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. (2008).  Nota metodológica sobre a compatibilização de desempenhos do PISA com a escala do SAEB. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. https://download.inep.gov.br/educacao_basica/portal_ideb/o_que_ sao_as_metas/Nota_Tecnica_n3_compatibilizacao_PISA_SAEB.pdf INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2015). 10 anos do campo cor/ raça no Censo Escolar. https://download.inep.gov.br/educacao_basica/educacenso/matricula_ inicial/2015/documentos/10_anos_do_campo_cor_raca_no_censo_escolar.pdf INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, A. M. (2018).  Sistema de avaliação da educação básica—Documentos de referência (p. 200). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. https://download.inep.gov.br/educacao_basica/saeb/2018/documentos/ saeb_documentos_de_referencia_versao_1.0.pdf INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2019).  Microdados do Sistema de Avaliação da Educação Básica 2019, SAEB. https://download.inep.gov.br/microdados/ microdados_saeb_2019.zip INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2020a).  Meninas têm mais sucesso na trajetória escolar; desafio é corrigir distorções para os meninos. Ministério Da Educação.  https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/meninas-tem-mais- sucesso-na-trajetoria-escolar-desafio-e-corrigir-distorcoes-para-os-meninos INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2020b). Microdados do Censo da Educação Básica 2020. INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2021). Censo da Educação Relatório de Capital Humano no Brasil Básica 2020. Ministério da Educação. Instituto Ayrton Senna. (2014). Competências Socioemocionais—Material para Discussão. Educação para o Século 21. https://institutoayrtonsenna.org.br/content/dam/institutoayrtonsenna/radar/estante- educador/COMPET%C3%8ANCIAS-SOCIOEMOCIONAIS_MATERIAL-DE-DISCUSS%C3%83O_IAS_ v2.pdf Instituto Maria da Penha. (n.d.). Lei Maria da Penha na Íntegra e Comentada—Instituto Maria da Penha. Instituto Maria Da Penha. Retrieved May 19, 2022, from https://www.institutomariadapenha.org.br/ lei-11340/lei-maria-da-penha-na-integra-e-comentada.html 250 Inter-American Commission on Human Rights. (2021).  Situation of Human Rights in Brazil.  http://www. oas.org/en/iachr/reports/pdfs/Brasil2021-en.pdf International Labour Organization. (n.d.).  ILOSTAT - The leading source of labour statistics. ILOSTAT. Retrieved May 27, 2022, from https://ilostat.ilo.org/ Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2021). Participação de servidores negros no Executivo federal cresceu entre 2000 e 2019. https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_ content&view=article&id=38276&catid=8&Itemid=6 Isfeld, H. (n.d.).  Homicide and Diversity in Brazil: A Gender and Diversity Analysis. PAHO, Pan America Health Organization. https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2010/Homicide_Brazil_gender_ case_study.pdf Izecksohn, M. M. V., Teixeira, J. E., Stelet, B. P., & Jantsch, A. G. (2017). Preceptoria em Medicina de Família e Comunidade: Desafios e realizações em uma Atenção Primária à Saúde em construção. Ciência & Saúde Coletiva, 22, 737–746. https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.332372016 Jackson, C. K., Johnson, R. C., & Persico, C. (2015).  The effects of school spending on educational and economic outcomes: Evidence from school finance reforms. National Bureau of Economic Research. Jackson, C. K., Rockoff, J. E., & Staiger, D. O. (2014). Teacher effects and teacher-related policies. Annu. Rev. Econ., 6(1), 801–825. https://doi.org/10.1146/annurev-economics-080213-040845 Jackson, C. K., Wigger, C., & Xiong, H. (2021). Do school spending cuts matter? Evidence from the Great Recession. American Economic Journal: Economic Policy, 13(2), 304–335. Jayachandran, S. (2021). Social norms as a barrier to women’s employment in developing countries.  IMF Economic Review, 69(3), 576–595. https://doi.org/10.3386/w27449 Jayachandran, S., & Pande, R. (2017). Why are Indian children so short? The role of birth order and son preference. American Economic Review, 107(9), 2600–2629. https://doi.org/10.1257/aer.20151282 Johnson, R. C., & Jackson, C. K. (2019). Reducing inequality through dynamic complementarity: Evidence from Head Start and public school spending. American Economic Journal: Economic Policy, 11(4), 310–349. https://doi.org/10.1257/pol.20180510 Josephson, A., Kilic, T., & Michler, J. D. (2021). Socioeconomic impacts of COVID-19 in low-income countries. Nature Human Behaviour, 5(5), 557–565. Keats, A. (2018). Women’s schooling, fertility, and child health outcomes: Evidence from Uganda’s free primary education program.  Journal of Development Economics,  135, 142–159.  https://doi. org/10.1016/j.jdeveco.2018.07.002 Kerr, W. R., & Kominers, S. D. (2015). Agglomerative Forces and Cluster Shapes. The Review of Economics and Statistics, 97(4), 877–899. https://doi.org/10.1162/REST_a_00471 Kinyoki, D. K., Osgood-Zimmerman, A. E., Pickering, B. V., Schaeffer, L. E., Marczak, L. B., Lazzar-Atwood, A., Collison, M. L., Henry, N. J., Abebe, Z., Adamu, A. A., Adekanmbi, V., Ahmadi, K., Ajumobi, O., Al- Eyadhy, A., Al-Raddadi, R. M., Alahdab, F., Alijanzadeh, M., Alipour, V., Altirkawi, K., … Local Burden of Disease Child Growth Failure Collaborators. (2020). Mapping child growth failure across low- and middle-income countries. Nature, 577(7789), 231–234. https://doi.org/10.1038/s41586-019-1878-8 Kiss, L., Fotheringhame, D., & Quinlan-Davidson, M. (2021). Latin American young NEETs: Brazil as a case study for systemic risks of youth social exclusion. Journal of Youth Studies, 1–25. https://doi.org/1 0.1080/13676261.2021.1965107 Kleven, H., Landais, C., Posch, J., Steinhauer, A., & Zweimuller, J. (2019a). Child penalties across countries: Relatório de Capital Humano no Brasil Evidence and explanations. 109, 122–126. Kleven, H., Landais, C., & Søgaard, J. E. (2019b). Children and gender inequality: Evidence from Denmark. American Economic Journal: Applied Economics, 11(4), 181–209. https://doi.org/10.1257/ app.20180010 Kraay, A. (2018). Methodology for a World Bank Human Capital Index. World Bank, Washington, DC. https:// doi.org/10.1596/1813-9450-8593 Labrecque, J. A., Kaufman, J. S., Balzer, L. B., Maclehose, R. F., Strumpf, E. C., Matijasevich, A., Santos, I. S., Schmidt, K. H., & Barros, A. J. (2018). Effect of a conditional cash transfer program on length-for-age 251 and weight-for-age in Brazilian infants at 24 months using doubly-robust, targeted estimation. Social Science & Medicine, 211, 9–15. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2018.05.040 Laing, L., & Bobic, N. (2002). Economic costs of domestic violence.  Sydney: Australian Domestic and Family Violence Clearinghouse.  https://www.mujereslibresdeviolencia.usmp.edu.pe/wp-content/ uploads/2015/03/Economic_costs_of_DV.pdf Lakshmi, P. (2016). The economic costs of violence against women. UN Women – Headquarters. https:// www.unwomen.org/en/news/stories/2016/9/speech-by-lakshmi-puri-on-economic-costs-of- violence-against-women Lara de Arruda, P., Lazarotto de Andrade, M., Falcao, T., Teixeira Barbosa, D., & Morgandi, M. (2022). Challenges and potentialities for implementing social protection responses to emergency through decentralized administration. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/36839 Lara de Arruda, P., Lazarotto de Andrade, M., Falcao, T., Teixeira Barbosa, D., & Morgandi, M. (2021a). Auxilio Emergencial: Lessons from the Brazilian experience responding to COVID-19. World Bank. https:// openknowledge.worldbank.org/handle/10986/37254 Lara de Arruda, P., Lazarotto de Andrade, M., Falcao, T., Teixeira Barbosa, D., & Morgandi, M. (2021b).  The Payment System Used by Auxilio Emergencial .  https://openknowledge.worldbank.org/ handle/10986/36837 Lara Ibarra, G., & Vale, R. (2022). Poverty and Food Security in Brazil during the pandemic. Lautharte, I., de Oliveira, V. H., & Loureiro, A. (2021). Incentives for Mayors to Improve Learning: Evidence from State Reforms in Ceará, Brazil. https://doi.org/10.1596/1813-9450-9509 Lavy, V., & Schlosser, A. (2011). Mechanisms and impacts of gender peer effects at school.  American Economic Journal: Applied Economics, 3(2), 1–33. https://doi.org/10.1257/app.3.2.1 Lavy, V., Strauss, J., Thomas, D., & De Vreyer, P. (1996). Quality of health care, survival and health outcomes in Ghana. Journal of Health Economics, 15(3), 333–357. https://doi.org/10.1016/0167-6296(95)00021-6 Leaver, C., Lemos, R. F., & Scur, D. (2019). Measuring and explaining management in schools: New approaches using public data.  World Bank Policy Research Working Paper,  9053.  https://openknowledge. worldbank.org/handle/10986/32662 Libermann, A. P., & Bertolini, G. R. F. (2015). Tendências de pesquisa em políticas públicas: Uma avaliação do Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE. Ciência & Saúde Coletiva, 20, 3533–3546. https:// doi.org/10.1590/1413-812320152011.16822014 Lichand, G., Dória, C. A., Neto, O. L., & Cossi, J. (2021).  The impacts of remote learning in secondary education: Evidence from brazil during the pandemic. http://dx.doi.org/10.18235/0003344 Liguori, M., Cordeiro, M., & Ferraz, C. (n.d.).  Assédio no Contexto do Mundo Corporativo – Think Eva. Retrieved January 12, 2020, from  https://thinkeva.com.br/pesquisas/assedio-no-contexto-do- mundo-corporativo/ Lima, N. T. (2007). Public health and social ideas in modern Brazil. American Journal of Public Health, 97(7), 1168–1177. https://doi.org/10.2105%2FAJPH.2003.036020 Lima, R. de C. F., Rodrigues, B. L. S., de Farias, S. J. M., Lippo, B. R. D. S., & da Guarda, F. R. B. (2020). Impacto do Programa Academia da Saúde sobre gastos com internações hospitalares por doenças cerebrovasculares. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, 25, 1–8. https://doi.org/10.12820/ rbafs.25e0166 Lleras-Muney, A. (2005). The relationship between education and adult mortality in the United States. The Relatório de Capital Humano no Brasil Review of Economic Studies, 72(1), 189–221. https://doi.org/10.1111/0034-6527.00329 Loades, M. E., Chatburn, E., Higson-Sweeney, N., Reynolds, S., Shafran, R., Brigden, A., Linney, C., McManus, M. N., Borwick, C., & Crawley, E. (2020). Rapid systematic review: The impact of social isolation and loneliness on the mental health of children and adolescents in the context of COVID-19.  Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry,  59(11), 1218-1239. e3.  https://doi. org/10.1016%2Fj.jaac.2020.05.009 Locomotiva, & Central Única das Favelas. (2020).  As faces do Racismo, um levantamento do instituto locomotiva para a Central Única das Favelas. https://www.ilocomotiva.com.br/_files/ugd/eaab21_ b58cdbbf6aa34a23a4fcb1cb2fc67717.pdf 252 Lotta, G., Wenham, C., Nunes, J., & Pimenta, D. N. (2020). Community health workers reveal COVID-19 disaster in Brazil. The Lancet, 396(10248), 365–366. https://doi.org/10.1016/ S0140-6736(20)31521-X Loureiro, A., & Cruz, L. (2020).  Achieving World-Class Education in Adverse Socioeconomic Conditions. http://hdl.handle.net/10986/34150 Loureiro, A., Cruz, L., Lautharte, I., & Evans, D. K. (2020).  The State of Ceara in Brazil is a Role Model for Reducing Learning Poverty. https://doi.org/10.1596/34156 Louzano, P., Rocha, V., Moriconi, G. M., & de Oliveira, R. P. (2010). Quem quer ser professor? Atratividade, seleção e formação do docente no Brasil. Estudos Em Avaliação Educacional, 21(47), 543–568. Löwy, I. (1999). Representing and intervening in public health: Viruses, mosquitoes and Rockefeller Foundation experts in Brazil.  História, Ciências, Saúde-Manguinhos,  5, 647–677.  https://doi. org/10.1590/S0104-59701999000100006 Machado, C., & Pinho Neto, V. R. de. (2016). The labor market consequences of maternity leave policies: Evidence from Brazil. https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/17859 Machado, C., & Pinho Neto, V. R. de. (2021). Paid Leave Extensions and the Behavior of Firms and Workers. Mimeo. Machado, P. Y., Baraldi, N. G., Silveira-Monteiro, C. A., Nery, N. G., Calheiros, C. A. P., & Freitas, P. S. (2021). Rede Amamenta Brasil e Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil: Impacto nos índices de aleitamento materno. Research, Society and Development, 10(10), e339101018941–e339101018941. http://dx.doi. org/10.33448/rsd-v10i10.18941 Macinko, J., De Oliveira, V. B., Turci, M. A., Guanais, F. C., Bonolo, P. F., & Lima-Costa, M. F. (2011). The influence of primary care and hospital supply on ambulatory care–sensitive hospitalizations among adults in Brazil, 1999–2007. American Journal of Public Health, 101(10), 1963–1970. https://doi.org/10.2105/ ajph.2010.198887 Macinko, J., Dourado, I., Aquino, R., Bonolo, P. de F., Lima-Costa, M. F., Medina, M. G., Mota, E., de Oliveira, V. B., & Turci, M. A. (2010). Major expansion of primary care in Brazil linked to decline in unnecessary hospitalization. Health Affairs, 29(12), 2149–2160. https://doi.org/10.1377/hlthaff.2010.0251 Macinko, J., Guanais, F. C., & De Souza, M. D. F. M. (2006). Evaluation of the impact of the Family Health Program on infant mortality in Brazil, 1990–2002.  Journal of Epidemiology & Community Health, 60(1), 13–19. https://doi.org/10.1136%2Fjech.2005.038323 Macinko, J., & Lima-Costa, M. F. (2012). Horizontal equity in health care utilization in Brazil, 1998– 2008. International Journal for Equity in Health, 11(1), 1–8. https://doi.org/10.1186/1475-9276-11-33 Macinko, J., & Mendonça, C. S. (2018). Estratégia Saúde da Família, um forte modelo de Atenção Primária à Saúde que traz resultados. Saúde Em Debate, 42, 18–37. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S102 Macinko, J., Starfield, B., & Erinosho, T. (2009). The impact of primary healthcare on population health in low- and middle-income countries. The Journal of Ambulatory Care Management, 32(2), 150–171. https:// doi.org/10.1097/jac.0b013e3181994221 Madalozzo, R. (2010). Occupational segregation and the gender wage gap in Brazil: An empirical analysis. Economia Aplicada, 14(2), 147–168. https://doi.org/10.1590/S1413-80502010000200002 Madhav, N., Oppenheim, B., Gallivan, M., Mulembakani, P., Rubin, E., & Wolfe, N. (2017). Pandemics: Risks, impacts, and mitigation. Disease control priorities: Improving health and reducing poverty.  The International Bank for Reconstruction and Development/The World Bank. Washington DC: The World Bank. http://dx.crossref.org/10.1596/978-1-4648-0527-1_ch17 Relatório de Capital Humano no Brasil Magalhães Junior, H. M. (2014). Redes de Atenção à Saúde: Rumo à integralidade. Divulg. Saúde Debate, 15–37. Magaloni, B., Franco-Vivanco, E., & Melo, V. (2020). Killing in the slums: Social order, criminal governance, and police violence in Rio de Janeiro. American Political Science Review, 114(2), 552–572. https:// doi.org/10.1017/S0003055419000856 Marioni, L. da S., Freguglia, R. D. S., & Menezes-Filho, N. A. (2020). The impacts of teacher working conditions and human capital on student achievement: Evidence from brazilian longitudinal data.  Applied Economics, 52(6), 568–582. https://doi.org/10.1080/00036846.2019.1650885 253 Marques, N. P., Silveira, D. M. M., Marques, N. C. T., Martelli, D. R. B., Oliveira, E. A., & Martelli-Júnior, H. (2021).  Cancer diagnosis in Brazil in the COVID-19 era.  48(2), 156–159.  https://doi.org/10.1053/j. seminoncol.2020.12.002 Marteleto, L. J., & Dondero, M. (2016). Racial inequality in education in Brazil: A twins fixed-effects approach. Demography, 53(4), 1185–1205. Martins, A. P. B., & Monteiro, C. A. (2016). Impact of the Bolsa Família program on food availability of low- income Brazilian families: A quasi experimental study.  BMC Public Health,  16(1), 1–11.  https://doi. org/10.1186/s12889-016-3486-y Massuda, A., Hone, T., Leles, F. A. G., De Castro, M. C., & Atun, R. (2018). The Brazilian health system at crossroads: Progress, crisis and resilience. BMJ Global Health, 3(4), e000829. https://doi.org/10.1136/ bmjgh-2018-000829 McCormick, M. C. (1985). The contribution of low birth weight to infant mortality and childhood morbidity. New England Journal of Medicine, 312(2), 82–90. https://doi.org/10.1056/nejm198501103120204 McCrary, J., & Royer, H. (2011). The effect of female education on fertility and infant health: Evidence from school entry policies using exact date of birth. American Economic Review, 101(1), 158–195. https:// doi.org/10.1257/aer.101.1.158 Meirelles, R., & Athayde, C. (2016).  Um país chamado favela: A maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira. Editora Gente Liv e Edit Ltd. Mendes, E. V. (2010). As redes de atenção à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 15, 2297–2305. Ministério da Cidadania. (n.d.).  CECAD 2.0. Retrieved May 25, 2022, from  https://cecad.cidadania.gov.br/ painel03.php Ministério da Cidadania. (2020). Manual de gestão municipal do Programa Criança Feliz. https://www.gov. br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/crianca-feliz/publicacoes-1/Manual_Gestor_PCF_1012.pdf Ministério da Cidadania. (2021).  Manual Do Visitador: Um olhar sobre a visita domiciliar.  https:// w w w.g ov. b r/c i d a d a n i a /p t- b r/a c o e s- e - p ro g r a m a s /c r i a n c a -fe l i z /p u b l i c a c o e s-1 / MANUALDOVISITADORVERSOFINAL.pdf Ministério da Educação. (n.d.).  Prova Brasil—Apresentação. Retrieved May 31, 2022, from  http://portal. mec.gov.br/prova-brasil Ministério da Educação. (2010). Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Resolução CEB- CNE, 1. http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diretrizescurriculares_2012.pdf Ministério da Educação. (2017). Base nacional comum curricular. Brasília-DF: MEC, Secretaria de Educação Básica. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf Ministério da Educação. (2019, April 19). MEC trabalha por avanços na educação escolar indígena. http:// portal.mec.gov.br/busca-geral/206-noticias/1084311476/75261-mec-trabalha-por-avancos-na- educacao-escolar-indigena Ministério da Educação & Secretaria de Educação Básica. (2006a). Parâmetros básicos de infra-estrutura para instituições de educação infantil. Brasília: MEC, SEB.  http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ pdf/Educinf/miolo_infraestr.pdf Ministério da Educação, & Secretaria de Educação Básica. (2006b).  Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, & Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. (2021).  Guia Digital do Plano Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) Relatório de Capital Humano no Brasil 2021.  https://midiasstoragesec.blob.core.windows.net/001/2021/07/anexo-1-webinar-objeto-2- -pnld-2021-e-demais-esclarecimentos-para-compreenso-dos-rgos-regionais-e-das-unidades- escolaresapresentao-guia-pn.pdf Ministério da Saúde. (n.d.a). DATASUS – Ministério da Saúde. Retrieved May 31, 2022, from https://datasus. saude.gov.br/ Ministério da Saúde. (n.d.b).  Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Retrieved May 31, 2022, from http://sim.saude.gov.br/default.asp 254 Ministério da Saúde. (2020). Boletim Epidemiológico 29. Mortalidade proporcional por grupos de causas em mulheres no Brasil em 2010 e 2019. Secretaria de Vigilância em Saúde.  https://www.gov.br/ saude/pt-br/media/pdf/2021/agosto/9/boletim_epidemiologico_svs_29.pdf Ministério do Desenvolvimento Social. (2018).  Manual do Pesquisador, Programa Criança Feliz.  https:// aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/docs/Manual%20do%20Pesquisador%20-%20 Crianc%CC%A7a%20Feliz.pdf> Ministério do Trabalho e Previdência. (2020). Sumário Executivo. Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). 2020. http://pdet.mte.gov.br/images/RAIS/2020/2-Sum%C3%A1rio_Executivo_RAIS_2020. pdf Monteiro, C. A., Benicio, M. H. D., Conde, W. L., Konno, S., Lovadino, A. L., Barros, A. J., & Victora, C. G. (2010). Narrowing socioeconomic inequality in child stunting: The Brazilian experience, 1974-2007. Bulletin of the World Health Organization, 88(4), 305–311. https://doi.org/10.2471/BLT.09.069195 Monteiro, J. (2013).  Quem são os jovens nem-nem?: Uma análise sobre os jovens que não estudam e não participam do mercado de trabalho. http://hdl.handle.net/10438/11661 Moura, E. C. de, Santos, W. dos, Neves, A. C. M. das, Schwarz, E., & Gomes, R. (2016). Mortality in Brazil according to gender perspective, years 2000 and 2010. Revista Brasileira de Epidemiologia, 19(2), 326–338. https://doi.org/10.1590/1980-5497201600020010 Muggah, R., & Pellegrino, A. P. (2020). Prevenção da violência juvenil no Brasil: Uma análise do que funciona.  Instituto Igarapé e Fundo de População Das Nações Unidas.  https://brazil.unfpa.org/ sites/default/files/pub-pdf/youth_violence%20%281%29.pdf Muriel, N., & Vesterlund, L. (2011). Gender and competition.  Annual Review of Economics,  3(1), 601– 630. https://doi.org/10.1146/annurev-economics-111809-125122 Nalbandian, A., Sehgal, K., Gupta, A., Madhavan, M. V., McGroder, C., Stevens, J. S., Cook, J. R., Nordvig, A. S., Shalev, D., & Sehrawat, T. S. (2021). Post-acute COVID-19 syndrome.  Nature Medicine,  27(4), 601–615. https://doi.org/10.1038/s41591-021-01283-z Narayan, A., Van der Weide, R., Cojocaru, A., Lakner, C., Redaelli, S., Mahler, D. G., Ramasubbaiah, R. G. N., & Thewissen, S. (2018).  Fair Progress?: Economic Mobility across Generations around the World. Washington, DC:  World Bank. https://doi.org/10.1596/978-1-4648-1210-1 Neidhöfer, G., Lustig, N., & Tommasi, M. (2021). Intergenerational transmission of lockdown consequences: Prognosis of the longer-run persistence of COVID-19 in Latin America.  The Journal of Economic Inequality, 19(3), 571–598. https://doi.org/10.1007/s10888-021-09501-x Neri, M. C. (2009). Motivos da evasão escolar. http://hdl.handle.net/11465/1166 Neto, R. da M. S. (2010). Impacto do programa Bolsa Família sobre a frequência à escola: Estimativas a partir de informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). In Bolsa Família 2003-2010: Avanços e desafios (Vol. 2, p. 53). Ipea. https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_ content&view=article&id=6605&catid=265 Nickow, A., Oreopoulos, P., & Quan, V. (2020).  The impressive effects of tutoring on prek-12 learning: A systematic review and meta-analysis of the experimental evidence.  https://doi.org/10.3386/ w27476 Niederle, M., & Vesterlund, L. (2010). Explaining the gender gap in math test scores: The role of competition. Journal of Economic Perspectives, 24(2), 129–144. https://doi.org/10.1257/jep.24.2.129 Nollenberger, N., Rodríguez-Planas, N., & Sevilla, A. (2016). The math gender gap: The role of culture. American Economic Review, 106(5), 257–261. https://doi.org/10.1257/aer.p20161121 Relatório de Capital Humano no Brasil Nugroho, D., Pasquin, C., Reuge, N., & Amaro, D. (2020). COVID-19: How are Countries Preparing to Mitigate the Learning Loss as Schools Reopen?: Trends and Emerging Good Practices to Support the Most Vulnerable Children.  https://www.unicef-irc.org/publications/1119-covid-19-how-are-countries- preparing-to-mitigate-the-learning-loss-as-they-reopen.html Nyarko, K. A., Lopez-Camelo, J., Castilla, E. E., & Wehby, G. L. (2013). Explaining racial disparities in infant health in Brazil.  American Journal of Public Health,  103(9), 1675–1684.  https://dx.doi. org/10.2105%2FAJPH.2012.301021 255 OBSERVE. (2010).  Condições para aplicação da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMS) e nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar nas capitais e no Distrito Federal.  http://www.observe.ufba.br/_ARQ/Relatorio%20 apresent%20e%20DEAMs.pdf O’Cummings, M., & Therriault, S. B. (2015). From Accountability to Prevention: Early Warning Systems Put Data to Work for Struggling Students. American Institutes for Research. https://eric.ed.gov/?id=ED576665 OECD. (2016).  Brasil no PISA 2015: Análises e reflexões sobre o desempenho do estudantes brasileiros. https://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_ completo_final_baixa.pdf OECD. (2018a). Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility. Organization for Economic Co- operation and Development. https://doi.org/10.1787/9789264301085-en OECD. (2018b). Programme for International Student Assessment (PISA) Results from PISA 2018. OECD. (2019). Education at a Glance 2019: OECD Indicators. OECD. https://doi.org/10.1787/f8d7880d-en OECD. (2020). Education at a Glance 2020: OECD Indicators. Organisation for Economic Co-operation and Development. https://www.oecd-ilibrary.org/education/education-at-a-glance-2020_69096873-en OECD. (2021). OECD Reviews of Health Systems: Brazil 2021. OECD. https://doi.org/10.1787/146d0dea-en Ohnsorge, F., & Yu, S. (2022).  The long shadow of informality: Challenges and policies. World Bank Publications. Oliveira Turatti, B. de, & Moretti-Pires, R. O. (2017). Occupational violence in pregnant women in Brazil: A sample of cases in the Labor Court. Journal of Occupational Health, 17–0029. https://doi.org/10.1539/ joh.17-0029-OP Oliveira-Cruz, V., Kowalski, J., & McPake, B. (2004). the Brazilian HIV/AIDS’success story’—Can others do it? Tropical Medicine & International Health, 9(2), 292–297. Oreopoulos, P., & Salvanes, K. G. (2011). Priceless: The nonpecuniary benefits of schooling.  Journal of Economic Perspectives, 25(1), 159–184. https://doi.org/10.1257/jep.25.1.159 Organización Panamericana de la Salud. (2021).  Actualización epidemiológica: Enfermedad por Coronavirus (COVID-19). Osendarp, S., Akuoku, J. K., Black, R. E., Headey, D., Ruel, M., Scott, N., Shekar, M., Walker, N., Flory, A., Haddad, L., Laborde, D., Stegmuller, A., Thomas, M., & Heidkamp, R. (2021). The COVID-19 crisis will exacerbate maternal and child undernutrition and child mortality in low- and middle-income countries. Nature Food, 2(7), 476–484. https://doi.org/10.1038/s43016-021-00319-4 Osório, R. G. (2003). O sistema classificatório de” cor ou raça” do IBGE (Vol. 53). Ipea Brasília, DF. https:// www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4212 Osório, R. G. (Ed.). (2013). A classificação de cor ou raça do IBGE revisitada. In  Características Étnico- raciais da População: Classificações e identidades. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf Ostrom, E. (2000). Collective action and the evolution of social norms.  Journal of Economic Perspectives, 14(3), 137–158. https://doi.org/10.1257/jep.14.3.137 Otero, U. B., Rozenfeld, S., Gadelha, A. M. J., & Carvalho, M. S. (2002). Mortalidade por desnutrição em idosos, região Sudeste do Brasil, 1980-1997. Revista de Saúde Pública, 36, 141–148. https://doi.org/10.1590/ S0034-89102002000200004 Our World in Data. (n.d.). Our World in Data - COVID-19 Data Explorer. Retrieved March 23, 2022, from https:// Relatório de Capital Humano no Brasil ourworldindata.org/coronavirus-data-explorer Özçelik, E. A., Massuda, A., McConnell, M., & Castro, M. C. (2021). Assessing the performance of beneficiary targeting in Brazil’s More Doctors Programme. Health Policy and Planning, 36(2), 149–161. https:// doi.org/10.1093/heapol/czaa137 Paes-Sousa, R., & Santos, L. M. P. (2009). Measuring the impact of Bolsa Familia Program based on data from Health and Nutrition Days (Brazil). Santiago: FAO. http://www.oda-alc.org/documentos/1323953814. pdf 256 Pardo, M. S. (2012). Jóvenes que ni estudian ni trabajan: Un riesgo para la cohesión social en América Latina. DAMMENT, L. et Al, 163–208. Partridge, S., Balayla, J., Holcroft, C. A., & Abenhaim, H. A. (2012). Inadequate Prenatal Care Utilization and Risks of Infant Mortality and Poor Birth Outcome: A Retrospective Analysis of 28,729,765 U.S. Deliveries over 8 Years.  American Journal of Perinatology,  29(10), 787–794.  https://doi. org/10.1055/s-0032-1316439 Pasinato, W. (2016). The Maria da Penha Law: 10 Years On. 9. Passanha, A., Benicio, M. H. Da., Venâncio, S. I., & Reis, M. C. G. dos. (2013). Implantação da Rede Amamenta Brasil e prevalência de aleitamento materno exclusivo.  Revista de Saúde Pública,  47, 1141– 1148. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004807 Patacchini, E., & Zenou, Y. (2007). Spatial dependence in local unemployment rates. Journal of Economic Geography, 7(2), 169–191. https://doi.org/10.1093/jeg/lbm001 Paula, M. de F. C. de. (2017). Políticas de democratização da educação superior brasileira: Limites e desafios para a próxima década.  Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas),  22, 301–315. https://doi.org/10.1590/S1414-40772017000200002 Penglase, Ben. (2014). Living with Insecurity in a Brazilian Favela. Rutgers University Press. Pennings, S. (2020). The Utilization-Adjusted Human Capital Index. World Bank, Washington, DC. https:// openknowledge.worldbank.org/handle/10986/34487 PENSSAN. (2021). Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf Pereda, P., Lucchesi, A., Mendes, K., & Bresolin, A. (2019). Evaluating the impact of the selection process of principal in Brazilian public schools. Nova Economia, 29(2), 591–621. https://doi.org/10.1590/0103- 6351/4242 Pérez-Escamilla, R., Martinez, J. L., & Segura-Pérez, S. (2016). Impact of the Baby-friendly Hospital Initiative on breastfeeding and child health outcomes: A systematic review. Maternal & Child Nutrition, 12(3), 402–417. https://doi.org/10.1111/mcn.12294 Perrin, N., Marsh, M., Clough, A., Desgroppes, A., Yope Phanuel, C., Abdi, A., Kaburu, F., Heitmann, S., Yamashina, M., & Ross, B. (2019). Social norms and beliefs about gender based violence scale: A measure for use with gender based violence prevention programs in low-resource and humanitarian settings. Conflict and Health, 13(1), 1–12. https://doi.org/10.1186/s13031-019-0189-x Pietra, G. A. C. D., Sassaki, A. H., Komatsu, B. K., & Menezes, N. A. (2020). O que Explica o Desempenho do Brasil no PISA 2015?  Revista Brasileira de Economia,  74, 167–196.  https://doi.org/10.5935/0034- 7140.20200010 Pimentel, J. M. F., Porto, P. S. P., Faislon, I. C., & de Miranda Avena, K. (2020). Internações hospitalares por doenças relacionadas ao saneamento básico inadequado na Bahia, de 2010 a 2016. Brazilian Journal of Health Review, 3(4), 7945–7957. https://doi.org/10.34119/bjhrv3n4-059 Pinheiro, L., Goes, F. L., Rezende, M., & Fontoura, N. de O. (2019).  Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínual. Texto para Discussão. Pinto Junior, E. P., Aquino, R., Medina, M. G., & Silva, M. G. C. da. (2018). Efeito da Estratégia Saúde da Família nas internações por condições sensíveis à atenção primária em menores de um ano na Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 34(2), e00133816. https://doi.org/10.1590/0102-311X00133816 Relatório de Capital Humano no Brasil Pinto, L. F., & Giovanella, L. (2018). Do Programa à Estratégia Saúde da Família: Expansão do acesso e redução das internações por condições sensíveis à atenção básica (ICSAB).  Ciência & Saúde Coletiva. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05592018 PNAD, I. (1996). Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua. Rio de Janeiro: IBGE. PNAD, I. (2014). Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua. Rio de Janeiro: IBGE. PNAD, I. (2019). Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua. Rio de Janeiro: IBGE. PNAD, I. (2021). Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua. Rio de Janeiro: IBGE. 257 Ponte Barbosa, M., & Oliveira Costa, L. (2019).  Requirements to Be a Teacher in Brazil: Effective or Not? http://hdl.handle.net/10986/32380 Pope, D. G., & Sydnor, J. R. (2010). Geographic variation in the gender differences in test scores. Journal of Economic Perspectives, 24(2), 95–108. https://doi.org/10.1257/jep.24.2.95 Presidência da República & Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. (2005).  Plano Nacional de Políticas para Mulheres. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnpm_compacta.pdf Psacharopoulos, G. (1989). Time trends of the returns to education: Cross-national evidence.  Economics of Education Review, 8(3), 225–231. https://doi.org/10.1016/0272-7757(82)90002-4 Pushparatnam, A., Luna Bazaldua, D. A., Holla, A., Azevedo, J. P., Clarke, M., & Devercelli, A. (2021). Measuring Early Childhood Development Among 4–6 Year Olds: The Identification of Psychometrically Robust Items Across Diverse Contexts.  Frontiers in Public Health, 17.  https://doi.org/10.3389/ fpubh.2021.569448 Quarti Machado Rosa, M., dos Santos Rosa, R., Correia, M. G., Araujo, D. V., Bahia, L. R., & Toscano, C. M. (2018). Disease and economic burden of hospitalizations attributable to diabetes mellitus and its complications: A nationwide study in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 15(2), 294. https://doi.org/10.3390/ijerph15020294 Quiroga, C. V., Janosz, M., Bisset, S., & Morin, A. J. (2013). Early adolescent depression symptoms and school dropout: Mediating processes involving self-reported academic competence and achievement. Journal of Educational Psychology, 105(2), 552. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/ a0031524 Rajkumar, A. S., & Swaroop, V. (2008). Public spending and outcomes: Does governance matter? Journal of Development Economics, 86(1), 96–111. Ramos, L. (2007). Desigualdade de Rendimentos do Trabalho no Brasil, de 1995 a 2005. In Desigualdade de Renda no Brasil: Uma análise da queda recente (Vol. 2). Ipea.  https://www.ipea.gov.br/portal/ index.php?option=com_content&view=article&id=5552 Rangel, M. A. (2015). Is parental love colorblind? Human capital accumulation within mixed families.  The Review of Black Political Economy, 42(1–2), 57–86. Ranzani, O. T., Bastos, L. S., Gelli, J. G. M., Marchesi, J. F., Baião, F., Hamacher, S., & Bozza, F. A. (2021). Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: A retrospective analysis of nationwide data. The Lancet Respiratory Medicine, 9(4), 407–418. https://doi.org/10.1016/ S2213-2600(20)30560-9 Rasella, D., Harhay, M. O., Pamponet, M. L., Aquino, R., & Barreto, M. L. (2014). Impact of primary health care on mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: A nationwide analysis of longitudinal data. Bmj, 349. https://doi.org/10.1136/bmj.g4014 Ribeiro, K. B., Ribeiro, A. F., Veras, M. A. de S. M., & de Castro, M. C. (2021). Social inequalities and COVID-19 mortality in the city of São Paulo, Brazil.  International Journal of Epidemiology,  50(3), 732– 742. https://doi.org/10.1093/ije/dyab022 Ristoff, D. (2014). O novo perfil do campus brasileiro: Uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas), 19, 723–747. https:// doi.org/10.1590/S1414-40772014000300010 Rivkin, S. G., Hanushek, E. A., & Kain, J. F. (2005). Teachers, schools, and academic achievement. Econometrica, 73(2), 417–458. Roberton, T., Carter, E. D., Chou, V. B., Stegmuller, A. R., Jackson, B. D., Tam, Y., Sawadogo-Lewis, T., & Relatório de Capital Humano no Brasil Walker, N. (2020). Early estimates of the indirect effects of the COVID-19 pandemic on maternal and child mortality in low-income and middle-income countries: A modelling study. The Lancet Global Health, 8(7), e901–e908. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30229-1 Rocha, R., Ferraz, C., & Soares, R. R. (2017). Human Capital Persistence and Development.  American Economic Journal: Applied Economics, 9(4), 105–136. https://doi.org/10.1257/app.20150532 Rockoff, J. E. (2004). The impact of individual teachers on student achievement: Evidence from panel data. American Economic Review, 94(2), 247–252. https://doi.org/10.1257/0002828041302244 258 Rodrigues, A., Lacerda, L., & Francisco, R. P. V. (2021). Brazilian Obstetric Observatory.  ArXiv:2105.06534 [Stat]. http://arxiv.org/abs/2105.06534 Rodríguez-Planas, N., & Nollenberger, N. (2018). Let the girls learn! It is not only about math… it’s about gender social norms.  Economics of Education Review,  62, 230–253.  https://doi.org/10.1016/j. econedurev.2017.11.006 Rosa, L., Bettinger, E., Carnoy, M., & Dantas, P. (2022). The effects of public high school subsidies on student test scores: The case of a full-day high school in Pernambuco, Brazil.  Economics of Education Review, 87, 102201. https://doi.org/10.1016/j.econedurev.2021.102201 Rosa, R. T., Barros, P. V. G., RIOS, L. M. dos S. R., SÁ, S. B. F. de L., & Junior, A. M. (2017). Redução de Sobrepeso e Obesidade na academia da saúde: Estudo piloto. Rev. e-Ciência, 5(2), 101–107. http:// dx.doi.org/10.19095/rec.v5i2.265 Rossetti, F. X., da Silva, M. V., & Winnie, L. W. Y. (2016). O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o desafio da aquisição de alimentos regionais e saudáveis. Segurança Alimentar e Nutricional, 23(2), 912–923. https://doi.org/10.20396/san.v23i2.8647528 Rossin-Slater, M. (2018). Maternity and family leave policy. New York, Oxford University Press. Salata, A. (2018). Ensino Superior no Brasil das últimas décadas: Redução nas desigualdades de acesso? Tempo Social, 30(2), 219–253. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.125482 Santos, B. R. dos, Magalhães, D., Mora, G., & Cunha, A. (2017). Gravidez na adolescência no Brasil: Vozes de meninas e de especialistas. Instituto Dos Direitos Da Criança. Brasília: INDICA. https://www.unicef. org/brazil/media/1896/file/Gravidez_na_Adolescencia_no_Brasil.pdf Santos, G. M. N. C. dos. (2014).  Gênero, desenvolvimento e Programa Bolsa Família: Direitos reprodutivos, trabalho e projetos de vida de mulheres do Coque.  https://repositorio.ufpe.br/ handle/123456789/12055 Sardenberg, C. M. B. (2016). Ten years of Maria da Penha Law: Advancements and shortcomings in confronting gender based violence against women in Brazil.  Http://Www.Feminismos.Neim.Ufba. Br/Index.Php/Revista/Article/ViewFile/394/201. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/28466 Scheffer, M., Cassenote, A., Guerra, A., Guilloux, A. G. A., Brandão, A. P. D., Miotto, B. A., ALMEIDA, C. de J., GOMES, J. O., & MIOTTO, R. A. (2020). Demografia médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM, 125. Schweickardt, J. C., & Lima, N. T. (2007). Os cientistas brasileiros visitam a Amazônia: As viagens científicas de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas (1910-1913).  História, Ciências, Saúde-Manguinhos,  14, 15– 50. https://doi.org/10.1590/S0104-59702007000500002 Scientific Committee of the Núcleo Ciência Pela Infância. (2020). Impacts of the COVID-19 Pandemic on Early Childhood Development. http://www.ncpi.org.br Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (2013).  Educação em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais .  http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ docman&view=download&alias=32131-educacao-dh-diretrizesnacionais-pdf&Itemid=30192 Secretaria de Educação - São Paulo. (2021). Resultados SARESP. Secretaria de Política Econômica. (n.d.). Pronatec Bolsa-Formação Uma Avaliação Inicial sobre Reinserção no Mercado de Trabalho Formal. Retrieved May 27, 2022, from http://portal.mec.gov.br/expansao- da-rede-federal/190-secretarias-112877938/setec-1749372213/30971-publicacoes-estudos-e- apresentacoes-pronatec Relatório de Capital Humano no Brasil Secretaria de Segurança Pública da Bahia. (2021).  Feminicídios na Bahia: Uma Análise dos Padrões e Especificidades entre 2017 e 2020. Governo do Estado da Bahia.  https://sei.ba.gov.br/images/ publicacoes/download/textos_discussao/texto_discussao_23.pdf Secretaria de Vigilância em Saúde. (n.d.).  Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Retrieved May 31, 2022, from http://svs.aids.gov.br/dantps/cgiae/sinasc/ Segatto, C. I., Santos, F. B. P. dos, Bichir, R. M., & Morandi, E. L. (2022). Inequalities and the COVID-19 pandemic in Brazil: Analyzing un-coordinated responses in social assistance and education. Policy and Society. https://doi.org/10.1093/polsoc/puac005 259 Semba, R. D., de Pee, S., Sun, K., Sari, M., Akhter, N., & Bloem, M. W. (2008). Effect of parental formal education on risk of child stunting in Indonesia and Bangladesh: A cross-sectional study. The Lancet, 371(9609), 322–328. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(08)60169-5 Senado Federal. (2013).  Comissão parlamentar mista de inquérito: Relatório final : violência contra a mulher. https://www2.senado.gov.br/bdsf/handle/id/496481 Senkevics, A. S., Machado, T. de S., & Oliveira, A. S. de. (2016). A cor ou raça nas estatísticas educacionais: Uma análise dos instrumentos de pesquisa do Inep.  Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 41. http://td.inep.gov.br/ojs3/index.php/td/article/view/3880 Senna, M. de C. M. (2009). Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). In  A experiência brasileira em sistemas de informação em saúde. Falando sobre os sistemas de informação em saúde no Brasil (Vol. 2, pp. 87–105). Ministério da Saúde.  https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ experiencia_brasileira_sistemas_saude_volume2.pdf Seravalle, G., & Grassi, G. (2017). Obesity and hypertension.  Pharmacological Research,  122, 1–7.  https:// doi.org/10.1016/j.phrs.2017.05.013 Shei, A. (2013). Brazil’s conditional cash transfer program associated with declines in infant mortality rates. Health Affairs, 32 (7), 1274–1281. https://doi.org/10.1377/hlthaff.2012.0827 Shei, A., Costa, F., Reis, M. G., & Ko, A. I. (2014). The impact of Brazil’s Bolsa Família conditional cash transfer program on children’s health care utilization and health outcomes.  BMC International Health and Human Rights, 14(1), 1–9. https://doi.org/10.1186/1472-698x-14-10 Shonkoff, J. P., Garner, A. S., Siegel, B. S., Dobbins, M. I., Earls, M. F., McGuinn, L., Pascoe, J., Wood, D. L., Health, C. on P. A. of C. and F., & Committee on Early Childhood, A. (2012). The lifelong effects of early childhood adversity and toxic stress.  Pediatrics,  129 (1), e232–e246.  https://doi.org/10.1542/ peds.2011-2663 Sichieri, R., Nascimento, S. do, & Coutinho, W. (2007). The burden of hospitalization due to overweight and obesity in Brazil. Cadernos de Saúde Pública, 23(7), 1721–1727. https://doi.org/10.1590/s0102- 311x2007000700025 Silva, A. da, Rosa, T. E. da C., Batista, L. E., Kalckmann, S., Louvison, M. C. P., Teixeira, D. S. da C., & Lebrão, M. L. (2019). Iniquidades raciais e envelhecimento: Análise da coorte 2010 do Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE).  Revista Brasileira de Epidemiologia,  21.  https://doi.org/10.1590/1980- 549720180004.supl.2 Silva, H. C. B. da, & Lima, T. C. S. de. (2021). Racismo institucional: Violação do direito à saúde e demanda ao Serviço Social. Revista Katálysis, 24, 331–341. https://doi.org/10.1590/1982-0259.2021.e77586 Silva, R. N. A., Russo, G., Matijasevich, A., & Scheffer, M. (2020). Covid-19 in Brazil has exposed socio- economic inequalities and underfunding of its public health system.  The BMJ Opinion.  https:// blogs.bmj.com/bmj/2020/06/19/covid-19-in-brazil-has-exposed-deeply-rooted-socio-economic- inequalities-and-chronic-underfunding-of-its-public-health-system/ Silveira, M. F., Tonial, C. T., Maranhão, A. G. K., Teixeira, A. M., Hallal, P. C., Menezes, A. M. B., Horta, B. L., Hartwig, F. P., Barros, A. J., & Victora, C. G. (2021). Missed childhood immunizations during the COVID-19 pandemic in Brazil: Analyses of routine statistics and of a national household survey.  Vaccine,  39 (25), 3404–3409. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2021.04.046 Simoes, A. A., & Sabates, R. (2014). The contribution of Bolsa Família to the educational achievement of economically disadvantaged children in Brazil. International Journal of Educational Development, 39, 141–156. https://doi.org/10.1016/j.ijedudev.2014.07.012 Relatório de Capital Humano no Brasil Siqueira, M. S., Rosa, R. dos S., Bordin, R., & Nugem, R. de C. (2017). Hospitalizations due to diseases associated with poor sanitation in the public health care network of the metropolitan region of Porto Alegre, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2010-2014.  Epidemiologia e Serviços de Saúde,  26, 795–806. https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000400011 Soares, S. S. D., Fontoura, N. de O., & Pinheiro, L. (2007). Tendências Recentes na Escolaridade e no Rendimento de Negros e de Brancos. In Desigualdade de Renda no Brasil: Uma análise da queda recente (Vol. 2). Ipea. https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5552 260 Sochas, L., Channon, A. A., & Nam, S. (2017). Counting indirect crisis-related deaths in the context of a low-resilience health system: The case of maternal and neonatal health during the Ebola epidemic in Sierra Leone. Health Policy and Planning, 32(suppl_3), iii32–iii39. https://doi.org/10.1093/heapol/ czx108 Souza, E. R. de, Gomes, R., Silva, J. G., Correia, B. S. C., & Silva, M. M. A. da. (2012). Morbimortalidade de homens jovens brasileiros por agressão: Expressão dos diferenciais de gênero.  Ciência & Saúde Coletiva, 17, 3243–3248. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001200009 Souza, P. (2018). Uma história de desigualdade: A concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926- 2013. Hucitec, São Paulo. SPM, Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres. (n.d.). Pró-Equidade de Gênero e Raça—5a Edição. Retrieved May 19, 2022, from  https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas- para-mulheres/arquivo/sobre/a-secretaria/subsecretaria-de-articulacao-institucional-e-acoes- tematicas/pro-equidade/pro-equiadade-de-genero-e-raca-4o-edicao Stopa, S. R., Szwarcwald, C. L., Oliveira, M. M. de, Gouvea, E. de C. D. P., Vieira, M. L. F. P., Freitas, M. P. S. de, Sardinha, L. M. V., & Macário, E. M. (2020). Pesquisa Nacional de Saúde 2019: Histórico, métodos e perspectivas.  Epidemiologia e Serviços de Saúde,  29.  http://dx.doi.org/10.1590/s1679- 49742020000500004 Sue, D. W., Capodilupo, C. M., Torino, G. C., Bucceri, J. M., Holder, A., Nadal, K. L., & Esquilin, M. (2007). Racial microaggressions in everyday life: Implications for clinical practice.  American Psychologist,  62(4), 271. https://doi.org/10.1037/0003-066X.62.4.271 Svenvik, M., Brudin, L., & Blomberg, M. (2015). Preterm birth: A prominent risk factor for low Apgar scores. BioMed Research International, 2015. https://doi.org/10.1155/2015/978079 Szwarcwald, C. L., Bastos, F. I., Barcellos, C., de Fátima Pina, M., & Esteves, M. A. P. (2000). Health conditions and residential concentration of poverty: A study in Rio de Janeiro, Brazil. Journal of Epidemiology & Community Health, 54(7), 530–536. Szwarcwald, C. L., de Andrade, C. L. T., & Bastos, F. I. (2002). Income inequality, residential poverty clustering and infant mortality: A study in Rio de Janeiro, Brazil.  Social Science & Medicine,  55(12), 2083– 2092. https://doi.org/01)00353-7Get rights and content Abstract Tanner, J. C., Candland, T., & Odden, W. S. (2015). Later impacts of early childhood interventions: A systematic review.  Washington: Independent Evaluation Group, World Bank Group. https://igarape.org.br/ homicidios-de-criancas-e-adolescentes-no-brasil/ Tappis, H., Freeman, J., Glass, N., & Doocy, S. (2016). Effectiveness of interventions, programs and strategies for gender-based violence prevention in refugee populations: An integrative review. PLoS Currents, 8. https://doi.org/10.1371/currents.dis.3a465b66f9327676d61eb8120eaa5499 Tasca, R., Massuda, A., Carvalho, W. M., Buchweitz, C., & Harzheim, E. (2020). Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil.  Revista Panamericana de Salud Pública, 44. https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.4 TCU, Tribunal de Contas da União. (2017).  Cartilha para conselheiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).  https://www.fnde.gov.br/programas/pnae/pnae-area-gestores/ pnae-manuais-cartilhas/item/11037-cartilha-para-conselheiros-do-programa-nacional-de- alimenta%C3%A7%C3%A3o-escolar-pnae Teixeira, M. R., & Madalozzo, R. (2019). How Does Early Marriage Affect the Education of Women in Brazil? Anais. Encontro Nacional De Economia ANPEC. https://www.anpec.org.br/encontro/2019/ Relatório de Capital Humano no Brasil submissao/files_I/i12-96cb9122a2bf5b6276f26c9b16711f43.pdf Telles, E. E. (2014). Race in another America. In Race in Another America. Princeton University Press. Thorngren-Jerneck, K., & Herbst, A. (2001). Low 5-minute Apgar score: A population-based register study of 1 million term births.  Obstetrics & Gynecology,  98(1), 65–70.  https://doi.org/10.1016/s0029- 7844(01)01370-9 TIC Domicílios. (2021).  Resumo Executivo – Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros .  https://cetic.br/media/docs/ publicacoes/2/20211124201505/resumo_executivo_tic_domicilios_2020.pdf 261 TJDFT, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. (2022). Transexual feminina como sujeito passivo. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, TJDFT.  https://www.tjdft.jus. br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/lei-maria-da-penha-na-visao-do-tjdft/ sujeitos-e-requisitos/sujeitos/transexual-feminina-como-sujeito-passivo Todos pela Educação. (2020). Nota Técnica: Ensino a distância na educação básica frente à pandemia da COVID-19. https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/425.pdf Tribunal de Contas do Estado do Piauí. (2018). Professora de Cocal dos Alves dá receita de sucesso na educação em evento do TCE-PI.  https://www.tce.pi.gov.br/professora-de-cocal-dos-alves-da- receita-de-sucesso-na-educacao-em-evento-do-tce-pi/ Truzzi, B., Lirio, V. S., Cerqueira, D. R., Coelho, D. S., & Cardoso, L. C. (2021). Racial democracy and black victimization in Brazil. Journal of Contemporary Criminal Justice, 10439862211038448. https://doi. org/10.1177%2F10439862211038448 UN Women. (2019). Comprehensive National‐Level Review Report on the  Implementation of the Beijing Declaration and Platform for  Action ‐ Brazil. https://www.unwomen.org/sites/default/files/ Headquarters/Attachments/Sections/CSW/64/National-reviews/Brazil.pdf UN Women. (2020). Whose time to care: Unpaid care and domestic work during COVID-19. https://data. unwomen.org/sites/default/files/inline-files/Whose-time-to-care-brief_0.pdf UNA-SUS. (2021). Maior sistema público de saúde do mundo, SUS completa 31 anos. https://www.unasus. gov.br/noticia/maior-sistema-publico-de-saude-do-mundo-sus-completa-31-anos UNESCO. (2020, December). COVID-19 response – hybrid learning: Hybrid learning as a key element in ensuring continued learning. UNHCR , United Nations High Commissioner for Refugeesr, & FIHF, Fraternity International Humanitarian Federation. (2021). Perfil Socioeconômico da População Indígena Refugiada e Migrante Abrigada em Roraima.  https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2021/03/Relatorio_ socioeconomico_indigena_Roraima.pdf UNICEF. (2005).  Tracking progress in child survival: The 2005 report.  https://www.countdown2030. org/2005-report UNICEF (Ed.). (2013).  Improving child nutrition: The achievable imperative for global progress. United Nations Children’s Fund. UNICEF. (2020).  Impactos Primários e Secundários da COVID-19 em Crianças e Adolescentes.  https:// www.unicef.org/brazil/media/11331/file/relatorio-analise-impactos-primarios-e-secundarios-da- covid-19-em-criancas-e-adolescentes.pdf UNICEF. (2021). Selo UNICEF Guia Metodológico – Edição 2021 -2024 (pp. 1–63). https://www.unicef.org/ brazil/media/15911/file/guia_metodologico_selo_unicef_edicao-2021-2024.pdf UNICEF, & Cenpec Educação. (2021). Out of School Children in Brazil: A warning about the impacts of the COVID-19 pandemic on Education. https://www.unicef.org/brazil/media/14881/file/out-of-school- children-in-brazil_a-warning-about-the-impacts-of-the-covid-19-pandemic-on-education.pdf UNICEF, Instituto Claro, & Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. (2021).  Enfrentamento da cultura do fracasso escolar.  https://www.unicef.org/brazil/relatorios/ enfrentamento-da-cultura-do-fracasso-escolar United Nations Children’s Fund, World Health Organization, & International Bank for Reconstruction and Development/The World Bank. (2021). Levels and trends in child malnutrition: Key findings of the 2021 edition of the joint child malnutrition estimates. United Nations Children’s Fund. Relatório de Capital Humano no Brasil Universidade Federal do Ceará. (2017).  Perpetuação da violência doméstica entre gerações; dados são divulgados pela ONU. https://www.ufc.br/noticias/noticias-de-2017/10531-pesquisa-mostra- perpetuacao-da-violencia-domestica-entre-geracoes UNODC. (2019).  Global study on homicide Homicide, development and the Sustainable Development Goals. United Nations Office on Drugs and Crime.  https://www.unodc.org/documents/data-and- analysis/gsh/Booklet_4.pdf 262 Valencia Caicedo, F. (2019). The Mission: Human Capital Transmission, Economic Persistence, and Culture in South America*.  The Quarterly Journal of Economics,  134(1), 507–556.  https://doi.org/10.1093/ qje/qjy024 Venancio, S. I., Giugliani, E. R. J., Silva, O. L. de O., Stefanello, J., Benicio, M. H. D., Reis, M. C. G. dos, Issler, R. M. S., Santo, L. C. do E., Cardoso, M. R. A., & Rios, G. S. (2016). Associação entre o grau de implantação da Rede Amamenta Brasil e indicadores de amamentação. Cadernos de Saúde Pública, 32 (3). https:// doi.org/10.1590/0102-311X00010315 Victora, C. G., & Barros, F. C. (2001). Infant mortality due to perinatal causes in Brazil: Trends, regional patterns and possible interventions. São Paulo Medical Journal, 119, 33–42. https://doi.org/10.1590/ s1516-31802001000100009 Villar, B. S., Schwartzman, F., Januario, B. L., & Ramos, J. F. (2013). Situação dos municípios do estado de São Paulo com relação à compra direta de produtos da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Revista Brasileira de Epidemiologia, 16, 223–226. https:// doi.org/10.1590/S1415-790X2013000100021 Wagstaff, A. (2002). Poverty and health sector inequalities. Bulletin of the World Health Organization, 80, 97–105. https://apps.who.int/iris/handle/10665/268713 Waiselfisz, J. J. (2017). Homicídios de Crianças e Adolescentes no Brasil.  Instituto Igarapé. Notas de Homicídios, 4. https://igarape.org.br/homicidios-de-criancas-e-adolescentes-no-brasil/ Walls, H. L., Backholer, K., Proietto, J., & McNeil, J. J. (2012). Obesity and trends in life expectancy. Journal of Obesity, 2012. https://doi.org/10.1155%2F2012%2F107989 Wang, C., & Zhao, H. (2020). The impact of COVID-19 on anxiety in Chinese university students. Frontiers in Psychology, 11, 1168. https://doi.org/10.3389%2Ffpsyg.2020.01168 Warby, B. (2018). Long-term societal impacts of conditional cash transfers: Bolsa Familia a decade in.  International and Multidisciplinary Journal of Social Sciences,  7(1), 79–103.  https://doi. org/10.17583/rimcis.2018.3200 Willis, G. D. (2015). The Killing Consensus: Police, Organized Crime, and the Regulation of Life and Death in Urban Brazil. University of California Press. Woodcock, S. D. (2008). Match effects. Working Paper. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.931529 World Bank. (2004). Inequality and economic development in Brazil. The World Bank. https://documents. worldbank.org/en/publication/documents-reports/documentdetail/456611468744062519/ inequality-and-economic-development-in-brazil World Bank. (2012). World Development Report 2012: Gender Equality and Development. World Bank. https:// doi.org/10.1596/978-0-8213-8810-5 World Bank. (2013). Making Brazilians Safer: Analyzing the Dynamics of Violent Crime. Relatório. http:// hdl.handle.net/10986/13229 World Bank. (2016). Brazil Teachers: SABER Country Report 2016. Systems Approach for Better Education Results. World Bank, Washington, DC.  https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/31350 License: CC BY 3.0 IGO World Bank. (2017a). A fair adjustment: Efficiency and equity of public spending in Brazil: Volume 1-Overview.  Working Paper 121480 .   http://documents.worldbank.org/curated/ en/643471520429223428/Volume-1-Overview World Bank. (2017b). World development report 2018: Learning to realize education’s promise. The World Relatório de Capital Humano no Brasil Bank. World Bank. (2018).  Propostas de reformas do sistema único de saúde brasileiro: Nota de política econômica. World Bank Group, Brasília.  http://pubdocs.worldbank.org/en/545231536093524589/ Propostas-de-Reformas-do-SUS.pdf World Bank. (2020a). Addressing Violence against Women (VAW) under COVID-19 in Brazil. https://www. worldbank.org/en/country/brazil/publication/brazil-addressing-violence-against-women-under- covid-19 World Bank. (2020b). Human Capital Project. World Bank, Washington, DC. https://doi.org/10.1596/33671 263 World Bank. (2020c).  Insights from Disaggregating the Human Capital Index. World Bank.  https:// openknowledge.worldbank.org/handle/10986/33143 World Bank. (2020d).  The Human Capital Index 2020 Update: Human Capital in the Time of COVID-19. World Bank. https://doi.org/10.1596/34432 World Bank. (2021a). 2021 Brazil COVID-19 Phone Survey. World Bank. World Bank. (2021b).  COVID-19: Bringing Girls Back to School.  https://blogs.worldbank.org/education/ covid-19-bringing-girls-back-school World Bank. (2021c).  Investing in Human Capital for a Resilient Recovery: The Role of Public Finance. World Bank. http://hdl.handle.net/10986/35840 World Bank. (2021d). Lac Gender Notes—Endowments Facilitating The School To Work Transition Of Young Women (pp. 1–11). World Bank. (2021e). Walking the Talk: Reimagining Primary Health Care After COVID-19. World Bank. http:// hdl.handle.net/10986/35842 World Bank, (2022a). Brazil 2040 Report. World Bank, Washington DC. World Bank. (2022b). Macro and Poverty Outlook Brazil. World Bank. (Forthcoming). Brazil Poverty and Equity Assessment: Looking ahead of two crises. World Bank Education Overview. (2018). World Bank Education Overview: Management Capacity and Service Delivery. World Bank Group.  http://documents.worldbank.org/curated/en/280321541077578901/ World-Bank-Education-Overview-Management-Capacity-and-Service-Delivery World Bank, UNESCO, & UNICEF. (2021). The state of the global education crisis: A path to recovery. World Bank, UNESCO, and UNICEF. World Health Organization. (2020). The impact of the COVID-19 pandemic of noncommunicable disease resources and services: Results of a rapid assessment. World Health Organization. (April, 2021a). Non communicable diseases. https://www.who.int/news-room/ fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases World Health Organization. (2021b).  Violence against women prevalence estimates, 2018: Global fact sheet. World Health Organization. https://www.who.int/publications/i/item/9789240022256 Yahmed, S. B. (2018). Formal but less equal. Gender wage gaps in formal and informal jobs in urban Brazil. World Development, 101, 73–87. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2017.08.012 Young, M. E. (2002).  From early child development to human development: Investing in our children’s future. World Bank Publications. http://hdl.handle.net/10986/13950 Youth Impact. (2022). Teaching at the Right Level Botswana Results. Zaluar, A., & Alvito, M. (1998). Um século de favela. FGV Editora. Relatório de Capital Humano no Brasil 264 Quanto talento é desperdiçado no Brasil devido a condições não ideais de educação e saúde? É justamente a essa pergunta que o Relatório de Capital Humano no Brasil busca responder. Este relatório faz parte do Projeto de Capital Humano, uma iniciativa global do Grupo Banco Mundial que visa chamar a atenção para a importância de se investir nas pessoas. Para tal, ele foca nas condições que impedem as crianças de desenvolverem seu pleno potencial de produtividade do trabalho no Brasil. Como primeiro passo, este relatório propõe a utilização do Índice de Capital Humano (ICH) para estimar a produtividade que seria esperada de uma criança nascida hoje quando completasse 18 anos de idade, em um cenário em que as condições de educação e saúde permanecem inalteradas. Em outras palavras, o ICH estima o nível de produtividade da próxima geração de trabalhadores. Os resultados encontrados são alarmantes. Uma criança brasileira nascida em 2019 só consegue atingir 60 por cento de todo o seu potencial - ou seja, 40 por cento de todo o talento permanece invisível para a sociedade brasileira. Talvez ainda mais preocupante seja o fato de a desagregação da pontuação brasileira no ICH revelar que esse acúmulo de capital humano está distribuído de forma desigual entre a população, gerando um cenário em que coexistem vários Brasis. No Norte, as crianças desenvolvem cerca de metade de sua produtividade total, ou 10 pontos percentuais a menos que as crianças no Sudeste. Já no Nordeste, enquanto em alguns municípios os ICHs são semelhantes aos de países desenvolvidos, em outros os ICHs são comparáveis aos dos países com o menor nível de desenvolvimento do mundo. Além das disparidades geográficas do ICH, também existem grandes lacunas entre os ICHs de grupos específicos da população. As mulheres, por exemplo, tendem a acumular mais capital humano do que os homens até os 18 anos de idade. Além disso, as diferenças de ICH entre as populações branca e negra são consideráveis e vêm se ampliando nos últimos anos. Ao ponderar-se o ICH pelas taxas de emprego, constata-se que os brasileiros atingem apenas 38 por cento de todo o seu potencial. Os efeitos da pandemia de COVID19- também foram devastadores, reduzindo o ICH para 54 por cento em 2021 - ou seja, uma perda equivalente a uma década de avanços. Mesmo que a taxa de crescimento pré-pandemia fosse mantida, o Brasil só conseguiria atingir os níveis de ICH de 2019 em 2035. Como o Brasil pode recuperar tudo o que foi perdido? No curto prazo, a prioridade deve ser a mitigação dos efeitos da pandemia. O Brasil precisará (i) adaptar e fortalecer as políticas já existentes e que provaram surtir efeitos positivos sobre o capital humano, como o programa nacional de transferência condicionada de renda (Programa Bolsa Família/Auxílio Brasil) e a estratégia de saúde da família; e (ii) priorizar o desenvolvimento de um plano de recuperação e aceleração do aprendizado nos próximos anos. Construir redes escolares resilientes, replicar programas e políticas bem-sucedidas e aprender com os inúmeros experimentos que ocorrem em nível subnacional são medidas fundamentais para maximizar o potencial das gerações futuras. O futuro começa hoje.